Introdução
É a partir da aprovação da Constituição Federal (Brasil, 1988), que estabelece como dever do Estado o direito à educação das crianças de zero a seis anos, e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Brasil, 1996), que regulamenta a educação infantil como primeira etapa da educação básica, que a educação infantil passa a figurar com mais força na cena política brasileira.
Transitando da área da assistência social e do direito da mulher trabalhadora para o campo educativo, as discussões em torno da garantia do atendimento em creches e pré-escolas ganham vigor na virada da década com a inclusão da educação infantil no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) (Brasil, 2007). Nesse cenário, observamos a luta em torno dos recursos para a educação infantil se materializar, alavancando as discussões da ampliação do atendimento escolar às crianças pequenas em todo o Brasil. Mesmo reconhecendo que “se trata de um fundo de natureza contábil que não chega a resolver o problema da educação” (Saviani, 2008, p.92), o FUNDEB, regulamentado pela Medida Provisória n. 339 (Brasil, 2006b), instaura a criação do custo aluno qualidade, tornando-se um importante instrumento de distribuição de recursos educacionais mais equânime entre os diferentes municípios do país.
A aprovação do Plano Nacional de Educação (Brasil, 2001) e a promulgação da Lei n. 11.274 (Brasil, 2006a), que determina a entrada das crianças de 6 anos no ensino fundamental, reafirmam a manutenção de uma agenda política brasileira em torno da infância. Entretanto, é com a promulgação da Emenda Constitucional – EC n. 59 (Brasil, 2009a), referendada pela Lei n. 12.796 (Brasil, 2013), que institui a educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada através dos segmentos pré-escola, ensino fundamental e ensino médio, que o debate sobre a universalização e a democratização do acesso à pré-escola começa a se amplificar. Uma alteração constitucional que põe o Brasil no mesmo patamar dos países que possuem maior tempo de obrigatoriedade escolar.
Por concordarmos com a ideia de que “há um grande hiato entre a proclamação do direito e sua efetivação, pois há algum tempo faltam vagas nas instituições, sendo criados critérios de admissão, que muitas vezes ferem o direito subjetivo disposto na legislação” (Lira & Machado, 2020, p. 7), buscamos, nesse texto, discutir a obrigatoriedade da educação infantil no Brasil. Assim, passado o tempo para a implementação da política que previa a universalização do atendimento das crianças de quatro e cinco anos, previsto para o ano de 2016, como aponta os termos do Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014), questionamos: como a obrigatoriedade na educação infantil tem se consolidado na política nacional? Há vagas no segmento da educação infantil para todas as crianças brasileiras? Apresentamos, a seguir, os caminhos teórico-metodológicos que permearam as análises e que buscam responder essas questões.
Caminhos teórico-metodológicos
Em diálogo com os princípios do materialismo histórico e dialético (Marx & Engels, 2007) e com os estudos da filosofia da linguagem (Bakhtin, 2011), entendemos que os sujeitos se constituem na e pela linguagem, dentro de um determinado contexto social, político e econômico. A partir desses pressupostos, construímos um estudo utilizando índices divulgados pelos principais institutos nacionais de dados sobre educação e população do Brasil: o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A metodologia de trabalho conjugou as abordagens quantitativa e qualitativa, buscando problematizar o número de matrículas em creches e pré-escolas oferecidas em âmbito nacional. Para as análises, selecionamos um intervalo de tempo de quatro anos, correspondente ao período de 2014 a 2018 – dois anos antes do prazo limite imposto pela Emenda Constitucional n.. 59 e os dois anos seguintes da prevista universalização, como destacado na Meta 1 do Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014):
[…] universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE.
As análises buscam não perder de vista que as representações e as construções discursivas são parte de uma realidade historicamente situada e que, se descoladas do seu contexto e de sua materialidade, pouco nos diz sobre a garantia do direito. Como letra morta, acabam enclausuradas unicamente no campo do discurso. Como diriam Marx e Engels (2007), as leis, bem como a moral ou a religião, são representações produzidas pelos sujeitos e, como tal, sensíveis aos movimentos da história, à luta de classes e, principalmente, às mudanças.
A proposta de relacionar os dados quantitativos com reflexões que tratam sobre o contexto político e social oferece indícios para avançarmos no mapeamento das ações governamentais voltadas à primeira etapa da educação básica. Um modo de vermos como os investimentos no segmento vêm se consolidando na prática e quais as possibilidades reais de ampliação do acesso e da garantia da qualidade no atendimento à educação infantil. Uma perspectiva que auxilia na compreensão do tempo presente e, também, no planejamento de ações futuras.
Assim, o presente artigo tem como objetivo discutir os caminhos e os desafios da implementação da obrigatoriedade escolar na educação infantil, apresentando um panorama atual da oferta de matrículas nas creches e pré-escolas do Brasil. O texto foi organizado em três tópicos, primeiramente apresenta considerações sobre a obrigatoriedade na educação infantil; em seguida, analisa os indicadores que tratam sobre o número de matrículas no país em diálogo com o nosso contexto político e social; por fim apresenta avanços e questões sobre a obrigatoriedade como política pública para as crianças pequenas.
Obrigatoriedade e educação infantil
Em um país como o nosso, em que a desigualdade social e econômica faz com que grande parte das crianças só tenha acesso à escola a partir da faixa etária obrigatória (Alves & Pinto, 2011), a política que trata sobre a ampliação da obrigatoriedade escolar dos 4 aos 17 anos é um importante movimento para a garantia do direito das crianças pequenas à educação.
Conforme Vieira (2011), o primeiro e maior desafio na expansão da educação infantil no Brasil é, sem dúvidas, universalizar e democratizar o acesso das crianças à escola. Um movimento que não pode prescindir dos pressupostos e das concepções de infância construídos ao longo das últimas três décadas e que precisam de se consolidar de forma concomitante com as políticas educacionais nacionais.
O acesso às creches e pré-escolas, concebidas como instituições educacionais, não está dissociado de uma oferta de qualidade, em espaços institucionais não domésticos, com infraestrutura adequada e com profissional qualificado, sustentando-se numa concepção de criança como sujeito de direitos e produtora de cultura. Tais elementos definidores de políticas, estabelecidos na legislação educacional, persistem e precisam ser constantemente reafirmados. (Vieira, 2011, p. 248)
A construção de políticas para uma etapa, ou segmento, da educação pode produzir implicações promissoras ou retrocessos. É a partir dessa vertente que a pesquisadora defende a obrigatoriedade como uma discussão que “deve considerar toda a educação infantil, não somente a pré-escola e a criança de quatro e cinco anos, mas também a creche e a criança de zero a três anos” (Vieira, 2011, p. 245). Esse é, definitivamente, um modo de evitar a cisão e segmentação entre a creche e a pré-escola e de pensar a educação das crianças de forma processual e contínua. Uma implicação coletiva que assegura espaço e tempo para a discussão de assuntos importantes, tais como a privatização e precarização do atendimento nas creches e pré-escolas, a formação dos profissionais que atuam nesses segmentos, o atendimento em horário integral, a transição para o ensino fundamental, entre tantos outros. Assuntos complexos que necessitam estar em pauta e que, para se efetivarem, dependem também do financiamento público.
Como afirmam Nunes et al. (2017, p. 319), “a criação de leis não é suficiente para que os direitos se efetivem, demandando políticas públicas”. Assim, para garantir a realização de uma política de qualidade, é necessário pensar nos modos como essa ampliação se efetiva. Apesar dos progressos da legislação, observamos que os investimentos financeiros nessa etapa da educação básica tornam as políticas públicas para a educação infantil ainda precárias (Cruz, 2017). Observamos que as discussões que envolvem a obrigatoriedade não são acompanhadas de investimentos sociais públicos para a garantia do direito, favorecendo a ampliação do mercado privado de serviços educacionais. Na medida em que o Estado não consegue garantir o direito à educação infantil pública e de qualidade, o mercado se encarrega de resolver a questão, transformando direito em serviço e acesso e permanência em privilégio. Neste artigo, não abordaremos a questão do crescimento do mercado educacional privado com a ampliação da obrigatoriedade, mas destacamos o tema como um eixo importante que atravessa a questão da obrigatoriedade e que merece o investimento de pesquisas e estudos.
Nesse contexto, é importante destacar que, em 2016, mesmo ano em que vencia o prazo para que os municípios junto aos outros entes federados cumprissem a Emenda Constitucional 59 – EC n. 59 (Brasil, 2009a), e universalizassem o atendimento educacional das crianças de quatro e cinco anos, o governo aprovou a Emenda Constitucional 95 – EC n. 95 (Brasil, 2016) que limitava por vinte anos os investimentos em áreas sociais. A proposta, ainda em vigor, congela os gastos públicos, inviabilizando por duas décadas qualquer aumento em áreas que asseguram direitos fundamentais para a população, como, por exemplo, saúde, educação, assistência social e segurança pública, entre outros. Nesse sentido, questionamos: como garantir que o processo de expansão de matrículas na educação infantil ocorra, diante desse cenário? Como colocar em prática uma política educacional que garanta plenamente o acesso de todas as crianças pequenas à escola, sem a garantia de um financiamento público que respeite o Custo Aluno-Qualidade?
Com a meta do Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014) de ampliar os investimentos para 10% do PIB, praticamente abandonada, e os ataques ao orçamento pelo atual governo, que afirma que o país gasta demais com educação, vêm se difundindo a concepção de que os problemas da educação são apenas gerenciais e não de orçamento e/ou de continuidade de propostas. Ideia esta que aparece expressa no relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2018, p. 1), conforme destaque a seguir: “o Brasil investe uma fatia relativamente grande tanto de seu produto interno bruto (PIB) quanto de seu gasto público total em educação, no entanto, o gasto por aluno ainda é muito inferior ao da maioria dos países membros e parceiros da OCDE”.
O corte orçamentário imposto pela Emenda Constitucional 95 – EC n. 95 (Brasil, 2016) associado a um discurso que pouco dialoga com a realidade local e que tem critérios de qualidade distintos dos construídos coletivamente e pactuados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, 2009b) esvazia o acúmulo consolidado pelas esferas legais que orientam a educação infantil, deixando no limbo as metas do atual Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014). Como apontam Nunes et al. (2017, p. 303) “a política pública é constituída das ações e omissões de um governo”.
As crianças pequenas e a escola: um olhar para as matrículas no Brasil
Como a obrigatoriedade na educação infantil tem se consolidado na política nacional? Há vagas na educação infantil para todas as crianças brasileiras? Como já anunciado, buscamos responder as questões, a partir do cruzamento dos dados divulgados por dois importantes institutos nacionais: o Inep e o IBGE entre os anos de 2014 e 2018. Iniciamos a discussão com os índices populacionais no Brasil.
Idade | 2014 | 2018 |
---|---|---|
0 a 3 anos | 11.675.746 | 11.845.593 |
4 e 5 anos | 5.831.771 | 5.844.229 |
Total | 17.507.517 | 17.689.822 |
Fonte: Tabela construída com base nos dados do IBGE (2018) / Diretoria de Pesquisa: Projeção da população por sexo e idade simples, em 1º de julho 2010/2060.
A tabela 1 apresenta os índices da população brasileira por idade, com foco para o número de crianças de 0 a 5 anos nos anos de 2014 e 2018. Os dados do IBGE apontam um aumento populacional pequeno em ambas as faixas nesse intervalo de quatro anos, nesse caso representado pelo aumento de 169.847 crianças na faixa etária de 0 a 3 anos (1,4%) e de 12.458 crianças na faixa de 4 e 5 anos (0,25%). O movimento demográfico de 2014 a 2018 indica uma pequena elevação no crescimento populacional, no entanto, se observarmos a projeção decenal entre 2024, 2034 e 2044, encontramos um decréscimo. Dados que reafirmam tendência de queda da natalidade no país e que vem reduzindo o número de crianças na primeira infância (0 a 6 anos), como aponta Vieira (2011).
Idade | 2024 | 2034 | 2044 |
---|---|---|---|
0 a 3 anos | 11.517.994 | 10.423.951 | 9.614.567 |
4 e 5 anos | 5.886.614 | 5.363.131 | 4.902.960 |
Total | 17.404.608 | 15.787.082 | 14.517.527 |
Fonte: Tabela construída com base nos dados do IBGE (2018) / Diretoria de Pesquisa: Projeção da população por sexo e idade simples, em 1º de julho 2010/2060.
Os índices organizados na tabela 2 sugerem que a projeção populacional da faixa etária de 0 a 5 anos no Brasil a partir do ano que termina o prazo de cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação, ou seja, 2024, tende a ir diminuindo gradativamente com o passar das décadas, indicando um movimento de retração no crescimento demográfico. A política vem sendo construída unicamente com esse olhar para o futuro? Estariam os gestores das políticas educacionais baseando-se nestes índices para os futuros planos nacionais? No cenário atual, quantas crianças estão na escola? Há vagas para todas? Para refletir sobre essas questões buscamos nos dados divulgados pelo Inep pistas para pensar a política nacional. Por entendermos que a obrigatoriedade na educação infantil não envolve somente o segmento da pré-escola, optamos por dividir as informações em duas tabelas, uma que trata sobre os índices na creche e outra que apresenta os dados da pré-escola. Vejamos.
Oferta | 2014 | 2018 | Comparativo entre 2014 e 2018 |
---|---|---|---|
Federal | 1.263 | 1.183 | -80 |
Estadual | 4.979 | 3.915 | -1.064 |
Municipal | 1.824.595 | 2.346.934 | 522.339 |
Privada | 1.067.091 | 1.235.260 | 168.169 |
Total | 2.897.928 | 3.587.292 | 689.424 |
Fonte: Tabela construída com base nos dados da Sinopse Estatística da Educação Básica divulgada pelo Inep (2014; 2018) – Segmento creche.
A tabela 3 apresenta como a oferta de matrículas, no segmento creche, é oferecida nas diferentes esferas: federal, estadual, municipal e privada. Os dados apontam algumas considerações importantes. A primeira delas é que a maior parte das matrículas, em ambos os anos, foram realizadas na rede municipal (62,9% em 2014 e 65,4% em 2018) e na rede privada (36,8% em 2014 e 34,4% em 2018). Esses mesmos índices apontam ainda um aumento de matrículas na rede municipal (2,5%) entre 2014 e 2018, sugerindo um movimento de migração das matrículas da esfera privada para a esfera municipal. Os números reafirmam também a pouca oferta na rede federal e estadual, seguido de um movimento de decréscimo no período. Vejamos o cenário da pré-escola.
Esfera | 2014 | 2018 | Comparativo entre 2014 e 2018 |
---|---|---|---|
Federal | 1.356 | 1.584 | 228 |
Estadual | 52.184 | 52.390 | 206 |
Municipal | 3.652.043 | 3.915.945 | 263.902 |
Privada | 1.266.358 | 1.187.973 | - 78.385 |
Total | 4.971.941 | 5.157.892 | 185.951 |
Fonte: Tabela construída com base nos dados da Sinopse Estatística da Educação Básica divulgada pelo Inep (2014; 2018) – Segmento pré-escola.
A tabela 4 expõe a oferta de matrículas no segmento pré-escola. Os dados apontam crescimento nos índices de matrículas em todas as esferas da rede pública. Entre os anos de 2014 e 2018, somando as vagas federais, estaduais e municipais, observamos o surgimento de 264.336 matrículas (7,1%). Em contrapartida, há um declínio na rede privada, que deixa de matricular 78.385 crianças (6,1%).
A crise econômica pode, talvez, ser uma explicação para esse movimento. O governo ao oferecer de forma obrigatória, gratuita e regulamentada a educação ou qualquer outro serviço público acaba por gerar um encolhimento do setor privado. Mesmo podendo ser uma expressão de um momento de crise, essa retração suscita reflexões sobre os movimentos do mercado educacional.
Apesar da crescente oferta de vagas na pré-escola, ao lançarmos um olhar para o número de crianças brasileiras na faixa etária de 0 a 5 anos e o número de matrículas oferecidas em nosso país, observamos que ainda há uma proporção significativa de crianças pequenas fora da escola. As tabelas 5 e 6 tratam sobre esta relação, apresentando dados sobre as matrículas nos segmentos creche e pré-escola. Vejamos.
2014 | 2018 | |
---|---|---|
População brasileira de 0 a 3 anos | 11.675.746 | 11.845.593 |
Total de matrículas nas redes federal, estadual, municipal e privada | 2.897.928 | 3.587.292 |
Déficit | 8.777.818 | 8.258.301 |
Fonte: Tabela construída com base nos dados do IBGE (2018) / Diretoria de Pesquisa: Projeção da população por sexo e idade simples, em 1º de julho 2010/2060 e nos dados das Sinopse Estatística da Educação Básica divulgada pelo Inep (2014; 2018) – Segmento creche.
Os dados da tabela 5 expõem que há um percentual significativo de crianças de 0 a 3 anos fora da escola. Tomando como base o ano de 2014, observamos que 24,8% das crianças nesta faixa etária tinham matrícula ativa. Em 2018, este mesmo índice subiu para 30,2%, representando aumento de 5,4%. Apesar do crescimento, 69,8% das crianças, dessa faixa etária, não possuem matrícula na rede pública ou privada. Notamos, assim, que a política está longe de atingir a meta proposta no PNE (Brasil, 2014) de ter 50% de crianças na creche até 2024. Neste cenário, fica difícil imaginar como se dará a efetivação da política inclusiva. Podemos também associar o crescimento do setor privado justamente às profundas brechas deixadas pelo setor público. Observamos o quanto estamos ainda distantes da universalização do segmento creche, encontrando nesta lacuna uma importante fatia do mercado educacional.
2014 | 2018 | |
---|---|---|
População brasileira de 4 a 5 anos | 5.831.771 | 5.844.229 |
Total de matrículas nas redes federal, estadual, municipal e privada | 4.971.941 | 5.157.892 |
Déficit | 859.830 | 696.337 |
Fonte: Tabela construída com base nos dados do IBGE (2018) / Diretoria de Pesquisa: Projeção da população por sexo e idade simples, em 1º de julho 2010/2060 e nos dados das Sinopse Estatística da Educação Básica divulgada pelo Inep (2014; 2018) – Segmento pré-escola.
Quando nos deparamos com a proporção entre o número de crianças de 4 e 5 anos e o número de matrículas no segmento pré-escola apresentados na tabela 6 vemos os índices aumentarem de forma considerável. Em 2014, 85,2% das crianças, desta faixa etária, estavam matriculadas e, em 2018, 88,2%. Dados que corroboram que a obrigatoriedade escolar na pré-escola está próxima de ser universalizada pelas políticas públicas. Nesse sentido, as análises apontam que a maior parte das vagas que precisam ser criadas está na faixa etária de 0 a 3 anos já que o segmento da pré-escola encontra-se bem próximo da universalização.
Nessa linha, como tão bem explicita Vieira (2011, p. 247), não podemos correr o risco de flexibilizar a ideia de creche. Precisamos garantir o acesso das crianças bem pequenas à escola, sem abrir qualquer possibilidade “de alternativas de atendimento não formais, em espaços domésticos, ou não, inadequados aos critérios educacionais com pessoas sem formação e qualificação”. A defesa da obrigatoriedade envolve a educação das crianças de 0 a 3 anos. Precisamos garantir um atendimento educacional de qualidade para todas.
Sabemos o quanto são parciais estes resultados e o quanto ainda precisamos avançar no acompanhamento, avaliação e implantação das políticas públicas de educação infantil. Entretanto, observar que o impacto da política ainda é bastante reduzido no que refere-se ao acesso nos deixa a sensação de que seguimos a tônica da “arte do disfarce” (Kramer, 1995), em que o discurso em torno da infância e sua importância não se concretiza na prática com investimentos reais nas políticas de educação infantil.
Considerações finais
Com o intuito de discutir sobre a implementação da obrigatoriedade escolar na educação infantil, construímos ao longo do artigo, um diálogo entre os principais marcos legais e os indicadores de matrículas nas creches e pré-escolas no Brasil. A partir da análise dos dados, observamos que as políticas públicas que tangenciam o segmento da educação infantil no país e que apresentavam, conforme o Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014), como meta a universalização do atendimento na pré-escola e o atendimento de pelo menos metade das crianças de 0 a 3 anos na creche ainda estão em processo de efetivação.
Os índices apontam que a maior parte das vagas que precisam ser criadas referem-se à faixa etária de 0 a 3 anos, já que o segmento da pré-escola encontra-se bem próximo da universalização. Apontamentos que convergem com as notas trazidas por Lira e Machado (2020, p. 7) que, nessa vertente, ainda destacam que a relação entre infância e a obrigatoriedade no Brasil é semelhante a vivida em outros países da América Latina, no qual a pré-escola encontra-se próxima à universalização, enquanto a creche tem atendimento inferior à demanda social.
As considerações assinalam também que algumas questões acerca do acesso à educação infantil ainda apresentam-se em aberto no cenário atual: quanto tempo será necessário para atingir as metas previstas no Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014)? Este governo se baseará no PNE (Brasil, 2014) ou criará um novo plano? Os recursos previstos para a expansão do atendimento de 0 a 3 anos são suficientes? E a formação dos professores? Em um momento de desvalorização galopante do magistério, como se efetivará a formação docente? Qual o lugar dessa formação nas políticas públicas atuais de educação infantil?
As leis, apesar de buscarem a garantia de direitos, só conseguem ganhar materialidade quando dialogam com a realidade concreta e com a demanda que elas mesmas geram. Consideramos que neste contexto de incertezas, a aprovação do FUNDEB, ainda em tramitação, pode ser uma ferramenta importante para driblar os limites dos investimentos em educação impostos pela Emenda Constitucional 95 – EC n. 95 (Brasil, 2016). A perspectiva de que a educação precisa alcançar um percentual maior do PIB deve seguir como uma pauta de toda sociedade, para que as leis sejam de fato efetivadas e os parâmetros de qualidade para a Educação Infantil plenamente atendidos.
Passamos por um momento em que a escola pública, os professores e o Estado, como provedor de direitos sociais, têm sido amplamente atacados. Com a pandemia, esse cenário se agrava, acirrando a crise econômica. É a partir deste horizonte que devemos, como educadores comprometidos com a escola pública, gratuita e de qualidade, reafirmar a tarefa histórica da escola: a de propiciar a mobilidade social e superação da pobreza em que vive grande parte da população. Somente compreendendo a formação social e a educação em sua estrutura e condições é que podemos construir um plano de ações concretas que possam garantir o direito das crianças na sociedade. E, quando olhamos para esta etapa da educação, notamos como a letra da lei ainda está distante do pátio das escolas.