ATUAL POLÍTICA DE INCLUSÃO ESCOLAR E O USO DE INDICADORES EDUCACIONAIS
O acesso para estudantes do público-alvo da educação especial à escolarização em classe comum de escolas regulares vem sendo garantido pela legislação brasileira desde que a Constituição Federal de 1988 preconizou essa oferta juntamente com a garantia do atendimento educacional especializado (AEE) “preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1988, art. 208, §2º, Inciso III). Essa disposição foi reforçada novamente na década de 1990, com o respaldo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (BRASIL, 1996).
Em contrapartida, ambas as determinações possibilitavam, ao adotarem o termo “preferencialmente”, uma arbitrariedade velada que favoreceu a manutenção da escolarização segregada para esse público (por exemplo, em classes e escolas especiais), desvencilhando as instituições regulares de ensino da obrigatoriedade de acesso dessa população às classes comuns (MAZZOTTA, 2005; BUENO; MELETTI, 2012). Questionando essa possibilidade, Prieto (2010) considera que foi somente após o ano 2000 que a área da educação especial passou a ser representada, significativamente, no cenário político nacional sob a perspectiva de inclusão escolar, particularmente a partir da promulgação da Resolução n. 2 do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2001).
Tal perspectiva refletiu diretamente na política do governo federal que assumiu a partir de 2003, e, conforme indica Kassar (2012), diversos programas e ações nacionais foram instituídos com o objetivo de promover o acesso dessa população às escolas comuns da rede regular de ensino e sua efetiva escolarização. Vale ressaltar que essas iniciativas iam ao encontro do que era previsto no âmbito do debate internacional sobre a temática e que, em 2006, os princípios de acesso e participação, defendidos no Brasil e em vários países, foram evidenciados inclusive no âmbito da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova York, em 30 de março de 2007 (BRASIL, 2009).
Como resultado desse movimento histórico e político, observou-se o aumento do acesso e, consequentemente, de novas demandas nesses contextos, impelindo o governo a definir e potencializar o AEE. Foi então que o governo instituiu o “Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais”, que tinha como objetivo garantir o acesso e, por meio de atividades complementares ou suplementares, possibilitar a plena participação dos alunos PAEE nas atividades escolares, por meio da disponibilização de espaços, recursos humanos e didáticos específicos (BRASIL, 2007a).
Reforçava-se, então, a perspectiva da inclusão escolar no contexto nacional, a qual embasou, em 2008, a publicação do documento norteador denominado “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” (PNEE-EI), que, entre outras determinações, dispunha sobre a obrigatoriedade da democratização do acesso desse grupo de alunos à classe comum e a oferta no contraturno do serviço de AEE (BRASIL, 2007b).
Posteriormente, o Decreto n. 7.611/2011 definiu o AEE como um “conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e continuamente” (BRASIL, 2011a, p. 2) a ser oferecido no âmbito das salas de recursos multifuncionais (SRM) ou em Centros de Atendimento Educacional Especializado (CAEE), de forma complementar para alunos com deficiência ou com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) e suplementar para estudantes com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD).
Naquele mesmo ano, o então governo federal propôs dar continuidade aos programas previstos nos dois últimos Planos Plurianuais (PPA), prevendo ações prioritárias sob a perspectiva inclusiva também para o período 2012-2015 (BRASIL, 2011b). Em consonância com tais documentos, o Plano Nacional de Educação (PNE) atualmente em vigor (2014-2024) prevê, em sua meta 4 a universalização:
[...] para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados. (BRASIL, 2014, p. 24).
Assim, tem-se atualmente considerável conjunto de dispositivos legais e documentos oficiais reguladores para garantir a escolarização dos alunos PAEE em classes comuns de escolas regulares, tornando relevante a elaboração de estudos que tenham como objetivo a análise do impacto de tais políticas, buscando verificar se estão atendendo seus respectivos propósitos de garantir acesso, permanência e a aprendizagem desses alunos.
Um caminho possível de avaliação da política brasileira de inclusão escolar, utilizado por pesquisadores brasileiros da área, consiste na análise de indicadores educacionais censitários referentes às matrículas dos estudantes PAEE no ensino comum (MELETTI; BUENO, 2010; REBELO; KASSAR, 2018). Particularmente, aqueles fornecidos pelo Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), por meio de sinopses ou microdados estatístico-educacionais, têm sido analisados com objetivo de descrever o panorama referente ao acesso do PAEE à classe comum e às SRM. A justificativa para o uso desse instrumento reside no fato de que eles também são utilizados para fins de formulação de políticas públicas e de execução de programas na área educacional, inclusive no que diz respeito à distribuição de verba (BRASIL, 2018).
Jannuzzi (2005) defende a necessidade de considerar a análise desses dados para respaldar o diagnóstico, a formulação, a implementação e a avaliação das políticas públicas. Em relação à política de educação especial, para além do acesso, é preciso investigar o quanto o crescimento das matrículas implica avanços na garantia do direito à educação para esse público. O presente estudo tem como objetivo analisar comparativamente a distorção idade-série na educação básica de estudantes do PAEE em relação aos demais estudantes da educação básica.
MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa quantitativa (CRESWELL, 2003), cujos procedimentos metodológicos são fundamentados na abordagem de estudo documental, sob a perspectiva comparativa, a qual visa a conhecer semelhanças e explicar divergências (MARCONI; LAKATOS, 2003).
UNIVERSO, POPULAÇÃO E AMOSTRA
Tem-se como universo de investigação o estado de São Paulo e, como fonte de dados, o Censo Escolar que os disponibiliza como microdados.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (BRASIL, 2010), São Paulo é o estado mais populoso do Brasil, com maior participação no Produto Interno Bruto (PIB) e o segundo em número de municípios. Diante desse panorama, os dados extraídos do Censo Escolar referem-se a uma amostra representativa de seus municípios.
A delimitação temporal, definida, especificamente, como um dos critérios adotados para a seleção dos dados, foi o período histórico de 2008 a 2014. Justifica-se o início no ano de 2008 com base em três critérios: a) ano de publicação do documento da PNEE-EI (BRASIL, 2007b), documento de importância significativa para a atual política de inclusão escolar; b) ano em que o Censo Escolar passou a registrar os dados referentes ao AEE; c) ano em que se iniciou o Programa de Implantação das Salas de Recursos Multifuncionais (BRASIL, 2007a).
Na impossibilidade de estudar todos os 645 municípios do estado, elegeu-se uma amostra segmentada desse número, levando-se em consideração a dimensão da população em âmbito municipal, para cada uma das regiões administrativas do estado de São Paulo. Assim, foram considerados três municípios (de tamanho grande, médio e pequeno) para uma das 16 regiões que compõem a divisão administrativa do estado, perfazendo ao todo uma amostra de 48 municípios, ou, aproximadamente, 7% dos munícipios que compõem o estado. Para a seleção dos municípios, considerou-se como critério de inclusão o seu número de habitantes, de forma que foram selecionados três municípios de cada uma das regiões administrativas que possuíam a maior, a menor e a população mediana.
A decisão pela realização da análise dos dados selecionados a partir dessa amostra de municípios em vez dos dados gerais de matrículas do estado se embasou em dois pontos. Em primeiro lugar, porque a análise de políticas públicas a partir de indicadores sociais precisa levar em consideração o contexto em que tais indicadores estão inseridos (JANNUZZI, 2005). O segundo aspecto considerado foi o de que se a diferença na quantidade de matrículas por município não for ponderada, isso pode ocasionar distorção nos resultados, ou seja, os dados dos municípios maiores, por exemplo, os da cidade de São Paulo, irão se sobressair em relação aos menores, ocultando assim a realidade desses últimos no contexto do estado.
EQUIPAMENTOS E MATERIAIS
Para a leitura e tratamento inicial dos dados, foi utilizada a versão 21 do software IBM SPSS Statistics, enquanto que, tanto para a leitura quanto para a finalização da seleção e do tratamento dos dados para a análise, utilizou-se a versão 9.0 do software Statistical Analysis System (SAS).
PROCEDIMENTOS DE SELEÇÃO E TRATAMENTO DE DADOS
Os dados extraídos do Censo Escolar referem-se a um período de sete anos, os quais são disponibilizados separadamente na base de dados do Inep. Para viabilizar a análise proposta, foi necessária a construção de um novo banco de dados (BD), o qual agrupava os sete BD anuais copiados separadamente da base do Inep. Também foi necessária a realização de uma série de procedimentos de tratamento desses dados, a fim de compatibilizá-los com as mesmas variáveis, e o mesmo formato de entrada de dados. Para a realização de determinados procedimentos para a análise de dados, criaram-se novas variáveis, além disso, subdividiu-se o BD em partes menores.
Para melhor organização de tais informações, dividiu-se o trabalho com os dados em três etapas para reduzir o tempo de processamento.
Etapa inicial: criação do banco e tratamento das variáveis selecionadas
A obtenção dos BD de matrículas referentes aos anos de 2008 a 2014 foi feita na base de dados disponibilizada pelo Inep.
Para tanto, foi realizada a leitura dos BD, separadamente, para cada ano estudado, com o software SPSS Statistics, sendo capturados dados de quatro variáveis de interesse e eliminadas aquelas que não seriam estudadas. As quatro variáveis consideradas foram: a) ano em que o estudante nasceu; b) ano do banco de dados do Censo Escolar; c) o fato de o aluno ser ou não parte do PAEE; e d) ano escolar do aluno. Em seguida, os dados foram exportados para o software SAS, a partir do qual as demais variáveis foram excluídas e foi dada sequência ao tratamento dos dados.
Após os tratamentos supracitados, foi possível realizar a junção dos BD tratados, elaborando assim um único BD com os conteúdos referentes a todos os anos estudados. Cabe ressaltar que essa sequência de procedimentos foi realizada sete vezes, sendo uma para cada banco, com duração de cerca de quatro horas, devido à limitação do hardware disponível para a pesquisa, aliado ao tamanho dos BD.
Em seguida, foram eliminadas todas as matrículas que não eram referentes aos estudantes dos municípios da amostra selecionada.
Segunda etapa: subdivisão do BD
A segunda etapa se mostrou necessária quando se observou que o tempo de processamento para cada comando executado no SAS era muito longo. Por isso, subdividiu-se o banco em duas partes, sendo a primeira parte referente aos alunos que não eram PAEE, e a segunda, aos alunos que eram PAEE.
Terceira etapa: distorção idade-série
Para atender ao objetivo específico do estudo, foram tratados os dados referentes à distorção idade-série no período estudado, considerando tanto alunos que eram PAEE quanto os que não compõem essa população.
De acordo com o art. n. 32 da LDB, o ensino fundamental obrigatório deve ter início aos seis anos de idade e duração de nove anos, sendo disponibilizado de forma gratuita e em escola pública (BRASIL, 1996, art. 32). Porém, muitas vezes, o ingresso tardio e/ou a repetência escolar ocasionam a existência de estudantes cuja idade não condiz com a respectiva série esperada (SOARES, 2015). Quando a defasagem entre a série escolar do aluno e sua idade é igual ou maior que dois anos, tem-se a distorção idade-série, também chamada de defasagem de idade e série.
Para realização dessa etapa, foi preciso relacionar o ano em que os estudantes teriam nascido, para que estivessem em suas respectivas séries/anos esperadas/os, em cada ano estudado. Isto é, considerou-se como distorção quando os alunos estivessem dois ou mais anos atrasados para sua série/ano compatível. Para a elaboração do Quadro 1, considerou-se a idade mínima para representar defasagem, ou seja, dois anos além da idade ideal. Do mesmo modo, considerou-se como idade prevista para a/o série/ano um intervalo de dois anos, devido à possibilidade de o aluno ter feito aniversário posteriormente à coleta dos dados censitários. Por exemplo, para as matrículas da pré-escola ou do 1º ano do ensino fundamental, a idade prevista seria seis ou sete anos de idade. Logo, entendeu-se como dois anos de atraso o aluno que tivesse nove anos e estivesse cursando essa série. O Quadro 1, apresentado a seguir, relaciona a idade mínima que representaria defasagem ao ano de nascimento dos estudantes para cada ano do período censitário pesquisado.
ETAPA | IDADE | ANO DO CENSO ESCOLAR | ||||||||
2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | |||
Pré-escola ou 1º ano do ensino fundamental | 09 | 1999 | 2000 | 2001 | 2002 | 2003 | 2004 | 2005 | 2006 | |
Série/Ano do ensino fundamental | 1ª/2º | 10 | 1998 | 1999 | 2000 | 2001 | 2002 | 2003 | 2004 | 2005 |
2ª/3º | 11 | 1997 | 1998 | 1999 | 2000 | 2001 | 2002 | 2003 | 2004 | |
3ª/4º | 12 | 1996 | 1997 | 1998 | 1999 | 2000 | 2001 | 2002 | 2003 | |
4ª/5º | 13 | 1995 | 1996 | 1997 | 1998 | 1999 | 2000 | 2001 | 2002 | |
5ª/6º | 14 | 1994 | 1995 | 1996 | 1997 | 1998 | 1999 | 2000 | 2001 | |
6ª/7º | 15 | 1993 | 1994 | 1995 | 1996 | 1997 | 1998 | 1999 | 2000 | |
7ª/8º | 16 | 1992 | 1993 | 1994 | 1995 | 1996 | 1997 | 1998 | 1999 | |
8ª/9º | 17 | 1991 | 1992 | 1993 | 1994 | 1995 | 1996 | 1997 | 1998 | |
Ano do ensino médio | 1º | 18 | 1990 | 1991 | 1992 | 1993 | 1994 | 1995 | 1996 | 1997 |
2º | 19 | 1989 | 1990 | 1991 | 1992 | 1993 | 1994 | 1995 | 1996 | |
3º | 20 | 1988 | 1989 | 1990 | 1991 | 1992 | 1993 | 1994 | 1995 |
Fonte: Elaboração das autoras com base em dados da pesquisa.
Sendo definido o ano de nascimento para cada ano estudado do Censo Escolar, são consideradas as possíveis séries/anos em que esses estudantes estariam. No caso do ensino fundamental, o aluno poderia estar cursando o ciclo de 8 ou de 9 anos. No ensino médio, existiam diferentes modelos. Tais dados são apresentados separadamente no BD do Censo Escolar, porém, para o estudo em questão, optou-se por agrupá-los. Esse agrupamento está especificado no Quadro 2 a seguir.
AGRUPAMENTO | ETAPA DE ENSINO | CÓDIGO NO CENSO ESCOLAR |
Pré-escola ou 1º ano do ensino fundamental | Pré-escola | 2 |
1º ano - Ensino fundamental de 9 anos | 14 | |
1ª série ou 2º ano do ensino fundamental | 1ª série - Ensino fundamental de 8 anos | 4 |
2º ano - Ensino fundamental de 9 anos | 15 | |
2ª série ou 3º ano do ensino fundamental | 2ª série - Ensino fundamental de 8 anos | 5 |
3º ano - Ensino fundamental de 9 anos | 16 | |
3ª série ou 4º ano do ensino fundamental | 3ª série - Ensino fundamental de 8 anos | 6 |
4º ano - Ensino fundamental de 9 anos | 17 | |
4ª série ou 5º ano do ensino fundamental | 4ª série - Ensino fundamental de 8 anos | 7 |
5º ano - Ensino fundamental de 9 anos | 18 | |
5ª série ou 6º ano do ensino fundamental | 5ª série - Ensino fundamental de 8 anos | 8 |
6º ano - Ensino fundamental de 9 anos | 19 | |
6ª série ou 7º ano do ensino fundamental | 6ª série - Ensino fundamental de 8 anos | 9 |
7º ano - Ensino fundamental de 9 anos | 20 | |
7ª série ou 8º ano do ensino fundamental | 7ª série - Ensino fundamental de 8 anos | 10 |
8º ano - Ensino fundamental de 9 anos | 21 | |
8ª série ou 9º ano do ensino fundamental | 8ª série - Ensino fundamental de 8 anos | 11 |
9º ano - Ensino fundamental de 9 anos | 41 | |
1º ano do ensino médio | 1ª série | 25 |
1ª série - Integrada | 30 | |
1ª série - Normal/Magistério | 35 | |
2º ano do ensino médio | 2ª série | 26 |
2ª série - Integrada | 31 | |
2ª série - Normal/Magistério | 36 | |
3º ano do ensino médio | 3ª série | 27 |
3ª série - Integrada | 32 | |
3ª série - Normal/Magistério | 37 |
Fonte: Elaboração das autoras com base em dados da pesquisa.
Para a contagem dos casos de interesse desta pesquisa, utilizou-se o procedimento denominado como “proc freq.” do SAS, que resulta em tabelas de frequência, com filtro dos dados de acordo com o ano de nascimento, e do ano ao qual os microdados censitários se referiam. O Quadro 1 apresenta exemplo da sintaxe utilizada:
*Tabela referente aos microdados do ano de 2009: 2 anos de atraso - alunos PAEE; proc freq data=dados.distorcaoPAEE (where=(ANO_CENSO eq 2009 and ( ((NU_ANO eq 1999) and (FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 4 or FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 15)) or ((NU_ANO eq 1998) and (FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 5 or FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 16)) or ((NU_ANO eq 1997) and (FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 6 or FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 17)) or ((NU_ANO eq 1996) and (FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 7 or FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 18)) or ((NU_ANO eq 1995) and (FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 8 or FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 19)) or ((NU_ANO eq 1994) and (FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 9 or FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 20)) or ((NU_ANO eq 1993) and (FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 10 or FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 21)) or ((NU_ANO eq 1992) and (FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 11 or FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 41)) or ((NU_ANO eq 1991) and (FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 25 or FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 30 or FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 35)) or ((NU_ANO eq 1990) and (FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 26 or FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 31 or FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 36)) or ((NU_ANO eq 1989) and (FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 27 or FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 32 or FK_COD_ETAPA_ENSINO eq 37)) ) )); table regAdm*FK_COD_ETAPA_ENSINO/nocol norow nocum nopercent; run; |
Fonte: Elaboração das autoras.
Cabe destacar que esses dados foram selecionados por região administrativa, e, ao todo, foram obtidas 42 tabelas, com 40 colunas e 18 linhas cada.
Sendo:
14 tabelas referentes aos alunos com dois anos de defasagem escolar: uma por ano estudado, das quais sete correspondiam aos alunos PAEE e sete aos alunos que não compunham o PAEE;
14 tabelas referentes aos alunos com mais de dois anos de defasagem escolar: uma por ano estudado, das quais sete eram referentes aos alunos PAEE e sete aos alunos que não compunham o PAEE;
14 tabelas referentes ao total de alunos por ano estudado: das quais sete diziam respeito aos alunos PAEE e sete aos alunos que não compunham o PAEE.
Em primeiro lugar, as séries/anos nos grupos já descritos neste tópico (rever Quadro 2) foram agrupadas, resultando num total de 14 tabelas. Em seguida, foram elaboradas, utilizando média ponderada, duas tabelas que resumiam os dados por série/ano, sem especificar as regiões às quais estes se referiam, e, por fim, elaborou-se uma tabela contendo o percentual da distorção idade-série em cada ano estudado (SANTOS, 2017). Com isso, teve fim o procedimento de seleção e tratamento dos dados.
PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS
No que tange à utilização de técnicas estatísticas, Ferrare (2011) pontua que elas costumam ser negligenciadas em pesquisas críticas de âmbito qualitativo, ainda que possuam potencial metodológico para demonstrar padrões que não são observáveis de outra forma.
Para a análise da distorção idade-série foram elaborados gráficos em forma de colunas, uma vez que as variáveis consistiam em variáveis discretas. Ao todo foram obtidos sete gráficos, sendo um para cada ano estudado, contendo dados tanto do grupo dos estudantes identificados como PAEE quanto dos demais estudantes. Esses gráficos foram agrupados visando à apresentação conjunta deles, permitindo, assim, melhor visualização das possíveis mudanças ocorridas com o passar do ano na distorção idade-série.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As figuras a seguir apresentam os dados relacionados à distorção idade-série tanto de alunos PAEE quanto de não PAEE. Os sete gráficos contidos na imagem apresentam a série histórica dos anos de 2008 a 2014, sendo que cada gráfico é referente a um ano, e as barras representam, respectivamente, a porcentagem de alunos com distorção idade-série igual a ou maior que dois anos, do grupo de alunos PAEE (barra escura) e não PAEE (barra clara), ao longo das séries ou ano.
Como pode ser observado nos gráficos trazidos da Figura 1 sobre a distorção idade-série no estado de São Paulo, a defasagem escolar é recorrente em todo o período estudado e não se observa diminuição dessa proporção ao longo dos anos. No caso dos alunos não PAEE, observa-se que a distorção idade-série maior que dois anos varia numa proporção de 1 a 6% dos alunos e se dá, majoritariamente, nos anos finais do ensino fundamental e, com mais intensidade, nos anos escolares que compõem o ensino médio.
No caso dos alunos PAEE, a proporção encontrada de estudantes com distorção idade-série igual ou superior a dois anos variou de cerca de 20 a 60%, sendo que as proporções maiores foram encontradas nos anos iniciais do ensino fundamental. Como pode ser observado nos gráficos, os números nas séries iniciais são impressionantemente altos, ultrapassando, na 1ª série ou 2º ano, 50% em todos os anos, com exceção de 2014, ano este que apesar de haver uma pequena diminuição da distorção nessa série, segue-se novo aumento na seguinte. Esse dado altíssimo também foi observado em estudos semelhantes referentes a outras regiões do país (FRANÇOZO, 2014; MELETTI, 2014; MELETTI; RIBEIRO, 2014).
Além disso, percebe-se que a proporção de alunos com distorção na educação infantil, que era relativamente menor no grupo de alunos do PAEE, em comparação com as proporções encontradas no ensino fundamental, aumentou a partir de 2010, atingindo cerca de 45% em 2011, recuando em 2012 e nos anos seguintes, embora permaneça comparável à proporção de distorção nos anos iniciais do ensino fundamental, em torno de 30%.
Fonte: Elaboração das autoras com base em dados extraídos dos microdados de matrícula do Censo Escolar/Inep (2008 a 2014).
Assim, os dados indicam que a distorção acontece em escala consideravelmente menor para o grupo dos estudantes não PAEE que parece ter sua reprovação relacionada à conclusão de ciclos, isto é, aos anos finais do ensino fundamental, ou então já no ensino médio. No caso dos alunos do PAEE, os dados indicam que a retenção acontece precocemente, ou seja, logo no início da escolarização, principalmente nos dois primeiros anos do ensino fundamental, quando mais da metade dos estudantes são continuamente retidos.
Um dado preocupante é o fato de que, com o suposto avanço da política de inclusão escolar do PAEE ao longo dos anos no que tange ao acesso escolar desse público ao ensino regular, não se percebe melhora nessa proporção de alunos com distorção idade-série igual a ou maior que dois anos, e que, além disso, cada vez mais parece ocorrer retenção desses estudantes na etapa da educação infantil, ou nos anos iniciais do ensino fundamental, indicando que os alunos do PAEE estão tendo mais dificuldades em avançar no percurso de escolarização e atingir níveis mais elevados de ensino, quando comparados com os demais estudantes.
É importante compreender que a entrada tardia do estudante na escola é de grande preocupação, uma vez que será acompanhado pelo rótulo do fracasso escolar durante toda sua trajetória como aluno. O termo “fracasso” por si só já carrega grande estigma, uma vez que infere a ideia de que o estudante é fracassado, não tendo progredido durante toda sua jornada escolar, tanto no que diz respeito ao seu conhecimento quanto no desenvolvimento pessoal e social. Além disso, a terminologia já associa ao aluno uma imagem negativa (MARCHESI; PÉREZ, 2004).
Para além da questão do estigma, outros dois pontos merecem atenção em relação a esse dado: 1) a defasagem de desenvolvimento a que o aluno será submetido; e 2) o processo de avaliação para identificação e promoção/retenção dos alunos PAEE.
Em relação ao primeiro ponto, Mendes (2010) afirma que os primeiros anos de vida são considerados essenciais para o desenvolvimento da criança, sendo os primeiros três anos críticos para desenvolver inteligência, personalidade, linguagem, socialização, entre outros. Quando se trata de uma criança com deficiência, essas questões tornam-se mais eminentes, uma vez que a intervenção precoce pode minimizar as dificuldades que essa criança irá apresentar. Justamente por esse motivo que, desde a década de 1960, uma extensa gama de programas de estimulação precoce existe em países compreendidos como desenvolvidos (MENDES, 2010). Logo, quando a criança inicia sua trajetória escolar tardiamente, ela, automaticamente, é privada da possibilidade de receber qualquer tipo de atenção diferenciada ou ter acesso aos benefícios providos na educação infantil. Ademais, quando ingressa tardiamente na escola, esse aluno já entra com defasagens que o colocam em desvantagem perante seus pares da mesma idade.
Nesse aspecto, a retenção precoce - isto é, logo quando o aluno do PAEE inicia sua vida escolar - pode retirar as vantagens no desenvolvimento da socialização em contextos de classe comum, uma vez que a repetência impede que o aluno conviva com colega de mesma idade e, além disso, pode dificultar o desenvolvimento de relações de amizades, dado que a cada ano o aluno muda de turma e tem de se adaptar aos novos colegas, pontos esses que vão de encontro ao papel da educação infantil (RAY; SMITH, 2010).
Em relação ao segundo ponto destacado, Mendes e D’Affonseca (2015) assinalam que a avaliação é um tema de extrema relevância e cercado de controvérsias. O primeiro ponto a ser considerado consiste no processo arbitrário e precário de identificação de alunos do PAEE, principalmente no caso da deficiência intelectual, que é maioria do alunado que compõe o PAEE de acordo com os dados estatísticos. Entretanto, apesar da dificuldade, esses alunos têm sido identificados, logo que entram para a escola, e aqui caberia questionar: como tem sido feita essa avaliação para identificação? Mendes e D’Affonseca (2015) destacam que há falta de critérios nos documentos oficiais que definam quem se encaixa no PAEE, o que vem ocasionando inconsistências de dados estatísticos referentes às matrículas de alunos PAEE, especialmente em relação àqueles com deficiência intelectual, transtornos invasivos do desenvolvimento e AH/SD.
Ao mesmo tempo, considera-se fundamental o processo avaliativo para o alunado da educação especial, visando a embasar estratégias de atendimento para apoiar esses alunos, uma vez que permite conhecer suas potencialidades e necessidades e, com base nisso, planejar seu ensino (ANACHE, 2005), visto que não basta identificar a elegibilidade desses alunos, sendo também preciso conhecer quais são os apoios que eles demandam (MENDES; D’AFFONSECA, 2015). Quanto à avaliação para o planejamento, há a previsão nos documentos normativos da elaboração de um plano de AEE. Entretanto, os altos índices de defasagem idade-série do alunado PAEE no estado de São Paulo permitem inferir que esse planejamento não vem sendo efetivo e/ou que os apoios providos não estão sendo suficientes, uma vez que grande parcela desses alunos são constantemente acompanhados pelo fracasso escolar.
Vale destacar que, apesar dos índices de defasagem serem reduzidos nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, somente uma pequena porcentagem de alunos PAEE alcança essas etapas, o que fortalece a evidência de ineficiência dos serviços de apoio oferecidos pela atual política de inclusão escolar brasileira.
A análise da distorção idade-série, por sua vez, permite ainda destacar problemas na avaliação com o intuito de aferir a aprendizagem dos estudantes do PAEE, considerando que eles têm sido retidos com frequência logo na educação infantil, ou então nos anos iniciais do ensino fundamental. Veltrone e Mendes (2009) constataram que a sistemática de avaliação do rendimento do aluno PAEE, realizada pela escola, não leva em consideração as singularidades dos educandos, colocando os estudantes como os únicos responsáveis pelo fracasso escolar.
Tendo sido discutidos esses pontos, pode-se concluir que há necessidade de revisão da atual política de inclusão escolar, devido à ausência de normas claras quanto à avaliação para identificação do PAEE (MENDES; D’AFFONSECA, 2015) e, mais ainda, à omissão no que tange à realização de um planejamento educacional individualizado que irá, de fato, atender às necessidades destes estudantes (TANNÚS-VALADÃO, 2010), transpassando não somente o serviço ofertado nas SRM, mas também na sala comum. Além disso, há a necessidade de se definir diretrizes para avaliar rendimento acadêmico, critérios de promoção e retenção do PAEE.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Brasil adotou o princípio de que o lócus preferencial de escolarização do PAEE é a classe comum da escola regular, em função disso, há uma política em curso que visa a melhorar as condições de acesso e de qualidade da educação para essa parcela da população. Entretanto, essa política prevê apenas um tipo de serviço de apoio especializado, o qual vem sendo debatido amplamente na área da educação especial.
O estudo parte do pressuposto de que a análise de indicadores educacionais, especificamente dos dados censitários, pode contribuir para se avaliar a atual política de inclusão escolar. Quando se considera os estudos sobre o Censo Escolar de alunos do PAEE (SANTOS, 2017), observa-se que há a dificuldade de se realizar análises mais abrangentes, uma vez que o banco de dados censitários é de grande volume, demanda tratamentos diversos tanto no que tange à sua leitura quanto à sua análise. Esse cenário tem levado os pesquisadores, no geral, a investigar dados de sinopses, quando se trata de análises cujo âmbito ou período estudado é mais longo e, quando se trata dos microdados, delimitam-se as análises estudando uma ou algumas cidades, ou então dados gerais de algum estado específico ou um período histórico mais curto. Entretanto, considerando-se que há no país 5.570 municípios, se torna difícil realizar análises mais abrangentes dos resultados da política, mesmo que se focalize apenas a questão da ampliação do acesso em termos de matrículas.
Por outro lado, estudos focalizando dados mais macros, ou seja, que consideram dados gerais de um ou mais estados ou do país como um todo, quando agregados podem gerar análises distorcidas, devido ao peso que assumem os dados brutos de grandes cidades, ou de determinados estados, de forma que o conjunto desses dados tem grande probabilidade de representar aquelas cidades e/ou estados cujos dados brutos são maiores.
Nesse aspecto, tentou-se uma inovação no estudo da política em nível estadual, no caso do estado de São Paulo, propondo-se uma metodologia que amostrava três municípios (pequeno, médio e grande), das 16 regiões administrativas estaduais, a fim de se oferecer um retrato possivelmente mais realista para a avaliação da política de inclusão escolar no âmbito do estado. Essa metodologia permitiu reduzir a quantidade de dados e, ao mesmo tempo, aumentar a representatividade da amostra, tentando, dessa forma, evitar distorções ocasionadas por dados de grandes cidades. Entretanto, ao mesmo tempo, ela demandou tratamentos mais longos do que seria necessário caso a amostra não fosse segmentada dessa forma.
Ainda quanto ao uso desses indicadores, Rebelo e Kassar (2018, p. 298) destacam a necessidade de “incluir outros indicadores e diferentes informações que favoreçam a averiguação dos processos de permanência desses alunos na escola, bem como informações sobre as condições materiais e objetivas em que vem ocorrendo a sua escolarização”.
Assim, a elevada proporção de estudantes com distorção idade-série encontrada no PAEE indica que tem sido grande a entrada tardia de alunos na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, e a falta de evolução nesses indicadores considerando os dados da série histórica de 2008 a 2014 demonstra a necessidade de se repensar os serviços de apoio oferecidos aos alunos PAEE que frequentam a classe comum, bem como os processos de avaliação tendo em vista a identificação, o planejamento de ensino e o monitoramento da aprendizagem desses alunos.
Por fim, destaca-se que a análise, baseada nos dados de vários anos, permitiu avaliar o comportamento desses indicadores ao longo do tempo, viabilizando a verificação da existência de avanços ou retrocessos nos resultados da política de inclusão escolar no âmbito estudado.
Cabe ainda destacar que as análises realizadas, mesmo que não tão aprofundadas, contribuem para a percepção de que além dos problemas da área da educação especial, têm-se aqueles relacionados com a educação como um todo e o sistema capitalista no geral. Assim, só será possível mudar efetivamente a educação especial se mudanças gerais que englobem a educação pública brasileira como um todo ocorrerem.
Como limitações do estudo, indica-se a restrição dos dados, baseados em apenas 7% dos municípios do estado de São Paulo, o que limita qualquer possibilidade de generalização tanto para o estado quanto para o país. Além disso, destaca-se que os procedimentos metodológicos requereram conhecimento nas áreas de computação e de estatística e sugerem a necessidade de parcerias entre profissionais de diferentes áreas para a promoção de avanços metodológicos na pesquisa com indicadores educacionais.