Introdução
O gênero na ciência e na tecnologia é uma linha de estudo estabelecida que surgiu na segunda metade do século XX (Flores-Espínola, 2018) e aborda questões históricas e atuais relacionadas ao acesso, à retenção, à promoção, à visibilidade e às contribuições das mulheres para a ciência (Guillaume; Pochic, 2009; Lekve; Gunnes, 2022; Light; Benson; Diekman, 2022). A ênfase tem sido colocada na análise da segregação horizontal e vertical, a fim de determinar as causas que influenciam a escolha e a continuidade nas carreiras científicas, bem como o papel e os estereótipos de gênero que criam influências e forças sociais que podem servir para perpetuar ou transformar sua posição em diferentes cenários de vida (Adams; Applegarth; Simpson, 2020; Xie, 2006). Esse é um campo particularmente fértil que busca explicações relacionadas a diferentes ambientes e reconhece, por sua vez, que a escolha pode ser condicionada por interesses, personalidade, habilidades, conhecimento disponível e pelas oportunidades existentes (Halpern, 2006). Essas últimas também estariam relacionadas a diferenças geográficas (Hyde, 2006), à presença de modelos femininos dentro e fora da família (Suter, 2006) ou à transmissão de valores de gênero dentro e fora do contexto familiar (Weisner; Wilson-Mitchell, 1990), entre outros fatores.
Os dados falam da transformação dessa realidade ao longo do século XX e do que foi alcançado neste século. De acordo com os relatórios do Fórum Econômico Mundial (2021), a lacuna educacional já foi reduzida em 95% em todo o mundo (Subíndice de Alcance Educacional). A Espanha, em particular, está entre os países que progrediram rapidamente para fechá-la (99%), acima da média de todos os países considerados, embora tenha um subíndice mais baixo em relação ao empoderamento político (49% em comparação com 58% em todo o mundo), à economia, à participação e às oportunidades (69% em comparação com 58% em todo o mundo).
Os números correspondentes à redução da diferença de gênero no subíndice de educação expressam mudanças relacionadas ao acesso das mulheres. No Ensino Superior, isso se destaca, por exemplo, na feminização de algumas disciplinas e áreas de pesquisa - como Enfermagem, Serviço Social (Lorente; Luxardo, 2018), Ciências Biomédicas (Segovia-Saiz et al., 2021; Shannon et al., 2019), Ciências Sociais e Humanas (Narasimhan, 2021), Economia (Guisan, 2021), Literatura (Calvo-Iglesias, 2019; Haba-Osca; Osca-Lluch; González-Sala, 2019), Comunicação (Martín-Algarra; Serrano-Puche; Rebolledo, 2018), Educação Social (Romero; Morales, 2018), Matemática (Cervia; Biancheri, 2017) ou Ciências Químicas (Tom et al., 2021).
Além disso, há um aumento na taxa de mulheres graduadas (Collado; Vázquez-Cupeiro, 2023; Matarranz; Ramírez, 2018) e um papel maior no ensino. Os subíndices que medem a participação das mulheres, as oportunidades econômicas e o empoderamento político expressam outras realidades menos lisonjeiras, como a falta de paridade, principalmente quando se trata de cargos de liderança e gestão. Sua sub-representação nas chamadas carreiras STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) também é notável (Allen et al. 2022; Almukhambetova; Hernández-Torrano; Nam, 2022; Aracil, 2021; Breda et al., 2020; Cobreros; Galindo; Raigada, 2024; De Philippis, 2023; Even; Yamashita; Cummins, 2023; Vooren et al., 2022).
Outra variável explicativa da diferença de gênero é identificada em pesquisas sobre a distribuição do tempo do corpo docente na academia (Bagues; Clots-Figueras; Zinovyeva, 2018; Cabero; Epifanio, 2021). Alguns estudos (Guarino; Borden, 2017; Reverter-Bañon, 2021) mostram que as mulheres tendem a participar de atividades de menor prestígio e visibilidade, publicam menos artigos científicos e dedicam mais tempo a atividades de extensão, como ação social e serviços, bem como mentoria, atendimento a alunos e orientação de teses, entre outras. Essa linha de pesquisa desenvolveu um interesse na análise de arquétipos que permitem determinar perfis de uso do tempo e carga de trabalho no corpo docente (Cabero; Epifaio, 2021; López-Belloso; Silvestre-Cabrera; García-Muñoz, 2021), bem como em revelar as diferenças entre homens e mulheres na aceitação e no recebimento de solicitações de tarefas pouco promocionais, o que promove a segregação vertical para as mulheres (Babcock et al., 2017).
As transformações observadas podem significar várias coisas. Por um lado, podemos estar testemunhando um enfraquecimento de alguns estereótipos de gênero nas escolhas de carreira, mas, por outro lado, essas transformações não são suficientes para realizar as reformas estruturais, institucionais ou do contexto social e cultural (Lekve; Gunnes, 2022) que são necessárias para a promoção, liderança e visibilidade das mulheres, tanto nas carreiras científicas (Gallego-Morón; Montes-López, 2021) e dentro das instituições (García-Luján; Albareda-Tiana, 2024; Morales-Robles et al., 2023; Segovia-Saiz et al., 2021), bem como em relação à transformação dos fundamentos epistemológicos e metodológicos da ciência (Pérez-Sedeño, 2018), sob o pressuposto de que a ciência não é neutra - o que teve um efeito adverso sobre a criatividade e a excelência (Incorvaia; Fealing; Schiebinger, 2023).
Nessa linha de estudos, também podemos incluir os trabalhos que denunciam como a tecnologia tem feito uso do trabalho feminino, que tradicionalmente tem sido invisibilizado. Essa situação está começando a mudar com o surgimento da Internet; o Ciberfeminismo (Adams; Applegarth; Simpson, 2020; Schoettler, 2023) e o Tecnofeminismo (Olmos, 2023; Wajcman, 2010) defendem, nesse sentido, uma ressignificação do papel da mulher como tecelã de informações e a cooperação entre “mulheres, máquinas e novas tecnologias”. Essa projeção é vista como uma oportunidade para as mulheres participarem ativamente da transformação da sociedade, destacando o ciberespaço como um lugar de criação e reapropriação da tecnologia (Leibe et al., 2023; Mayoral-Gastón et al., 2023; Peñaranda-Veizaga, 2019).
Como podemos observar, o estudo da brecha de gênero e das estratégias para a eliminação e redução das desigualdades em ciência e tecnologia é uma linha de pesquisa complexa que analisa múltiplas dimensões, concentrando-se naquelas com maior poder explicativo, como os estereótipos de gênero, as dinâmicas e os processos que permitem sua superação, a socialização e a construção social da ciência e a necessidade de elaborar estudos teóricos e empíricos inovadores que respondam a esses problemas (Collado; Vázquez-Cupeiro, 2023).
Metodologia
Este trabalho faz parte de um projeto competitivo chamado “Comunicación y divulgación de la ciencia en la educación en España a través de las redes sociales - Comscienciaeduspain” (FCT-20-15761), realizado com a colaboração da Fundación Española para la Ciencia y la Tecnología (FECYT) - Ministerio de Ciencia e Innovación e várias universidades espanholas e financiado para o grupo de pesquisa Inclusión Socioeducativa e Intercultural, Sociedad y Medios (SIMI).
Este artigo baseia-se em uma abordagem de pesquisa qualitativa (Alegre-Brítez, 2022; Hernández-Sampieri, 2018), com escopo exploratório e interpretativo, reflexivo e conceitual. A análise documental foi usada como técnica para identificar o potencial das redes sociais (RRSS) como estrutura ideal para as pesquisadoras romperem algumas das barreiras que impedem sua trajetória e promoção profissional. Essa análise consiste em uma análise de informações escritas e publicadas sobre um determinado tópico, com o objetivo de estabelecer relações, diferenças, estágios, posições ou o estado atual do conhecimento sobre o tópico em estudo (Bernal, 2010; Martínez-Corona; Palacios-Almón; Oliva-Garza, 2022). Portanto, o escopo que a pesquisa pretende alcançar se concentra em mostrar as barreiras e os tetos de vidro das mulheres na ciência, bem como os dados mais significativos sobre sua promoção, presença e carreira científica na Espanha entre 2015 e 2023.
A literatura sugere que as redes sociais podem ser um meio eficaz para que as mulheres cientistas superem os estereótipos de gênero que dificultam suas carreiras e sua ascensão profissional. No entanto, as pesquisadoras que usam redes sociais acadêmicas enfrentam dificuldades em seu uso regular devido a restrições de tempo e requisitos de postagem. Para superar essas barreiras, as pesquisadoras podem explorar estratégias como gerenciamento de tempo e priorização e buscar apoio de colegas e mentores. Dessa forma, elas podem maximizar o potencial das redes sociais para avançar em suas carreiras e pesquisas.
Resultados
Esta seção encontra-se dividida em cinco partes. Na primeira, abordamos a presença de mulheres em carreiras científicas; na sequência, discorremos sobre as barreiras e teto de vidro para as mulheres na ciência; em seguida, tratamos da promoção, da visibilidade e das carreiras científicas das mulheres na Espanha; posteriormente, versamos sobre os credenciamentos para carreiras científicas e a visibilidade da ciência pelas mulheres; por fim, discutimos sobre a transferência de conhecimento.
A presença de mulheres em carreiras científicas
Há uma série de indicadores que nos permitem ver a situação das mulheres cientistas na Espanha. Com relação à sua presença nas carreiras científicas, o relatório elaborado pela Unidade de Mulheres e Ciência do Ministério da Ciência e Inovação (Espanha, 2022) mostra que, no início de suas carreiras profissionais, há uma alta percentagem de mulheres que diminui abruptamente quando elas tentam acessar cargos de liderança e de categoria superior. Além disso, em 2021, a percentagem de teses de Doutorado defendidas por mulheres foi de 49,8% (acima da média europeia de cerca de 47,8%). As áreas de conhecimento com menor representação foram Ciência da Computação (21,8%), Engenharia, Indústria e Construção (38,4%); e as com maior presença foram Saúde e Serviços Sociais (62,2%), Educação (59,7%), Ciências Sociais, Jornalismo e Documentação (53,4%) e Artes e Humanidades (52,8%), conforme dados da Unidad de Mujeres y Ciencia - doravante UMyC (2021).
De acordo com os dados publicados pelo Ministério de Assuntos Econômicos e Transformação Digital (Espanha, 2021) relacionados ao Pessoal Docente de Pesquisa e suas categorias contratuais, a percentagem de pesquisadoras por milhão de habitantes não ultrapassa 40% em nenhum ano. Esses números mostram um comportamento resistente quando se trata de acessar as categorias que proporcionam maior prestígio profissional, visibilidade e a possibilidade de dirigir projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P&D&I) financiados (Figura 1).
Fonte: Elaborada pelas autoras com base em dados publicados pela Secretaria de Estado de Digitalização e Inteligência Artificial, Ministério de Assuntos Econômicos e Transformação Digital.1
Conforme mostrado na Figura 1, para o ano de 2019-2020, podemos observar que as mulheres ao longo de sua carreira profissional permanecem ativas e ocupam categorias de trabalho estáveis.
A Figura 2 mostra que a percentagem de professores de ensino e pesquisa do sexo feminino, na categoria de Professor Titular, excede a proporção de homens até 2020. Essa é uma das transformações mais importantes nos dois períodos analisados, de 39,9% em 2015-2016 para 58,2% em 2020. No entanto, na última categoría (Professor Universitário), os números se invertem, representando apenas 24,9%.
Fonte: Elaborada pelas autoras com base em dados publicados pela Secretaria de Estado de Digitalização e Inteligência Artificial, Ministério de Assuntos Econômicos e Transformação Digital.2
Outro indicador que fornece informações é a paridade quando se trata de empregar pessoas em atividades de P&D&I. Em 2020, o número de pessoas empregadas era de 231.769 - dessas, apenas 94.386 eram mulheres, representando 40,7%. Além disso, das 145.371,5 pessoas envolvidas em pesquisa em tempo integral, apenas 58.004 eram mulheres (39,9%), coforme dados do Instituto Nacional de Estadística - doravante INE (2021).
A Figura 3 mostra a evolução desse último indicador para os anos de 2015 a 2020 (em todos os anos, as mulheres não ultrapassam 40%). Devemos observar que a paridade é uma meta incluída na Agenda 2030 (especificamente 9.5), daí a proposta de aumentar a pesquisa científica e melhorar a capacidade tecnológica.
Fonte: Elaborada pelas autoras com base em dados publicados pelo INE (2021). Estatísticas sobre atividades de P&D&I 2015-2020.
Esses dados ajudam a certificar que as mulheres, apesar de produtivas, não são visíveis em suas carreiras científicas. Nesse sentido, a percentagem, por exemplo, de pesquisadoras por milhão de habitantes em 2020 foi menor do que a de homens (39,9% contra 60,10%).
Por um lado, as carreiras científicas das mulheres são pontuadas por eventos que levam ao abandono, à estagnação e até mesmo à doença (Evans et al., 2018). Por outro lado, a possibilidade de acesso a cargos de liderança e gestão em projetos de P&D&I financiados é fortemente afetada devido à impossibilidade de acesso ao posto de professor universitário ou professor pesquisador em uma Organização Pública de Pesquisa na Espanha (IPO).
Conforme demonstrado pelo Observatório da Mulher da Ciência e da Inovação - doravante OMCI (2021), na Espanha, na maioria das áreas do conhecimento, as jovens pesquisadoras de nível D são maioria, embora à medida que se avança para níveis mais altos, surja o chamado “gráfico de tesoura”. Além disso, as exigências de dedicação, mobilidade e competitividade, as dificuldades de financiamento e a conciliação com a vida pessoal ou familiar podem tornar a carreira de pesquisa das jovens uma situação repleta de obstáculos (OMCI, 2021).
Barreiras e teto de vidro para as mulheres na ciência
As carreiras científicas das mulheres enfrentam uma série de barreiras, incluindo os sistemas de avaliação aos quais elas devem submeter suas pesquisas (López-Navarrete et al., 2021), a falta de promoção e visibilidade (Serrano-Ávila, 2018), o sexismo, a exigência de se conformar a papéis tradicionais, a persistência de estereótipos de gênero, uma visão androcêntrica da ciência (Repiso et al., 2020), discriminação no trabalho, assédio sexual (Valantine et al., 2022), falta de influência, comportamento discriminatório, falta de modelos, falta de representação em cargos de liderança com a consequente falta de paridade na tomada de decisões e falta de apoio (Arredondo; Vázquez; Velázquez, 2019; Segovia-Saiz et al., 2021). Tudo isso leva à insatisfação no trabalho, ao abandono, à exaustão emocional (burnout) (Henny et al., 2014) e ao estresse causado pela pressão para publicar (Goyanes; Rodríguez-Gómez, 2018). Esse último aspecto ganhou interesse especial nos últimos anos, beneficiando-se de contribuições que mostram que as mulheres do mundo acadêmico sofrem maior exaustão emocional devido às condições de trabalho, por pertencerem a categorias profissionais mais instáveis ou por terem maior dificuldade de conciliar a vida pessoal e profissional (Rodríguez-García; Sola-Martínez; Fernández-Cruz, 2017).
O abandono das carreiras científicas por parte das mulheres é uma das consequências mais palpáveis e dramáticas. Na década de 1980, os dados mostram que, na Espanha, mais da metade dos graduados eram mulheres, mas que, de cada dez que defendiam sua tese de Doutorado, apenas quatro eram mulheres. Na carreira docente, as mulheres representavam um quarto do total e apenas uma mulher em cada dez homens alcançava o cargo de professor. Essa é uma realidade que mudou com o tempo. Atualmente, as mulheres são maioria em quase todas as disciplinas, com algumas diferenças, sendo mais representadas nos cursos de Humanidades, enquanto mantêm uma clara sub-representação nos cursos STEM (Pérez-Sedeño, 2018).
Em 2020, 41% da equipe de pesquisa na Espanha era composta por mulheres. Essa percentagem está acima da média europeia de 34% (UMyC, 2021). Entretanto, nas disciplinas em que a paridade é maior, ela desaparece no topo da carreira científica. Esse cenário é um pouco pior nas Organizações Públicas de Pesquisa (PRIs), onde as mulheres são minoria desde o início da carreira científica. Quando chega o momento de acessar um cargo permanente ou uma categoria que lhes proporcione estabilidade no emprego, a percentagem diminui (em 2018, era de 43%, e em 2020, 44%). Nas categorias que são fundamentais para acessar cargos de gerência, os números caem drasticamente: 25% em 2018 e 24% em 2020 (Pérez; Alcalá, 2006; Pérez-Sedeño, 2018; UMyC, 2021). Em relação a instituições como o Consejo Superior de Investigaciones Científicas - doravante CSIC (2018), a percentagem de mulheres, em 2018, era de 52% (na categoria de pesquisador pré-Doutorado), 43% (na categoria de pesquisador pós-Doutorado), 41% (na categoria de pesquisador Ramón y Cajal), 25% (na categoria de Pesquisador Distinto), 40% (na categoria de Cientista Pleno), 35% (na categoria de Cientista Pesquisador) e 26% (na categoria de Professor Pesquisador) (CSIC, 2018).
Outros estudos por área geográfica ou região mostraram as seguintes tendências. Na União Europeia, em 2020, a percentagem de mulheres presentes nos principais comitês para a elaboração de políticas e prioridades nacionais de pesquisa científica e tecnológica era de 36% (Segovia-Saiz et al., 2021). No campo da biomedicina, na Espanha, as mulheres representam quase 60% do total de pessoas que obtiveram o título de Doutorado, embora sua presença nos cargos acadêmicos mais importantes seja reduzida para 36% (na condição de professoras associadas) e 18% (na condição de professoras titulares) (Díaz-Faes et al., 2020). No Chile, a gestão feminina em universidades públicas é de 24,3% e está concentrada em reitorias e diretorias de departamentos (Arriagada et al., 2018). No México, na Universidade de Guadalajara, um estudo insistiu na necessidade de fortalecer a liderança feminina e formar redes profissionais para reduzir a lacuna de gênero existente em cargos de gestão (Castañeda-Rentería et al., 2019).
Na Espanha, embora algumas melhorias possam ser observadas, a sub-representação em cargos de gerência continua a ser a característica dominante. Em 2020, a percentagem de mulheres em cargos de gerência em universidades públicas era de 23%; 50% em organizações públicas de pesquisa (UMyC, 2021). Esse número mostra, em relação aos anos anteriores, que houve um leve aumento no número de mulheres em cargos de gerência, embora concentrado em vice-reitorias (42%) (UMyC, 2021).
De acordo com os dados expressos acima, a lacuna de gênero no Ensino Superior, em relação às carreiras estudadas, às trajetórias profissionais e ao acesso a cargos de gestão (Romero-Madrid; Del Corral; Gómez-González, 2018), leva a uma perda significativa de capital social (Rincón-Díez; González; Barrero, 2017). Com base nessas premissas, é urgente implementar políticas que retenham o talento feminino (Pérez-Sedeño, 2018) e tornem visível o conhecimento produzido pelas mulheres, bem como suas contribuições teóricas e empíricas claramente inovadoras (López-Navarrete et al., 2021).
Esses números mostram que o teto de vidro para as mulheres cientistas permanece (Gallego-Morón; Matus-López, 2018) e que micro desigualdades ou comportamentos de exclusão aparentemente insignificantes geram um clima hostil e as desestimulam a permanecer na carreira científica (Pérez-Sedeño, 2018). Em outras palavras, diante desses dados, são necessárias pesquisas para identificar os obstáculos enfrentados pelas mulheres cientistas na estabilização de suas carreiras profissionais, bem como as barreiras que impedem sua visibilidade e acesso a cargos de gestão.
Dessa maneira, por um lado, alguns estudos apontaram a existência de uma abordagem meritocrática na interpretação do sistema científico como uma possível causa que pode contribuir para a persistência do teto de vidro - limitação velada do avanço da carreira das mulheres nas organizações (Segovia-Saiz et al., 2021). Da mesma forma, há uma necessidade urgente de integrar a dimensão de gênero no conteúdo e na avaliação dos projetos de P&D&I (apenas 23% dos entrevistados consideraram relevante incluir essa dimensão) (UMyC, 2021). Esse último aspecto tem repercussões relevantes, pois, embora o número de mulheres que se candidatam a financiamento tenha aumentado, as taxas de sucesso são muito inferiores às dos homens.
Por outro lado, alguns estudos insistem na necessidade de integrar a organização da pesquisa, promovendo modelos regidos por critérios que promovam a transmissão e o intercâmbio de conhecimentos, a responsabilidade social, a transparência, a colaboração e o trabalho interdisciplinar (Segovia-Saiz et al., 2021). Nessa acepção, também foi enfatizada a necessidade de os centros terem planos de igualdade. Atualmente, apenas 44 universidades têm esse instrumento (das quais dez são privadas) (UMyC, 2021). Há também uma necessidade urgente de valorizar a diversidade das pessoas que realizam pesquisas, a fim de gerar conhecimento com uma visão ampla, novas perguntas, soluções e formas de fazer ciência (Botella et al., 2019; Pérez-Sedeño, 2018).
Promoção, visibilidade e carreiras científicas das mulheres na Espanha
Para examinar os fatores associados à promoção e à visibilidade das mulheres nas carreiras científicas, ainda faltam estudos que investiguem as características específicas de suas condições de acesso e desenvolvimento: se elas passaram pelos mesmos testes, se superaram as mesmas dificuldades, se receberam o mesmo reconhecimento, se organizaram sua vida acadêmica, profissional e privada da mesma forma que seus colegas homens etc. (Castañeda-Salgado; Ordorika, 2015). Essas são perguntas que contribuem para manter uma visão crítica das oportunidades que as mulheres têm para o desenvolvimento de suas carreiras científicas, enfatizando sua luta para se posicionar, denunciando a suposta neutralidade dos mecanismos de avaliação que, no entanto, tornam invisível a sobrecarga de trabalho e o investimento em tempo e esforço etc. (Castañeda-Salgado; Ordorika, 2015).
As mulheres na ciência, assim como em outros contextos, enfrentam uma série de barreiras que as colocam em desvantagem ao longo de suas carreiras. Essa é uma situação que pode influenciar o apelo de outras mulheres para seguir carreiras científicas, pois recebem a mensagem de que não há lugar para elas e que, portanto, devem optar por permanecer em posições baixas ou intermediárias ou desistir da vida profissional (Segovia-Saiz et al., 2021). Esse cenário se traduz na existência de menos redes de apoio para acessar cargos relevantes e na perda de oportunidades de promoção. Da mesma forma, as mulheres que se candidatam a empregos em níveis que exigem mais tempo e dedicação enfrentam mais obstáculos do que os homens (Díaz-Faes et al., 2020).
As políticas públicas que promovem a participação das mulheres na ciência, a valorização de sua produção científica e a incorporação de abordagens com perspectiva de gênero provêm de diretrizes europeias, entre as quais o Plano de Ação da Unidade de Mulheres e Ciência (1999), o Quinto Programa-Quadro da União Europeia (1998-2002), o Plano de Bolonha, o Sétimo Programa-Quadro (2007-2013) e, em particular, o Programa Horizon 2021-2027, que promove, por meio da aplicação dos Princípios de Pesquisa e Inovação Responsáveis para uma ciência aberta, a Comissão Europeia 2021-2022, a criação de Unidades de Igualdade e a adoção de medidas para combater os obstáculos que as mulheres enfrentam na produção científica e na visibilidade (Comissão Europeia, 2021a).
Na Espanha, as Unidades de Igualdade das universidades são criadas em virtude da Décima Segunda Disposição Adicional da Lei Orgânica 4/2007, de 12 de abril, que modificou a Lei Orgânica 6/2001, de 21 de dezembro, sobre Universidades, com o objetivo de promover a adoção de medidas relacionadas ao princípio da igualdade entre mulheres e homens (Espanha, 2007). O propósito é promover a adoção de medidas relacionadas ao princípio da igualdade entre mulheres e homens, por meio da criação de planos de igualdade, e cumprir o disposto no artigo 25, que estabelece que as administrações públicas “[...] promoverão o ensino e a pesquisa sobre o significado e o alcance da igualdade entre homens e mulheres” (Espanha, 2007, p. 16245, tradução nossa). A Lei 14/2011, de 1 de junho, sobre Ciência, Tecnologia e Inovação, por sua vez, também visa a incorporar a perspectiva de gênero, juntamente com outras medidas que visam a colocar a Espanha na vanguarda internacional (Espanha, 2011).
Com base nessas diretrizes, são coletados dados e emitidos relatórios para monitorar a implementação, a evolução e o impacto dos Princípios para Pesquisa e Inovação Responsáveis. Nesse sentido, destacam-se o Banco de Dados de Estatísticas de Gênero do Instituto Europeu para a Igualdade de Gênero, as estatísticas de ciência, tecnologia e inovação do Eurostat e as estatísticas de gênero, ciência e Tecnologia da Informação e Comunicações (TIC) da Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (UNIECE). Na Espanha, a Unidade de Mulheres e Ciência produz o relatório “Mulheres Cientistas em Números” (Espanha, 2022).
O relatório intitulado “She Figures”, publicado pela Comissão Europeia com base em informações estatísticas fornecidas por diferentes países, monitora a situação da igualdade de gênero em pesquisa e inovação (Comissão Europeia, 2021b). As principais conclusões desse relatório mostram que as mulheres estão próximas de alcançar a paridade de gênero em termos de acesso a um Doutorado (48,1%), apesar de ainda estarem sub-representação em profissões técnicas (24,9%) e nos níveis acadêmicos mais altos (42,3%); além disso, elas trabalham em condições mais precárias do que os homens, embora tenham a mesma experiência e formação. Além disso, apenas 23,6% ocupam cargos gerenciais, e a taxa de sucesso no acesso a projetos financiados é negativa. Por fim, o número de mulheres inventoras é irrisório (apenas 10,7%).
Credenciamentos para carreiras científicas e a visibilidade da ciência pelas mulheres
Além dos dados apresentados anteriormente sobre os vários desafios que as mulheres enfrentam para manter uma carreira na ciência, há outros indicadores relacionados à medição de sua produtividade e visibilidade. Eles podem ajudar a entender outros fatores que afetam a promoção, a retenção ou a desistência.
A primeira delas está relacionada ao sistema de credenciamento existente para o acesso às diferentes categorias profissionais e para a obtenção dos chamados Sexenios de investigación (períodos de pesquisa de seis anos). Desse modo, podemos afirmar, com Delgado, Ràfols e Abadal (2022), que se trata de um sistema centralizado e burocrático que prejudica notavelmente as mulheres, uma vez que seu índice de produção científica, a única variável levada em consideração, é baixo devido ao sistema anterior de exclusão ao qual foram expostas.
O credenciamento da carreira científica está vinculado à possibilidade de publicar em periódicos de impacto, sob o pressuposto de que um maior número de citações se traduz em maior qualidade, prestígio e visibilidade (Díez-Gutiérrez, 2020; Esquivel-Moreno; Velásquez-Upegui, 2024). Por um lado, o problema está no uso de um modelo mercantilizado que prioriza determinados conteúdos e áreas de conhecimento (Romero; Morales, 2018) em detrimento de outros. Por outro lado, as redes de apoio são decisivas, de modo que a falta delas determina sua presença ou não em grupos de pesquisa, o papel que desempenham dentro deles quando são admitidos, o acesso a chamadas de propostas como pesquisador principal ou o lugar que ocupam nas publicações (Centeno-Leguía et al. 2020; Nguyen et al., 2022), entre outros fatores.
Esse é um problema que também deve ser estudado levando em conta os efeitos derivados da covid-19; nesse sentido, Barragán-Moreno e Guzmán-Rincón (2022) detectaram uma diminuição na produção acadêmico-científica de autoria feminina, o que presumivelmente prejudicará suas aspirações profissionais na próxima década.
Diversos estudos demonstram essa situação de sub-representação das mulheres em termos de produção científica, apontando como fatores explicativos o gênero, a idade, a posição acadêmica ou a posição que ocupam nas contribuições em coautoria (Segarra-Saavedra; Viñes; Marí, 2020). Nessa perspectiva, Van den Besselaar e Sandström (2017) analisaram a produtividade acadêmica e o impacto das publicações de homens e mulheres entre 2008 e 2015, concluindo que, nas redes com maior produtividade, os homens têm sido maioria. A posição acadêmica, o papel nas equipes e nas redes de pesquisa são fatores determinantes.
Em relação a disciplinas ou áreas específicas, como Publicidade e Redes Sociais, Navarro-Beltrá, Miquel-Segarra e Font (2020) concluem que os trabalhos liderados ou realizados exclusivamente por homens têm um número maior de citações do que aqueles liderados ou realizados exclusivamente por mulheres. Essa tendência também foi analisada por Costa-Sánchez (2017), que chegou a uma conclusão semelhante. Ambos os estudos buscam uma explicação para esses comportamentos na existência (ou não) de redes de colaboração científica (Segarra-Saavedra et al., 2020). Na mesma linha de análise, o trabalho de Araújo et al. (2017) mostra que os homens são mais propensos a colaborar com seus pares, enquanto as mulheres cultivam relações mais igualitárias.
Transferência de conhecimento
A transferência de conhecimento também é uma variável importante. De acordo com a pesquisa aplicada por López-Navarrete et al. (2021) e o relatório apresentado pela Agência Nacional de Avaliação da Qualidade e Acreditação - doravante ANECA (2021), as mulheres na Espanha estão sub-representadas em termos de tarefas correspondentes à transferência de conhecimento. Os resultados da convocação de candidaturas Sexenios 2018, em que essa variável foi avaliada especificamente pela primeira vez, não deixam margem para dúvidas. Apenas 34,5% das candidaturas apresentadas corresponderam a mulheres (em termos absolutos, 5.798 de um total de 16.791) (ANECA, 2021). E dessas, apenas 34% obtiveram uma avaliação positiva (a taxa de sucesso para os homens foi de 47%).
Além dos números, que falam por si mesmos, vale a pena observar a ausência de uma perspectiva de gênero no projeto e na implementação da chamada, bem como um viés econômico acentuado, que resultou em uma supervalorização do item “Transferência que gera valor econômico”, no qual os homens contribuem com mais mérito, em comparação com a variável “Transferência que gera valor social”, na qual as mulheres são mais produtivas. A OMCI (2020) também concluiu em seu Relatório 2020 sobre Mulheres e Inovação que a taxa de participação das mulheres na transferência de conhecimentos é menor do que a dos homens nas universidades públicas, mas não nas universidades privadas ou no CSIC. López-Navarrete et al. (2021) propõem que se faça uma reflexão sobre como a inovação é concebida e o papel que as mulheres desempenham nos processos associados, além de monitorar como a abordagem de gênero é aplicada.
Apesar do que foi observado na pesquisa aplicada por López-Navarrete et al. (2021), as mulheres pesquisadas tinham clareza sobre o valor da transferência de conhecimento em sua carreira científica, embora apenas 44% tenham demonstrado interesse em se candidatar ao Sexenio.
Conclusões
Conclui-se que as transformações observadas podem significar várias coisas. Por um lado, é possível que estejamos presenciando um enfraquecimento de alguns estereótipos de gênero na hora de escolher uma carreira profissional, embora, por outro lado, essas transformações não sejam suficientes para realizar as reformas estruturais, institucionais ou do contexto social e cultural necessárias para a promoção, a liderança e a visibilidade das mulheres, tanto nas carreiras científicas quanto nas instituições.
Este artigo conclui mencionando que o estudo da relação entre ciência e tecnologia a partir de uma perspectiva de gênero requer uma abordagem multidisciplinar baseada na concepção e aplicação de pesquisas teóricas e empíricas inovadoras. Nesse sentido, nossa hipótese é de que as múltiplas barreiras enfrentadas pelas mulheres cientistas ao longo de suas carreiras, que assumem a forma de clara sub-representação, instabilidade e/ou insegurança no emprego, falta de liderança, falta de visibilidade etc., são, em certa medida, replicadas nas redes sociais (RRSS).
Paradoxalmente, porém, entendemos que as RRSS podem ser decisivas no gerenciamento e na resolução de tais problemas. De fato, por um lado, a disseminação da pesquisa nas mídias sociais influencia a promoção, a visibilidade e o valor que é finalmente atribuído ao seu trabalho profissional; por outro lado, a chamada “rede de redes”, que está em sua base, oferece um território de experimentação digital desvinculado das esferas tradicionais de poder e influência. Graças ao RRSS, o trabalho colaborativo dos pesquisadores - não apenas disciplinar, mas também interdisciplinar - é fortalecido, as possíveis linhas de pesquisa são ampliadas, os recursos são otimizados, uma maior divulgação da pesquisa é alcançada internacionalmente ou projetos conjuntos de pesquisa são desenvolvidos; simultaneamente, a dimensão ética de seu trabalho como divulgadores é reforçada (transferência de conhecimento).
Nesse contexto, a construção de uma identidade científica digital é um desafio urgente que as universidades devem enfrentar. É necessário, portanto, rever o planejamento da comunicação científica, treinar pesquisadores e selecionar mídias sociais adequadas, entre outras medidas.