Introdução
Este texto almeja ser um dispositivo de reflexão e ação em defesa do ensino de Geografia nos anos iniciais que esteja alicerçado na espacialidade e autoria das crianças e comprometido com propostas pedagógicas que dialoguem com as suas vidas, com os outros, com as coisas do mundo. Tal compromisso político-epistêmico se apoia na premissa de “que as crianças são seres que se transformam e o importante é criar condições para que possam se transformar” (LOPES, PAULA, 2022, p. 137). Assim, considera-se que na escola, “é preciso dar espaço, dar tempo para que a criança materialize a própria existência, permitir e confiar na transformação que esses novos seres trarão para a existência coletiva, para o mundo” (LOPES, PAULA, 2022, p. 137).
Esses pressupostos nos instigam a revisitar a formação inicial e continuada de professores, dialogando com essas prerrogativas, tensionando certezas e verdades, propondo outras interpretações ao pensamento educativo e às formas de ensinar e aprender Geografia.
Assim, propomos, basicamente, dois movimentos analítico-reflexivos. Para iniciar, são feitas considerações sobre a humanização e o espaço geográfico vinculados ao ensinar e o aprender nos anos iniciais, destacando a importância das propostas desenvolvidas com a Geografia escolar, comprometidas com as crianças. Sugerimos olhar a criança com mais curiosidade epistêmica, pois cremos que elas podem nos ofertar muitas práticas e reflexões para a sala de aula. Na sequência, são apresentados alguns títulos de pesquisa, por meio dos quais podemos identificar as investigações feitas sobre o ensino de Geografia nos anos iniciais. Os dados coletados demonstram uma tendência das temáticas mais estudadas e também das lacunas de temas e de quantidades de estudos na área.
Acreditamos que devemos evitar polarizações e certezas absolutas que mais limitam que ampliam a capacidade da Geografia de ajudar os alunos a lerem o mundo ‘lá fora’, tão aparentemente caótico em função da superdose de informações que bombardeiam as crianças (não só elas). Assim, na seção final do texto, apresentamos ponderações que buscam estimular a docência, estudos e pesquisas, no contexto de abundância informacional, da hiperconectividade e das complexas relações sócio-políticas, ingredientes que compõem o nosso conturbado mundo.
Ensinar e aprender Geografia nos anos iniciais: olhando longe e chegando perto
A Geografia é feita pelos seres humanos e o processo de humanização ao longo da história de nossa espécie materializou-se no espaço. A Geografia foca seus interesses de estudo justamente nos arranjos espaciais que são produzidos e dão condições à nossa existência em sociedade. Trata-se de um processo incessante em que:
As novas gerações ao nascerem encontram uma história da humanidade a partir dos espaços erguidos na superfície terrestre, estão entre os primeiros processos de mediação. As “formas” erguidas (entendidas aqui em seu caráter material e simbólico) são frutos da história humana, mas ao mesmo tempo são locais de onde a história humana constantemente se inicia; é fim, é começo, é gênese, formam as relações espaciais humanas, não são vazias. (LOPES, 2013, p. 130).
Assim, a humanização e a produção do espaço geográfico são indissociáveis e, “se o espaço geográfico é produzido e produz história, constitui também o humano” (LOPES, 2013, p. 130). Somos (ser) e estamos (espaço-temporalmente) situados. Isso nos constitui humanos.
Deter-se nesse aspecto é importante para destacar que as crianças “são e estão no mundo” (LOPES, 2009, p. 124), o que evidencia a necessidade de levar em consideração suas condições histórico-geográficas. Tal visão não indica que estamos nos filiando às teorias geográficas de cunho determinista, segundo as quais o desenvolvimento de um grupo de pessoas poderia ser explicado pelas interferências do ambiente, através de melhores ou piores formas de acesso aos recursos. Pelo contrário, buscamos reconhecer a criação e a transformação constantes do espaço realizadas através das experiências humanas. Logo, o espaço é reconhecido como “produto de inter-relações [...] constituído através de relações, desde a imensidão do global, até o intimamente pequeno” (MASSEY, 2008, p. 29).
Ser e estar no espaço constitui o pertencimento e a identidade, ou seja, a “geograficidade” da existência” (KAERCHER, 2014, p. 22), o que evidencia a importância da Geografia, e desafiam para, com ela, ler o mundo, pensar a vida, interagir com os outros, em propostas de ensino que ultrapassam o “passar” conteúdos fragmentados através da mera transmissão de informações isoladas. Essa perspectiva assume o ensinar a pensar, a ver as coisas em sua dimensão espacial, propondo formas de compreender a vida, como sugere Massey (2008, p. 29):
[...] uma esfera da possibilidade da existência da multiplicidade, no sentido da pluralidade contemporânea, como a esfera na qual distintas trajetórias coexistem. [...] estando (o espaço), sempre em construção [...]. É um produto de relações-entre, relações que estão necessariamente embutidas em práticas materiais que devem ser efetivadas, ele está sempre no processo de fazer-se.
Observar e refletir acerca dessas práticas materiais é matéria-prima (meio) e objetivo (finalidade) das nossas aulas, sejam quais forem as faixas etárias dos alunos. Todavia, nosso destaque aqui é para as crianças, pois é erro comum, quando entram no sistema escolar, serem consideradas ‘páginas em branco’ no que diz respeito às suas vivências espaciais. Queremos enfatizar justamente o oposto: o ser criança está intimamente ligado às suas práticas espaciais, sempre carregadas de simbolismos e atividades criadoras.
Levando em consideração esses pressupostos, o desafio que se coloca à escola é a busca pela constituição de um espaço pedagógico que dialogue, ouça e proponha geografias com as crianças em que, com os encaminhamentos do professor, produzam conhecimentos significativos, ampliem o pensamento geográfico-existencial que percorre diferentes escalas de análise, que se expande num movimento na espiral do conhecimento (REGO, 2006). Em suma, explicitar que nossa existência, desde sempre faz e é geografia - grafada aqui propositalmente em minúsculo para se diferenciar da Geografia (com G maiúsculo) que usamos para particularizar a ciência/disciplina acadêmica aprendida no Ensino Superior, e, ensinada na Educação Básica. Partimos de uma questão simples: é preciso mostrar aos nossos alunos que a geografia é anterior - e mais significativa - do que a Geografia acadêmica. O desafio é antigo e continua de pé: trazer reflexividade e vivacidade às nossas aulas. Para tal, se faz fundamental reflexões de caráter teórico que ultrapassem o mero conteudismo calcado em informações que falam, não raro apressadamente, de ‘tudo’ porque, afinal, tudo ocorre no mundo, e, a Geografia fala do ... mundo. Raciocínio circular.
Em se tratando dos anos iniciais, é necessário enfatizar que as crianças estabelecem relações com a materialidade do espaço, sendo que é o espaço vivido e imaginado, construindo sua espacialidade nas interações e nas vivências. Pensemos, por exemplo, nas brincadeiras. É fácil perceber que elas são - claro que há semelhanças - diferentes, inclusive, ou porque, ocorrem em lugares diferentes. Uma criança moradora de São Paulo, muito provavelmente, brinca em lugares e de formas distintas de alguém que vive numa cidade de, por exemplo, 5 mil habitantes. Eis aqui, um ponto de partida possível para pensarmos a geografia cotidiana de uma criança.
Nessa perspectiva, aos professores é fundamental nas situações escolares, desenvolver propostas didáticas em que essa espacialidade possa ser revelada e levada em consideração, no intuito de provocar a atividade criadora, tal como sugere Vigotski (2009); ou, ainda, ir na direção do pensamento alargado, tal como convidam Kaercher e Tonini (2017) - com o que se busca ampliar as visões de mundo dos alunos. Uma menina indígena haverá de ter uma visão diferente de natureza de um infante urbano. São vivências espaciais distintas. Em julho, no Rio Grande do Sul, nossa circulação pelas ruas é menos convidativa do que no verão. Pense você seus exemplos! Meninas podem andar tão livres na rua como os meninos, sobretudo ao anoitecer? Por meio de exemplos e perguntas direcionadas aos alunos, a ação docente na mediação didática assume papel fundamental. Se aproxima da vida, aliás, ganha vida. Dessa forma, entende-se que a função da Geografia na escola seja possibilitar às crianças apreenderem a leitura e escrita do mundo por sua condição geográfica, tendo oportunidade de dialogar com o mundo e com os outros, produzindo conhecimentos assentados em suas autorias e expressos nas diversas linguagens.
A mediação e as propostas desenvolvidas pelo professor a partir referenciais teóricos e metodológicos da ciência geográfica, da Didática e da Educação, tornam-se, então, fundamentais na constituição de um espaço pedagógico pautado nas formas de ver, compreender e agir com as crianças e com as suas geografias. Esses referenciais teóricos vão nos capacitar, por exemplo, para enfrentar o não raro caótico fluxo de informações a que são submetidos os alunos. Pensamos que é tarefa da escola filtrar, selecionar, propor leituras que, pelo menos, combatam dogmatismos, preconceitos e visões excessivamente simplistas do mundo e dos grupos que são diferentes do nosso. Pluralidade e democracia, não são sinônimos de tudo pode ou tudo vale, pois isso seria corroborar o senso comum, muitas vezes eivado de preconceitos de toda ordem. Pensamos que a escola, a sala de aula é o espaço-tempo (um lugar, portanto), de combate a intolerância, em especial as raciais, de gênero, classe social e religiosidade. Enorme são nossos desafios. Só com muito estudo e busca de parcerias entre colegas, vamos avançar com propriedade na direção de uma sociedade mais fraterna e socialmente justa.
Por meio da observação e acompanhamento da atuação docente, tem-se constatado a importância da formação qualificada. Esse processo formativo, exige paciência, escuta e propostas que (re)construam conhecimentos junto aos acadêmicos e professores, considerando que muitos deles, ao referirem-se à Geografia com a qual tiveram contato na escola, a caracterizam como um amontoado de informações que foram transmitidas pelo professor, para serem memorizadas por eles. Muita pressa em ‘vencer conteúdos’, que mais pareciam uma fuga da reflexão. Lembram os questionários através dos quais reproduziam informações dos livros didáticos ou de textos que o professor transcrevia para o quadro e que eram copiados em seus cadernos; lembram também, dos mapas para colorir sem refletir. Ocupações mecânicas em que as crianças eram consideradas páginas em branco.
Há o risco de o professor reproduzir o que foi feito quando era aluno. Adverte Tardif (2014, p. 73): “As experiências escolares anteriores e as relações determinantes com professores contribuem também para modelar a identidade pessoal dos professores e seu conhecimento prático [...]”. Isso exige reconstruir conhecimentos em propostas com as quais possam ser instigados a propor outros sentidos e significados para o movimento de aprender e ensinar com a Geografia.
Com a mesma preocupação, pesquisadores do ensino de Geografia nos anos iniciais, têm constatado que há problemas epistemológicos e didáticos envolvendo o seu ensino. As principais razões apontadas para tal situação, segundo Callai3, perpassam questões como a inexistência da formação inicial adequada, a formação continuada ineficaz por apenas ensinar ações e atividades para serem aplicadas como técnicas, sem preocupação em desenvolver reflexões e estudos sobre o seu fazer pedagógico) e o uso exclusivo de livros didáticos como o recurso mais importante na prática docente.
Se a formação inicial e continuada em Geografia possui carências, pode-se pensar que o problema central está associado à formação do professor e à pouca interação entre os estudos acadêmicos e as experiências escolares? Parece que a universidade e as escolas de Educação Básica ainda estão distanciadas. Isso mais do que um problema de distância (quilométrica), é um problema epistemológico. Deixamos de aprender uns com os outros. Equivocadamente, pensamos que numa instituição só se faz ‘teoria’, vista com desdém por muitos educadores, e na outra se faz um trabalho ‘meramente’ prático, como se nossas atividades não fossem também alicerçadas em visões teóricas. Com esse distanciamento, interrompe-se a necessária oxigenação em que ambas instituições poderiam se retroalimentar. Como romper esses muros tão eficazes justamente porque não são necessariamente ‘físicos’?
Esta questão desacomoda e coloca em movimento a busca por conhecimentos, especialmente acerca das pesquisas realizadas e das possibilidades de diálogo efetivo, entre os professores, os acadêmicos, as crianças e a Geografia escolar.
Para chegar mais perto e ver melhor: pesquisas sobre a Geografia nos anos iniciais
Mobilizados pelos questionamentos, foi desenvolvido o projeto de pesquisa “Quando eu olho de longe vejo mais. Quando eu chego mais perto vejo melhor as coisas que tem- A Geografia escolar nos anos iniciais do Ensino Fundamental: problematizações.”4.
O projeto conjuga movimentos de investigação inseridos nos campos da Geografia e da Educação, envolvendo o ensinar e o aprender nos anos iniciais, bem como a formação de professores e busca mapear e categorizar a produção acadêmica vinculada ao tema.
A etapa inicial da pesquisa, foi fundamental para dar suporte às próximas intervenções, compondo o “estado do conhecimento” (FERREIRA, 2002) sobre os dispositivos qualitativos e quantitativos que versam sobre a Geografia Escolar nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Com esse intuito, a coleta de dados foi feita por meio de pesquisa bibliográfica e levantamento documental no Catálogo de Teses e Dissertações no Portal da Capes, a partir da produção acadêmica stricto sensu (mestrado e doutorado) em instituições públicas federais, publicadas no período de 2010 até 2020. Neste artigo, nos limitamos a dar ênfase aos títulos, autores e instituições das pesquisas, para com eles evidenciar os temas de pesquisa relacionados com a Geografia nos anos iniciais.
Os limites do recorte temporal desta pesquisa são pautados em considerações em relação ao trajeto histórico da Geografia escolar nos anos iniciais. A partir da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996, n.º 9394, foi reestruturado o ensino do país e a Geografia conquistou seu espaço legal como disciplina escolar no currículo dos anos iniciais. Neste propósito, destaca-se a aprovação da Resolução CEB n° 2 de 1998 que passou a instituir as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental em que a Geografia se configurou como área de conhecimento.
Anos mais tarde, o Parecer CNE/CEB n° 11 de 2010, destacou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos. Além da perspectiva de mudança relativa ao ensino, antecipando o 1º ano, pelo conteúdo do parecer, os componentes curriculares obrigatórios do Ensino Fundamental, passaram a organizar-se em relação às áreas de conhecimento, de forma diferente à resolução anterior. Assim, a Geografia junto com a História passou a integrar a área de Ciências Humanas.
As mudanças legais exigiram a revisão dos projetos políticos pedagógicos, buscando incorporar as prerrogativas normativas, sendo que essas, incidiram diretamente sobre os currículos, e com isso, na Geografia escolar. Desse modo, a análise proposta nesta pesquisa, tem marco inicial o ano de 2010, tendo como referência a data do Parecer CNE/CEB n° 11 de 2010.
A fonte da pesquisa foi o catálogo de teses e dissertações da Capes5 que possui doze filtros para orientar a busca na plataforma, sendo eles: tipo (mestrado ou doutorado); ano (de 1987 até 2020); autor (em relação a quem escreveu a tese ou dissertação); orientador (em relação ao professor(a) que orientou o trabalho); banca (componentes da banca de avaliação do trabalho); grande área de conhecimento (com opções de área de estudo); área de conhecimento (com opções de áreas); área de avaliação (áreas de avaliação da Capes ao qual os trabalhos estão vinculados); área de concentração (opções de linhas de pesquisa); nome do programa (nome do programa de pós-graduação ao qual o trabalho está vinculado); instituição (universidade vinculada, pública ou privada); e biblioteca (site da universidade em que o trabalho está hospedado)6.
Nessa pesquisa foram selecionados os filtros a seguir7
a) tipo: mestrado e doutorado;
b) ano: recorte de 2010 até 2020;
c) grande área de conhecimento: Ciências humanas;
d) área de conhecimento: educação; ensino e geografia;
e) área de avaliação: educação e geografia;
f) área de concentração: educação e geografia;
g) nome do programa: educação e geografia;
h) instituição: universidades federais;
No desenvolvimento da pesquisa foram utilizadas cinco palavras-chaves, sendo elas: “ensino de geografia”, “anos iniciais”, “educação”, “formação de professores” e “formação Inicial de Professores”8.
O número total de trabalhos encontrados, utilizando as palavras-chave descritas, foi de 94.441, sem aplicação dos filtros descritos. Após a aplicação dos filtros o número de trabalhos foi reduzido para 296. Vale ressaltar que desse número, nem todos os trabalhos são sobre o ensino de Geografia, por mais que os filtros sejam aplicados, a plataforma também sugeriu trabalhos de Matemática e Ciências Biológicas, e para refinar a pesquisa, houve a necessidade de analisar caso a caso, considerando os filtros já descritos. O número total diminui quando utilizado o recorte de “anos iniciais”, porque parte dos trabalhos se concentra em pesquisas sobre o ensino de Geografia na graduação e Ensino Médio. Dessa forma, consideramos apenas os trabalhos que se relacionavam com todas as palavras-chave já descritas.
Ao fim, compuseram o banco de dados: 7 teses e 53 dissertações. A partir da análise do banco de dados originado, realizou-se a leitura das dissertações e teses e procedeu-se à categorização do conteúdo do material. Salientamos que 2 dissertações não estavam disponíveis para acesso e aquelas que não estavam relacionadas aos anos iniciais, não foram analisadas. Ao final, compuseram o banco de dados: 2 teses e 17 dissertações, cujos títulos, instituições e autores, estão a seguir.
O ensino-aprendizagem das categorias geográficas nas séries iniciais do ensino fundamental no município de Riacho das Almas - PE. PPG9 Geografia - Universidade Federal da Paraíba (PB). Autora: Maria Rejane da Silva. |
Geografar, alfabetizar com fantoches, é só começar!' PPG Geografia - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (RS). Autora: Karen Roberta Soares da Silva. |
A Representação Social de Geografia pelas Professoras e Professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. PPG Geografia - Universidade Federal do Piauí (PI). Autor: Raimundo Nunes Pimentel Neto. |
O conceito de lugar no livro didático e o processo de ensino aprendizagem. PPG Geografia -Universidade Federal de Goiás (GO). Autor: Luan do Carmo da Silva. |
Geografia nos anos iniciais do ensino fundamental: um olhar a partir da formação e da prática pedagógica dos professores do município de Alagoa Grande - PB. PPG Geografia - Universidade Federal da Paraíba (PB). Autor: Jonathas Eduardo Domingos Morais. |
A Formação Continuada do Professor dos Anos Iniciais e o Ensino de Geografia: o conceito de lugar em uma perspectiva do ensino desenvolvimental. PPG Geografia- Universidade Federal de Goiás (GO). Autor: Ismael Donizete Cardoso de Moraes. |
A educação geográfica com crianças nos anos iniciais do ensino fundamental: as bases conceituais humanistas no estudo do lugar. PPG Geografia- Universidade Federal do Piauí (PI). Autor: Maria do Socorro Pereira de Sousa Andrade. |
O Ensino da Cartografia a partir das propostas de Alfabetização Cartográfica nos Livros Didáticos de Geografia para os Anos Iniciais. PPG Geografia - Universidade Federal de Pelotas (RS). Autora: Suelen Ramos Novack. |
O ensino de Geografia nos anos iniciais do ensino fundamental: uma perspectiva a partir da análise dos livros didáticos aprovados pelo PNLD 2013. PPG Educação - Universidade Federal de São Paulo (SP). Autor: Guilherme Macedo Pascal. |
O significado da leitura do espaço por intermédio de proposta de letramento cartográfico nos anos iniciais. PPG Geografia - Universidade Federal de Santa Maria (RS). Autora: Viviane Regina Pires. |
O ensino de Geografia e a mobilização de conceitos nos anos iniciais: uma leitura da paisagem a partir dos conteúdos relevo-solo-rocha. PPG Geografia -Universidade Federal de Goiás (GO). Autora: Malu Itala Araujo Souza. |
A questão agrária e o ensino de geografia nos anos iniciais em Ilha Solteira (SP): relação campo-cidade e novas práticas. PPG Geografia -Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (MS). Autora: Mariana Vasconcelos da Silva. |
Geografia monstro: um currículo assombroso nos anos iniciais do ensino fundamental. PPG Educação - Universidade Federal de Minas Gerais (MG). Autora: Maira Freitas de Araújo Rodrigues. |
A presença dos conceitos estruturadores do conhecimento geográfico nos cursos de pedagogia em Minas Gerais. PPG Geografia - Universidade Federal de Aão João Del-Rei (MG). Autora: Samara Mirelly da Silva. |
O estudo do meio nos anos iniciais do ensino fundamental como possibilidade de entrelaçar a geografia e a educação ambiental. PPG Educação Ambiental - Universidade Federal do Rio Grande (RS). Autora: Ana Paula Borges Ramos. |
O ensino de Geografia nos anos iniciais do ensino fundamental: uma experiência no quinto ano. PPG Geografia - Universidade Federal de Santa Catarina (SC). Autora: Aline Beatriz Ludwig. |
No folhear das páginas, um estudo das práticas pedagógicas geográficas nos anos iniciais da EMEF Bento Gonçalves - São Leopoldo. PPG Geografia - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (RS). Autora: Cláudia Aparecida da Silva Galimbert. |
Fonte: CAPES. Brasil - Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, Dados das Teses e Dissertações da Pós-Graduação 2017 a 2020. Brasília: Capes, [2020]. Disponível em: https://metadados.capes.gov.br/index.php/catalog/203. Acesso em: 14 março. 2021.
Geografia nos anos iniciais do ensino fundamental: entre a realidade e as possibilidades. PPG Geografia - Universidade Federal de Goiás (GO). Autora: Marcia Virginia Pinto Bomfim. |
O olhar interdisciplinar na prática docente em geografia nos anos iniciais do ensino fundamental: linguagem simbólica em fenomenologia. PPG Educação - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (MS). Autora: Care Cristiane Hammes. |
Fonte: CAPES. Catálogo de teses e dissertações. Brasília, Capes, [2021]. Disponível em: https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/.
Os quadros anteriores com os títulos, instituições e autores(as) das pesquisas, configuram um panorama que demonstra, por um lado, a diversidade de temáticas que envolvem as pesquisas; por outro lado, o quanto ainda é necessário desenvolver investigações no campo da geografia nos anos inicias de escolarização. Há um vasto campo de temas a serem retomados e aprofundados para aproximarmos mais a universidade e a escola de Educação Básica e compreender o campo da educação geográfica realizada e ainda por realizar com as crianças. Outrossim, é basilar a análise das realidades contemporâneas, pois a hiperconectividade que coloca cada vez mais professores e alunos em contato com o mundo e os lugares. Sabemos que no campo informacional há conteúdos impróprios e (fake news, fofocas, sites meramente de curiosidades ou futilidades) - e que, ou justamente por isso, atraem sobremaneira a atenção de todas as faixas etárias de estudantes. Isso vai ‘exigir’ dos professores um empenho de filtragem, de escolha e curadoria. Não queremos defender a censura ou imaginar que o professor é a fonte única e indubitável do saber - a fim de que a escola seja um espaço de reflexão mais capacitado.
Surge um debate que aqui não podemos aprofundar: o que cabe entrar ou não na escola, na sala de aula? Onde estão as fronteiras do ‘educativo’ e do ‘diversionismo’, que muitas vezes além de não qualificar a leitura de mundo dos alunos, ainda enfatiza preconceitos e dogmas? Não se advoga aqui um elitismo, mas tampouco a ideia de que a escola pode ficar à mercê do quantitativo, do popular. É comum personalidades de fama, ‘celebridades’ quase instantânea terem milhares (milhões?) de ‘curtidas’ ou ‘seguidores’. São essas personalidades e conteúdos que vão pautar o trabalho em sala de aula? Acreditamos que não. Esse debate, que aqui apenas anunciamos, é imprescindível de ser feito pelo corpo docente - cabendo aos alunos também participarem - pois a escola é uma arena onde reinam disputas e distintas visões de sociedade e de ‘modelos’ a serem ensinados e seguidos.
É necessário que o professor desconfie de sua capacidade de ‘ver a realidade’, ‘ensinar a ser crítico’ e saber os ‘caminhos e valores corretos’ que as crianças devem ter. Enfim, a mediação dos professores é cada vez mais necessária frente à necessidade do tratamento e análise das informações. Nunca antes, se teve acesso a tantas informações e, ao mesmo tempo, evidencia-se cada vez mais, a necessidade de desenvolvimento de propostas didáticas que oportunizem o diálogo e confronto do que se ouve e vê, bem como trabalhar de forma sistematizada o ensino-aprendizagem amparado nas tecnologias. Estudar é preciso, pois o mestre que não se exercita no estudo (são palavras etimologicamente ligadas), corre o risco de correr muito, sem ter um destino em que, mesmo com o risco de errar, foi e é uma escolha reflexiva própria.
Em outra pesquisa, se destacou:
Aprendo com as crianças que, embora a sociedade contemporânea esteja estruturada na tecnologia, o uso desta não é automaticamente útil à Educação. Com isso, não estou negando a necessidade de incorporar o uso da tecnologia às práticas pedagógicas, pelo contrário, reafirmo a necessidade de fazê-lo numa perspectiva que incorpora a tecnologia às ações pedagógicas com a Geografia (THEVES, 2018, p. 141).
Este desafio que nos movimenta na pesquisa, formação e docência, propõe “colocar em andamento novas formas de agir, de pensar e de comunicar trazidas pelas tecnologias digitais de informação e comunicação, nas quais de alguma forma todos estamos inseridos nestes tempos de mudança” (TONINI, 2013, p. 50). Assim, queremos destacar as tecnologias, bem como os aplicativos e os grandes domínios da internet como fontes inescapáveis de nossas aulas. O livro didático, obviamente continuará sendo (esperamos), um instrumento presente nas salas de aula. Convêm realçar que a Pandemia de Covid-19 mostrou claramente o fosso de acesso às informações obtidas pelas diferentes classes sociais. Terrivelmente, a Pandemia aumentou ainda mais as discrepâncias na alfabetização de nossas crianças, em detrimento, é claro, das camadas socialmente mais pobres. Mostrou também a importância do poder público para investir na qualificação da escola pública, sob o risco mais do que provável de termos uma geração de semi-alfabetizados, mesmo que com o Ensino Fundamental (ou até o Médio) concluídos. Como abordar esse problema sem, como é comum, apenas sobrecarregar os docentes?
Concebe-se que os processos de ensinar e aprender, na escola, devem contribuir com o desenvolvimento dos seres humanos em suas múltiplas facetas, que não se restringem ao cognitivo. Para tanto, devem propiciar situações que mobilizem a formação de novas categorias de pensamento, que os conceitos apresentados em aula sejam, de fato, compreendidos e refletidos pelos alunos. Dar exemplos que façam interagir a vida dos discentes com o mundo da escola (do livro didático sim), mas também do ambiente digital. Essas fontes não são opostas nem antagônicos. Podem e devem conversar para que a escola seja um espaço de abertura, de novos questionamentos e visões. A escola, e nossas aulas podem mudar. Não para parecermos ‘simpáticos’ ou ‘moderninhos’, mas para sermos comprometidos com uma escola que esteja atenta às desigualdades e injustiças e seja, assim, um possível espaço de transformação. Ou este país será para todos, ou cada vez mais, construiremos cercas, muros e ficaremos presos neles, com medo da violência que assola, sobretudo os grandes centros urbanos.
Em outras palavras é preciso estudar, pesquisar e questionar: que conhecimento, professor, você constrói com seus alunos? Que participação cabe a eles em suas aulas? O conhecimento - e a escola - servem para que(m)? Esse processo oportuniza que as crianças constituam novos conhecimentos e novas formas de pensar, instigadas, exatamente, pela forma com que foi proposta a sua relação do saber com eles.
Considerações finais
O contexto contemporâneo exige da escola posturas que repensem o papel da Geografia escolar e a atuação dos professores desde os anos iniciais. Salienta-se que é preciso priorizar a apropriação dos conceitos ligados à espacialidade e encaminhar práticas pedagógicas carregadas de sentido, que valorizem o cotidiano, os conhecimentos dos alunos, investindo na construção de um saber que amplie a leitura do mundo com as crianças. Destaca-se nessa perspectiva, a importância do estudo da Educação, da Didática e da Geografia, que podem fomentar propostas e fortalecer o ensinar e o aprender no contexto de acirramento dos embates políticos. Há anos vivemos em um ambiente polarizado e até hostil, sem que possamos com delicadeza ouvir quem pensa diferente de nós. A escola não está imune a isso. Diante de posições muito fechadas (as certezas, não raro habitam em nossas crianças, às vezes, tão conservadoras), que tal o educador NÃO dar logo sua ‘opinião’? Que tal devolver a palavra aos alunos: o que você acha do que Fulano falou? Sicrano, desenvolva melhor seu argumento! Assim, valorizar um espaço-tempo precioso, inclusive para que o professor, possa evitar armadilhas e reducionismos. Não advogamos que o educar seja neutro - impossível - mas os debates não precisam ter a sua opinião como foco central. Deixemos as diferenças serem postas à mesa com respeito e tolerância - isso sim, uma defesa intransigente de nossa parte - de respeito ao outro. Ouvir é o primeiro passo. E, claro, não precisamos ao final de cada aula, ter um consenso sobre os mais variados temas. Eles continuarão vivos nos próximos capítulos. A vida pulsa, ainda bem!
O que se quer enfatizar, desde já, é a necessidade de um comprometimento em qualificar a formação inicial acadêmica (licenciatura) e em estimular sua articulação com a formação continuada. O professor ou é um estudante, ou é um professor que corre o risco de se acinzentar na profissão. Motivos para tal não faltam, mas o que podemos fazer para não desistir?
Depreende-se que estes são os pilares básicos para que seja possível desenvolver o ensino de Geografia com mais significado às crianças, e também, aos seus professores. Não basta essa disciplina fazer parte do currículo escolar; é imprescindível que tenha sentido aos sujeitos da aprendizagem diante de suas potencialidades ao contribuir na formação de sujeitos autônomos, reflexivos e atuantes na sua realidade socioespacial. As propostas de trabalho desenvolvidas com a Geografia nos anos iniciais, podem constituir-se em possibilidades para o desenvolvimento de uma prática social cotidiana, para a formação de uma consciência espacial, para uma relação ética e estética com o espaço, ampliando as visões de mundo, a compreensão do que acontece aos alunos e suas experiências. Afinal, com a Geografia e com os alunos, podemos ler o mundo de forma plural, contraditória e dinâmica, para que possamos compreender melhor a nós mesmos e aos outros; e, quem sabe, contribuir para ações na construção de um mundo digno para todos.
Os referenciais teóricos concernentes à formação docente evidenciam que a formação inicial e continuada, apresenta fragilidades ao caracteriza-se por um ensino fragmentado e especializado, por um conhecimento compartimentado e desvinculado da complexa realidade social que estamos inseridos, bem como, pela desarticulação entre teoria e prática. Diagnóstico feito. Resta-nos pensar nossas formas de ação docente, que nos mantenham vivazes numa profissão que é, sem dúvida, muito desgastante. Onde se pode tirar energia para continuar? Nossa impressão, em décadas de envolvimento com a educação, é que a resposta se mostra evidente: nos alunos. Eles são capazes. Eles querem ser ouvidos. Eles querem falar.
Este texto é um convite para que o professor possa reforçar sua parceria com os alunos, as crianças, os jovens e adultos. Eles carregam muitos saberes, suas vivências são as que constituem sua existência, que se dá no espaço. A ‘matéria prima’ são eles, até mais do que eventuais currículos, bases, livros, sites, plataformas ou apostilas.
É também um rastro indicando a necessidade de novas leituras da escola, das pesquisas e do mundo. É uma utopia - os educadores mesmo sendo racionais podem esperançar, acreditar - que o diálogo entre a universidade e a escola, entre o professor e o aluno, entre a Geografia e a docência, pode ser enriquecedor. Convidamos os leitores a viajarem conosco para fazermos nossos caminhos, olhando longe para ver mais, chegando perto para ver melhor.