“Brasil, chegou a vez. De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês” (Estação Primeira de Mangueira, 2019)
Ao início de 2019, no curso de agropecuária, propusemos uma atividade inspirada em pensadores negros. Assistimos Chimamanda Ngozi Adichie (2009) falando sobre o perigo da história única e ouvimos o samba-enredo “História pra Ninar Gente Grande”, composto por Deivid Domênico et al. (2019) e estreado pela Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira.
No ted-talk, a escritora nigeriana parte de sua história de vida para problematizar o “perigo da história única” (Adichie, 2009). Ela argumenta que jamais há uma única versão sobre algo. Sempre há diferentes formas de se contar uma história, a depender das perspectivas que se tem sobre ela. Contudo, ao construir uma narrativa única, passamos a acreditar que tal evento, povo ou pessoa se resume àquilo. Assim são construídos os estereótipos, que se caracterizam como imagens incompletas. A capacidade de contar histórias revela as relações de poder, não apenas de contar uma história, mas de torná-la a história definitiva. Nesse sentido, a história única rouba a dignidade das pessoas.
No samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira (2019), os compositores contam histórias sobre o Brasil que divergem da historiografia nacional, questionando a ordem colonial e racista, lançando luz sobre pessoas e eventos que foram apagados da memória coletiva. Na medida em que ele será evocado ao longo do ensaio, vale trazer na íntegra sua linda letra.
História pra ninar Gente Grande
Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra
Brasil, meu dengo
A Mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento
Tem sangue retinto pisado
Atrás do herói emoldurado
Mulheres, tamoios, mulatos
Eu quero um país que não está no retrato
Brasil, o teu nome é Dandara
E a tua cara é de cariri
Não veio do céu
Nem das mãos de Isabel
A liberdade é um dragão no mar de Aracati
Salve os caboclos de julho
Quem foi de aço nos anos de chumbo
Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês
Mangueira, tira a poeira dos porões
Ô, abre alas pros teus heróis de barracões
Dos Brasis que se faz um país de Lecis, Jamelões
São verde e rosa, as multidões. (Estação Primeira de Mangueira, 2019)
Apresentadas as narrativas, pedimos aos estudantes que contassem uma história do Brasil “que não está no retrato”, o que resultou nas narrativas de suas próprias histórias: mães, avós e outros ancestrais. As histórias chegaram com uma força visceral, mostrando que suas memórias ecoavam os contextos sobre os quais precisávamos refletir em sala de aula. A abordagem organizada pelo Grupo de Humanidades da escola oferecia uma leitura sobre a realidade social a partir da memória dos atores envolvidos no processo pedagógico.
Neste ensaio, as expressões “histórias de vida” e “narrativas autobiográficas” são tratadas como sinônimas. A narrativa é uma forma de contar uma experiência particular refletida sobre a qual atribui-se sentido e significado (Souza, 2007). Nas abordagens pedagógicas em questão, as narrativas foram construídas por estudantes a partir de abordagens pedagógicas que os conduziram a rememorar suas trajetórias e ancestralidades. Ou seja, as narrativas construídas são suas histórias de vida. “A abordagem biográfica tanto é método, uma vez que adquiriu, em seu processo de consolidação, vasta fundamentação teórica, quanto é técnica, na formulação de várias propostas de maneiras diferenciadas para sua utilização” (Souza, 2007, p. 67).
As narrativas autobiográficas ou histórias de vida apresentam-se como uma perspectiva de formação, neste caso, da formação discente. Memória e narrativa são fontes de produção de conhecimento com potencialidade formativa (Souza, 2007). Segundo o autor, do ponto de vista epistemológico, foi a virada hermenêutica que legitimou a história de vida como método de investigação e formação. Fenômenos sociais são compreendidos como textos, interpretados na medida em que experiências individuais e coletivas a eles atribuem sentidos e significados (Souza, 2007).
A riqueza das histórias que surgiram desta atividade reside na relação entre as narrativas individuais e a coletiva, como reveladora do silenciamento de matrizes societárias formativas do Brasil. Já que os sujeitos são intérpretes da história, no caso em foco, as memórias dos estudantes lançam luz sobre narrativas coletivas silenciadas, oferecendo outras histórias, muitas histórias sobre o Brasil agrário. Conforme resultados da Sondagem Socioeducacional 2019, pesquisa conduzida pela Coordenação de Assistência Estudantil da instituição, 72% dos estudantes da escola se reconhecem como negros. Cerca de 90% vive nas periferias do município onde se localiza a instituição de ensino. Destes, 31% vivem em comunidades rurais e, em alguns casos, quilombos e assentamentos (Instituto Federal de Brasília [IFB], 2019). Sendo assim, suas narrativas ecoam vozes negras que conectam campo e periferia.
A contação de histórias trouxe diferentes linguagens, em consonância com a proposta transdisciplinar que envolvia os componentes de Sociologia, História, Geografia e Filosofia[1]. Para inspirar as construções dos estudantes, apresentamos a música e a narrativa oral, já mencionados. Nas composições dos estudantes, predominaram como formas de expressão a linguagem escrita e o desenho.
Dispostos em grupos de quatro estudantes, cada um elaborou sua história, escrevendo e/ou desenhando. Em seguida, partilharam as histórias e exercitaram a construção de uma única narrativa, alinhavando as quatro histórias contadas. A narrativa de cada grupo foi materializada em uma folha de cartolina.
No curso de agropecuária, ao longo do ano de 2019, experienciamos outras abordagens pedagógicas em torno das narrativas autobiográficas. Certa vez, assistimos vídeos que abordavam pertencimento étnico-racial e identidades de gênero. Conversamos sobre o entendimento que cada um teve a respeito dos materiais apresentados. Em seguida, os estudantes foram convidados a responder à seguinte questão: “quem sou eu?”, desde uma perspectiva do “falar de si hermenêutico”, ou seja, a escrita de si como um caminho para o conhecimento (Souza, 2007, p. 68). Concentrados, escreveram suas respostas em um pedaço de papel. Fiz a leitura de todas as respostas. Quem queria ser identificado fez sua própria leitura. Alguns assinaram o texto, mas a maioria sentiu-se mais confortável com o anonimato.
Por sua vez, no curso de agroecologia, abrimos o ano letivo de 2019 com uma aproximação à diversidade do campo, conhecendo a miríade do campesinato brasileiro, em amplo sentido: povos originários, quilombolas, caiçaras, geraizeiros, sertanejos e outros povos e comunidades tradicionais. Neste encontro, a dinâmica consistiu em um jogo de imagens e categorias. Em duplas, estudantes recebiam a tarjeta de uma categoria do campo, a exemplo: catadoras de mangaba. As imagens foram projetadas e as duplas buscavam encontrar a correspondência entre imagem e categoria identitária.
No encontro seguinte, em sala de aula, lemos histórias de pessoas que vivem ou viveram no campo, desde personalidades conhecidas como Chico Mendes e Margarida Alves, a mulheres como Naildes Rodrigues, liderança quilombola de Goiás. Lidas por diferentes pessoas, cada história foi recontada e partilhada com os demais integrantes do grupo. Ao final, sugerimos a estruturação de um roteiro, elencando os pontos que alicerçavam as narrativas lidas, a exemplo: origem, território, militância, dentre outros aspectos ressaltados nas biografias lidas. Os estudantes foram então convidados a construírem suas próprias narrativas autobiográficas.
Nestas atividades e na cotidianidade, os estudantes organizam-se nas salas de aula de forma circular. Quando da palestra musical realizada na escola em que eu lecionava no ano de 2014, o rapper GOG pediu que organizássemos as centenas de estudantes no pátio da escola em forma circular, em alusão à roda de samba, à roda de capoeira, ao jongo, à sussa (ou suça), ao xirê, dentre outras. Dizia ele que, em círculo, a energia flui.
Em matrizes afro-pindorâmicas, a circularidade está presente em muitas formas de organização alicerçadas em princípios e fundamentos comunitários. Ao estudar tecnologias derivadas de matrizes africanas no Brasil, Silva e Dias (2020) ressaltam a espacialização em roda como um dos aspectos que compõem as motrizes africanas, que seriam, a “força que provoca ação como também uma qualidade implícita do que se move e de quem se move” (Ligiéro, 2011, p. 132).
Assim como propõe Santos (2015), o uso do termo ‘afro-pindorâmica’ é um exercício de descolonização da linguagem e do pensamento. “Pindorama (Terra das Palmeiras) é uma expressão tupi-guarani para designar todas as regiões e territórios da hoje chamada América do Sul” (Santos, 2015, p. 20). Ao falar em matrizes afro-pindorâmicas, referenciamos experiências que remontam à ancestralidade africana e de povos originários. Nelas, a circularidade como forma de organização revela que as pessoas não são apenas espectadoras, posto que todas que estão na roda participam de diversas formas. Enfim, a experiência se constitui a partir de uma relação de integração da pessoa em direção à coletividade e vice-versa (Nascimento & Santana Júnior, 2019).
Mais do que uma forma, a circularidade convida a uma (ou várias) cosmopercepções, ou seja, formas de perceber a si e ao mundo. Como sugere Oyewùmí (2018), falamos em cosmopercepção e não em cosmovisão, de modo a não sobrepor um dos sentidos aos demais. A visão é preponderante na matriz societária da modernidade ocidental, mas não o é em outras. Acolher outras matrizes no currículo implica em uma revisão da linguagem, na medida em que a língua se impõe como instrumento de dominação. Implica ainda em acolher diferentes linguagens no processo de ensino-aprendizagem. Ressalta-se neste exercício a oralidade, a musicalidade e a dimensão imagética para além da escrita, que costuma estar mais presente nas salas de aula, já que prepondera na construção do conhecimento moderno ocidental. Em cosmopercepções afrocentradas, as dinâmicas não são lineares. A temporalidade não é estanque. A constituição das narrativas autobiográficas entrelaça passado e futuro no tempo presente.
Ao final do ano de 2019, conversamos sobre as experiências vividas naquele ciclo. Neste momento, os estudantes manifestaram seu apreço pelas “rodas de conversa”. Referiram-se à comunidade da sala de aula como um lugar de prazer e sobre a aprendizagem como algo “divertido”. Trago aqui o termo sugerido por Hooks (2013) por compreender que a constituição de uma comunidade de sala de aula expressa a partilha de um compromisso em torno de um bem comum que nos une: o desejo de aprender, ensinar e crescer juntos.
Nesse sentido, as abordagens propostas ajudaram a propiciar a constituição de uma comunidade, na medida em que os estudantes se colocaram, sentiram-se à vontade, bem como fizeram o exercício de reconhecer uns aos outros, tecer interações olho no olho e escutas atentas. Entretanto, nem todas as pessoas se deixam afetar por esta abordagem pedagógica. Houve, evidentemente, desinteresse e/ou resistência por parte de alguns estudantes. Por vezes, as dinâmicas dos encontros resultaram em grande agitação, chegando a um aparente caos - o que faz parte do processo, na medida em que esse tipo de abordagem é também um convite para expressar emoções, conflitos e divergências, o que exige do professor um trabalho robusto de mediação.
Dentre os retornos oferecidos pelos estudantes, um deles foi especialmente marcante: uma estudante, negra e periférica, compartilhou que os encontros eram um convite a se autoconhecer, a refletir sobre seu lugar no mundo. A fala da estudante do curso de agropecuária evidencia a indissociabilidade entre educação, ciência e sociedade. Como sugerem Rodrigues-Moura e Brito (2019), a aprendizagem científica alinhada a elementos da educação, ciência e sociedade deve priorizar uma formação humanística e reflexiva, elementos de interdisciplinaridade e contextualização, formação para a cidadania e investigação social para a tomada de decisões conscientes.
A seguir, proponho uma análise dos processos de subjetivação de sujeitos do campo partindo de algumas narrativas e categorias identitárias que surgiram nos processos pedagógicos ora comentados. As perspectivas da circularidade e da temporalidade cíclica constituem eixos que estruturam a análise proposta. Cruzam-se as narrativas construídas pelos estudantes, o ted-talk de Adichie (2009) e o samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira (2019), no intuito de permitir aflorar uma pluralidade de narrativas e histórias sobre o Brasil central.
O exercício em torno das narrativas biográficas é também um autoconvite
Seria incoerente experienciar uma pedagogia engajada constituída a partir das histórias de vida sem antes exercitar a construção de uma narrativa autobiográfica. Então vamos lá! Nasci no Planalto Central, fruto da união entre uma goiana e um mineiro. Na linhagem materna, nossas origens remontam ao antigo norte do estado de Goiás, que se transformou em Tocantins quando eu tinha sete anos de idade. Nossos ancestrais tiveram que “sair fugidos do norte”, mais precisamente da região de Natividade, uma das mais antigas rotas de ocupação negra deste território. Saíram de Natividade em direção à Cidade de Goiás, onde estabeleceram residência. Acompanhando a mudança da capital do Estado, em 1937, meus bisavôs foram para a Rua 55 do Bairro Popular, em Goiânia. Foi aí que minha mãe nasceu, amparada por uma vizinha. Cheguei a conhecer a mãe de minha avó materna, mas eu era bem pequena. No exercício de rememorar, esta mulher encarna as sabedorias ancestrais em torno do poder das plantas. Uma das memórias de infância levam-me de volta ao quintal da Rua 55, ao encontro de vovó Canja com seu cabelo black grisalho, sentada em uma cadeira de ferro encapada com plástico colorido, rodeada de plantas. Plantas que ficaram na memória.
Minha mãe cresceu, mudou-se para Brasília na década de 1970 e se transformou em uma mulher muito urbana, ao contrário de meu pai, que fez o caminho de volta ao campo. Nascido em Santa Luzia, Minas Gerais, cresceu em uma casa que ficava bem próxima à linha do trem, em uma região de mata, nas ruas ao fundo da pequena cidade. Pouco sei sobre o meu avô paterno, a quem não conheci. Já bem crescida, ao visualizar uma foto dele, percebi sua negritude. Só recentemente descobri que ele frequentava “centro espírita”. Isso me foi revelado possivelmente em função de minha relação de pertencimento a religiões de matriz africana. Ao longo do século XIX até meados do século XX, o termo “centro espírita” era utilizado para se referir a diversas práticas religiosas de matriz africana, então criminalizadas pelo Estado brasileiro. Minha avó, descendente de italianos, era uma mulher imensa e muito brava. Doceira, perdeu as duas pernas porque insistia em comer escondido aquilo que o diabetes não lhe permitia desfrutar. Enquanto Belo Horizonte se tornava grande, Santa Luzia perdeu seus ares de interior, encontrando-se com as periferias da cidade vizinha.
Meus pais se conheceram em Brasília. Viveram juntos por duas décadas. Depois da separação, ele voltou para Minas, ou melhor, para os Gerais. Em Três Marias, no centro-norte do estado, viveu à beira da represa do Velho Chico, fazendo o que mais gostava: pescar. Cresci junto de minha mãe, irmã e da família materna estendida, sempre vivendo em apartamento. As férias representavam a possibilidade de me encontrar com os Jatobás, Lobeiras, Buritis e com as águas do Ribeirão dos Bois. Incrível como, mesmo represado, o rio segue seu curso. Por estes encontros, sou grata. Mas a convivência com meu pai também trouxe à baila as desigualdades de gênero e raça, vivenciadas desde a tenra infância. A violência doméstica, associada ao alcoolismo, marcaram profundamente minha trajetória.
No exercício da autobiografia, percebi que minha caminhada intelectual e profissional foi-se embrenhando para o universo das comunidades negras rurais, de onde eu vim. As vivências familiares conduziram-me a perspectivas de ensino, pesquisa e extensão em torno da educação para as relações étnico-raciais e relações de gênero. Olhar para trás permitiu-me dar sentido às escolhas do presente. Representou uma tomada de consciência, o que me levou a reconhecer os caminhos e saberes construídos no fazer pedagógico cotidiano (Souza, 2007).
Memórias em disputa: processos de subjetivação de sujeitos do campo
Os processos de identificação são contextuais e avessos à fixidez. São processos que se desenrolam na relação entre sujeito e prática discursiva, entrelaçando passado-presente-futuro (Hall, 2000). As identificações têm a ver não tanto com as questões “quem nós somos” ou “de onde nós viemos”, mas muito mais com as questões “quem nós podemos nos tornar”, “como nós temos sido representados” e “como essa representação afeta a forma como nós podemos representar a nós próprios” (Hall, 2000, p. 109). Numa brincadeira com as palavras raízes (roots) e rotas ou caminhos (routes), Hall destaca que não se trata tanto do retorno às raízes, mas das possibilidades de negociação dos nossos caminhos, especialmente aonde se quer chegar. Eis a circularidade das matrizes afro-pindorâmicas entrelaçando temporalidades e subjetividades. A identificação, segundo Hall, dá-se em um contexto de lutas discursivas, ou seja, da luta pela legitimação de um discurso diante de outros já legitimados.
Diferentes imagens são evocadas nas narrativas autobiográficas dos estudantes. Em ambos os cursos, agropecuária e agroecologia, muitas delas trazem a imagem da “família pobre” ou “humilde”, memória que pode evocar dor, mas também a gratificação que advém de muita luta e resistência. Estudantes cujas vivências estão ancoradas em paisagens citadinas encontram-se nas tessituras da memória com suas raízes camponesas, assim como me encontrei com as minhas no exercício autobiográfico. Propõe-se discutir como tais imagens dialogam com a história agrária brasileira.
Como ressalta Martins (1986), as imagens hegemônicas sobre o campesinato retratam o campo como um lugar de atraso e o camponês como pessoa rústica, preguiçosa, ingênua. Na região central do Brasil, onde se situam as abordagens pedagógicas em análise, o termo “caipira” incorpora exemplarmente tais imagens. A narrativa-mestra da história do Brasil está alicerçada em uma perspectiva agrária escravista, monocultora, extensiva e exportadora. O sistema de exploração colonial forjado pela Europa nas Américas entre os séculos XV e XIX estruturava-se sobre o grande latifúndio, a monocultura, o trabalho escravizado e a exportação da produção. Seguindo esta narrativa, a cronologia do Brasil estaria atrelada aos grandes ciclos econômicos – do pau-brasil, do ouro, da borracha, do açúcar, do café, dentre outros – ocultando quem desde sempre produz alimentos em nosso território.
Eis o perigo da história única. Há diversas outras formas de contar a história agrária do país. Narrativas de povos originários, quilombolas, sertanejos, geraizeiros, pantaneiros, dentre tantas outras radicadas no Brasil central, que acenam para uma pluralidade de percepções e experiências. Talvez seja possível esboçar uma aproximação entre tais narrativas na medida em que elas distanciam-se de uma forma de vida insustentável que concebe humanidade e natureza como separadas uma da outra.
Neste ponto de convergência entre narrativas, o campo ganha outro sentido; o “atraso” é uma escolha de relacionar-se com a natureza a partir de paradigmas outros, relacionar-se com a natureza como parte de si. Por sua vez, o tempo das pessoas que vivem no campo é o da fruição de vida, como diz Krenak (2019). O campo é também um lugar de luta e resistência; resistência inventiva, imaginativa e criativa. O campesinato pode ser então o lugar de encontro de muitas lutas e (re)existências.
Muito embora as narrativas autobiográficas dos estudantes evidenciem que “tem sangue retinto pisado atrás do herói emoldurado”, voltando ao samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira (2019), as autorrepresentações por vezes parecem aproximar-se da figura do herói. Não se trata aqui de entender a narrativa-mestra como sendo absoluta. Ao contrário, os caminhos analíticos buscam justamente visibilizar a pluralidade de narrativas sobre nossas histórias. Tampouco se trata de entender que narrativas constituídas por povos colocados à margem seguem, inevitavelmente, um caminho de identificação incondicional com os poderosos. Até porque estar às margens tem um duplo sentido, por um lado de dor, privação e exclusão, mas também de resistência, possibilidades e inventividades (Kilomba, 2019). Trata-se de uma busca por compreender as complexidades dos processos de subjetivação de sujeitos do campo e os desafios na construção de um pensamento crítico.
Uma adolescente de 16 anos, estudante do curso de agropecuária, que nasceu e cresceu em uma chácara, em uma cidade do interior do estado de Goiás, identifica-se como cowgirl. Ao lançar o termo no Google, surgem imagens de mulheres vestindo jeans, botas, cinto de fivela, chapéu; indumentária que prevalece entre estudantes deste curso. Todas são mulheres brancas. Deparei-me também com uma música da banda Pancanejo cuja letra merece análise.
Eu Sou Cowgirl
Eu sou cowgirl bixa bruta sistemática
Fui criada no mato, minha essência é natural
Nóis bebe é pinga daquelas que desce e queima
Nóis é goiana da gema
Amansar cascavel pra nois é normal
Nóis é cara de pau
Nóis é assim memo, ó
Bruta, rústica, sistemática e cachaceira, tome
Hoje eu tô por conta tô querendo bagaceira
Vou sair com a galera pra beber fazer zuera
O gato que der mole vou chega incantua num canto
Vou passar o laço dar um nó que não desata
Vou amarrar no braço puxar levar pra casa
E lá nois se ajeita e combina de dormir juntinho. (Banda Pancanejo, 2017)
A narradora aqui é uma mulher goiana do campo, que se define como “bruta, rústica, sistemática e cachaceira”. É notória uma subversão do lugar subserviente da mulher, presente em muitas letras do mesmo estilo musical. Nesta narrativa, a mulher é forte, destemida, dona de sua vida e protagonista nas relações sexuais-afetivas. Uma mulher que “foi criada no mato”, cuja “essência é natural”. Trata-se, portanto, de um processo de subjetivação enraizado no campo. Pois bem, de que campo estamos falando?
A banda Pancanejo tem como figuras principais o pai e sua filha, ambos de Anápolis, Goiás. O pai, antes de despontar na carreira como cantor, compositor, produtor musical e arranjador, trabalhou no campo, na atividade de engorda de boi, e na cidade, como lavador de carros. Sua trajetória parece explicitar os elos tecidos entre campo e periferia no Brasil. Além desta categoria, qual o repertório de identidades presentes entre estudantes? Na turma em que apareceu a categoria identitária em análise (cowgirl), tivemos um encontro com foco na diversidade camponesa no Brasil, ocorrido no início de 2020. Categorias como geraizeiros e pantaneiros eram desconhecidas pelos estudantes. Povos indígenas e quilombolas, embora conhecidas, tiveram representações incipientes, em grande medida estereotipadas. Afinal, não há como identificar-se com algo que se desconhece.
A pluralidade de narrativas radicadas no Brasil central é esquecida, ou melhor, é apagada em favor de uma narrativa universalizante, globalizante e superficial (Krenak, 2019). Voltamos então à problematização da história única. Os adolescentes de hoje pertencem a uma geração cujos pais nasceram logo após a implementação da Revolução Verde no coração do Brasil, no início da década de 1970. No Cerrado, este processo centrou-se na pecuária extensiva de corte e na produção monocultora de grãos para exportação, trazendo consequências ambientais e sociais, como a degradação de solos, a contaminação de mananciais aquíferos e a concentração de terras e riquezas (Mazzetto Silva, 2009).
A domesticação do Cerrado e a modernização da produção do campo, com o advento de inovações tecnológicas que transformaram a relação Capital/trabalho, é concomitante ao processo de apagamento das narrativas plurais enraizadas em nosso território. Foi um processo que retirou as famílias do Cerrado e as jogou nas periferias para servirem de mão de obra nos centros urbanos. “Essas pessoas foram arrancadas de seus coletivos, de seus lugares de origem e jogadas nesse liquidificador chamado humanidade” (Krenak, 2019, p. 9). Para Krenak, a coesão em torno da ideia de humanidade é uma falácia, na medida em que a humanidade é percebida como uma abstração civilizatória. Ela exclui a maior parte dos povos do mundo, os quais seriam tidos como sub-humanidade: povos que estão agarrados à terra, como ele diz, e aqueles que dela foram arrancados e lançados às periferias e favelas do globo. Ambos estão na periferia da humanidade. Concomitante ao apagamento das narrativas plurais dos povos do Cerrado, ganha força uma narrativa-mestra na qual o consumismo toma o lugar da cidadania (Krenak, 2019). Trata-se de uma história única. Ela exclui formas de organização que não estejam integradas ao mundo da mercadoria.
A própria trajetória da banda Pancanejo ecoa as dinâmicas ora comentadas. A família musical mudou-se do interior de Goiás para a Região Administrativa de Sobradinho, no Distrito Federal. Essa dinâmica se repete nas vivências de boa parte dos estudantes do curso de agropecuária. Tanto nas narrativas daqueles, cujas famílias ainda vivem no campo, como nas dos que vivem em cidades, o lugar aonde se quer chegar converge para um modelo de produção e societário congelado na narrativa universalizante, globalizante e superficial e aprisionado no mundo da mercadoria.
Quando se perguntou aos estudantes o que almejavam ser, boa parte das respostas se concentraram em torno de categorias profissionais como agrônomo, veterinário, zootecnista. Vale lembrar que ainda hoje a formação de profissionais de ciências agrárias baseia-se em pressupostos do modelo tecnológico e societário da Revolução Verde. Nesse sentido, a partir de quais perspectivas sobre o campo se dará a formação destes estudantes? Considerando tais perspectivas, a serviço de quem eles irão trabalhar? Questionamos os valores, a ética, as intencionalidades e os imaginários presentes nos processos formativos em que os estudantes almejam estar e como se expressariam as relações de poder que eles almejam traçar a partir de tais processos.
Na perspectiva de uma temporalidade cíclica, mais relevante do que indagar de sujeitos marginalizados seus desejos para o futuro é perceber e valorizar seus esforços empreendidos para chegarem aonde estão. Não obstante, as respostas acerca de seus planos se revelaram interessantes para reflexão. Em uma delas, “ser um fazendeiro rico”, é possível notar um desejo de reposicionamento em uma estrutura social classista, racista e sexista, que se expressa na inversão de lugares. Ou seja, não há um pensamento crítico sobre a estrutura em si. Quando acontece esse desejo de reposicionamento, explicita-se a perversidade do projeto colonial, que se atualiza constantemente. A identificação forçada com os heróis pode ser entendida como um processo de alienação, como sugere Grada Kilomba (2019). Desde essa perspectiva, o sujeito estaria preso na ordem colonial, vivenciando uma decepção que lhe provoca dor.
Já as narrativas autobiográficas construídas nos processos pedagógicos do curso de agroecologia acenam para outros desejos. “Geraizero”, “sertanejo”, “quilombola”, “indígena”, “agricultor familiar”, “raizero” são algumas das categorias identitárias que povoam os textos autobiográficos de estudantes deste curso. As narrativas delineiam um caminho em direção às memórias ancestrais, nas quais se ancoram referências que sustentam as subjetividades presentes. Ou seja, os estudantes constroem uma relação de pertencimento a partir da ancestralidade.
Assim, como propõe Oliveira (2012), ancestralidade, para além das relações consanguíneas, é produção de sentidos. As experiências vividas e trajetórias históricas estão ancoradas na ancestralidade na medida em que os sentidos se produzem a partir da territorialidade. “É o contexto investido de sentido” (Oliveira, 2012, p. 34). A produção de sentidos é também uma experiência ética, ou seja, constitui atitudes perante a si, aos outros e ao mundo.
O curso de agroecologia propõe uma formação na qual a produção de alimentos deve estar aliada ao cuidado com as águas, a terra, o ar, os animais, as plantas, as pessoas. Para tal, a diversidade e a pluralidade de existências, bem como de relações entre os vários seres viventes, são valorizadas. Trata-se de um curso que nasce de uma perspectiva crítica ao modelo de produção convencionado pela Revolução Verde, que ainda no final da década de 1970 entrou em colapso, dada a sua insustentabilidade econômica, social, ambiental e cultural.
Diversas narrativas autobiográficas construídas no curso de agroecologia transparecem uma busca em torno da seguinte questão: o que me trouxe a este curso? A abordagem pedagógica em torno das histórias de vida aponta mais uma vez para a circularidade dos tempos. O mergulho na memória, para muitos estudantes, traz uma reflexão sobre o sentido do presente e enseja vislumbres para o futuro.
Entrelaçando histórias, descolonizando sujeitos e saberes
Os imaginários e representações constituídas pelos estudantes podem ser reiterados e/ou questionados nos processos pedagógicos em que eles se inserem. Entende-se que pode haver uma relação de dupla via. Por um lado, a escola influencia as narrativas e identificações de estudantes, ao mesmo tempo suas narrativas têm a potência de moldar o currículo.
Nesse sentido, a reflexão em torno de si transcende a hermenêutica, perspectiva filosófica alicerçada em matrizes ocidentais, sobre a qual falamos ao início do ensaio para contextualizar as histórias de vida no âmbito da educação. Na medida em que histórias de vida dos estudantes visibilizam uma pluralidade de existências, a maioria delas mergulhada em cosmopercepções afro-pindorâmicas, o trabalho com as narrativas autobiográficas pode contribuir para repensar e atribuir outros sentidos a si, aos outros, à natureza (que nos inclui). E assim coloca-se a possibilidade de diversificar o currículo na perspectiva da interculturalidade, entendida como o diálogo entre culturas, mas também entre perspectivas e epistemologias distintas, que se reconhecem de igual valor, igual dignidade e merecedoras de respeito. Assim, trata-se de uma proposta pedagógica que busca desnaturalizar assimetrias sociais e transformar relações de poder.
As experiências de construção de narrativas autobiográficas ora analisadas aproximam-se e distanciam-se em diferentes perspectivas. De início cabe ressaltar que as abordagens pedagógicas desenvolvidas nos dois cursos diferem significativamente. No curso de agroecologia, a atividade proposta foi a escrita da própria história de vida, inspirada pela leitura prévia de outras narrativas biográficas. Já no curso de agropecuária, embora as abordagens praticadas em 2019 tangenciassem as narrativas autobiográficas, a construção da história de vida não foi o mote direto das atividades realizadas. Já em 2020, a abordagem seria similar à do curso de agroecologia, mas não ocorreu devido à interrupção das aulas presenciais durante a pandemia instaurada pela Covid-19.
As trajetórias das pessoas envolvidas nas abordagens também diferem entre si. De modo geral, uma diferença chama atenção: enquanto os estudantes de agropecuária têm entre 14 e 18 anos, os de agroecologia são em sua maioria adultos. Retomando o eixo de análise em torno da temporalidade cíclica, nota-se que, entre os mais jovens, a ênfase nas narrativas autobiográficas parece estar projetada para o futuro. Já entre os adultos, percebe-se uma narrativa em que o retorno ao passado dá sentido ao presente.
A partir das análises propostas, entende-se que o curso de agropecuária enfatiza um modelo produtivo-tecnológico que remonta à narrativa-mestra da história agrária brasileira, atualizando-a. Neste modelo, contemporaneamente, a produção organiza-se em monocultivos, voltados principalmente à exportação, com utilização de insumos químicos e alto grau de mecanização, estruturado em relações de trabalho sintetizadas na díade patrão-empregado. Estamos, portanto, atrelados à narrativa moderna em que a racionalidade exacerbada acabou por desencantar o mundo, como sugere Weber (1979). Neste mundo desencantado, “o fetiche do Capital ocupou o lugar do mistério. Racionalizou-se o sagrado e mitificou-se a tecnologia” (Oliveira, 2012, p. 41). Muito embora estudantes que vivem e produzem no campo vivenciem experiências divergentes deste modelo, ao longo do curso é essa concepção de produção agropecuária que lhes é ensinada.
Acompanha este modelo produtivo uma narrativa universalizante, globalizante e superficial. O monismo da produção reflete-se na homogeneização sociocultural, que aniquila as diferenças, apagando-se a pluralidade de perspectivas e existências radicadas no campo e oprimindo cosmopercepções afro-pindorâmicas. Poder-se-ia pensar que o aniquilamento das diferenças ruma ao epistemicídio, ou seja, “a desvalorização sistemática e, muitas vezes, institucionalizada de uma pluralidade de epistemologias existentes” (Silva & Dias, 2020, p. 12).
Se, em um processo pedagógico como este, a construção de um pensamento crítico é um grande desafio, mais desafiante ainda é o exercício de construção do conhecimento na perspectiva contracolonialista. Não obstante, as narrativas autobiográficas, quando ancoradas em ancestralidades afro-pindorâmicas, têm a potência de revelar relações não violentas entre os vários seres viventes e de nos ensinar a construir tais relações. Podem, portanto, ser um contraponto ao currículo homogeneizador, apresentando-se como resistência e potencialmente como (re)existência.
Por sua vez, o curso de agroecologia tem por objetivo construir conhecimento agroecológico reconhecendo e valorizando os saberes, experiências e referências culturais dos estudantes e das comunidades como dimensão significativa do processo de aprendizagem. A construção do conhecimento agroecológico pressupõe a pluralidade de perspectivas e existências radicadas no campo. Esse é ponto de partida do processo de produção do saber, que se faz teórico e prático concomitantemente. Agroecologia é ciência, movimento e prática a um só tempo (Wezel et al., 2009). Os saberes científicos e tecnológicos prestam reverência aos saberes tradicionais, pois nascem deles. As narrativas autobiográficas surgem então como um caminho certeiro para abrir as trilhas da produção de conhecimento na perspectiva contracolonialista.
A experiência de construir histórias de vida é um convite e um exercício para se tornar o narrador de sua própria realidade, o autor de sua história, opondo-se ao que o projeto colonial e racista predeterminou, libertando-se da ordem (neo)colonial, reinventando-se, ancorado na ancestralidade. Trata-se de um caminho para descolonizar o conhecimento (Kilomba, 2019). Na perspectiva da pedagogia engajada, a história de vida pode ser uma técnica que conecta a vontade de saber com a vontade de vir a ser (Hooks, 2013). No exercício de contar suas histórias, “o presente atua como interlocutor do passado e, consecutivamente, como locutor do futuro” (Santos, 2015, p. 19).
Nesse sentido, pode ser um caminho para descolonizar o próprio sujeito, que passa a (re)conhecer-se. Rememorar sua história é a possibilidade de reencontrar-se com a pluralidade de narrativas e existências enraizadas no Brasil central. O desafio está na potencialidade deste encontro. Mais do que (re)conhecer-se, a questão central é sentir-se parte destas histórias, incorporá-las à própria vida. As vidas ancestrais passam então a existir no sujeito presente. Esse é o poder da herança-memória (Vieira, 2011).
A abordagem pedagógica das histórias de vida é uma aposta em uma pedagogia enraizada na vida das pessoas que habitam a escola, propiciando ferramentas para se conhecer e compreender os processos históricos em que estamos inseridos, a partir da existência de cada um de nós. Partindo das narrativas autobiográficas, é possível problematizar categorias analíticas centrais na educação para as relações étnico-raciais, além das questões que se encontram na interface entre ciências sociais e agrárias, tais como as relações campo-cidade e os vínculos entre alimentação, cultura, economia e sociedade. No mundo que almejamos construir, tais narrativas tornam-se o ponto de partida para a transformação dos processos de formação em ciências agrárias, com a possibilidade de retomada dos saberes advindos das comunidades do campo, assim como de seus sistemas alimentares diversificados, nutrindo a sociobiodiversidade do Cerrado.
Não obstante, a abordagem pedagógica autobiográfica é apenas o pontapé inicial para a construção de uma pedagogia contracolonialista. A transformação dos espaços educativos também pode ser um elemento relevante na vivência da educação como prática da liberdade, no sentido freiriano (Freire, 2013). Ao se resgatar o apreço dos estudantes pelas rodas de conversa, é dada a devida relevância à ludicidade no processo de ensino-aprendizagem. Importante a compreensão de que a sala de aula é somente mais um dos espaços educativos; o tripé ensino-pesquisa-extensão sinaliza que outros espaços favorecem a construção de conhecimento a partir das vidas que habitam a escola. Nesse sentido, as próprias comunidades de origem dos estudantes são espaços educativos.
A educação como prática da liberdade é um processo complexo. Para torná-la realidade, faz-se necessário transformar o currículo de modo que a pluralidade epistemológica permeie todo o processo formativo. Por exemplo, que nas interfaces entre antropologia e culturas anuais, os estudantes possam vivenciar técnicas e saberes Krahô de cultivo da batata doce (Morim de Lima, 2016; 2017). Ou que possam aprender, nas interconexões entre silvicultura e antropologia, como as roças de toco praticadas pelos Kalunga e outros povos são estratégias para regenerar e melhorar os povoamentos florestais (Cunha, 2018). E podem vivenciar tal aprendizado com os próprios estudantes Kalunga que estão na escola. Ou ainda aprender sobre sistemas silvipastoris a partir da criação de gado na solta, praticada por Geraizeiros (Almeida, 2020). A Ecologia dos Saberes, ou, o diálogo entre conhecimentos científicos e saberes da experiência, coloca-se então como o horizonte de uma epistemologia plural, ancorada em uma visão ecossistêmica e transdisciplinar (Pinho et al., 2021).
Enfim, partilho a provocação de Ailton Krenak (2019) articulada à perspectiva da pedagogia engajada de Bell Hooks (2013). Se adiar o fim do mundo é sempre poder contar mais uma história, que a sala de aula seja um espaço para que, juntos, possamos contar nossas histórias, transformando-nos em uma comunidade aberta de aprendizado, ofertando e partilhando conhecimentos sobre como viver neste mundo. E que a miríade dessas histórias nos ajude a ampliar o horizonte existencial, enriquecendo nossas subjetividades. E que essas experiências possam contribuir para desnaturalizar a dominação e a opressão e nutrir desejos e práticas para a construção da liberdade e da justiça. É importante ter muitas histórias sobre os Brasis. Elas expressam a proliferação de sentidos e múltiplas interpretações sobre nossas existências.