Introdução
A ignorância do passado não se limita a prejudicar a compreensão do presente; compromete, no presente, a própria ação. (MARCH BLOCH, 2001).
O Conselho de Educação Superior nas Repúblicas Americanas (doravante, Conselho), objeto ainda não investigado pela historiografia da educação brasileira, foi criado em 1958 pelo Institute of International Education (IIE)1, sediado em Nova York. O Conselho era inicialmente financiado pela Carnegie Foundation, a Carnegie Corporation e a Ford Foundation. Segundo o Relatório do IIE de 1962, o Conselho era “[...] composto por um pequeno grupo de líderes das Américas no campo educacional com o objetivo de estudar os problemas educacionais de interesse mútuo para os EUA, América Central e América Latina e estabelecer recomendações e soluções a estes problemas” (RELATÓRIO DO IIE, 1920, p. 11).
A análise dos Relatórios Anuais do IIE no período de, realizados entre 1958 e 1978, período de existência do Conselho, trouxe inúmeras contribuições para a compreensão da estrutura organizacional, da composição e da origem dos recursos financeiros utilizados na sustentação institucional. Entretanto, os relatórios não informavam quais foram os intelectuais participantes, as reuniões promovidas e, o mais relevante, as recomendações presentes no campo do ensino superior a fim de sanar possíveis problemas educacionais detectados.
Ainda no que se refere às fontes para a consecução deste artigo, a ciência da participação do intelectual Anísio Teixeira no Conselho orientou o nosso olhar para o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV) onde se encontra o Arquivo Anísio Teixeira. Exploramos a série temática e encontramos o documento ATt 1958.03.282 com suas 3.327 páginas e 918 subdocumentos exclusivamente dedicados ao Conselho, aos encontros, às reuniões, à correspondência entre os membros e às decisões emanadas do IIE enquanto gestor do programa.
Com a intenção de estabelecer comparações entre os recursos financeiros, as bolsas de estudos presentes nos relatórios do IIE e o que se materializou no Brasil, consultamos os Relatórios Anuais da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)3 no período de 1958 a 1972. Foi um cruzamento necessário para avaliar o que foi proposto pelo Conselho e a existência de recursos financeiros que sustentassem os projetos relativos ao ensino superior no Brasil, ao menos na oferta de bolsas de estudos.
A metodologia utilizada neste artigo repousa na pesquisa de caráter documental e histórico, especialmente no que concerne à História Cultural que valoriza fontes variadas como os impressos (periódicos, boletins, revistas) (CHARTIER, 1990). Também recorre à História Política que entende o intelectual como um “ator do político”, que apresenta “[...] um engajamento na vida da cidade[...]” e dos seus projetos, e que pode ser a testemunha ou a consciência desses movimentos no que se refere à assinatura de manifestos e abaixo-assinados, criação de revistas e demais ações que se estendam a outros campos sociais (SIRINELLI, 2003, p.231).
Há que se destacar que se trata de um ator do político que opera em rede. Segundo Elias, nessa rede,
Muitos fios isolados ligam-se uns aos outros. No entanto, nem a totalidade da rede nem a forma assumida por cada um dos seus fios podem ser compreendidas em termos de um único fio, ou mesmo de todos eles, isoladamente considerados; a rede só é compreensível em termos da maneira como eles se ligam, de sua relação recíproca. Essa ligação origina um sistema de tensões para o qual cada fio isolado concorre, cada um de uma maneira um pouco diferente, conforme seu lugar e função na totalidade da rede [...] (ELIAS, 1994, p. 35).
Estabelecidos o objeto de estudo, o arco de tempo a ser percorrido, as fontes primárias utilizadas e a metodologia de pesquisa, entendemos que é o momento de delinear os objetivos do trabalho: contextualizar a trajetória do Conselho de Educação Superior nas Repúblicas Americanas no período de 1958 a 1978.
Os encontros promovidos pelo Conselho
A estrutura de reuniões do Conselho estava assentada em dois tipos de encontros: a Conferência Anual (CA) e a Reunião do Comitê Executivo (RCE) (Modalidades de Encontros – ATt 1958.03.28 - XIX-1A3).
A CA serviu como instrumento de externalização do trabalho do Conselho. Consistia numa série de palestras, debates, apresentação e proposição de projetos, e pesquisas financiadas pelo Conselho através de instituições privadas e pelo governo dos Estados Unidos. Entendemos que a CA era um espaço de legitimação institucional com a duração média de cinco dias e a sua divulgação nos Relatórios Anuais do IIE.
A RCE era a instância máxima das decisões institucionais. Dela, só participavam os membros efetivos do Comitê Executivo que definiam as pautas prioritárias, os eventos a serem realizados, os locais e os convidados que participavam desses eventos. As decisões emanadas dessa esfera representavam, portanto, o trabalho interno do Conselho e não se apresentaram nos Relatórios Anuais do IIE. Estão presentes nos memorandos e correspondências encontradas no Arquivo Anísio Teixeira do CPDOC-FGV, especificamente no documento ATt 1958.03.28 que abarca o período de 1958 a 1969. Anísio Teixeira pertenceu ao Comitê Executivo no período de 1958 a 1963. Entretanto, os seus diálogos com os membros do Conselho se estenderam até 1969 , segundo o documento Correspondência entre James F. Tierny e Anísio Teixeira em 22 de janeiro de 1969 (ATt 1958.03.28, XXIV-19). Evidentemente, essa afirmativa é provisória, pois se baseia nos documentos encontrados. De qualquer forma, tais diálogos teriam como limite máximo o ano de 1971, ano de falecimento de Teixeira. Em média, a Reunião tinha a duração de dois dias e, dependendo das necessidades institucionais, poderiam ocorrer até duas reuniões por ano.
A análise das recomendações e decisões do Comitê Executivo permite capturar a vida institucional com as suas concordâncias e os seus dissensos como memória institucional presentes nos documentos, memorandos e cartas, num possível cotejamento com o consagrado, via Relatório Anual.
Na estrutura do Comitê Executivo do Conselho o cargo de secretário-geral era reservado ao presidente do IIE. O intelectual estadunidense Kenneth Holland exerceu o cargo no período de 1958 a 1971, sendo substituído por Wallace Edgerton de 1972 a 1978.
Reuniões do Comitê Executivo no período de 1958 a 1962
Da Reunião Preparatória de 1958, participaram dezesseis educadores e especialistas: cinco representantes do IIE, dois da Carnegie Corporation, um do American Council of Learned Societies, três presidentes de universidades estadunidenses e cinco intelectuais latinos (Anísio Teixeira, secretário-geral da CAPES, Brasil; Jaime Benitez, chanceler da Univesidade de Porto Rico; Risieri Frondizi, reitor da Universidade Nacional de Buenos Aires, Argentina; Rodrigo Facio Brenes, reitor da Universidade Nacional da Costa Rica e Juan Gomes Millas, reitor da Universidade do Chile).
Com a data de 22 de maio de 1958 em papel timbrado da CAPES, encontramos um relatório elaborado por Anísio Teixeira com as impressões sobre a Reunião Preparatória. Sobre o clima do encontro afirmou que
Por estranho que pareça, o grupo mais franco foi o grupo sul-americano. Os norte-americanos, evidentemente dominados pelo complexo Nixon e anticomunismo estavam na atitude de quem pisa sôbre ovos. Delicados, senão compreensivos, apresentavam as questões com um tacto tanto mais intencional quanto mais ‘naif’. Aliás, essa ‘naivete” norte-americana – pelo menos dos professores norte-americanos – vez por outra surgia mesmo como tema explícito de discussão [...]. Não seria mesmo que subconscientemente os americanos estariam pensando ser um milagre o entendimento entre os dois mundos? O modo por que sublinharam, ao fim da reunião, haver tudo ocorrido tão bem, leva-me a crer que esta suposição não seria de todo infundada [...] (RELATÓRIO SOBRE REUNIÃO PREPARATÓRIA DO CONSELHO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NAS REPÚBLICAS AMERICANAS, TEIXEIRA, 1958, p.1, ATt 1958.03.28, I-4)4
A fim de contextualizar e compreender o comentário de Teixeira, acompanhamos o raciocínio de Pereira:
No fim de abril de 1958, o então vice-presidente Richard Nixon embarcou num viagem oficial de dezoito dias à América do Sul. A viagem era parte integrante da política externa da administração Dwight Eisenhower para a América Latina. Pretendia demonstrar a preocupação prioritária que o governo dos EUA estaria dando à região ao enviar um representante de seu mais alto escalão. O resultado que se tornou mais público e notório da viagem foram as séries de manifestações antiamericanas enfrentadas por Nixon em Caracas, na Venezuela, em que ele escapou por pouco de ter sido agredido fisicamente pelos manifestantes. Embora os burocratas do governo norte-americano, especialmente aqueles ligados ao Departamento de Estado, rapidamente tenham debitado o fiasco da viagem na conta do dito movimento comunista, a agressiva reação dos manifestantes venezuelanos expôs a vívida evidência da insatisfação com a política externa dos Estados Unidos para com a América Latina [...] (PEREIRA, 2011, p. 3).
Ou seja, a Reunião Preparatória aconteceu aproximadamente 15 dias depois dos protestos contra a política externa estadunidense para a América Latina. Cumpre, portanto, observar que a criação do Conselho também se incluía no rol das tentativas de “reaproximação” ou “reconfiguração” das políticas estadunidenses no continente. Lembramos que a Aliança para o Progresso, criada em 1961, foi a “costura” exata para essa nova roupagem.
Retornando às impressões de Teixeira, entendemos que os debates caminharam na direção das discussões sobre iniciativas públicas e privadas no campo da educação e em demais setores. Segundo Teixeira:
Mostrou-se também como os governos são em tôda parte algo de impopular, no bom sentido da palavra, resultando daí que a exclusividade de relações oficiais antes isola o representante estrangeiro do que lhe facilita a comunicação com o povo. Tôdos êstes comentários convergiam em acentuar a vantagem do entendimento, como o que se estava ali estabelecendo, entre pessoas e instituições privadas mais que entre governos [...] (REUNIÃO PREPARATÓRIA, TEIXEIRA, 1958, p. 2, ATT 1958.03.28, I-4)5.
A posição de Teixeira merece uma reflexão já que a sua participação no Conselho se deu como representante do governo brasileiro, especificamente do Ministério da Educação. Somado a isso, temos ainda a presença de quatro reitores de universidades púbicas da América Latina. Dessa forma, todos os representantes latinos estavam ligados aos seus governos. Existe uma dubiedade na postura de Teixeira frente à sua própria participação institucional. O intelectual demonstrou, ao final do relatório, um evidente ceticismo quanto ao sucesso do Conselho.
Confesso que tudo me deixou a impressão de que se está a procurar por cousas, que já se sabe, de antemão, serem impossíveis. Daí o caráter vago e cheio de complacências do encontro. O entendimento internacional é uma necessidade, todos o sentem, mas ninguém sabe como chegar a êle. Pior, todos sabem que, nas condições reinantes, é impossível chegar a êle. Será, talvez, exagerado, mas, a impressão que fica é que tudo isto são tonteios, hesitações e buscas do que todos precisamos: um govêrno mundial, com poderes suficientes e suficiente legitimidade para sair do puzzle ‘nacionalista’ e planejar e integrar-se no mundo transnacional e supernacional em que, de fato, estamos vivendo e que não queremos reconhecer [...] (REUNIÃO PREPARATÓRIA DO CONSELHO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NAS REPÚBLICAS AMERICANAS, TEIXEIRA, 1958, p 4, ATT 1958.03.28,I-4).6
De forma concreta, a Reunião Preparatória definiu que os membros deveriam pensar em indagações sobre o trabalho da instituição e essas questões seriam debatidas na primeira Conferência Anual do Conselho.
A primeira RCE de 1959 ocorreu no México. Na documentação referente à Reunião encontramos um timbre com a palavra “confidencial” (Ata da Primeira Reunião do Comitê Executivo do Conselho, México, 1959 – ATt 1958.03.2, II-23A). Entendemos que a referida confidencialidade seja fruto do acirramento da Guerra Fria e a ocorrência da revolução em Cuba. Entretanto, compreendemos que também houve a influência do “Plano militar geral para a defesa do continente americano contra a agressão do bloco comunista soviético”. O pacto foi firmado em 1957 entre os Estados Unidos e o Brasil e está disponível no acervo do Arquivo Nacional sob a seguinte identificação: Conselho de Segurança Nacional -C-01433 JID-1957. O pacto estabeleceu as ações que os países deveriam adotar em caso de conflito. Embora toda a preocupação fosse geopolítica e territorial, o Departamento de Estado dos Estados Unidos pode ter estendido a classificação a outras áreas como a Educação, especialmente ao ensino superior.
As recomendações sobre projetos, estudos, pesquisas e levantamentos abarcaram os seguintes temas: aprimoramento das comunicações entre os especialistas e educadores; estudo sobre os recursos alocados para o ensino superior e a sua relação com a renda nacional dos países membros; levantamento sobre as agências governamentais norte-americanas e as suas atividades na América Latina; circulação de informações e serviços destinados à orientação de bolsas de estudos para professores e o Estudo Comparativo da Educação Superior (Recomendações da Primeira Reunião do Comitê Executivo do Conselho, México, 1959 – ATT-1958.03.2, II-23A).
Em face da impossibilidade de exame de todas as recomendações oriundas das RCEs, privilegiaremos o Estudo Comparativo da Educação Superior por tratar-se do projeto-síntese do Conselho. A ideia era utilizar pesquisas, levantamentos, compilação de dados, material bibliográfico, documentos, marcos regulatórios e visitas às universidades de vinte e um países das Américas a fim de elaborar um quadro comparativo do ensino superior. Ou seja, a expectativa – ao final do projeto – se assentava em comparar para conhecer, conhecer para aproximar e aproximar para agir via reformas que se mostrassem necessárias para um melhor desempenho do ensino superior nos países latino-americanos, com o ensino superior dos Estados Unidos como modelo a ser seguido. Desta forma, temos o projeto prioritário do Conselho, o que demandou maior aporte de recursos financeiros e o mais longo em termos de execução.
A documentação sobre o processo de elaboração do projeto é vasta. Então, a fim de analisar com cuidado a sua construção, trabalhamos com a perspectiva cronológica de indicar o estado da arte do trabalho de pesquisa com as informações extraídas de cada Reunião do Comitê Executivo, memorandos e demais documentos no arco de tempo definido para este item.
Na RCE de 1959, foram sugeridos diversos nomes de intelectuais para a coordenação do projeto. Entretanto, o intelectual estadunidense Harold Benjamin – que não estava no rol de indicações – foi contratado para coordenar o estudo. Benjamin era especialista em estudos curriculares em Educação com formação pedagógica no âmbito da escola normal, na graduação e pós-graduação. Inicialmente, consideramos alguns pontos centrais para o desenvolvimento do trabalho. 1. As propostas de universidade ou de educação superior. 2. Organização e administração. 3. Os programas educacionais oferecidos; as principais lacunas desses programas; modelos de educação geral ou especializados, profissional e educação de adultos; e faculdades, estudantes, governo e suporte financeiro (Programação da Segunda Reunião do Comitê Executivo do Conselho, Costa Rica, 1959. ATt 1958.03.2, III-39).
A segunda RCE de 1959 aconteceu na Costa Rica. Segundo Teixeira, o Comitê Executivo
[...] examinou o trabalho já realizado, programou futuras visitas de educadores a outras universidades, apreciou novas propostas e, principalmente, estudou meios capazes de facilitar e intensificar as comunicações entre os educadores e cientistas das Américas (INTERCÂMBIO UNIVERSITÁRIO ENTRE AS AMÉRICAS, COSTA RICA, 1959 – ATT 1958.03.2, III-37).
As anotações oficiais da RCE, além das observações de Teixeira, indicaram que os planos de viagens e intercâmbio de educadores estadunidenses para a América Latina, e vice e versa, presentes nas decisões oriundas da reunião estavam relacionados ao projeto de “Estudo Comparativo da Educação Superior”, uma vez que as viagens e visitas possibilitaram a coleta de dados estatísticos e econômicos dos países e a sua aplicação no ensino superior (Intercâmbio Universitário entre as Américas, Costa Rica, 1959. ATt 1958.03.2, III-37A3).
Em 1960, o Chile recebeu a primeira RCE do ano. O aprimoramento das comunicações entre os especialistas e educadores; o estudo sobre os recursos alocados para o ensino superior e a sua relação com a renda nacional dos países membros; e o Estudo Comparativo da Educação Superior foram as recomendações da reunião (Ata da Primeira Reunião do Comitê Executivo do Conselho, Chile, 1960 – ATt 1958.03.2, V-40).
Em comparação com os projetos de 1959, houve a conclusão do levantamento sobre as agências governamentais dos Estados Unidos e as suas atividades na América-Latina e, ao menos em caráter temporário, a suspensão dos estudos sobre a circulação de informações e serviços destinados à orientação de bolsas de estudos para professores.
Seguindo a nossa delimitação de estudo referente aos projetos do Conselho, registramos que nas notas oficiais da RCE constam apenas a posição de Teixeira como diretor e Benjamin como consultor-geral do Estudo Comparativo da Educação Superior. De fato, um exame no corpus documental indicou que novas informações sobre o projeto só se fizeram presentes em memorandos e correspondências a partir de março, ou seja, após a primeira RCE de 1960. Portanto, as informações a seguir cobrirão o arco de tempo de março a maio de 1960, pois a segunda RCE desse ano só se realizou em julho.
A correspondência de 9 de março de Anísio Teixeira para Risieri Frondizi apontou a seguinte estrutura para o Estudo Comparativo: 1 diretor-geral e também assistente regional (Brasil); 1 consultor-chefe e também assistente regional (USA, República Dominicana e Haiti); 1 assistente regional (Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile); 1 assistente regional (México e América Central); 1 assistente regional (Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia); 1 secretário-executivo que deveria ser hispano-americano. Desse modo, se apresentou a concretização da proposta de divisão regional do trabalho. Na mesma missiva, encontramos a informação de que Frondizi foi indicado para a função de assistente regional, com a tarefa de coletar e sistematizar os dados da Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile (Correspondência entre Anísio Teixeira e Risieri Frondizi de 9 de março de 1960 – ATt 1958.03.2, VII-3).
A segunda RCE de 1960 teve os Estados Unidos como sede e avançou nas seguintes temáticas: Estudo Comparativo da Educação Superior nas Repúblicas Americanas; aprimoramento das comunicações entre os especialistas e educadores; projeto de coleta e análise de estatísticas econômicas concernentes à educação superior; projeto de distribuição de jornais e revistas científicas e outros materiais escolares para os educadores e especialistas e projeto de realização de seminários (Ata da Segunda Reunião do Comitê Executivo do Conselho, Estados Unidos, 1960 – ATt 1958.03.2, VIII-16).
A rigor, os dois novos projetos se referem à difusão do conhecimento, quer por meio da distribuição de publicações acadêmicas para os educadores latino-americanos e suas instituições, quer por meio de seminários com temas variados que teriam a função de congregar estudantes e profissionais das Américas. Os demais projetos estavam centrados na construção do Estudo Comparativo.
Nesse sentido, percebemos a continuação da centralidade do Estudo Comparativo da Educação Superior nas Repúblicas Americanas na primeira RCE de 1960 que ocorreu no Chile (Ata da Primeira Reunião do Comitê Executivo do Conselho, Chile, 1960 – ATt 1958.03.2, X-32, X-36 e X-39).
Quanto ao Estudo Comparativo da Educação Superior nas Repúblicas Americanas, o exame dos documentos apontou problemas no andamento da redação dos relatórios. Com o intuito de acelerar o processo, Teixeira enviou em 21 de março para o reitor da Universidade da República Oriental do Uruguai, Mario Cassinoni, um texto sobre a universidade, e que foi debatido na CA de 1961, solicitando o parecer do intelectual para sua inserção no relatório final (Correspondência entre Anísio Teixeira e Mario Cassinoni de 21 de março de 1961 – ATt 1958.03.2, XI-21).
A segunda RCE de 1961 aconteceu na Colômbia. Os temas discutidos abarcaram os seguintes pontos: Estudo Comparativo da Educação Superior nas Repúblicas Americanas – survey elaborado por Teixeira e Benjamin; seminários de Sociologia e Economia – relatório; seminário Interamericano de Bibliotecas Universitárias – relatório; ensino de Ciência Jurídica – relatório; Ciência, Engenharia e Tecnologia – relatório; projeto de distribuição de jornais e revistas científicas e outros materiais escolares para os educadores e especialistas – relatório; aumento do número de membros do Conselho e resposta às recomendações contidas no ponto “CHEAR – Uma ideia e um aparelho” (3ª Conferência Anual) – utilização da língua espanhola (Ata da Segunda Reunião do Comitê Executivo do Conselho, Colômbia, 1961 – ATt 1958.03.2, AI-22, XIII-10A e XIII-13).
Os seis primeiros pontos tratam de esclarecimentos e apresentação da situação de cada atividade. No que concerne ao aumento de participantes, a intenção
[...] era ampliar a representação geográfica dos participantes, e a inclusão de indivíduos especialmente treinados em ciência e engenharia. Neste caso, foram apresentados doze nomes de intelectuais latino-americanos e dez estadunidenses. A princípio, entendíamos que o Comitê Executivo decidiria o aceite dos novos membros. Entretanto, prossegue a ata com a seguinte afirmação: As decisões finais relativas aos convites ou participantes e observadores serão deixadas ao critério do Secretário-Geral e sua equipe, com a ajuda dos outros membros do Conselho quando necessário (ATA DA SEGUNDA REUNIÃO DO COMITÊ EXECUTIVO DO CONSELHO, COLÔMBIA, 1961 – ATT 1958.03.2, XIII-10).
Ao estabelecermos uma ponte entre essa decisão e a negativa sobre a possibilidade de uma sessão em língua espanhola na Conferência de 1962, deparamo-nos, pela primeira vez, com imposições e intransigência por parte de Holland e do IIE. Vale recorrer à decisão sobre a não utilização do espanhol: “[...] uma sugestão foi feita para realizar algumas das sessões da conferência de 1962 em espanhol. Após cuidadosa deliberação do assunto, foi acordado que seria melhor realizar todas as sessões em inglês [...]” (Agenda da Conferência Anual do Conselho, Brasil, 1962 – ATt 1958.03.2, XIII-10).
As duas questões remetem ao autoritarismo de Holland. Na primeira, os membros do Comitê opinariam sobre os membros indicados, mas a decisão final caberia ao secretário-geral e à sua equipe do IIE. Na segunda, a decisão não traz qualquer justificativa para o indeferimento do pedido. Sinaliza que houve uma discussão sobre o assunto, entretanto, não esclarece quem participou do debate. Ao nosso ver, prevaleceu a posição dos membros estadunidenses. Um posicionamento bem distinto do narrado por Teixeira nas suas impressões do primeiro encontro dos membros do Conselho em 1958.
Neste ponto, faz-se necessário problematizar que a não aceitação da língua espanhola se deu para uma conferência que aconteceria no Brasil e, por certo, teria um significativo número de participantes falantes do idioma hispânico. Cabe ainda, lembrar que as recomendações da 3ª Conferência Anual fizeram alusão à seleção de membros estadunidenses que dominassem a língua espanhola. Este pedido sequer foi considerado. Não encontramos objeções dos membros latinos em relação a essa situação.
A primeira RCE de 1962 aconteceu no Brasil. Dentre as questões debatidas, podemos destacar a proposta de uma Conferência sobre Antropologia nas Repúblicas Americanas; o futuro do Conselho e o relatório sobre o estudo de Direito nas instituições latino-americanas (Ata da Primeira Reunião do Comitê Executivo do Conselho, Brasil, 1962 – ATt 1958.03.2, XIX1A1, XIX1A2).
O documento (ATt1958.03.28) não fornece detalhes relativos aos aspectos discutidos. No entanto, ao menos em um deles, podemos tentar aproximações interpretativas: o futuro do Conselho. Pensar nas possibilidades de continuação dos projetos e demais ações desenvolvidas pela instituição significa captar o movimento dos aportes financeiros. As verbas colocadas à disposição pela Carnegie Corporation e Ford Foundation tinham periodicidade trienal, portanto, foi o ano da primeira renovação de apoio. Sabemos – através do exame das declarações financeiras constantes dos relatórios anuais do IIE – que houve a continuidade da parceria. O problema tem relação com o alargamento dos horizontes do Conselho e a urgência por mais verbas do que as alocadas pela Carnegie Corporation e Ford Foundation. Assim, paulatinamente, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Departamento de Estado dos Estados Unidos e a United States Agency for International Development (USAID) se transformaram em parceiros obrigatórios para a sobrevivência do Conselho. O memorando de Anísio Teixeira para Pedro Calmon – Reitor da Universidade do Brasil – revela a presença do presidente do BID na Conferência Anual de 1962. Tal situação teve desdobramentos na linha de atuação institucional (Memorando de Anísio Teixeira para Pedro Calmon em 12 de janeiro de 1962 – ATt 1958.03.2, XVII-1).
A segunda RCE de 1962 ocorreu nos Estados Unidos em junho. Não tivemos acesso a qualquer informação sobre a reunião. Nesse caso, cabe aduzir que Anísio Teixeira não se fez presente. Em correspondência de 27 de julho de 1962 dirigida a Pearl Purcell, assistente do secretário-geral do Conselho, Teixeira justificou a ausência por reuniões em Brasília com reitores de universidades e outras autoridades a cerca da reforma universitária e da greve dos estudantes. Este ponto merece nossa atenção. Teixeira, naquele momento, exercia o cargo de vice-reitor da Universidade de Brasília (UnB). Um mês depois, se faria reitor no lugar de Darcy Ribeiro que assumiu a pasta de Educação e Cultura. Ou seja, o envolvimento de Teixeira com a administração da UnB pode ter provocado um afastamento do cotidiano institucional do Conselho e isso pode ter determinado uma lacuna na documentação que percebemos no estudo dos arquivos deste período (Correspondência entre Anísio Teixeira e Pearl Purcell em 27 de julho de 1962 – ATt 1958.03.2, XX-4).
Reuniões do Conselho no período de 1963 a 1978
Como apontado em momento anterior, as análises a seguir estão assentadas nas informações coletadas nos Relatórios Anuais do IIE que reservavam um espaço exíguo para o Conselho, divulgando os locais, os temas e alguns projetos em fase inicial ou em continuidade. Isso ocasionou hiatos de toda ordem no nosso estudo e contribuiu para a falta de elementos que dessem igual consistência à do primeiro período de 1958 a 1962.
Antes de examinar os dados do Quadro 01, vale apontar que o projeto de Estudo Comparativo da Educação Superior nas Repúblicas Americanas se materializou na publicação do livro “A Educação Superior nas Repúblicas Americanas”, sob a organização de Harold Benjamin, em 1965.
Ano | Modalidade | Local |
---|---|---|
1963 | RCE | México |
1964 | RCE | Peru |
1965 | RCE | Brasil |
1966 | RCE | Venezuela |
1967 | RCE | Chile |
1968 | RCE | Peru |
1969 | RCE | Colômbia |
1970 | RCE | Argentina |
1971 | RCE | Peru |
1972 | – | – |
1973 | RCE | Guatemala |
1974 | RCE | Venezuela |
1975 | RCE | México |
1976 | RCE | Brasil |
1977 | – | – |
1978 | RCE | México |
Fonte: Relatórios do Institute of International Education –1963 a 1978. Não houve.
Em relação ao uadro 01, ao estabelecer a comparação dos países latinos, que se fizeram presentes no Comitê Executivo do Conselho no período de 1958 a 1968, e os locais definidos para a realização das CAs e RCEs de 1963 a 1978, encontramos o seguinte resultado: à exceção da Costa Rica (sede da segunda RCE de 1959), todos os países tiveram assento na instância máxima de decisões do Conselho, ou seja, no Comitê Executivo. Como não obtivemos acesso a documentos da composição do Comitê a partir de 1969, esse elemento pode ser um indício da permanência desses países, em alternância, no referido Comitê e, por esse motivo, com poder de influenciar o local das conferências e reuniões.
Ainda quanto aos locais escolhidos, existe outra chave de interpretação que agiria de forma complementar, a saber: a gradativa pressão dos Estados Unidos face aos governos latinos em relação à política externa num período histórico marcado pela Guerra Fria e pelo intervencionismo em diferentes áreas. Ora, além das ações diretas dos Estados Unidos, podemos acrescentar o papel da Aliança para o Progresso, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da United States Agency for International Development (USAID) e de um sem número de agências com verbas, a serem doadas ou emprestadas, e receitas a serem seguidas cabendo destacar que, dentre todas as ações, o Conselho foi a única agência voltada de modo exclusivo para a educação superior.
Crédito: Fundação Getúlio Vargas – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil.
Crédito: Fundação Getúlio Vargas – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil.
Os Relatórios Anuais do IIE não trazem justificativas para a não realização das RCEs nos anos de 1972 e 1977. Entretanto, desde o primeiro relatório, as conferências receberam as suas numerações sequenciais. Dessa maneira, foi possível detectar a manutenção da referida sequência nos relatórios de 1972-1974 e 1976-1978, o que caracteriza a ausência de eventos em 1972 e 1977. De acordo com os Relatórios anuais, o IIE enfrentou dificuldades financeiras por conta dos gastos do governo dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã e da política externa de empréstimos como forma de segurança de aliados na Guerra Fria. Tudo isso ocasionou uma espiral inflacionária e a redução das verbas enviadas pelas fundações.
As relações entre as recomendações do Conselho e a remessa de recursos financeiros e bolsas de estudos para a América Latina
Neste ponto, faz-se necessário recordar que a CAPES era a representante do Brasil no âmbito do Comitê Executivo, com Anísio Teixeira ou Ulhôa Cintra da USP, pois a gestão das bolsas de estudos obrigatoriamente passava pela instituição. Em entrevista ao Projeto História da Ciência (1977), Almir de Castro – que foi diretor de Programas da CAPES – ilustra essa situação:
A CAPES foi realmente um órgão de experiência [...]. Entramos muito em contato com os países que distribuíam bolsas. Por exemplo, a França tinha um número muito grande, mais de cem, cento e tantas bolsas por ano. A USAID, naquele tempo chamada de ‘Ponto IV’, tinha um número também muito grande de bolsas. A Alemanha, o Canadá, todos os órgãos que tinham um programa de bolsas se ligaram um pouco a CAPES. Para alguns deles, nós mesmos é que fazíamos o anúncio e a seleção dos bolsistas. [...] Em outros éramos chamados a cooperar na seleção desses bolsistas [...] (FERREIRA; MOREIRA, 2002, p. 13).
Utilizamos a fala de Castro menos para confirmar o gerenciamento das bolsas de estudos e mais para revelar as ligações com governos ou instituições e os modos de operação no processo para sua concessão. Entendamos este quantitativo de bolsas de estudos com o Quadro 02.
Ano | Oriundas do Conselho | Oriundas do governo dos Estados Unidos | Área de Educação |
---|---|---|---|
1961 | 12 | 12 | 0 |
1962 | 93 | 20 | 04 |
1963 | 13 | 13 | 0 |
1964 | 08 | 04 | 01 |
1965 | 05 | 02 | 0 |
1966 | 08 | 0 | 0 |
1967 | 17 | 0 | 0 |
1968 | 05 | 0 | 0 |
Totais | 161 | 51 | 05 |
Fonte: Relatórios Anuais do IIE – 1958 a 1968. Não há registro de bolsas de estudos nos anos de 1958, 1959 e 1960
Uma análise apressada poderia questionar o baixo número de bolsas concedidas pelo IIE/Conselho. Entretanto, não podemos esquecer a inversão de capitais, ou seja, recursos financeiros repassados ao IIE e, consequentemente, ao Conselho. Conforme assinalado anteriormente, o aporte de verbas era trienal. Segundo Teixeira: “Uma doação de 130.000 mil dólares permitirá a um grupo de eminentes educadores norte-americanos e latino-americanos dar prosseguimento a um programa destinado a estreitar os laços entre as universidades das Américas [...]” (Intercâmbio Universitário entre as Américas, Costa Rica, 1959 – ATt 1958.03.2, III-37A3). Cabia ao IIE, em última instância, a seleção e direcionamento das bolsas de estudos das diferentes instituições dos Estados Unidos com o acréscimo relevante: as bolsas de estudos se destinavam a vinte países membros do Conselho.
Mais uma vez, nos auxilia Castro: “[...] sempre resistimos à ideia de entregar a gerência das bolsas ao IIE, que queria muito gerir as bolsas. A United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO), também, e sempre recusamos porque nunca tivemos problemas, agindo diretamente [...]” (FERREIRA; MOREIRA, 2002, p. 28) Dessa forma, temos duas instituições de caráter internacional exercendo pressão no tocante ao gerenciamento das bolsas de estudos. Cabe indagar: o interesse foi restrito às bolsas de estudos ou tinha relação com a submissão da CAPES às referidas instituições?
A administração ou gestão da educação superior se apresentou como tema contínuo nas preocupações do Conselho com a inclusão dos recursos financeiros para a existência de uma instituição universitária que atendesse aos anseios de uma sociedade moderna. Tais objetivos só seriam concretizados mediante uma reforma do ensino superior. Esses pontos poderiam ser utilizados no exame de algumas reformas ou planejamentos na América Latina que tivessem como foco o ensino superior.
No intuito de simples conhecimento de parte do intercâmbio promovido pelo Conselho, elaboramos o quadro 03 com a situação quantitativa das bolsas de estudos enviadas aos demais países da América Latina.
País | 1961 | 1962 | 1963 | 1964 | 1965 | 1966 | 1967 | 1968 | Total |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Argentina | 0 | 8 | 8 | 8 | 9 | 15 | 2 | 2 | 52 |
Bolívia | 0 | 1 | 2 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 04 |
Chile | 2 | 3 | 3 | 9 | 18 | 26 | 14 | 9 | 84 |
Colômbia | 8 | 2 | 1 | 18 | 15 | 22 | 29 | 24 | 119 |
Costa Rica | 2 | 2 | 2 | 2 | 0 | 0 | 4 | 1 | 13 |
Cuba | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 01 |
Equador | 3 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 03 |
Guatemala | 5 | 1 | 6 | 2 | 0 | 0 | 0 | 1 | 15 |
Haiti | 1 | 1 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 04 |
Honduras | 0 | 1 | 0 | 0 | 2 | 0 | 0 | 0 | 03 |
México | 0 | 15 | 19 | 20 | 16 | 1 | 1 | 12 | 84 |
Nicarágua | 0 | 0 | 0 | 1 | 1 | 0 | 0 | 0 | 02 |
Panamá | 1 | 2 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 03 |
Paraguai | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 01 |
Peru | 8 | 6 | 6 | 11 | 8 | 11 | 4 | 1 | 55 |
Porto Rico | 0 | 0 | 0 | 1 | 1 | 0 | 0 | 0 | 02 |
Rep. Dominicana | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 01 |
Uruguai | 0 | 0 | 0 | 2 | 1 | 0 | 0 | 2 | 05 |
Venezuela | 4 | 2 | 3 | 7 | 9 | 0 | 0 | 3 | 28 |
Fonte: Relatórios Anuais do IIE – 1958 a 1968.
Considerações Finais
O CHEAR é um desses projetos que crescem em silêncio como flores, frutas e árvores. (Trecho de correspondência, de 20 de março de 1962, enviada por Anísio Teixeira a James Perkins – VicePresidente da Carnegie Foudation (Correspondência entre Anísio Teixeira e James Perkins – ATt 1958.03.28 – XIX-15).
Compreendo perfeitamente a sua carta e vou além: se o Conselho não é financiado por todo o continente, ele sempre será algo paternalista se não, pior. Mas, como você bem sabe, este não é o ponto de vista do nosso mundo latino-americano que mesmo conhecendo os EUA querem o seu financiamento.
(Trecho da resposta de Anísio Teixeira em correspondência de 22 de outubro de 1968 a Kenneth Holland – presidente do IIE- em que o mesmo aponta a necessidade de recursos financeiros das instituições e governos latino-americanos para a continuidade do Conselho- (Correspondência entre Anísio Teixeira e Kenneth Holland – ATt 1958.03.28 – XXIV-18).
As nossas considerações finais nos remetem ao início deste artigo, examinar a trajetória do Conselho de Educação Superior nas Repúblicas Americanas no período de 1958 a 1978. Dessa forma, dividiremos a nossa análise em cinco pontos.
Em primeiro lugar, acompanhamos a mudança gradativa no posicionamento dos membros estadunidenses em relação aos membros latinos no que tange à dinâmica de trabalho. Inicialmente, a postura formal e, de certa forma, temerosa às reações por parte dos representantes da América Latina foi a marca das reuniões e encontros do Conselho. Aos poucos, entretanto, as afinidades eletivas e intelectuais estabelecidas geraram intimidade e permitiram a alteração na postura do polo estadunidense, a ponto de captarmos momentos de autoritarismo e imposição de agendas em desacordo com as propostas dos intelectuais latinos.
Exatamente, a nossa segunda consideração localiza-se na questão da dependência dos países latino-americanos. A assimetria entre os Estados Unidos e a América Latina no campo econômico, educacional e político impediu quaisquer formas de cooperação igualitária na base de trocas de mão dupla num ir e vir de informações e de decisões, pois os estágios de desenvolvimento eram desiguais menos por incompetência latina e mais pelas próprias políticas de “doações”, empréstimos e tratados de cooperação. Tais instrumentos ditavam a agenda a ser seguida e, de forma paradoxal, impediam o tão propalado investimento no ensino superior, já que parte significativa dos recursos financeiros dos países latino-americanos era utilizada para pagar dívidas contraídas junto aos Estados Unidos.
A nossa terceira consideração se apresenta face ao contexto amplo A política externa dos Estados Unidos no período da Guerra Fria foi a base para a criação de diversas instituições e programas como a Aliança para o Progresso, o BID, a USAID, dentre outras. Ora, as três instituições forneceram recursos e bolsas de estudos ao Conselho que os repassou para diversos países latino-americanos. Nesse sentido, estamos realizando uma investigação nos relatórios do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária criado em 1968 e, de forma cuidadosa, nas ações e escritos de Rudolf Atcon e Meira Mattos. O nosso objetivo é buscar aproximações e possíveis interferências das recomendações do Conselho no que ficou consubstanciado na Lei 5.540 de 1968 – a lei da Reforma do Ensino Superior no Brasil. Voltando aos nossos questionamentos: seria possível imaginar que Conselho mirasse em objetivos distintos das instituições citadas? Mas, outra pergunta se faz necessária: se o Conselho tinha os mesmos objetivos gerais do conjunto de instituições como a Aliança para o Progresso, o BID, a USAID, por que houve o esquecimento dessa instituição na historiografia da educação brasileira?
O esquecimento institucional é a nossa quarta consideração. A trajetória do Conselho se deu no período de 1958 a 1978 e contou com a participação de proeminentes intelectuais latinos: reitores de universidades conceituadas, membros de centros de pesquisa e ministros da educação. O Conselho, diferente das instituições e programas citados, foi direcionado exclusivamente para a educação superior. Ou seja, temos uma ação restrita a um segmento educacional e, não menos relevante, sem assinaturas de tratados, acordos ou convênios com os governos dos países membros. Seria um silêncio desejado pela própria instituição?
O silêncio institucional é a nossa quinta e última consideração. Em todo o percurso dos nossos estudos, um quase “sigilo” foi a tônica dos projetos desenvolvidos pelo Conselho. Não houve quaisquer tratados e convênios assinados pelos membros do Conselho, ou seja, não há documentos a serem contestados pelos grupos contrários aos encaminhamentos dos Estados Unidos em relação à América Latina. Esse fato ocorreu em relação aos acordos MECUSAID, por exemplo. A nossa impressão é que o grupo diretor do Conselho – por se configurar numa intervenção no sistema de ensino superior na América Latina – esteve preocupado com as objeções às ações e aos programas projetados e financiados pelos Estados Unidos, visando a uma obra “silenciosa”, ou melhor, uma intervenção sem alardes tal qual brotam flores, frutas e árvores e, muitas vezes no tempo presente, num silêncio que nos coloca à beira do precipício.