Introdução
Como realizar uma pesquisa coerente, inovadora e que dê continuidade ao que já se sabe sobre determinada temática? Como ter uma visão ampla e atual dos movimentos da pesquisa ligados ao objeto da investigação que se pretende desenvolver? Como direcionar a pesquisa com mais exatidão, explorando novos horizontes? Como reforçar os resultados já encontrados anteriormente e discuti-los de forma a enriquecer um novo estudo?
A construção do estado de conhecimento pode ser a resposta para todas essas perguntas, pois, por meio dele, é possível mapear os estudos existentes sobre a temática de interesse e, por fornecer fontes de estudo, direciona os possíveis assuntos que poderão ser explorados. Assim, para nortear os passos investigativos, o estado de conhecimento deve ser a primeira etapa a ser realizada dentro de uma pesquisa (MOROSINI; FERNANDES, 2014).
O benefício de empregar essa metodologia encontra-se junto ao conhecimento do que já foi construído e produzido, para, a partir disso, buscar o que ainda não foi feito. Ainda, possibilita a divulgação do saber que se produz cada vez mais rapidamente nas universidades, banco de dados e catálogos. O estado de conhecimento permite, portanto, a efetivação de um balanço da produção acadêmica de uma determinada área, além de possibilitar a permanente atualização dos dados.
No Brasil, o número de estudos e pesquisas que se articulam do estado de conhecimento aumentaram muito nos últimos dez anos e tornam-se cada vez mais aliados dos pesquisadores. Entretanto, é preciso destacar que o estado de conhecimento ainda apresenta desafios que devem ser vencidos. Entre eles, a principal dificuldade está ligada ao fator do domínio do campo em estudo pelo pesquisador, pois é necessário que ele compreenda o conhecimento que perpassa o tema a ser pesquisado. Para que isso seja possível, é indispensável que se debruce sobre a direção do tema como artifício de estudo, suas distintas fontes de publicação, bem como se investigue a política norteadora na produção científica e os seus canais de disseminação (MOROSINI; NASCIMENTO; NEZ, 2021).
Nesse sentido, o estado de conhecimento sugere que o pesquisador saiba de onde quer partir e, em contrapartida, oferecerá a ele subsídios sobre a temática e sobre as pesquisas que já foram realizadas até o presente momento. Desse modo, o estado de conhecimento contribui imensamente para que o pesquisador chegue ao seu roteiro final, mostrando que é possível progredir no campo que se deseja pesquisar, tendo mais autonomia e profundidade. Dessa forma, evitam-se pesquisas repetitivas, e move-se para pesquisas mais coesas e contínuas.
É nesse sentido de construção que este artigo foi baseado, compreendendo o que já foi escrito sobre a temática “Narrativas de professoras’’ e indicando possibilidades de pesquisas ou de discussões que estão ou devem ser feitas sobre o tema. A importância de trazer à tona o trabalho acerca do estado de conhecimento deve-se às discussões sobre as contribuições que esse método traz para a educação. Fazendo essa reflexão, é possível enxergar que ele faz parte de uma matéria formativa e instrumental que favorecerá a leitura da realidade, como também favorecerá a relação diante das aprendizagens da escrita e da formalização metodológica para o progresso do caminho investigativo de cada pesquisador (MOROSINI; NASCIMENTO; NEZ, 2021).
Entretanto, para um levantamento teórico consistente, é necessária a construção de um estado de conhecimento que tenha identificação, registro e categorização, para que, então, se tenha condições de se realizar acerca disso uma reflexão e uma síntese sobre a produção científica de uma determinada área, em um determinado espaço de tempo (MOROSINI; FERNANDES, 2014). Logo, o levantamento de dados em periódicos, teses, dissertações e livros sobre a temática a ser pesquisada será de suma relevância (MOROSINI; NASCIMENTO; NEZ, 2021).
No processo de busca deste artigo, que diz respeito ao levantamento de pesquisas existentes sobre as narrativas de professoras mulheres de anos iniciais do Ensino Fundamental, ao optar por palavras como: narrativas, narrativas autobiográficas, narrativas professorais, narrativas docentes, entrevistas narrativas, profissão de professor, professoras, professores de Educação Básica e anos iniciais, chegou-se a um recorte, dos anos entre 2019 e 2021, de mais de dez mil trabalhos, sendo selecionados somente 17 deles.
Há, por conseguinte, uma larga produção científica que discute sobre a importância das narrativas professorais para a educação na contemporaneidade. Contudo, o que ainda está em processo inicial são os conteúdos que essas pesquisas estão aprofundando e como dar continuidade ao que já existe. Nesse sentido, este artigo mostra o estado de conhecimento feito em uma pesquisa de Mestrado, intitulada Profissão professora: narrativas de vida e de (trans)formação (ALBERT, 2022), e traça caminhos de forma precisa sobre o que tem sido e o que ainda precisa ser pesquisado na temática das narrativas de vida e de transformação de professoras de anos iniciais do Ensino Fundamental.
A partir disso, serão apresentadas, a seguir, as considerações sobre o estado de conhecimento no que tange a sua definição e as suas características; em seguida, faz-se uma breve explanação de como foi realizado o estado de conhecimento nesta pesquisa; e, por fim, discorre-se sobre o estado de conhecimento propriamente dito, com as suas análises e possibilidades de criação.
O estado de conhecimento e a metodologia utilizada
O estado de conhecimento é um método de pesquisa desenvolvido por meio de uma revisão bibliográfica alusiva à produção de uma determinada temática na área de um conhecimento específico. Isso quer dizer que se deseja aprofundar conhecimentos sobre as narrativas professorais, que estão compreendidas dentro da área da Educação. É necessário, dessa maneira, realizar o estado de conhecimento tendo algumas fases metodológicas a serem seguidas, são elas:
[...] escolha das fontes de produção científica (nacional e/ou internacional); seleção dos descritores de busca; organização do corpus de análise: leitura flutuante dos resumos apresentados nos bancos de dados; seleção dos primeiros achados na bibliografia anotada; identificação e seleção de fontes que constituirão a bibliografia sistematizada, ou seja, o corpus de análise; construção das categorias analíticas do corpus: análise das fontes selecionadas, e organização da bibliografia categorizada, a partir da elaboração das categorias; considerações acerca do campo e do tema de pesquisa, com contribuições do estado de conhecimento para a delimitação e escolha de caminhos que serão utilizados na tese/dissertação. (MOROSINI; NASCIMENTO; NEZ, 2021, p. 72).
O objetivo ao seguir esses passos é de realizar uma espécie de levantamento para que seja possível produzir considerações sobre as áreas de conhecimento, assim como os períodos cronológicos, os espaços, os formatos e as categorias de produção (FERREIRA, 2002). Por exemplo, na seleção das fontes que serão usadas na busca de material de análise, indica-se que a busca possa ser feita no banco de dados da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). Na seleção das palavras-chave é indicado que elas sejam precisas e combinadas entre si, permitindo, assim, a localização de uma infinidade de materiais bibliográficos (MOROSINI; NASCIMENTO; NEZ, 2021).
Ao encontrar o material bibliográfico que considere os critérios da busca realizada, começa-se a organização do material de análise que será utilizado. Para realizar isso, é necessário que se faça a leitura dos resumos, para construção da bibliografia anotada e sistematizada. Tendo feito a escolha, com a identificação de todas as referências, é a vez de construir uma tabela que contemple as teses e/ou dissertações categorizadas por referência bibliográfica, com o ano da defesa, título, autor, orientador, nível da Pós-Graduação, entre outros (MOROSINI; NASCIMENTO; NEZ, 2021).
Na bibliografia categorizada, faz-se um reagrupamento em uma tabela da bibliografia sistematizada, seguindo eixos temáticos que representam as categorias de forma resumida. Arquitetada essa tabela, decorre-se para a produção do texto, que permite ao pesquisador, a partir dos trabalhos selecionados em categorias, analisar e fomentar os dados encontrados em uma expressão textual que acompanha as abordagens de sua área do conhecimento (MOROSINI; NASCIMENTO; NEZ, 2021).
Dessa forma, o estado de conhecimento deste artigo seguiu as metodologias descritas acima e teve como intenção conhecer, analisar e comparar a discussão reminiscente sobre a temática “Profissão professora: narrativas de vida e de (trans)formação” no Brasil. Fez-se necessário, portanto, um recorte temporal, delimitado nos últimos três anos: 2019, 2020 e 2021. As pesquisas ocorreram nos principais repositórios de teses e dissertações do Brasil: Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e BDTD. Foram utilizadas as seguintes palavras combinadas entre si e separadamente: narrativas, narrativas autobiográficas, narrativas professorais, narrativas docentes, entrevistas narrativas, professor, professoras, professores, profissão de professor e profissão docente.
Com essas palavras, foram encontrados mais de cem mil resultados, desde 1987 até o mês de agosto de 2021. Desses resultados, mais de dez mil trabalhos eram dos anos de 2019 até 2021, e, dentre eles, ao delimitar mais as palavras-chave da pesquisa, acrescentando a elas as palavras “educação básica” e “anos iniciais”, foram encontrados 17 trabalhos, sendo 12 dissertações e cinco teses. Ao realizar a leitura dos resumos de cada trabalho, observou-se que a maioria das pesquisas relacionadas às narrativas professorais e autobiografias fazia referência à identidade professoral, à qualidade de vida, às práticas pedagógicas, ao início da carreira docente e à formação das professoras.
Os achados e suas possibilidades de criação
O Quadro 1, a seguir, apresenta os trabalhos que foram analisados neste levantamento do estado de conhecimento.
Ano | Instituição | Nível | Título | Autor/a | Orientador/a |
---|---|---|---|---|---|
2021 | Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) | Doutorado em Educação | Professores não licenciados na Educação Básica: sentidos de docência no Ensino Médio Integrado do Cefet-RJ | Felipe da Silva Ferreira | Prof.ª Dra. Giseli Barreto da Cruz |
2021 | Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) | Doutorado em Geografia | Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos professores? Das narrativas (auto)biográficas docentes à ressignificação de (geo)grafias | Victoria Sabbado Menezes | Prof.ª Dra. Roselane Zordan Costella |
2021 | Universidade Estadual de Londrina (UEL) | Mestrado em Educação | O sujeito pedagogo, sua identidade e formação: uma análise a partir das perspectivas dos discentes do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina | Martinho Gilson Cardoso Chingulo | Prof.ª Dra. Adriana Regina de Jesus |
2021 | Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) | Mestrado em Educação | Saberes docentes e práticas pedagógicas que favorecem a inclusão da criança com deficiência na Educação Infantil | Keli dos Santos Guadagnino | Prof.ª Dra. Jaíma Pineiro de Oliveira |
2021 | Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí) | Mestrado em Educação nas Ciências | A ousadia de ensinar em tempos de aprenderismo: questões pertinentes à defesa da educação na contemporaneidade | Mariane Moser Bach | Prof.ª Dra. Vânia Lisa Fischer Cossetin |
2021 | Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) | Mestrado Profissional em Educação | As concepções dos professores sobre criança e docência na Educação Infantil e suas implicações para a prática pedagógica, no contexto de uma escola da rede municipal de São Luís-MA | Vivian Cristina Menezes Pereira Batista | Prof.ª Dra. Emília Maria Bezerra Cipriano Castro Sanches |
2021 | Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) | Mestrado em Educação | Saúde emocional, qualidade de vida e bem-estar docente: o reconhecimento do outro na esfera da docência universitária | Maricelia de Almeida Vieira | Prof. Dr. Luiz Gilberto Kronbauer |
2021 | UFRJ | Mestrado em Educação | Práticas de leitura e docência de um professor da Educação Básica: o acervo pessoal de Rubim Santos Leão de Aquino | Mychelle Nelly Maia Robert | Prof.ª Dra. Libânia Nacif Xavier |
2020 | UFRJ | Mestrado em Educação | A identidade profissional de professores experientes formadores da rede pública municipal do Rio de Janeiro | Brenda Martins Xavier | Prof.ª Dra. Maria das Graças de Arruda Nascimento |
2020 | Fundação Universidade Federal do Piauí (UFPI) | Doutorado em Educação | Implicações da formação inicial e o início de carreira docente: narrativas de professoras | Adriana Lima Monteiro | Prof.ª Dra. Neide Cavalcante Guedes |
2020 | Universidade Federal de Goiás (UFG) | Mestrado em Educação | As narrativas como mediadoras de reflexões sobre o início da docência | Natalia Assis Carvalho | Prof.ª Dra. Isa Mara Colombo Scarlati Domingues |
2020 | UFRJ | Mestrado em Educação | Inquietações docentes de professoras iniciantes em turmas de alfabetização | Ingrid Cristina Barbosa Fernandes | Prof.ª Dra. Giseli Barreto da Cruz |
2020 | Universidade de São Paulo (USP) | Doutorado em Educação | Narrativas do letrar de alfabetizadores de Teresina-Piauí: evocação dos saberes profissionais e fazer docente | Francisca de Lourdes dos Santos Leal | Prof.ª Dra. Vivian Batista da Silva |
2020 | Universidade Federal de Pelotas (UFPel) | Mestrado em Geografia | Identidade docente: processo de construção no espaço social de uma escola pública | Lucas Serpa da Silva | Prof.ª Dra. Lígia Cardoso Carlos |
2020 | Universidade Estadual do Ceará (UECE) | Mestrado Acadêmico em Educação | Aulas-ateliês: experiências estéticas e os processos formativos de docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental | Izabel Cristina Soares da Silva Lima | Prof.ª Dra. Ana Cristina de Moraes |
2019 | Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) | Doutorado em Educação | Trilhando os caminhos do início da docência: concepções sobre o percurso formativo no processo de tornar-se professor | Aline de Cassia Damasceno Lagoeiro | Prof.ª Dra. Rosa Maria Moraes Anunciato |
2019 | USP | Mestrado em História Social | “Ensinando história com mãos negras”: histórias de vida de professores negros da cidade de São Paulo | Andre de Pina Moreira | Prof.ª Dra. Antonia Terra de Calazans Fernandes |
Fonte: A autora, 2023.
Os trabalhos selecionados - Bach (2021), Batista (2021), Carvalho (2020), Chingulo (2021), Fernandes (2020), Ferreira (2021), Guadagnino (2021), Lagoeiro (2019), Leal (2020), Lima (2020), Menezes (2021), Monteiro (2020), Moreira (2019), Robert (2021), Silva (2020), Vieira (2021) e Xavier (2020) - encontram-se nas áreas da Educação, Geografia e História. Eles são trabalhos de universidades do Rio de Janeiro (23%), Paraná (6%), Ceará (6%), Rio Grande do Sul (24%), São Paulo (29%), Piauí (6%) e Goiás (6%), conforme demonstrado no Gráfico 1.
Conforme o Gráfico 2, 53% dos trabalhos encontrados encontram-se na região Sudeste, 29% na região Sul, 12% na região Nordeste e 6% na região Centro-Oeste. Neste trabalho, não foram encontradas pesquisas na região Norte do país.
A maioria das pesquisas, 94%, são de universidades públicas e somente uma é de universidade privada, conforme ilustra o Gráfico 3. Entre as públicas, 75% são de universidades federais, 19% são de universidades estaduais e 6% são de universidades regionais, conforme ilustra o Gráfico 4.
A orientação de 16 trabalhos, 94%, foi feita por mulheres doutoras e somente um trabalho, 6%, foi orientado por um homem doutor. A predominância feminina também foi vista na autoria dos trabalhos, conforme mostra o Gráfico 5, 13 deles, 76%, foram escritos por mulheres, e quatro deles, 24%, são de autoria de homens. Em suas pesquisas, as autoras pesquisaram, na grande maioria, professoras mulheres. Entretanto, nos títulos e nos resumos, elas são representadas pela nomenclatura “professor” e “professores” no gênero masculino. Apenas nos trabalhos de Monteiro (2020) e Fernandes (2020), aparece “professora” no gênero feminino e em nenhum trabalho aparecem os dois gêneros da palavra “professor(a)”. Muitos autores utilizaram a palavra “docente” e “pedagogo”.
A maioria desses trabalhos são específicos da área do Doutorado e do Mestrado em Educação, mais especificadamente 14 deles: Bach (2021); Batista (2021); Carvalho (2020); Chingulo (2021); Fernandes (2020); Ferreira (2021); Guadagnino (2021); Lagoeiro (2019); Leal (2020); Lima (2020); Monteiro (2020); Robert (2021); Vieira (2021); Xavier (2020). Conforme mostra o Gráfico 6, dos 17 trabalhos, 15 se referem a professoras da Educação Básica: Bach (2021); Batista (2021); Carvalho (2020); Fernandes (2020); Ferreira (2021); Guadagnino (2021); Lagoeiro (2019); Leal (2020); Lima (2020); Menezes (2021); Monteiro (2020); Moreira (2019); Robert (2021); Silva (2020); Xavier (2020). Já o restante dos trabalhos, dois deles, referem-se a professoras do Ensino Superior: Chingulo (2021) e Vieira (2021). Dos trabalhos sobre a Educação Básica, somente os trabalhos de Fernandes (2020), Lagoeiro (2019), Leal (2020), Lima (2020) e Monteiro (2020) dirigem-se especificadamente às professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental, trazendo todos eles como metodologia de pesquisa as narrativas professorais.
Lagoeiro (2019) teve como objeto de estudo as narrativas professorais, as quais foram utilizadas para verificar as implicações do desenvolvimento formativo de professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental no início de carreira. A partir delas, a pesquisadora descobriu que essas docentes recorrem frequentemente à formação inicial para dar subsídio a sua prática. Ainda que no desenvolvimento da sua profissão surjam situações que no processo de formação inicial foram trabalhadas, principalmente no âmbito da teoria, certas lacunas e dificuldades vividas por elas no cotidiano da prática docente ainda aparecem.
Monteiro (2020), assim como Lagoeiro (2019), também investigou as narrativas de professoras iniciantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, mas focou nas contribuições de seu percurso formativo para o processo de iniciação à docência. Ela descobriu que o estímulo à retomada das próprias experiências permitiu às participantes a reflexão sobre a própria trajetória. Indicou, ainda, o potencial formativo contido nas redes de aprendizagem e nas contribuições que propostas formativas pautadas no diálogo podem acarretar à formação docente e como estratégia de apoio à professora iniciante.
Lima (2020) apresentou o percurso nas aulas-ateliês e relatou as experiências estéticas e os processos formativos das professoras. Assim como Monteiro (2020) e Lagoeiro (2019), ela utilizou as narrativas de professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental como base de sua pesquisa, porém teve o aporte nos métodos da pesquisa-ação e da pesquisa-ação crítico-colaborativa, de forma a dar conta de uma parte da demanda em constante transformação no cotidiano escolar. Por fim, percebeu a necessidade de se promover mais momentos de formação continuada, dando enfoque à estética na escola, para que se valorizem as vivências pessoais e profissionais com a arte e por meio da arte, criando condições para que as professoras possam ser colaboradoras nas ações relacionadas à sensibilidade e às experiências estéticas.
A pesquisa de Fernandes (2020), assim como as pesquisas de Monteiro (2020), Lagoeiro (2019) e Lima (2020), também tratou da formação de professoras iniciantes, entretanto o público-alvo foram as professoras de alfabetização, de 1º ao 3º ano. Fernandes (2020) aborda as inquietações dessas professoras, de modo a (re)conhecer como estas afetam a docência durante o período de inserção profissional docente. As narrativas professorais são o fio condutor da pesquisa, e, por meio delas, pode-se chegar aos resultados que indicaram que as inquietações das professoras se relacionam com o enredamento de lidar com a heterogeneidade das turmas, o gerenciamento de conflitos, bem como suas cobranças pessoais e inexperiência profissional.
A pesquisa de Leal (2020), assim como a pesquisa de Fernandes (2020), investigou os saberes profissionais produzidos pelas professoras alfabetizadoras, a partir das suas vivências formativas e práticas docentes no letramento. O estudo feito a partir de narrativas mostra que a construção do ser professora e alfabetizadora é decorrente de fatores relacionados à formação profissional, à ação docente e à dimenção pessoal, e que a prática das alfabetizadoras é permeada por dificuldades.
Dessa forma, percebe-se que as pesquisas de Lagoeiro (2019), Monteiro (2020), Fernandes (2020) e Lima (2020) trazem como protagonista a formação continuada das professoras, mas os três primeiros autores abordam o início da carreira docente. A primeira, a segunda e a última autora pesquisaram professoras de 1º ao 5º ano, e Fernandes (2020) focou nas professoras alfabetizadoras, mas não pesquisou somente professoras de 1º ano. Nesse sentido, a pesquisa de Leal (2020) conversa com a de Fernandes (2020), pois também aborda as professoras alfabetizadoras, mas focaliza nas questões quanto aos saberes das professoras.
É interessante observar que as cinco produções que abordam as professoras de anos iniciais dialogam entre si, uma vez que buscam reconhecer o trabalho realizado por elas interligando a sua vida e a sua formação. Todas elas abordam as dificuldades da vida docente, mas somente Fernandes (2020) vai além, apontando, no resumo do seu trabalho, quais são essas dificuldades. As pesquisas de Lagoeiro (2019), Monteiro (2020), Fernandes (2020), Leal (2020) e Lima (2020) são de cunho qualitativo e utilizam-se de narrativas, entrevistas individuais semiestruturadas e/ou questionários. É possível perceber que as participantes são professoras iniciantes, exceto na pesquisa de Lima (2020), que mescla professoras iniciantes e, também, as que possuem maior experiência. Dentre elas, a maioria atua em escolas da rede pública: Leal (2020), Lima (2020), Fernandes (2020) e Monteiro (2020).
Lagoeiro (2019) pesquisou cinco professoras licenciadas em Pedagogia e que se encontravam no início de carreira. Seus dados baseiam-se em atividades desenvolvidas no ambiente virtual de aprendizagem (AVA) e a uma narrativa elaborada. Fernandes (2020) pesquisou professoras licenciadas no curso de Pedagogia da Faculdade de Educação (FE) da UFRJ que estão iniciando a carreira docente em escolas públicas. Para a construção dos dados, utilizou questionários on-line encaminhados pela coordenação do curso de Pedagogia da FE/UFRJ a todos os alunos e entrevistas narrativas com seis professoras. Monteiro (2020) pesquisou quatro professoras de três escolas da rede municipal de Teresina e licenciadas do curso de Licenciatura em Pedagogia da UFPI e utilizou os procedimentos da observação participante, entrevista narrativa e diário de campo. Lima (2020) pesquisou 15 professoras entre 28 e 60 anos de idade de uma escola municipal de Ensino Fundamental e utilizou narrativas professorais que foram feitas por meio de sete encontros dialógicos, bem como a pesquisa-ação que se deu pela observação da ação das docentes. Leal (2020) utilizou somente o método biográfico, a partir da pesquisa narrativa com quatro professoras efetivas da rede municipal de ensino de Teresina.
Além das pesquisas narrativas com o enfoque nas professoras dos anos iniciais, há também as pesquisas sobre a docência em outros níveis da Educação Básica e Educação Superior. As pesquisas que mais se aproximam das investigações de Leal (2020), Monteiro (2020) Fernandes (2020), Lima (2020) e Lagoeiro (2019), as quais foram explanadas anteriormente, são as pesquisas de Xavier (2020), Carvalho (2020), Silva (2020) e Chingulo (2021). Os três primeiros autores abordam a identidade profissional e a formação das professoras e o último autor focaliza nas professoras iniciantes.
Chingulo (2021), assim como Fernandes (2020), Leal (2020) e Monteiro (2020), investigou o processo de inserção à docência das professoras iniciantes e descobriu que elas necessitam de ações e políticas públicas voltadas ao momento de inserção na carreira. Já Xavier (2020) fez o movimento contrário ao pesquisar e evidenciar as professoras experientes. Dessa forma, percebe-se que muitas pesquisas focam no início da carreira docente, outras não especificam o tempo de experiência, e, em raríssimos casos, há pesquisas com professoras experientes.
Nos trabalhos de Robert (2021), Vieira (2021), Guadagnino (2021) e Moreira (2019), há presença de temáticas inovadoras que não foram vistas em outros trabalhos. Robert (2021) trabalhou com a prática de leitura de um professor e entrelaçou-se à sua rede de sociabilidade e suas interações no campo da docência. Vieira (2021) visou compreender as relações que permeiam a saúde emocional, a qualidade de vida no trabalho e o bem-estar dos docentes. Guadagnino (2021), em seu trabalho, analisou fatores pedagógicos, de formação e atuação profissionais que favorecem a inclusão da criança com deficiência. Moreira (2019) teve como principal objetivo a construção de histórias de vida de professores e professoras negras da cidade de São Paulo, e, a partir dessas narrativas, refletiu sobre o impacto que o fator racial desempenha na vida pessoal e profissional desses sujeitos. Dessa forma, percebe-se que as temáticas referentes às professoras negras, à saúde mental das professoras, à prática literária e à inclusão são temas pouco investigados e que deveriam ser mais discutidos e aprofundados nas pesquisas narrativas.
Conclusão
Entendendo o conhecimento como algo vivo que necessita da leitura da realidade, o estado de conhecimento pode ser visto como uma matéria formativa e instrumental sobre o que está sendo debatido na comunidade acadêmica, em relação a aprendizagens da escrita e da formalização metodológica para o desenvolvimento do percurso investigativo (MOROSINI; FERNANDES, 2014).
O estado de conhecimento permitiu, nesta pesquisa, uma amplitude vasta e atualizada dos movimentos da pesquisa conectados ao objeto investigativo que se pretendeu desenvolver, que diz respeito à temática das narrativas de vida e de transformação de professoras de anos iniciais do Ensino Fundamental. Partindo da identificação, registro e categorização do que já foi escrito sobre uma temática específica dentre os anos de 2019 e 2021, em periódicos, teses, dissertações e livros, foi possível então realizar um desenho para trilhar e compreender o que já foi produzido sobre o tema, apontando subtemas que poderiam ser mais explorados.
Nesse sentido, o estado de conhecimento ofereceu uma noção do coeficiente da instância acadêmica sobre a temática e direcionou para itens a serem mais pesquisados, abrindo, assim, inúmeros ensejos de evolução do estudo (MOROSINI; FERNANDES, 2014). De uma forma geral, pode-se dizer que, ao ler cada um dos 17 trabalhos selecionados, foi possível perceber que há muitas pesquisas que se utilizam das narrativas professorais, porém, mesmo que a maioria das docentes pesquisadas atuassem na Educação Básica, poucas pesquisas se detiveram em professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental, e o número ainda é menor quando se fala em professoras alfabetizadoras do primeiro ano dos anos iniciais.
O estado de conhecimento também deflagrou outros pontos: a) a maioria das pesquisas abordou a formação professoral, focando nas suas dificuldades, mas não trouxe os prazeres desse ofício e a motivação para a permanência na profissão; b) a maioria das pesquisas teve como participantes professoras iniciantes ou então professoras da rede pública; c) as pesquisas mostraram que há um longo percurso a ser investigado sobre os impactos raciais, de saúde mental e de inclusão, na vida pessoal e profissional das professoras; d) a orientação de 94% dos trabalhos foi feita por mulheres doutoras, a autoria dos trabalhos teve predominância feminina e as pesquisadas na grande maioria também foram feitas com professoras mulheres; entretanto, no decorrer dos trabalhos, a nomenclatura utilizada foi “professor” e “professores” no gênero masculino.
A partir desses dados, pode-se concluir que há muito a ser explorado em estudos investigativos na área da Educação quando se fala em narrativas de professoras que atuam na escola privada, professoras experientes, professoras alfabetizadoras, professoras negras, saúde mental das professoras, prática literária e inclusão nas escolas. Também faltam estudos sobre os prazeres do ofício de professora e a motivação para a permanência na profissão. Além disso, a nomenclatura “professora” no feminino também deve ser evidenciada nas pesquisas por uma escolha política, por respeito e valorização às mulheres e porque a docência, em sua maioria, é constituída por mulheres.