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Estudos em Avaliação Educacional

versión impresa ISSN 0103-6831versión On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.35  São Paulo  2024  Epub 21-Jun-2024

https://doi.org/10.18222/eae.v35.10373 

AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA NA AMÉRICA LATINA

AUTONOMIA E DOCÊNCIA NO COTIDIANO ESCOLAR SOBRALENSE: EFEITOS DA ACCOUNTABILITY

AUTONOMÍA Y DOCENCIA EN EL COTIDIANO ESCOLAR SOBRALENSE: EFECTOS DEL ACCOUNTABILITY

AUTONOMY AND TEACHING IN DAILY SCHOOL LIFE IN SOBRAL: EFFECTS OF ACCOUNTABILITY

DéBORA CRISTINA VASCONCELOS AGUIARI 
http://orcid.org/0000-0002-5679-7528

PAULO MEIRELES BARGUILII 
http://orcid.org/0000-0003-4155-5494

IUniversidade Estadual do Ceará (UECE), Iguatu-CE, Brasil;

IIUniversidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza-CE, Brasil;


RESUMO

Esta pesquisa objetiva analisar a vivência da autonomia por duas professoras que lecionam no 5º ano do ensino fundamental de uma escola pública de Sobral, Ceará. Para isso, foi feita uma revisão de literatura a partir de autores que discutem sobre autonomia docente e gestão escolar: Afonso, Ball, Contreras, Freitas, entre outros. Também foi realizada uma pesquisa de campo em uma escola da rede municipal. Os resultados desta investigação indicam o estabelecimento e a manutenção de relações hierárquicas e autoritárias entre as instituições e os sujeitos que compõem o sistema escolar, bem como uma cultura do profissionalismo, gerencialismo e performatividade na instituição educacional.

PALAVRAS-CHAVE AUTONOMIA DOCENTE; ACCOUNTABILITY; AVALIAÇÃO EXTERNA; POLÍTICA EDUCACIONAL.

RESUMEN

Esta investigación tiene como objetivo analizar la vivencia de la autonomía por dos maestras que enseñan en el 5º año de educación primaria de una escuela pública de Sobral, Ceará. Para ello, fue realizada una revisión de literatura a partir de autores que discuten sobre autonomía docente y la gestión escolar: Afonso, Ball, Contreras, Freitas, entre otros. También fue realizada una investigación de campo en una escuela de la red municipal. Los resultados de esta exploración indican el establecimiento y mantenimiento de relaciones jerárquicas y autoritarias entre las instituciones y los sujetos que componen el sistema escolar, así como una cultura de profesionalismo, gerenciamiento y rendimiento en la institución educativa.

PALABRAS CLAVE AUTONOMÍA DOCENTE; ACCOUNTABILITY; EVALUACIÓN EXTERNA•; POLÍTICA EDUCATIVA.

ABSTRACT

This research aims to analyze the experience of autonomy of two 5th grade teachers in a public Elementary School in Sobral, Ceará. A literature review was carried out based on authors who discuss teaching autonomy and school management: Afonso, Ball, Contreras, Freitas, among others. Field research was also carried out in a municipal school. The results of this investigation indicate the establishment and maintenance of hierarchical and authoritarian relationships between the institutions and subjects that make up the school system as well as a culture of professionalism, managerialism and performativity in the educational institution.

KEYWORDS TEACHER AUTONOMY; ACCOUNTABILITY; EXTERNAL EVALUATION; EDUCATIONAL POLICY.

INTRODUÇÃO

Embora amplamente defendido nos discursos e projetos pedagógicos, a vivência da autonomia docente ainda é um tema bastante controverso no cotidiano educacional. Isso se deve, entre outros fatores, à agenda contraditória da instituição escolar, que contribui ao mesmo tempo tanto para a reprodução social e a manutenção do status quo quanto para a construção de um olhar crítico sobre a realidade, corroborando, assim, a sua transformação (Aguiar & Barguil, 2021).

No cenário atual, marcado pela ascensão do ideário neoliberal e consequente adoção de medidas de accountability pela gestão pública em geral e pelo sistema educacional em especial, como o uso de avaliações em larga escala, essa contradição se acentua ainda mais, acarretando um distanciamento entre o discurso e a prática pedagógica. A fim de compreender melhor essa realidade, este estudo versa sobre a vivência da autonomia por professoras do 5º ano do ensino fundamental de uma escola pública de Sobral-CE.

Esse município foi selecionado devido ao elevado Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do 5º ano do ensino fundamental nos anos de 2015 e 2017, quando liderou o ranking nacional, com índices bem superiores às medidas estadual e nacional. Em 2019, Sobral apresentou uma queda em sua pontuação, obtendo média de 8,4, e foi ultrapassado por oito municípios, sendo cinco do Ceará (Tabela 1).

TABELA 1 Ideb do Brasil, Ceará e Sobral - 5º ano do ensino fundamental (de 2013 a 2019) 

Ano IDEB
Brasil Ceará Sobral
2013 5,2 5,2 7,8
2015 5,5 5,9 8,8
2017 5,8 6,2 9,1
2019 5,9 6,4 8,4

Fonte: Elaboração dos autores.

Nota: Dados disponíveis em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/ideb/resultados.

O objetivo desta pesquisa1 consiste em analisar a vivência da autonomia por duas professoras do 5º ano do ensino fundamental de uma escola pública de Sobral-CE. Para isso, foi feita uma revisão de literatura a partir de autores que discutem sobre autonomia docente e gestão escolar: Afonso (2012), Ball (2002, 2005), Contreras (2012), Freitas (2018), entre outros.

Também foi realizada uma pesquisa de campo em uma escola da rede municipal, no ano de 2019. Essa pesquisa foi dividida em dois momentos: o primeiro é composto da observação do cotidiano de duas turmas do 5º ano do ensino fundamental; e o segundo foi a aplicação de questionários abertos às duas professoras acompanhadas.

METODOLOGIA

Com o intuito de aprofundar a compreensão da temática em estudo, foi realizada uma pesquisa de abordagem qualitativa, visto que possibilita a incorporação do significado e da intencionalidade inerentes às estruturas sociais (Minayo, 2008), diferenciando-se da pesquisa quantitativa, que visa a determinar indicadores e tendências, por meio de dados objetivos e representativos da realidade (Mussi et al., 2019).

De acordo com Goldenberg (2004, p. 19), a pesquisa qualitativa busca a compreensão dos “valores, crenças, motivações e sentimentos humanos, compreensão que só pode ocorrer se a ação é colocada dentro de um contexto de significado”. Nessa perspectiva, a pesquisa qualitativa propicia a compreensão dos aspectos subjetivos que compõem a realidade social, com suas nuances e seus conflitos.

Essa autora também discorre sobre a questão da representatividade na pesquisa qualitativa, indicando que, nessa abordagem, “a preocupação do pesquisador não é com a representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma trajetória, etc.” (Goldenberg, 2004, p. 14).

Não é pretensão desta investigação, portanto, a generalização dos resultados mediante a construção de uma amostra que seja quantitativamente representativa da realidade estudada, mas sim desenvolver uma compreensão aprofundada da problemática escolhida.

Inicialmente, foi realizada uma revisão da literatura especializada que discute sobre os temas da autonomia discente (Aguiar & Barguil, 2022), autonomia docente e escolar (Aguiar & Barguil, 2021), e também um levantamento sobre política educacional, que será parcialmente apresentado aqui.

Nessa perspectiva, foi conduzida uma pesquisa de campo em uma escola da rede pública municipal de Sobral-CE, nos meses de maio e junho de 2019, que foi escolhida devido ao contato da pesquisadora com a gestão. Foi solicitada a autorização da Secretaria Municipal de Educação e da diretora responsável pela instituição, bem como das professoras participantes da pesquisa. Após o aceite de todas as pessoas envolvidas, a investigação foi realizada.

Como técnicas de coleta de dados, foi realizada a observação participante do cotidiano de duas professoras de turmas de 5º ano do ensino fundamental, sendo uma responsável pela disciplina de matemática (que será aqui chamada de Andorinha) e outra pela disciplina de português (apresentada pelo codinome Primavera).

As professoras têm entre 30 e 40 anos e cerca de 10 anos de docência. Elas receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), contendo descrição, justificativa, objetivos, riscos e implicações da pesquisa, o qual foi devidamente assinado e arquivado.

Cada professora foi acompanhada, durante 20 horas, ao longo de uma semana no seu turno de atividades na sala de aula, antes da realização de uma Avaliação Externa Municipal. Em virtude desse evento, as duas turmas, pelas quais as professoras eram responsáveis, estavam divididas em três salas: ouro, prata e bronze. Essa configuração foi realizada com base no desempenho escolar dos estudantes nas avaliações mais recentes e visava a majorar o seu rendimento nas avaliações externas. Na semana que precedia a avaliação, as turmas ouro, prata e bronze foram reagrupadas em duas turmas: A e B.

Inicialmente, propusemos às professoras a realização de entrevista semiestruturada como técnica de produção de dados, pois consideramos que ela poderia contribuir para uma compreensão mais aprofundada acerca da perspectiva das docentes sobre a realidade vivenciada. Contudo, nas semanas de observação, as professoras justificaram que estavam sobrecarregadas de atividades, por isso não tinham tempo para conceder entrevistas, o que era entendido por elas como mais uma atribuição. Em vez disso, solicitaram a realização de um questionário, que poderiam responder quando tivessem tempo livre.

Destarte, foi elaborado um questionário aberto, composto de 13 indagações que buscavam a articulação das percepções e dos sentidos das professoras sobre aspectos teóricos e práticos da tarefa docente, englobando sua compreensão sobre o trabalho e a autonomia docente, os saberes mobilizados e identificados por elas no exercício de sua profissão e os elementos que constituem sua profissionalidade docente.

As respostas ao questionário foram analisadas com base na Análise de Conteúdo, segundo Bardin (1979). Para tanto, elegemos a Análise Temática como técnica para seleção e análise, tendo sido priorizados aspectos subjetivos referentes à presença e ao contexto em que os temas foram empregados, além da frequência ou repetição.

Nessa perspectiva, foi realizada a transcrição integral das respostas das participantes, agrupando-as por perguntas. Na fase de pré-análise, a familiarização com o material ocorreu por meio da leitura e da releitura das respostas. Em seguida, as palavras e expressões que se repetiram ou que eram relevantes para a compreensão da temática foram selecionadas como temas e analisadas conforme o contexto em que foram empregadas. No final, o conteúdo selecionado foi analisado com base no referencial teórico.

REFERENCIAL TEÓRICO

Segundo José Contreras (2012), a autonomia precisa ser compreendida como um exercício que acontece a partir das relações que o sujeito estabelece com os demais, e não como uma característica inerente a ele. Nesse sentido, o contexto no qual o sujeito está inserido contribui para o exercício da autonomia ou o obstaculiza.

Por seu caráter relacional, influenciada por condições sociais e ambientais, a autonomia não pode ser exercida de forma plena, mas sempre de forma relativa. Em uma sociedade democrática, contudo, a relatividade da autonomia não pode se configurar como cerceamento (Geraldi, 2016).

Contreras (2012) analisa ainda a vivência da autonomia docente vinculada a três dimensões: a obrigação moral, o compromisso com a comunidade e a competência profissional. Cada professor se relaciona com essas dimensões de forma singular, constituindo sua profissionalidade e exercendo sua autonomia a partir dos valores e compromissos que assume como profissional.

Contudo, apesar do sentido político com que o conceito de autonomia é apresentado pelos teóricos supracitados, nos últimos anos o emprego das expressões “autonomia docente” e “qualidade da educação” tem sido frequente nos discursos pedagógicos, adquirindo, segundo Contreras (2012), caráter de slogans.

Desse modo, o uso do vernáculo autonomia constitui-se em uma forma de legitimar algum ponto de vista, sem que seja necessário discuti-lo ou esclarecê-lo. Nessa conjuntura, o conceito de autonomia se esvazia de sentido, sendo utilizado, inclusive, para defender propostas avessas à liberdade docente ou sistemas educacionais de qualidade questionável.

Ademais, observamos nas últimas décadas a ascensão global do ideário neoliberal como doutrina política e econômica, que tem produzido significativas transformações em todas as áreas da nossa cultura. Com o intuito de fortalecer as relações de mercado e enxugar o aparelho estatal, reduzindo os gastos sociais, estão sendo implantadas políticas públicas de orientação neoliberal que impactam as macro e microrrelações.

Nas macrorrelações, observamos modificações ou elaborações de novas leis e políticas públicas que precarizam ainda mais o acesso a bens e serviços. Nas microrrelações, destacamos as mudanças nas formas de se relacionar com os outros sujeitos, atravessadas por uma lógica do individualismo e da competitividade (Freitas, 2018).

Também assistimos à ascensão, em diferentes países, de regimes autoritários adeptos à filosofia neoliberal. Para Luiz Carlos de Freitas (2018, p. 14), isso ocorre porque “a democracia é apenas ‘desejável’, mas não é uma condição necessária para o neoliberalismo”.

No campo da educação, a influência do neoliberalismo tem levado à realização de reformas educacionais como “epidemia política”, nos termos de Stephen Ball (2002). De modo semelhante ao que ocorre com os slogans supracitados, a proposta de uma reforma da educação parece ter uma conotação positiva per se, em vista dos problemas frequentemente apontados no contexto educacional, pois pouco se questiona se as modificações propostas com essas reformas estão em consonância com o que se defende como educação de qualidade.

Além disso, como elas vêm sendo globalmente propostas por organismos multilaterais, de orientação neoliberal, como o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a adoção dessas reformas parece ser entendida como uma forma de superar as limitações de fronteiras e se ajustar a um contexto globalizado. Ball (2002, p. 4) aponta como “elementos chave do ‘pacote’ da reforma da educação”: o mercado, a capacidade de gestão e a performatividade.

Essas reformas educacionais se alinham à adoção maciça de medidas de accountability na gestão pública, também estimuladas por esses organismos multilaterais e entendidas como forma de promover a qualidade e a eficiência na gestão. Segundo Afonso (2012), a implementação da accountability vem sendo proposta como uma espécie de panaceia para os problemas organizacionais, sendo comumente instituída de forma hierárquica e autoritária, resultando na estigmatização e na responsabilização de sujeitos e instituições que não consigam alcançar as metas propostas.

Conforme Afonso (2012), a accountability - composta de três pilares: avaliação, prestação de contas e responsabilização - pode contribuir significativamente para o funcionamento da gestão pública, quando pautada por uma perspectiva democrática e comprometida com os sujeitos que compõem as instituições.

Contudo, em sua implementação no cenário neoliberal, observa-se que os valores da eficiência e da competitividade têm se sobreposto aos princípios democráticos, instaurando uma prestação de contas pautada pela fiscalização, pelo controle e pela culpabilização dos sujeitos.

Em países mais alinhados com a proposta neoliberal, a avaliação tem sido, majoritariamente, aplicada em larga escala visando ao desempenho da totalidade dos sujeitos ou instituições, em vez de trabalhar com amostras. Afonso (2012) critica o uso das avaliações em larga escala, pois elas não atendem ao propósito de diagnosticar possíveis problemas a fim de construir soluções, passando a ser um instrumento de responsabilização por meio de sanções ou recompensas.

Os estudos realizados no contexto nacional (Werle, 2011; Gatti, 2012; Werle et al., 2015; Araújo, 2016; Ferreira & Pereira, 2019) revelam que o modo como a avaliação em larga escala tem sido aplicada e o uso dos indicadores derivados dela fizeram com que esses instrumentos se desviassem da sua proposta original, isto é, da função diagnóstica que possibilita a elaboração de estratégias de intervenção mais eficazes para os problemas e os desafios nos processos de ensino e de aprendizagem.

Assim, a avaliação tem se configurado como objetivo educacional, tornando-se central na dinâmica escolar, de modo que o currículo é pensado e modificado a fim de contemplar, quase que exclusivamente, o conteúdo avaliado. Ademais, o peso atribuído ao resultado dessa avaliação e as suas consequências para a escola e os professores têm suscitado a elaboração de diversas trapaças (“gaming”), que possibilitam o alcance das metas sem necessariamente seguir os objetivos propostos, a fim de conquistar as premiações e evitar as sanções previstas, prática comum também em outros contextos que implementaram essa perspectiva de accountability (Koslinski et al., 2017; Freitas, 2018).

A prestação de contas, composta da informação e justificação, tem o diálogo e a transparência como elementos necessários à sua realização de forma democrática. Por outro lado, quando implementada em contextos hierárquicos e autoritários, a informação costuma ser censurada ou repassada de forma verticalizada, não havendo espaço para esclarecer as motivações das escolhas realizadas. No contexto atual, observamos a realização de uma prestação de contas pelos profissionais da educação em várias dimensões, pois eles respondem à gestão da escola, à Secretaria (municipal ou estadual) de Educação e ao Ministério da Educação.

Já a responsabilização trata do aspecto mais controverso da accountability, por comumente resultar em aplicações de sanções ou premiações. Afonso (2012) problematiza ainda os conceitos de responsabilização e responsabilidade, aos quais se costuma atribuir um sentido de culpa, e questiona a individualização dessa responsabilidade. Na perspectiva neoliberal, indivíduos ou instituições são isoladamente apontados como responsáveis pelo sucesso ou fracasso da aprendizagem, quando, na verdade, há uma confluência de fatores que levam a esse resultado.

Por conseguinte, Afonso (2012) opta pela concepção de responsabilidade postulada por Hannah Arendt, que tem um sentido social e coletivo e diferencia-se da ideia de culpa, que seria estritamente pessoal.

. . . há uma responsabilidade por coisas que não fizemos; podemos ser considerados responsáveis por elas. Mas não há um ser ou considerar-se culpado por coisas que aconteceram sem que se tenha participado ativamente delas. . . . A culpa, ao contrário da responsabilidade, sempre seleciona, é estritamente pessoal. Refere-se a um ato, não a intenções ou potencialidades. (Arendt, 2004, p. 214, como citado em Afonso, 2012, p. 480).

O estado do Ceará tem se destacado na adoção de medidas de accountability desde a década de 1990, com a aplicação de avaliação em larga escola e políticas de responsabilização forte ou alta consequência (high stakes), vinculadas aos resultados da avaliação (Koslinski et al., 2017).

Analisando a realidade do estado do Ceará, Costa e Vidal (2020) apresentam a história da implementação da política de accountability no estado, sob a orientação política e o apoio econômico do Banco Mundial, com a criação, em 2007, do Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic).

Em seguida, o estado passou a investir na estratégia de avaliação em larga escala para a totalidade dos municípios e das escolas de 2º a 9º ano por meio do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece), em 1992. Visando à responsabilização, vinculou 18% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) aos resultados do Spaece e instituiu, em 2009, o Prêmio Escola Nota 10, que recompensa a escola com os melhores resultados e oferece apoio financeiro para as que apresentam os piores resultados.

Importa ressaltar que essa divisão promove uma desigualdade no acesso aos recursos públicos pelas instituições de ensino, haja vista que o valor recebido pelas instituições premiadas equivale a 68,6% do total distribuído, enquanto 31,4% são destinados às instituições apoiadas, e que as condições para concessão do dinheiro são diferentes, favorecendo as primeiras.

Segundo os autores, essa política de responsabilização, ao pautar-se por uma lógica meritocrática para definir quem merece compensação financeira, cria um sistema de punição invisível para as escolas com piores resultados, ao conceder-lhes menos recursos, quando elas possivelmente são as que mais necessitam deles. Assim, em vez de promover a equidade no sistema educacional, acentua-se a desigualdade entre as escolas.

Corroborando essa perspectiva, Koslinski et al. (2017), em sua análise do Prêmio Escola Nota 10, alertam sobre a ausência de indícios de impactos positivos da política para as escolas apoiadas, diferentemente do que ocorre com as premiadas.

Ademais, segundo Silva et al. (2022, p. 18),

Medidas desse tipo têm contribuído para o aumento da pressão sobre as escolas e seus profissionais para a elevação dos resultados, esvaziando o compromisso dessas instituições e do poder público com a transmissão dos saberes e conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade, reduzidos às competências e habilidades requeridas nas avaliações externas em larga escala. Desse modo, têm colaborado para a redefinição da própria função social da educação escolar em relação à garantia do pleno desenvolvimento da pessoa e de seu preparo para o exercício da cidadania, conforme estabelece o artigo 206 da Constituição de 1988.

As autoras também frisam a importância de, na região Nordeste, marcada por profundas desigualdades sociais e educacionais, os esforços para modernização da gestão pública e melhoria da educação virem acompanhados de políticas de enfrentamento das desigualdades. Sem essas políticas, as ações podem aprofundar ainda mais as desigualdades existentes ou produzir novas.

Oliveira e Santos (2021), em uma pesquisa sobre os sentidos atribuídos ao termo accountability em trabalhos selecionados do Catálogo de Dissertações e Teses da Capes, afirmam que esse vocábulo tem sido frequentemente traduzido como responsabilização, apontando, inclusive, esforços de alguns autores para tornar esse sentido consensual e hegemônico. As autoras assinalam que a adoção do termo responsabilização corrobora uma representação social negativa das políticas de accountability, haja vista que destacam as práticas de responsabilização dos sujeitos no chão da escola, por meio de sistemas high stakes.

Apesar desses esforços, esse sentido está longe de se tornar hegemônico, conforme demonstrado por Oliveira e Santos (2021), havendo também trabalhos que traduzem o conceito como prestação de contas ou mantêm o termo original, no inglês, com o intuito de apontar para sua complexidade. Nesses trabalhos, também são presentes outros sentidos de accountability que divergem da perspectiva neoliberal e a entendem como um processo necessário à democracia, tal como defendido pelas autoras e por Afonso (2012).

Analisando o contexto brasileiro, Freitas (2018) compreende a adoção de medidas de accountability na educação como parte de uma reforma empresarial que vem sendo globalmente realizada nesse setor social. Nessa perspectiva, as instituições escolares são submetidas aos mesmos valores de eficácia e eficiência exigidos por empresas privadas.

Essa reforma também afeta a gestão escolar, tornando-a cada vez mais hierarquizada, ampliando as formas de controle sobre o trabalho realizado pelos profissionais da educação. O autor reflete ainda sobre as raízes dessa reforma empresarial e as possíveis consequências da compreensão da escola como uma empresa e da educação como uma mercadoria, como a privatização do ensino público (Freitas, 2018).

Ball (2002, 2005) também discorre sobre as consequências da reforma empresarial da educação para o funcionamento escolar e para a subjetividade dos trabalhadores da área, sintetizadas por ele a partir dos conceitos de profissionalismo, gerencialismo e performatividade.

A compreensão de profissional defendida pelo ideário reformista baseia-se no profissional liberal, de modo que professores e gestores são entendidos como detentores de um saber que deverá ser aplicado no contexto escolar. Essa concepção do “profissional” da educação também pressupõe uma forma de trabalho individualizante, resultando, assim, no isolamento dos professores e no decorrente enfraquecimento da classe.

O modelo gerencial, conforme debatido acima, introduz no contexto escolar formas de organização e racionalização do trabalho características do mundo empresarial. Também são fortalecidas, com o gerencialismo, as práticas de vigilância e de controle dos trabalhadores, podendo contribuir para o estabelecimento e a manutenção de práticas autoritárias dentro da instituição educacional.

A performatividade, caracterizada por uma cobrança por elevados desempenhos por parte das escolas, professores e estudantes, faz com que o saber desses sujeitos seja constantemente avaliado e comparado. Ball (2002, 2005) comenta ainda sobre a reforma subjetiva cobrada dos professores por meio de competências apontadas como necessárias à “prática docente” (expressão que tem se popularizado em substituição ao trabalho docente), que supõem a transformação do agir, pensar e sentir para que correspondam às exigências de eficiência e eficácia.

A exigência dessa performatividade é internalizada pelos professores, que podem tanto agir para buscar atingir esse desempenho idealizado quanto sofrer ao se deparar com a incapacidade de corresponder ao que é demandado. Ademais, a constante suspeição e a cobrança em torno dos resultados dos seus estudantes têm acarretado sofrimento psíquico, que vai desde a vivência de sentimentos de insegurança e frustração para com seu trabalho ao desenvolvimento de quadros de sofrimento psíquico, como a síndrome de burnout (Diehl & Marin, 2016).

ANÁLISE E DISCUSSÃO

Para a consecução desta análise, serão considerados os dados colhidos na observação e nas respostas ao questionário, os quais serão apresentados conjuntamente nos tópicos a seguir.

A classificação e a hierarquização dos estudantes

Conforme descrito, quando iniciamos a observação, as duas turmas de 5º ano da escola estavam divididas, conforme o desempenho dos estudantes nas avaliações mais recentes, em três salas: ouro, prata e bronze.

Cobrava-se dos estudantes da turma ouro um desempenho elevado nesses exercícios e simulados, sendo constantemente incentivados a gabaritar ou “fechar 100%” a prova, estando sobre seus ombros a responsabilidade de elevar a média da escola.

Diferentemente desse grupo, os estudantes da turma bronze eram constantemente confrontados por seu baixo desempenho e cobrados a melhorarem suas notas para que pudessem sair da turma bronze e ingressar nas turmas prata e ouro.

Já os estudantes da turma prata conviviam com a cobrança para apresentarem um desempenho diferencial, que justificasse sua permanência na turma prata, e para melhorarem seu desempenho, a fim de ingressar na turma ouro.

A classificação em ouro, prata e bronze e a hierarquia contida nessa distinção eram claras para os estudantes, sendo constantemente apresentadas em seus discursos, ao exporem o desejo de irem para as turmas mais bem avaliadas e questionarem a presença de colegas em turmas bem avaliadas quando eles erravam alguma questão. Essa ordenação também estava presente no discurso das agentes pedagógicas, que constantemente comparavam os estudantes de uma turma com os das demais.

Essa responsabilização/culpabilização dos estudantes pelo seu resultado e a consequente segregação em uma turma com os estudantes de desempenho inferior nos remeteu ao conceito de “ideologia do desempenho”, de Reinhard Kreckel, citado por Jessé Souza (2004), segundo o qual o desempenho diferencial dos sujeitos, fruto de condições sociais, históricas e materiais, é justificado apenas com base na capacidade do indivíduo isolado. Nessa perspectiva, as desigualdades sociais são justificadas e naturalizadas com base nas diferenças individuais, mascarando os aspectos estruturais que as originam e as mantêm.

Ademais, esse foco no desempenho instaura uma cultura da performatividade dentro da escola, criando uma competição e uma consequente desigualdade entre os estudantes, como já fora apontado em diversos estudos.

Nesse cenário, não apenas os estudantes são cobrados a terem excelentes resultados, mas as professoras também precisam se mostrar produtivas e eficazes na mediação da aprendizagem discente. Nessa perspectiva, os resultados nas avaliações não atestam apenas a habilidade e a competência dos estudantes, mas também as das professoras, bem como da gestão na organização escolar e orientação dos processos de ensino e de aprendizagem.

O uso de recompensas e punições

Conforme discutido por Afonso (2012), a adoção das estratégias de accountability, em especial a responsabilização, entendida em uma perspectiva individualizante, tem resultado na aplicação de sanções e recompensas no cotidiano escolar. Nessa conjuntura, observamos que essas recompensas e sanções se apresentam na relação das professoras e na gestão com os estudantes.

Como exemplo das recompensas, há as premiações prometidas e concedidas aos estudantes que logram bons resultados nas avaliações. Já em relação às punições anunciadas e impingidas aos estudantes com maus resultados ou faltosos, foram observados o constrangimento e as ameaças de transferi-los para a turma bronze.

Além dos estudantes, os professores, coordenadores e diretores também estão submetidos a esse sistema de recompensas e punições. Quando as turmas avaliadas logram alto desempenho nas avaliações externas, em especial na Prova Brasil, aqueles profissionais recebem, como prêmio, uma bonificação proporcional ao cargo que ocupam.

Do mesmo modo, quando as turmas não têm o desempenho desejado, os professores, coordenadores e diretores são responsabilizados por esses resultados, podendo ser transferidos para escolas menos conceituadas ou distantes da sede do município.

Essa lógica de recompensas e punições diz não somente como os professores e gestores dessa instituição têm se relacionado com os estudantes no microcontexto da escola, mas como o município vem se relacionando com os seus agentes pedagógicos no macrocontexto, e também como o sistema educacional vem se relacionando com os municípios, mediante metas, cobranças, bonificações e sanções. Os agentes pedagógicos, portanto, reproduzem uma lógica de recompensas e punições, da qual são tanto vítimas quanto algozes.

A avaliação externa como centro do processo educativo

Durante a observação, chamou-nos a atenção a ênfase dada às avaliações externas no cotidiano escolar, adquirindo centralidade no processo educativo. Com o intuito de majorar o desempenho dos estudantes na avaliação, nas semanas que a antecederam, toda a carga horária era destinada ao ensino das disciplinas contempladas na Prova Brasil: português e matemática.

Em cada aula, eram trabalhados os descritores que poderiam estar na avaliação externa. As professoras sempre justificavam a importância do conteúdo ensinado pela probabilidade de ele constar na avaliação.

Essa incoerência também é observada pelas professoras, que fazem uma leitura crítica sobre o processo avaliativo. Em determinado momento, a professora Andorinha afirmou que “o problema da educação é que as crianças não são vistas como seres humanos, mas sim como robôs. Elas têm que fazer o 80%”. Isto é, acertar 80% da prova. Ela também expressou o desejo de que as avaliações externas acabem, falando da cobrança imposta a professores e estudantes: “Ano que tem avaliação eles faltam nos matar”.

Além da centralidade da avaliação externa se evidenciar nas falas de gestoras, professoras e estudantes, ela também estava estampada dentro da sala de aula, por meio das colagens. As dicas de sucesso não tratavam de regras de convivência ou de reflexões para uma vida mais feliz, mas sim de estratégias de resolução de questões específicas para as avaliações. Além disso, no calendário, não estavam circuladas as datas de aniversários dos estudantes, mas o dia da avaliação externa.

Comparando a realidade observada com a compreensão de Dewey (1978) sobre a educação como vida, crescimento e desenvolvimento, em vez de uma preparação para a vida, o trabalho, ou mesmo para uma prova, a incoerência da educação pautada por avaliações externas se acentua ainda mais.

Por mais que esse sistema de avaliações seja criticado pelos professores quanto aos seus fins e ao modo como é realizado, eles se veem imersos em uma realidade contra a qual se sentem impotentes, não restando outra escolha a não ser submeterem-se. O isolamento e o clima de cobrança e desconfiança entre os pares, além da ausência de espaços coletivos de reflexão e construção coletiva, têm dispersado e enfraquecido os professores, bem como suas possibilidades de resistência e oposição coletivas.

Nesse contexto, é importante escutar as professoras para compreendermos como elas vivenciam sua autonomia no cotidiano escolar. Quando questionadas sobre o que entendiam por autonomia docente, elas escreveram o seguinte:

Professora Andorinha: A autonomia da escola e dos docentes [está] vinculada ao papel social e político da educação.

Professora Primavera: É o professor ter autonomia dentro de sala na condução da aula e planejamento ou a partir da necessidade de cada turma.

Já quando indagadas se consideravam que tinham autonomia para exercer seu trabalho, elas responderam:

Professora Andorinha: A autonomia é vinculada ao sistema que estamos inseridos.

Professora Primavera: Sim, mudamos planos e estratégias a partir da necessidade da turma. Cada vez que planejamos, procuramos algo novo para garantir o aprendizado das crianças.

A professora Andorinha não respondeu se considerava que tinha ou não autonomia. Analisando a resposta da professora, comparada com a sua compreensão de autonomia, exposta no item anterior, a partir de uma perspectiva política e social, e também com as suas falas e reações no período de observação, em relação à cobrança realizada pela gestão, sua omissão parece sugerir mais uma negativa do que um esquecimento. Se o sistema em que a professora está inserida é um sistema com tantas cobranças, que “falta matá-los”, que enxerga os estudantes como “robôs”, é improvável a vivência da autonomia a partir de uma compreensão crítica, política e social.

Já a resposta da professora Primavera também é coerente com seu modo de compreender autonomia, expresso no item anterior, a qual é relacionada aos limites da sala de aula, realizando as modificações necessárias a fim de ampliar as possibilidades de aprendizado dos estudantes.

Observamos, contudo, que elas não tinham tanta liberdade para realizar escolhas em sala de aula, pois a coordenação frequentemente entrava na sala para assistir à aula e avaliá-la, intervindo nas metodologias, recursos e estratégias adotados pelas professoras para a abordagem do conteúdo.

Compreendendo o exercício da autonomia como relação, conforme postula Contreras (2012), percebemos o quanto essas professoras são tolhidas de sua autonomia docente, pois os outros com quem se relacionam, representados por seus superiores diretos e indiretos, não apresentavam abertura para o diálogo, mas exigiam delas a submissão.

Com isso, seu potencial de ação era restrito à sala de aula, podendo vivenciar sua autonomia na relação com os estudantes de modos distintos: i) reproduzindo a hierarquia, impondo a submissão e negando também a abertura para o diálogo; ou ii) estabelecendo relações diferentes, mais abertas e dialógicas.

Sousa e Pacheco (2019) afirmam que, no contexto português, as escolas que têm mais autonomia costumam ser críticas à adoção de avaliações externas educacionais, embora haja um forte movimento de aceitação e legitimação dessa modalidade de avaliação. Apesar disso, eles criticam os efeitos dessas avaliações e propõem, como alternativa, a realização de autoavaliações por parte das escolas, que possibilitem uma experiência formativa para os agentes pedagógicos.

A cobrança e a vigilância da gestão

Ao longo de nossa estadia na escola, observamos que nela existia um modelo hierárquico de gestão. Já no primeiro dia, ao flagrar um estudante da turma bronze riscando a mesa, a professora Andorinha grita com ele, dizendo que, na reunião, ela recebeu “ordens expressas” para não deixar nenhum aluno riscar a carteira. Em outro momento, na turma ouro, ela censura os estudantes que estavam conversando, alegando que tinha recebido “ordens” para não deixar as crianças conversarem e que quem conversasse seria expulso de sala.

A coordenadora pedagógica visitava frequentemente as turmas, e, às vezes, passava cerca de 30 minutos observando a aula das professoras ou auxiliando os estudantes na resolução das questões. Durante a observação, vez ou outra, ela questionava o conteúdo trabalhado pelas professoras, apontando algum erro conceitual, bem como a didática das professoras, sugerindo outros modos de abordar o conteúdo.

Infelizmente, essa correção era feita em sala de aula, na frente dos estudantes, o que deixava as professoras constrangidas. Esse gesto de desrespeito com as colegas professoras era justificado pela necessidade de bons resultados na avaliação externa. Em relação a isso, a professora Primavera também relatou um pouco dos desafios que encontrava na docência: “É muita cobrança. O problema não são os meninos, mas a cobrança. A coordenação no pé”.

O clima de desconfiança e o controle do trabalho docente têm se tornado comuns com a adoção de medidas de accountability na educação. Com a avaliação ganhando papel de destaque na elaboração de indicadores que classificam e discriminam municípios, instituições e profissionais, bem como na consequente responsabilização desses atores pelos resultados obtidos, o espaço para erros se torna mínimo. Essa realidade acaba por fomentar a adoção de um modelo hierárquico de gestão, bem como a presença de práticas autoritárias no cotidiano escolar (Freitas, 2018).

Com efeito, a direção e a coordenação passam a atuar de forma gerencialista, conforme discutido por Ball (2005), visando ao maior controle possível do trabalho realizado na escola. Os valores da gestão democrática são substituídos por uma cultura da eficiência e eficácia que reifica os sujeitos que compõem a escola, explorando-os à exaustão em nome dos resultados.

Em determinado momento, a professora Andorinha relatou para nós que o excesso de trabalho e de cobrança havia lhe feito pensar diversas vezes em desistir, mas não o fez porque ela gostava muito de ensinar e de estar em sala de aula. Além disso, considerava que seu trabalho não era reconhecido e que nunca parecia estar bom o bastante. Ela produzia o material, planejava uma aula dinâmica, mas sempre faltava algo.

Esse sentimento de frustração e inadequação em relação ao trabalho docente é apontado por Ball (2002) como uma das consequências da cultura da performatividade e da exigência dessa reforma subjetiva imposta aos professores. O saber do professor parece sempre inadequado e incompleto, sendo constantemente comparado a um ideal que, por sua vez, está em transformação.

Aprofundando a discussão, Jorge Larrosa (2018, p. 50) cita algumas “operações destinadas a acabar com as mãos livres do professor” e apresenta seis tipos de corda: (i) do conhecimento especializado; (ii) das competências; (iii) da prestação de contas; (iv) da flexibilização; (v) da padronização; e (vi) do incentivo.

A corda da prestação de contas

. . . se ampara no significado vazio da “qualidade”, que geralmente é acompanhado por um corpo de supervisores e avaliadores de todas as camadas (com o correspondente crescimento desmesurado das tarefas burocráticas), fazedores compulsivos de pontuações e de classificações, e que envolve atar as mãos (e impedir as maneiras) do professor através de: “Uma cultura da contabilização . . . , uma necessidade de dar conta dos indicadores de qualidade predefinidos”. (Larrosa, 2018, p. 50).

A metáfora das mãos amarradas/cortadas como forma de cerceamento do trabalho e da autonomia docentes, proposta pelo autor, é muito simbólica e evidente no contexto escolar pesquisado. A título de ilustração, citamos um episódio em que a coordenadora, insatisfeita com o modo como a professora Andorinha estava abordando o conteúdo de ângulos nas figuras planas, pegou o pincel e o material da mão da professora e foi ao quadro ensinar do seu jeito.

Não é que tenhamos perdido as mãos, mas sim que nos foram cortadas; não é que tenhamos perdido os gestos (e as maneiras), mas sim que tenham sido ignorados e menosprezados; não é que tenhamos perdido a língua, mas sim que nos ensinaram a falar uma língua que não é a nossa. (Larrosa, 2018, p. 42).

Nessa perspectiva, o gerencialismo e o estabelecimento de relações hierárquicas e autoritárias dentro da escola em nome da obtenção de indicadores de qualidade educacionais têm atado as mãos dos professores, impossibilitando a vivência de sua autonomia no contexto escolar e, consequentemente, não favorecendo o desenvolvimento da autonomia discente.

Efeitos de uma educação que prioriza os resultados no microcontexto da escola

De acordo com Silva e Lopes (2018), com base em Marcuse, a transmutação da razão iluminista em razão instrumental e/ou tecnológica, empreendida pela sociedade capitalista tecnológica, instituiu o princípio do desempenho, por analogia com os conceitos freudianos de princípio de prazer e princípio de realidade.

Como fruto da sociedade capitalista tecnológica, o princípio do desempenho tem sua gênese no trabalho alienado e promove a internalização da autoridade social, que é percebida pelos sujeitos como seu próprio desejo, moralidade e satisfação (Silva & Lopes, 2018).

Com base nessa teoria, podemos compreender que a escola, como segmento importante da sociedade, tem introjetado o princípio do desempenho ao promover uma educação para o mercado ou para indicadores, e essa realidade se apresenta de modo bastante evidente no contexto sobralense. As escolas, além de “fábricas de diplomas” (Silva & Lopes, 2018), também se tornam fábricas de índices, nas quais os estudantes são pensados como as máquinas, ou “robôs”, segundo a professora Andorinha.

Essa compreensão acerca do princípio do desempenho está em consonância com o conceito de performatividade discutido por Ball (2002, 2005), que representa essa exigência por um desempenho elevado ou diferencial por parte dos agentes pedagógicos e que comumente é internalizada como um desejo desses sujeitos.

Como o objetivo central dessa proposta educativa nos anos escolares avaliados é fazer com que os estudantes obtenham um desempenho elevado, a proposta de uma educação que promova o desenvolvimento integral do educando, que contempla as dimensões afetiva, corporal e cognitiva, bem como a vivência da cidadania, é negligenciada em decorrência da implementação de um sistema intensivo de treinamento de resolução de questões com base nos descritores da respectiva matriz avaliativa.

No entanto, não há tempo a perder com conteúdos não inseridos nas avaliações externas, por isso são priorizadas as disciplinas de português e matemática. Como efeito dessa escolha equivocada, as crianças acabam apresentando lacunas nas outras áreas do conhecimento (ciências, geografia e história), uma vez que são privadas de saberes para a vida em sociedade. Durante a pesquisa, presenciamos o seguinte diálogo entre dois estudantes da turma ouro. Uma menina diz “Eu quero ir para a França quando eu crescer” e pergunta ao colega: “Ei, a França é nos Estados Unidos, né?”, e ele responde: “É não, mas é perto”.

Tampouco há tempo para deixar as crianças falarem ou escutá-las, para abordar suas experiências e seus afetos, explorando discussões como a posta pelo estudante, em uma aula sobre unidades de medida de tempo, que perguntou sobre o tempo que o seu pai ainda tinha de vida, pois ele já tinha 60 anos.

Também não há tempo para o movimento. As crianças são constantemente repreendidas quando se levantam ou caminham pela sala, o que nos remeteu à “ditadura postural”, a qual

. . . desrespeita as condições da criança quanto ao controle voluntário de suas ações e o funcionamento da atividade intelectual, propiciando a incidência desse tipo de conflitos entrópicos [são dinâmicas turbulentas caracterizadas pela alta incidência de dispersão, agitação e impulsividade motora]. (Galvão, 2018, p. 111).

Entendemos que, para a vivência da cidadania, é necessário que estudantes e professores, bem como demais agentes pedagógicos, possam expressar suas opiniões e tenham seu ponto de vista considerado nas decisões coletivas. No entanto, as crianças são limitadas ao silêncio e à obediência, enquanto as professoras têm suas mãos atadas em nome de uma suposta educação de qualidade.

Além disso, estando inseridos desde cedo na lógica do desempenho e da performatividade, os estudantes expressam o quanto internalizaram cobranças e regras sociais, tornando-as, inclusive, seus objetos de desejo. Esse fato estava presente em suas falas cotidianas, como também em uma árvore dos desejos colada na parede, cuja maioria das respostas tinha como mensagem obter um alto desempenho nas avaliações.

Diferentemente dos estudantes, em cujo discurso a avaliação e principalmente os resultados provenientes dela eram abordados apenas como metas ou objetos de desejo, as professoras tinham um olhar mais crítico sobre esse processo e expressavam suas frustrações com esse modelo de avaliação, embora o reproduzissem com os estudantes. Elas reclamavam da falta de tempo, do excesso de atividades e de cobranças que relegavam o trabalho docente à condição de tripalium, isto é, como um instrumento de tortura.

Ademais, assim como para a teoria freudiana, a repressão que retorna ao sujeito como sintoma, a mais-repressão, presente na sociedade capitalista tecnológica e no contexto da instituição pesquisada, também voltou como sintomas para as professoras e para um estudante.

Cerca de uma semana antes da avaliação externa, a professora Andorinha comentou que estava lecionando à força, pois estava sentindo febre e calafrios. Falou que achava que era febre interna e, por isso, o termômetro não marcava. Em seguida, comentou que uma colega de profissão havia dito que o seu adoecimento provavelmente era decorrente do estresse, e concluiu: “Tomara que essa prova passe logo. Eles estão para nos matar”.

Ainda na semana anterior à avaliação, a professora Primavera comentou que estava sentindo fortes dores nas costas, tendo inclusive, na véspera da avaliação, saído mais cedo para realizar uma radiografia da coluna. Ela disse ainda que temia que estivesse com algum problema grave, mas acreditava que sua dor era decorrente do estresse, conforme também haviam sugerido ou especulado outras professoras.

No dia da avaliação, um dos estudantes da turma ouro, que costumava ser sempre elogiado por seu alto desempenho e de quem se esperavam bons resultados, passou mal enquanto resolvia a prova. Havia se deparado com questões que não sabia resolver, o que, somado à ansiedade e ao estresse da situação, provocou-lhe uma forte dor de barriga, de modo que fora preciso mobilizar as docentes no cuidado dele.

Além dos efeitos sobre a saúde dos agentes pedagógicos, esse modelo de educação visando às avaliações externas também gera uma relação de competitividade entre os professores: são avaliados pelo desempenho dos seus estudantes e se sentem cobrados pelos colegas, que podem criticar seu trabalho para a direção.

Nesse contexto, eles também se preocupam com a performance dos colegas, pois ela pode afetar os resultados da escola ou da turma. Além dos colegas, a gestão também avalia e cobra a atuação dos professores, pois compreende que o trabalho deles impacta na obtenção dos resultados almejados, o que gera, inclusive, um clima de desconfiança entre a gestão e os professores.

No entanto, apesar de a educação atuar como um instrumento de reprodução das desigualdades, de alienação e de dominação, fazendo valer o princípio de desempenho, ela também pode representar um instrumento de mediação para o esclarecimento e a conscientização, sendo esses elementos fundamentais para a transformação dessa realidade (Silva & Lopes, 2018).

É a partir da crítica e do esclarecimento, ou da retomada de uma racionalidade reflexiva e filosófica, que os autores, com base em Marcuse, consideram possível a construção de um princípio de realidade emancipador que possibilite, inclusive, o questionamento da repressão como elemento necessário à vida em sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exercício da autonomia docente no cotidiano escolar está condicionado a aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos, que o favorecem ou obstaculizam. No cenário nacional, com a ascensão do ideário neoliberal e a implementação de medidas de accountability na política educacional, observamos o estabelecimento e a manutenção de relações hierárquicas e autoritárias entre as instituições e sujeitos que compõem o sistema escolar, resultando, ainda, em uma cultura do profissionalismo, gerencialismo e performatividade na escola.

No contexto sobralense, marcado pela ambição de manter a posição de destaque nacional lograda nos indicadores educacionais, as avaliações externas têm (des)orientado o fenômeno educativo, conduzindo os processos de ensino e de aprendizagem na escola. Essa centralidade na avaliação tem produzido inúmeras consequências para os estudantes e os professores inseridos nessa dinâmica.

Um dos efeitos mais observados trata da seleção do que é lecionado com base nos descritores que orientam as avaliações, o que faz com que os conteúdos de português e matemática sejam privilegiados em detrimento dos conteúdos de outras áreas não avaliadas.

Outro efeito bastante preocupante é a internalização do princípio ou da ideologia do desempenho, resultando em uma cultura da performatividade e do desempenho dentro da escola, que faz com que professores e estudantes interiorizem cobranças externas, tornando-as seus objetos de desejo, e adoeçam por não corresponderem a essas expectativas.

Nessa realidade em que os resultados de uma avaliação parecem importar mais do que a aprendizagem e o bem-estar dos participantes do processo educativo, agir de forma autônoma parece mais desafiador, haja vista a ausência de espaço para discordâncias e contradições.

Nesse contexto, os modos como compreendemos a docência como profissão e a autonomia docente impactam nossas possibilidades de atuação e organização coletiva. Se entendermos a autonomia como uma característica intrínseca ao sujeito, observaremos apenas a reação de alguns sujeitos isolados que discordam dos caminhos tomados pelo sistema educacional, os quais provavelmente sofrerão sozinhos as represálias por suas manifestações.

As condições do trabalho docente, entendido como interativo e reflexivo, dificultam sua total alienação, proporcionando-lhe potencial de ação e autonomia. Por isso, se compreendermos a autonomia como um exercício construído na relação com os demais e nos identificarmos como classe docente, poderemos construir e ocupar espaços de discussão e organização docente e discente a fim de potencializarmos os efeitos de nossas intervenções e promovermos as transformações que desejamos na educação escolar e, consequentemente, na sociedade.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

1 Este artigo é produto da dissertação de mestrado da primeira autora (Aguiar, 2019), sob orientação do segundo autor.

COMO CITAR:Aguiar, D. C. V., & Barguil, P. M. (2024). Autonomia e docência no cotidiano escolar sobralense: Efeitos da accountability. Estudos em Avaliação Educacional, 35, Artigo e10373. https://doi.org/10.18222/eae.v35.10373

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Recebido: 27 de Junho de 2023; Aceito: 08 de Fevereiro de 2024

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