1 Introdução
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é caracterizada como uma modalidade da educação básica destinada a quem não teve possiblidades de acesso ou continuidade de estudos na idade considerada adequada nas etapas dos ensinos fundamental e médio (BRASIL, 1996), sendo complementada pela Lei nº 13.632/18 (BRASIL, 2018) como um instrumento para educação e aprendizagem ao longo da vida, devendo ser asseguradas oportunidades educacionais apropriadas, considerando as especificidades de seu alunado.
Inicialmente, o público que compunha a EJA era formado por pessoas adultas que nunca haviam frequentado a escola, sendo difundidas diversas campanhas de alfabetização pelo Brasil fundamentando a ideia compensatória que ainda hoje acompanha essa modalidade. Em função da dinâmica escolar brasileira e das demandas do mundo do trabalho, o alunado passou a ser composto também por um público mais jovem, que acumulava defasagem entre idade e série cursada (DI PIERRO; JOIA; RIBEIRO, 2001).
Próximo a esse contexto, a EJA passa a atender também aos alunos que integram o público-alvo da educação especial (PAEE), que engloba pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação (BRASIL, 2011). A tendência de matrículas desse público, que anteriormente ocupava as classes especiais, começa a se manifestar e se firmar anualmente nessa modalidade, e, ainda que não se tenham dados conclusivos ou pesquisas em números significativos sobre a temática, é estimado que esse público corresponda a uma quantidade significativa no contexto do analfabetismo no Brasil, considerando a falta de acesso e permanência na escola (DALL’ACQUA, 2012).
A matrícula de alunos PAEE em classes comuns da EJA pode ser verificada por meio da análise das sinopses estatísticas disponibilizadas pelo Censo Escolar da Educação Básica (INEP, 2018), sendo registradas 53.778 em 2016 e 62.483 em 2017. Esse público de alunos, além de suas necessidades específicas, apresenta defasagem entre idade e série e, em muitos casos, embora tenha frequentando a escola por diversos anos e/ou não se encontre excluído dos espaços escolares, não possui conclusão escolar, formação profissional ou mesmo a perspectiva de uma certificação (CAMPOS, 2014).
Nos debates sobre o direito à educação desses grupos, tanto dos alunos PAEE quanto dos jovens e adultos em defasagem escolar, foram ignoradas ou minimizadas as discussões pedagógicas e a necessidade de conhecimentos e práticas específicos às características desses grupos. Entre as demandas de ambos os grupos, é perceptível a necessidade de seu reconhecimento, para além de suas carências, e da visibilidade que sustenta uma imagem de incapacidade adquirida por suas fragilidades ou pela negação de sua condição como sujeitos históricos e que acompanha os alunos e se reflete nas práticas desenvolvidas junto a eles (HAAS, 2015).
Ao se aludir à prática pedagógica de educadores, são compreendidas as concepções de Pedagogia e suas relações com o exercício da prática educativa (FRANCO, 2016). Nesse sentido, Freire (1977, p. 42) afirma que “toda prática educativa envolve uma postura teórica por parte do educador”. As práticas pedagógicas abrangem aspectos que ultrapassam a prática didática, envolvendo desde a formação inicial do educador, de suas perspectivas e expectativas profissionais, até a organização do trabalho docente e dos espaços escolares, conferindo grande complexidade a esse momento da docência (FRANCO, 2016).
Nas práticas educativas desenvolvidas junto a alunos jovens e adultos, muitas vezes ignoram-se a idade e as vivências sociais e culturais desses educandos, mantendo nas propostas a lógica infantil dos currículos destinados às crianças do ensino regular, enquanto as práticas e conteúdo a serem trabalhados deveriam ser aqueles que podem ser utilizados na vida cotidiana como meios para a autonomia desses sujeitos, sendo desenvolvidos a partir das histórias de vida, dos interesses e dos saberes dos educandos (OLIVEIRA, 2007).
Nessa direção, mostra-se necessário investigar as práticas pedagógicas dos professores que atuam junto aos alunos da EJA, indicando uma reinvenção da escolarização apoiada em suas ações docentes, concepções, necessidades de formação e processos educativos (VÓVIO, 2010), assim como a garantia de condições de permanência e sucesso escolar na trajetória de alunos PAEE na EJA, para além de sua matrícula, devendo-se aprofundar a reflexão e a discussão sobre o trabalho pedagógico desenvolvido junto a esse alunado (SIEMS, 2012).
Considerando a presença dos alunos PAEE na EJA e as demandas quanto à atuação docente, o estudo tem como objetivo geral analisar as concepções de professores sobre a inclusão escolar e as implicações na prática pedagógica junto ao PAEE no contexto da EJA, e, como objetivos específicos, descrever as concepções de professores da EJA e caracterizar a organização e atuação docente com um aluno PAEE.
2 Método
O estudo apresentado, caracterizado como uma pesquisa qualitativa, do tipo descritivo, na perspectiva do estudo de caso, refere-se a um recorte da dissertação de mestrado intitulada “Educação de Jovens e Adultos: Formação Continuada Colaborativa entre Professores da sala comum e da Educação Especial”, sendo os dados coletados e analisados durante o ano de 2018.
A pesquisa foi realizada nas dependências de uma escola municipal, no interior do estado de São Paulo, que oferece a modalidade de EJA, Ensino Fundamental I e II, no período noturno. Os participantes da pesquisa foram seis professores que ministravam as disciplinas curriculares na EJA correspondentes ao Ensino Fundamental II, em uma sala de aula com a matrícula de um aluno PAEE com transtorno do espectro autista. Os aspectos éticos da pesquisa foram preservados. Os dados de caracterização dos participantes estão elucidados no Quadro 1.
Participante | Gênero | Idade | Disciplina que ministra |
---|---|---|---|
P6 | Feminino | 60 | Artes |
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2018.
Para a coleta de dados, foram utilizados como instrumentos um questionário de caracterização dos participantes, um roteiro de observação e um roteiro de entrevista semiestruturada. Os instrumentos passaram pela apreciação de três juízes.
As observações foram realizadas em sala de aula no período de três semanas, em dias consecutivos, totalizando-se 25 horas/aula com 50 minutos cada. O questionário foi preenchido pelos participantes e entregue posteriormente à pesquisadora, enquanto a entrevista foi realizada individualmente na escola, na sala dos professores, agendada de acordo com a preferência do participante, sendo a média de duração das entrevistas de 31 minutos – considerando 44 minutos a de maior duração e 19 minutos a de menor. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra, sendo a transcrição averiguada por um juiz para concordância e fidedignidade das informações.
Os dados coletados foram organizados e analisados utilizando a técnica de análise de conteúdo com a categorização dos dados (FRANCO, 2005), sendo realizada a leitura dos registros de observação e da transcrição das entrevistas e destacadas as temáticas, organizadas em duas categorias.
3 Resultados e discussão
Os resultados descritos tratam das práticas pedagógicas do professor de EJA junto ao aluno PAEE, sendo os mesmos organizados nas seguintes categorias: (1) concepções dos professores sobre a inclusão escolar; (2) organização e atuação docente junto ao aluno PAEE nos espaços da EJA.
3.1 Concepções dos professores sobre a inclusão escolar
Sobre a opinião dos professores da EJA acerca da inclusão escolar, cinco (P2, P3, P4, P5, P6) a consideram válida, embora complementem as respostas com dificuldades que observam, enquanto um professor (P1) considerou apenas a questão de interação entre os alunos, não se posicionando na resposta.
No estudo realizado por Anjos, Andrade e Pereira (2009), a concepção da inclusão aparece em duas formas básicas, sendo considerada um processo no qual todos estão envolvidos na efetivação da proposta inclusiva, ou um produto, em que a inclusão é algo a ser aceito ou não, pressupondo ou não a possibilidade do envolvimento dos sujeitos. Nesse sentido, podem ser verificadas as respostas de P2, P4 e P5.
[...] na minha opinião a inclusão ela é positiva quando bem trabalhada, [...] e incluir não excluindo porque inclusão não é você ter o aluno na sala, você propor atividades totalmente diferentes daquilo que os demais estão fazendo, isso é exclusão, então incluir é você trabalhar, tentar trabalhar, o mesmo conteúdo, você pode ter alguma diferença na hora de explicar pra esse aluno, de passar as informações caso ele não consiga acompanhar a sala, mas eu acho que o trabalho inclusivo deve ser respeitado e valorizado. (P5)
eu acho que é super válido mas eu acredito que haja casos em que não seja adequado [...] algumas pessoas eu ainda acho que há as instituições que podem trabalhar mais especificamente com eles e pode adicionar mais do que a pessoa colocada aqui no ensino regular, por falta de condição do professor mesmo de não ter conhecimento a fundo daquele problema e poder atuar de maneira adequada. (P2)
eu acho que o projeto em si de inclusão é extremamente interessante, eu acho que a aplicação dele na prática não funciona e talvez em poucos casos tenha funcionado. (P4)
Na fala de P5, a inclusão é vista como um processo no qual se coloca como parte envolvida. Já nos relatos de P2 e P4, pode ser verificado o sentido da inclusão como um produto, o qual aparece, segundo Anjos, Andrade e Pereira (2009), como uma questão de compreensão em que as práticas não inclusivas se mantêm na não aceitação da inclusão, podendo perceber-se como uma falha do entendimento, algo na esfera da idealização. Esse ponto também é verificado na resposta do P1, que não se posiciona diretamente, comentando acerca do que observa no ensino regular e em comparação com o espaço da EJA, e não se coloca como sujeito envolvido no processo que pode possibilitar a inclusão e o envolvimento entre os alunos.
[...] esses alunos mais especiais num ensino regular teria mais dificuldade por questão até de mais desrespeito dos alunos, eles teriam mais dificuldade, teria bullying, eu já presenciei essa questão do bullying entre aluno regular e aluno especial [...] parece que é mais tranquilo os próprios alunos entendem melhor a situação atual vezes pela a faixa etária ser maior então fica mais fácil para os próprios alunos entender e respeitar essa inclusão. (P1)
Os professores P3 e P6 consideram a inclusão importante para o aluno PAEE enquanto participação de seu meio social e interação.
[...] eu diria em primeiro lugar a inclusão é muito favorável à formação desse cidadão independente da dificuldade que ele tenha de se socializar por conta das dificuldades, ou deficiência ou outro problema. (P3)
eu acho que para eles, mais para eles, é muito válido por ter uma oportunidade de estar no meio dos outros, de participar, de se sentir útil, enfim se renova [...] (P6)
Nesse aspecto, o estudo realizado por Carneiro e Uehara (2016), desenvolvido com professores do Ensino Fundamental I, indica opiniões semelhantes, embasadas na argumentação da socialização, sendo isso contrariado pelas autoras, que consideram que a socialização não é o objeto da escolarização, e, sim, um efeito natural desse processo, em que a “fundamentação para o princípio inclusivo está embasada na garantia de igualdade de direitos e oportunidades e em um ensino de qualidade para todos como preceito democrático” (CARNEIRO; UEHARA, 2016, p. 918).
Os participantes P2, P3 e P4 indicaram, ainda, a falta de formação dos professores para trabalhar com o aluno PAEE. Nesse sentido, a professora P5 coloca como sendo obrigação do professor buscar conhecimentos para o trabalho inclusivo.
[...] por falta de condição do professor mesmo de não ter conhecimento a fundo daquele problema e poder atuar de maneira adequada [...] (P2)
[...] em relação aos professores é um pouco complicado, [...] a falta de preparação com que a gente vem pra sala de aula, é obvio que a formação universitária ela é realmente limitada, não dá para se trabalhar tudo o que seria necessário para nos formarmos professores, se formar na prática, mas esses diálogos e inclusive [...] a participação tanto no âmbito teórico da graduação, quanto no momento prático, ainda na graduação, de estágios ou mesmo no início da nossa prática, nós estarmos em contato com a realidade da inclusão de modo que a gente pudesse compreender alguns modos de funcionamento que nós entendêssemos a dinâmica escolar com mais clareza, tudo isso falta pra gente, como adaptar currículos, são coisas que nos fazem muita falta [...] (P3)
[...] eu acho que uma diferença muito do que é teórico pra aquilo que é pratica, falta treinamento, falta instrução, falta adaptação à própria escola para aí receber esse público-alvo, não que eles não devam estar, eles devem estar sim sendo incluídos, eu creio nisso e acho extremamente importante, mas eu acho que não há preparo suficiente nem adequado pra maioria dos professores que trabalham no curso regular ou com o EJA. (P4)
o professor ele é formador de opinião, e ele tem obrigação sim, ele pode não saber muito sobre a educação inclusiva, mas ele tem a obrigação de buscar [...] (P5)
Ainda nesse aspecto, quando questionados se sentiam-se preparados para a inclusão dos alunos PAEE em suas aulas, os professores P1, P2, P4 e P5 responderam que não, indicando a falta de conhecimentos e a necessidade de formação. Embora P2, P4 e P5 tenham apontado a aprendizagem pela experiência, consideraram a necessidade do conhecimento teórico.
[...] eu acho que eu deveria ter, tanto de minha parte como talvez uma ajuda da escola, em fazer com que minha formação seja um pouco maior na questão [...] (P1)
[...] já são seis anos lidando com várias pessoas desse público e sem nenhum caso assim extremo de dificuldade, mas isso é só uma questão do histórico, preparado eu não estou, absolutamente, não tenho conhecimento técnico, mas vamos dando um jeito. (P2)
[...] nem sempre a experiência de ter lidado com alguém dará capacidade de ensiná-lo em outros casos, eu acho que falta sim instrução, na própria faculdade isso falta, [...] falta cursos, acho que falta sentar com os professores e, com toda dificuldade de tempo, de alguma maneira arrumar tempo para instruí-los nesse sentido [...] (P4)
[...] se você recebe um aluno público-alvo da inclusão você vai ter que conhecer o aluno, tentar ver como você vai trabalhar com ele, as suas estratégias de ensino, como você vai em sala de aula lidar com esse aluno, [...] buscar alguns cursos, ler sobre o assunto, procurar ajuda de especialistas dentro da própria escola, da coordenação se necessário [...] (P5)
Os dois outros professores não deram respostas afirmativas ou negativas. O P6 disse que se prepara quando se depara com a necessidade, enquanto P3 se considera em preparação, também indicando a necessidade de formação, bem como da organização de sua dinâmica de trabalho para realizá-la.
[...] a gente se prepara no momento em que aparece a situação, não é?! [...] a experiência do dia-a-dia que faz com que a gente consiga levar a situação[...] (P6)
[...] ainda preciso ler mais inclusive, infelizmente pela minha dinâmica de trabalho é muito difícil eu conseguir parar para me aplicar no aprofundamento mesmo, das leituras sobre a questão, [...] preparação prévia ela foi completamente insuficiente (P3)
Relatos semelhantes são verificados no estudo de Carneiro e Uehara (2016), indicando a necessidade de um movimento de formação em serviço que abranja além dos aspectos teóricos, como estudos de caso vivenciados pelos professores, reflexão sobre sua atuação docente e entendimento do papel da escola e de todos os agentes que a integram nesse processo inclusivo.
3.2 Organização e atuação docente junto ao aluno PAEE nos espaços da EJA
Na entrevista com os professores, ao conversar sobre o planejamento de ensino, foi questionado sobre a existência de especificações sobre o aluno PAEE no plano de trabalho. Todos os professores responderam que isso não foi contemplado no plano. Como justificativa, P1 indicou que se tratava somente de um aluno, e que ele não apresentava dificuldades, enquanto P5 relatou desconhecimento acerca do aluno PAEE na elaboração do planejamento inicial.
[...] como é a questão só de um aluno então não tem uma diferenciação, algo especial para ele, como ele consegue entender bem então é no mesmo nível. (P1)
[...]eu não faço um planejamento específico, é o mesmo planejamento utilizado tanto para os alunos, como o público-alvo da educação especial, aí o que acontece, se eu percebo que há necessidade de alguma mudança, é lógico que é feita, [...] tanto porque quando nós montamos o planejamento, se eu não estou enganada, a gente não tinha a ideia [...] se tinha alunos com necessidades especiais, então nós fizemos pensando no geral, pelo menos na parte de inglês eu fiz pensando no geral, e é uma coisa pra gente se atentar. (P5)
Quando questionados sobre a existência de um planejamento específico para o aluno PAEE na escola, os professores demonstraram não ter conhecimento sobre o assunto. Nesse sentido, P2 e P3 comentaram sobre a existência de uma sala de recursos multifuncionais na escola e de um acompanhamento do trabalho junto ao aluno PAEE.
não, não é feito, pelo menos na minha matéria não, lógico que a gente tem uma sala de recursos, então deve ter um planejamento com levantamento dos alunos [...] (P2)
[...] não é feito, o que acontece é um acompanhamento desse trabalho, orientações iniciais e existe um espaço bastante aberto de diálogo [...] (P3)
Pelo relato dos professores é possível verificar a presença de um educador especial e sua atuação no espaço da EJA, contudo o trabalho se mostra com pouca articulação entre esses professores. Entre as atribuições do professor de educação especial no espaço escolar constam a elaboração e a execução do plano de atendimento educacional especializado, que deve acontecer junto aos professores do ensino regular, bem como a necessidade de ser estabelecida uma articulação com esses professores, visando à possibilidade de estratégias que promovam a participação dos alunos PAEE nas atividades escolares (BRASIL, 2009). Essa questão pode ser discutida na perspectiva do trabalho em colaboração entre os professores, em que o planejamento, as avaliações e as estratégias pedagógicas são definidos pelos professores de educação especial e da sala comum, favorecendo a todos os alunos o acesso ao currículo e o aprendizado, comtemplando efetivamente a inclusão dos alunos PAEE (MENDES; VILARONGA; ZERBATO, 2014).
Em relação à atuação docente junto ao aluno PAEE, todos os professores indicaram a realização do mesmo trabalho desenvolvido com o restante da sala, comentando que o aluno em questão não apresenta dificuldades.
é a maneira é igual ao restante da sala [...] e eu percebo que em todas as atividades, em tudo que eu propus até hoje, ele se sobressai, às vezes ele compreende, ele finaliza muito mais rápido de que outros alunos da sala que não são autistas. (P5)
o mesmo esquema [...] eu tenho que chegar perto dele e explicar direitinho, não é que nem um outro que eu posso fazer uma certa distância, eu tenho que chegar próximo a ele explicar passo a passo, mas não que ele tem dificuldade é que eu prefiro assim para ficar mais fácil para ele. (P1)
[...] eu não faço nenhuma adaptação de currículo, ele consegue acompanhar bem as aulas, não tem grandes dificuldades, quando surge alguma dificuldade eu tento apresentar conhecimentos mais básicos e construir um caminho de compreensão a partir de exemplos, ele consegue abstrair muito bem a partir de exemplos [...] (P3)
Nas aulas acompanhadas durante o período de observação em sala, verificou-se a realização do mesmo trabalho com todos os educandos. Os professores costumavam fazer orientações gerais e a explicação das atividades dirigindo-se a todos os alunos, sendo observada, em algumas situações, a realização de orientações individuais ao aluno PAEE pelos professores P2, P3, P5 e P6. Embora P1 tenha relatado essa prática, isso não foi verificado no período de observação. Em relação às atividades propostas aos alunos, não foi observada diferenciação de tarefas nas aulas, fossem elas contextualizadas ou não, assim como algum tipo de adaptação curricular, de atividades ou de materiais. O aluno PAEE realizou todas as atividades propostas e sua participação aconteceu de maneira eventual, respondendo, questionando ou fazendo algum apontamento.
Em relação à prática junto ao aluno PAEE, a maioria indicou que não encontrava dificuldades, sendo sinalizados desafios vivenciados por P4 e P5, como aspectos relacionados com a socialização do aluno e a verificação do alcance dos objetivos propostos. Ainda nessa direção, P2 comentou sobre a diversidade de alunos que demonstram problemas no aprendizado e a sua dificuldade para adaptar os conteúdos para cada um.
[...] que eu percebi até o momento não, [...]o único problema em trabalhar com o aluno é a questão da socialização, socialização em sala de aula, essa é a dificuldade que eu encontro [...] (P5)
[...] a minha dificuldade é não saber se exatamente, especificamente com ele, estou atingindo aquilo que eu gostaria de atingir com ele como com os restantes dos alunos da sexta série [...] (P4)
não sei se estou [...] trabalhando adequadamente, a gente tem muito aluno com certo tipo de problema de aprendizado, é difícil a gente adaptar pedagogicamente para cada um [...] (P2)
Sobre a interação estabelecida entre os professores e o aluno PAEE, os participantes P2, P3, P4, P5 e P6 indicaram o isolamento do aluno e a percepção de uma dificuldade dele na aproximação do professor. Somente P1 considerou ótima a interação, relatando que o aluno faz perguntas em sua aula e compreende a explicação que lhe é oferecida.
a interação é ótima, ele sempre pergunta para mim eu explico, reexplico para ele, ele entende numa boa, ele faz o dever, a lição, para mim é mais um normal, com ele não tem dificuldades ou algo específico. (P1)
[...] parece que ele não gosta muito dessa interação muito próxima, eu sinto que ele tem dificuldade quando eu chego muito perto [...] (P4)
[...] ele gosta de ficar bem isolado [...]então ele tem um canto dele na sala de aula, eu já tentei trazê-lo para próximo dos demais [...] (P5)
Os professores P2, P3, e P6 também indicaram a participação do aluno ao fazer perguntas, sendo que P2 e P3 comentaram sobre a preocupação do aluno com os conteúdos. P3 relatou que as conversas tendem a se restringir às demandas do aluno, que procura descontraí-lo e realizar um atendimento focado nas preocupações que ele demonstra, enquanto P2 comentou sobre sua percepção de um aluno mais reticente no início do período letivo, que passou a demonstrar confiança em relação a si e ao professor no decorrer das aulas.
eu estabeleço bastante contato visual com ele, falo olhando para ele, ele balança a cabeça, às vezes eu falo uma coisa engraçada ele ri, e ele sorri só[...] ele se preocupa com a matéria [...] ele é um aluno que não gosta de contato, ele fica isolado, mas ele estabelece contato visual e ele sorri, ele troca [...] quando começou ele era bem reticente mas agora ele já se sente confiante, ele faz perguntas, pergunta sobre a matéria [...] mas eu estou me relacionando bem com ele, ele tem confiança na minha pessoa. (P2)
[...] as conversas tendem bem a se restringir as demandas dele, ele atende pouco as nossas demandas de comunicação até nas tentativas de aproximação estabelecimento de vínculo [...] eu tento descontrair ele, [...] eu sinto ele bastante travado assim, com algum receio de estabelecer relações, acho que isso tem a ver com a condição dele, daí eu gosto de fazer brincadeiras com ele de provocar o riso dele, assim, tirar algum sorriso dele, e isso tem sido positivo [...] ele é bastante preocupado com errar, com estar fazendo certo, estar aprendendo [...] o meu contato geralmente é dessa natureza, tento não me manter só tão focado nem distante porque eu acho ele já tem dificuldade de aproximação, de socialização [...] (P3)
como ele fala muito pouco, normalmente eu peço ou oriento o que tem que ser feito e ele responde, responde não resposta falada, pouca fala, mas ele responde no sentido de fazer atividade e trazer pronta para gente de uma maneira que [...] (P6)
Cabe destacar que o aluno PAEE com o qual os professores atuam tem o diagnóstico de transtorno do espectro autista, sendo indicado por Menezes e Cruz (2013) que a principal demanda dos professores no trabalho com esse alunado é saber como as práticas de ensino podem ser desenvolvidas de modo a favorecer o processo de inclusão e aprendizagem. Embora esse aspecto tenha sido observado na fala de somente dois professores sobre as dificuldades junto ao aluno, os demais professores comentaram sobre o desafio de interação. Nesse sentido, os autores supracitados indicam que o professor precisa conhecer o aluno para desenvolver melhores interação e comunicação com ele, assim como atender às necessidades educacionais que apresenta. A questão da interação também é discutida por Martins e Monteiro (2017), os quais acreditam que, a partir das relações, são produzidos os significados, considerando que, no aprendizado do aluno com autismo, devem ser enfatizadas suas vivências e sentidos produzidos a partir de seus conhecimentos prévios.
Menezes e Cruz (2013) consideram, ainda, que, na atuação do professor com o aluno com autismo, se faz necessário um acompanhamento do professor especialista acerca das práticas pedagógicas, seguido de reflexão e orientação ao professor do ensino comum, possibilitando, assim, que este desenvolva segurança para assumir a responsabilidade do aprendizado de seus alunos, assim como no trabalho perante novas situações que se assemelhem às já vivenciadas.
4 Considerações finais
Os dados coletados indicaram aspectos relevantes sobre as práticas pedagógicas desenvolvidas junto ao aluno PAEE na EJA, considerando as concepções dos professores sobre a inclusão escolar e suas práticas didáticas.
Ao se buscar conhecer as concepções do professor de EJA a respeito da inclusão escolar e de práticas pedagógicas para o aluno PAEE na EJA, verificou-se que a maioria dos participantes do estudo considera a inclusão escolar válida, embora não se posicione como sujeito envolvido nesse processo, o qual pode possibilitar a inclusão e o envolvimento entre os alunos, sendo essa característica observada somente no relato de uma professora. Nessa direção, os professores não se consideram preparados para o trabalho junto aos alunos PAEE, indicando a falta de conhecimentos e a necessidade de formação.
Em relação à atuação docente, a principal demanda indicada pelos professores da EJA está relacionada com a dificuldade de interação estabelecida pelo aluno PAEE em questão, sendo considerado necessário o conhecimento sobre o modo de se desenvolverem as práticas de ensino junto a ele. Nesse sentido, o conhecimento dos professores em relação ao aluno e às suas especificidades de aprendizagem mostra-se fundamental para que se desenvolvam melhores interação e comunicação, atendendo às necessidades educacionais que ele apresenta. Além disso, é indicado o acompanhamento do professor especialista na orientação e reflexão das práticas dos professores da sala comum.
Desse modo, considera-se relevante a realização de estudos que contemplem outros aspectos relacionados com a prática de professores na EJA junto aos alunos PAEE, abrangendo a articulação do professor de educação especial nessa modalidade de ensino, assim como a possibilidade de colaboração entre este e os professores da sala comum, possibilitando reflexões e discussões acerca do trabalho pedagógico a ser desenvolvido junto ao PAEE na EJA.