Introdução
O presente artigo tem como tema central a formação de mestres rurais no Paraná, a partir da expansão dos Cursos Normais Regionais instituídos pela Lei Orgânica do Ensino Normal (Decreto-lei n° 8.530, de 02/01/1946), que previa dois ciclos para a formação de professores. Sobre a referida lei incide o recorte inicial da análise, tendo em vista a criação do primeiro Curso Normal Regional no Território Federal do Iguaçu, atual município de Laranjeiras do Sul (LEMIECHEK, 2014) e as sucessivas institucionalizações do curso no interior do Estado até o ano de 1968, marcado por seus últimos vestígios.
O Estado do Paraná é o locus da investigação pelo número significativo de cursos criados em apenas duas décadas de existência. Os números constituem-se em indicativos da proeminência dos Cursos Normais Regionais no Estado: de apenas um, criado em 1946, para 121, instituídos em 1964, já na fase de extinção dessa modalidade de formação, quando é transformada em Curso Normal Ginasial.
O alinhamento do Paraná às políticas do governo federal e a defesa de sua “vocação eminentemente agrícola” garantiram que a temática da educação rural e da formação de seus mestres se fizesse presente nos discursos e nas iniciativas de institucionalização e expansão dos Cursos Normais Regionais e creditou a essa modalidade de formação a função de formar o professor primário rural, elaborar uma série de estratégias para inserção no meio rural e conviver com a concordância e/ou contrariedade entre o prescrito e o praticado (FARIA, 2017; SCHELBAUER, 2014).
Tais considerações aguçam o olhar investigativo e direcionam a escrita para as singularidades da formação de professores rurais no Paraná. Interessa neste artigo analisar as inúmeras produções investigativas no âmbito das teses e dissertações que tomam como objeto de estudo os Cursos Normais Regionais paranaenses, a fim de interrogar: estes estudos retrataram o diálogo entre centro e interior? Denotam concordância ou contrariedade entre o prescrito pelo centro e o praticado nos cursos interioranos?
Parte-se do pressuposto de que o número expressivo de Cursos Normais Regionais criados e instituídos entre as décadas de 1940 e 1960, no interior do Estado, apresenta relação direta com o franco processo de expansão e interiorização marcado pela presença de companhias colonizadoras que abriram cidades e lotearam áreas rurais em meados do século XX, que imprimiu forte caráter regional ao Estado e conferiu a singularidade na formação de professores rurais, pela via do Ensino Normal Regional.
Considerando a especificidade da investigação, emprega-se como referencial de análise a História Cultural, a partir dos conceitos de cultura escolar de Julia (2001) e estratégias e práticas de Certeau (1998). Neste sentido, as análises primam por reconhecer o conjunto de normas que definiam os conhecimentos a serem ensinados nos Cursos Normais Regionais e o conjunto de práticas desenvolvidas pelo corpo profissional, na transmissão e incorporação de conhecimentos e comportamentos a serem desenvolvidos pelos mestres rurais. Ainda, considerando que a escola é composta por sujeitos históricos, logo, reproduz e produz cultura, os professores rurais ao operar as estratégias, modificam, posicionam-se, burlam, portanto criam táticas.
Como fontes documentais, delimitamos as teses e dissertações da área de Educação, disponíveis no site da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações que retratam a criação, institucionalização e expansão desses cursos no Estado. Metodologicamente, empregamos como palavras de busca da pesquisa: Escola Normal Regional; Formação de Professores; Paraná. Ainda concernente às fontes documentais, analisamos documentos oficiais da Secretaria de Educação e Cultura e/ou Serviço de Ensino Normal, inclusive originais do CD-ROM de Gonçalves (2016); documentos do Arquivo Público do Paraná; da Biblioteca da Secretaria de Estado da Educação; da Biblioteca Pública do Paraná, dentre outros.
A partir das fontes documentais e da revisão historiográfica, o artigo focalizará a análise sobre o diálogo entre as prescrições e normativas advindas da capital, por meio de atos oficiais e de experiências de cunho associativo, e suas repercussões na formação dos mestres rurais no interior do Estado, com a instituição dos Cursos Normais Regionais, que conferiram a singularidade na formação de professores rurais.
A escrita do artigo está dividida em duas partes. Na primeira apresentamos as singularidades da formação de professores rurais, por meio das teses e dissertações produzidas, no âmbito da pós-graduação em Educação das Instituições de Ensino Superior (IES) paranaenses. Em seguida, discorremos sobre o protagonismo de Erasmo Pilotto e Diva Vidal nas ações frente ao intenso processo de interiorização dos Cursos Normais Regionais.
As singularidades na formação de professores rurais: o prescrito e o praticado nos retratos da historiografia educacional
O levantamento das produções entre 1992 e 2018 tem como marco a primeira e a última tese e dissertação sobre a história dos Cursos Normais Regionais no Paraná. O inventário das produções e o cotejamento das temáticas evidenciam, como resultados, a publicação de nove dissertações e três teses, perfazendo um total de 12 investigações nas três últimas décadas. Destaca-se que a maioria das pesquisas foi desenvolvida nos Programas de Pós-graduação em Educação, em Instituições de Ensino Superior do Paraná: Universidade Estadual de Maringá - UEM; Universidade Estadual de Londrina - UEL; Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG; Universidade Estadual do Centro Oeste - Unicentro; Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste e Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC-PR; com exceção da pesquisa de Miguel (1992), defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. Vejamos o exposto no Quadro 1:
O trabalho de Miguel (1992), publicado na última década do século XX, incide sua análise sobre o Estado do Paraná; os estudos de Tesserolli (2008) e Sbardelotto (2009), sobre os municípios de Foz do Iguaçu e Piraquara, foram defendidos na primeira década do século XXI; as pesquisas de Hervatini (2011), Nogueira (2012), Facchi (2013), Cattelan (2014), Lemiechek (2014), Palhano (2014), Gonçalves (2016), Faria (2017) e Aksenen (2018) foram realizadas na segunda década do século XXI e abrangem os municípios de Maringá, Apucarana, Cianorte, Cornélio Procópio, Londrina, Rolândia, Sertanópolis, Laranjeiras do Sul, Francisco Beltrão, Cascavel, Guarapuava e Prudentópolis.
Iniciemos pela tese de Miguel (1992), que inaugura a temática como objeto de estudo em Programas de Pós-graduação em Educação, uma espécie de “pedra fundamental” da historiografia da Educação Rural paranaense2, em particular do Curso Normal Regional. O estudo dedicado à presença da Pedagogia da Escola Nova no Paraná, entre 1946 e 1961, período de maior expansão do escolanovismo neste território e também deste curso de formação docente, o reconhece como principal veículo da Pedagogia Ativa.
Miguel (1992) privilegia a análise de documentos normativos e prescritivos para os Cursos Normais Regionais no Paraná, e demonstra que Pilotto organizou para a formação de mestres rurais, inspirado na proposta das “missões mexicanas”, um curso para solucionar o problema da falta de professores no meio rural e nas cidades interioranas paranaenses. Todavia, a historiadora sinaliza que, para não transformar os professores rurais em líderes subversivos da ordem social, teve como influência a segunda etapa do desenvolvimento da Educação Rural no México, com “[...] aparente conotação de neutralidade” (MIGUEL, 1992, p. 235).
Com os estudos de Tesserolli (2008) e Sbardelotto (2009), temos continuidade nos investimentos de pesquisa sobre a temática, no início do século XXI. Ao investigar a Escola Normal Colegial de Piraquara, Tesseroli (2008) traz algumas informações sobre a Escola Normal Regional daquela cidade, em funcionamento entre 1959 e 1968. Até 1966, ocupava salas cedidas do Grupo Escolar, esta relação não se dava apenas na partilha do espaço, ambas as instituições tinham o mesmo diretor.
Autor | Título | Dissertação/ Tese/IES | Ano | Orientador(a) | Locus da investigação |
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MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck | A Pedagogia da Escola Nova no Paraná: início, consolidação e expansão do movimento. | Tese PUC-SP | 1992 | WARDE, Mirian Jorge | Paraná |
TESSEROLLI, Ana Elizabete Mazon de Souza | Formação de Professores no Paraná: a Escola Normal Estadual Nossa Senhora Aparecida, Piraquara -PR. | Dissertação PUC-PR | 2008 | MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck | Piraquara-PR |
SBARDELOTTO, Denise Kloeckner | O desenvolvimento dos cursos de formação de professores primários na fronteira oeste paranaense: a criação da primeira Escola Normal Secundária pública de Foz do Iguaçu e do Oeste do Paraná. | Dissertação UEPG | 2009 | DALAROSA, Adair Ângelo | Foz do Iguaçu-PR |
HERVATINI, Luciana | A escola normal regional e suas práticas pedagógicas: dois retratos de um mesmo cenário no interior do Paraná. | Dissertação UEM | 2011 | SCHELBAUER, Analete Regina | Apucarana e Maringá-PR |
NOGUEIRA, Adálcia Canedo da Silva | Marcos possíveis para reconstituir a história da instituição escolar Julia de Souza Wanderley: a primeira escola de formação de professores de Cornélio Procópio-PR (1953-1967). | Dissertação UEL | 2012 | CAINELLI, Marlene Rosa | Cornélio Procópio-PR |
FACCHI, Jehnny Zélia Kalb | História da Formação de Professores em Cascavel entre 1951 e 1971: a trajetória das Escolas Normais Carlota Moreira e Irene Rickli. | Dissertação UNIOESTE | 2013 | CASTANHA, André Paulo | Cascavel-PR |
CATTELAN, Carla | Educação Rural no Município de Francisco Beltrão entre 1948 a 1981: Escola Multisseriada. | Dissertação UNIOESTE | 2014 | CASTANHA, André Paulo | Francisco Beltrão-PR |
LEMIECHEK, Lucimara | Aspectos históricos da formação de professores normalistas no município de Laranjeiras do Sul-PR (1946-1980). | Dissertação UNIOESTE | 2014 | CASTANHA, André Paulo | Laranjeiras do Sul-PR |
PALHANO, Isabel Castilho | A educação rural no Brasil e no Paraná nos anos 50 e a materialização no Curso Normal Regional de Guarapuava. | Dissertação UNICENTRO | 2014 | HIDALGO, Angela Maria | Guarapuava-PR |
GONÇALVES, Andressa Lariani Paiva | O ensino normal regional em Cianorte-PR: da institucionalização às práticas e saberes pedagógicos (1957-1964). | Dissertação UEM | 2016 | SCHELBAUER,Analete Regina | Cianorte-PR |
FARIA, Thais Bento | Paraná, território de “vocação agrícola”?! Interiorização do Curso Normal Regional (1946-1968). | Tese UEM | 2017 | SCHELBAUER,Analete Regina | Sertanópolis, Londrina e Rolândia |
AKSENEN, Elisângela Zarpelon | A UNESCO e suas relações com a Educação Rural no Brasil, no Paraná e em Prudentópolis (1936-1996). | Tese PUC/PR | 2018 | MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck | Prudentópolis-PR |
FONTE: Quadro elaborado pelas autoras
Depoimento de ex-assistente técnica da Escola Normal de Piraquara cita que a Escola Normal Regional “[...] surgiu como uma necessidade de regularizar os professores leigos que já estavam atuando [...]”, excerto destacado por Tesseroli (2008, p. 125). Em concordância com sua finalidade prescrita, o pioneirismo na formação docente oportunizada pelo Curso Normal Regional de Piraquara contribuiu para tornar o professor leigo em Regente de Ensino Primário. Como alertava o entusiasta do Curso Normal Regional no Paraná, “A criança da zona rural não pode esperar indefinidamente que o progresso bata às portas de sua localidade para que aí chegue o professor normalista” (PILOTTO, 1952, p. 46). O Curso Normal Regional fora a materialização do progresso!
A pesquisa de Sbardelotto (2009) constata o desenvolvimento dos cursos normais públicos de formação de professores primários a partir da criação do Curso Normal Regional de Foz do Iguaçu em 1951, posteriormente denominado Candido Rondon, e a instalação da Escola Normal Secundária do “Iguaçu”, em 1957; destaca as condições precárias de funcionamento do Curso Normal Regional, que se assemelhava às condições das Escolas Isoladas e multisseriadas das áreas rurais, e apresenta o protagonismo de Erasmo Pilotto em relação às diretrizes para o funcionamento dos Cursos Normais Regionais e que, embora o educador privilegiasse um currículo de cultural geral, a habilitação oferecida nestes cursos objetivava levar a Escola Normal ao interior e “[...] recrutar, em cada município, os seus alunos aí mesmo, entre moças do lugar, e que aí ficasse, depois, exercendo o magistério” (PILOTTO, 1954, p. 97).
Sbardelotto (2009) ressalta também que enquanto a Escola Normal Secundária atendeu às reivindicações das elites urbanas, os Cursos Normais Regionais atendiam as expectativas do grupo social de colonos para a difusão da cultura de suas regiões de origem, por professores habilitados para as Escolas Isoladas e multisseriadas rurais. Sobre essa questão, considera o fato de que o Regulamento4 para a organização do Ensino Normal de 1955 previa o ensino de noções de idioma de origem dos colonos e seus costumes e tradições, atendendo as necessidades dos colonos nas áreas rurais. Quadro que se alteraria no Regulamento de 1958, que retirava a possibilidade do ensino do idioma, permitindo apenas o ensino dos costumes e tradições dos povos colonizadores, o que provavelmente tenha gerado tensões no diálogo entre o centro e o interior.
Na segunda década do século XXI registra-se o aumento significativo de pesquisas empreendidas sobre a história das Escolas Normais Regionais no Paraná, com duas teses e sete dissertações. O estudo de Hervatini (2011) apresenta dois retratos de um mesmo cenário no interior do Paraná, por meio da investigação sobre a Escola Normal Regional Pestalozzi, em Apucarana, e a Escola Normal Regional Eduardo Claparède, em Maringá; analisa também como as práticas pedagógicas das escolas pesquisadas refletem a tendência ideológica nacional-desenvolvimentista e a Pedagogia da Escola Nova para a formação de professores primários no interior, oferecendo evidências do diálogo entre as prescrições advindas da capital e a formação desenvolvida no âmbito dos Cursos Normais Regionais, como veremos no item posterior do artigo.
A autora reitera o protagonismo de Erasmo Pilotto, em suas orientações na preparação dos mestres rurais para o desenvolvimento de educação escolar primária como aquisição da cultura geral; enfatiza as prescrições para a formação de professores, a partir da mensuração da aprendizagem, do método ativo de aprendizagem, de cursos de extensão cultural, de estudos regionais, do desenvolvimento dos valores morais, cívicos e religiosos no espaço escolar e familiar e da educação de cunho assistencial; tais pontos identificados nas práticas pedagógicas destas duas Escolas Normais no norte do Estado.
Nogueira (2012) verifica que o Curso Normal Regional de Cornélio Procópio promovia o acompanhamento técnico-pedagógico das escolas rurais, supervisionados e assessorados por seus professores. A professora de “Prática e Didática de Ensino”, nos anos 1962 e 1963, aponta a dificuldade de estagiar no meio rural pela distância e pelas condições das estradas, todavia as estudantes assumiam todos os riscos, indo na carroceria de um caminhão. Embora fosse uma política pública emergencial, este curso preparou professores para o meio rural, onde se concentrava a população de Cornélio Procópio.
O Curso Normal Regional de Cornélio Procópio (1953-1967), como outros, ocupou o prédio de um Grupo Escolar e demais endereços e, mesmo permeado de resistências e contradições, representou a oportunidade de estudar para muitos sujeitos das camadas empobrecidas da sociedade urbana e rural, dado que se aproxima e se distancia dos estudos de Facchi (2013).
O Curso Normal Regional de Cascavel, investigado por Facchi (2013), funcionou entre 1959 e 1968. A demora da construção do ginásio na cidade impeliu alunos sem intenção na profissão do magistério ao Curso Normal Regional, por ser a única escola ginasial pública até 1966. Os primeiros a usufruírem do curso eram originários de famílias tradicionais e, na maioria, mulheres; nos anos de 1964 e 1965, as formandas eram da elite local e intencionavam prosseguir os estudos para atuar em outras áreas, contribuindo para a persistência do problema de professores leigos no meio rural.
Este curso também funcionou junto ao Grupo Escolar, em área nobre da cidade e perto da igreja matriz; em 1965, boa parte das professoras eram ex-alunas deste curso e trabalhavam no Grupo Escolar. A aproximação com o Grupo Escolar também se dava nas muitas observações e estágios que aconteciam nesta escola urbana e em escolas multisseriadas próximas ao centro da cidade. Ainda, a biblioteca, tão demarcada pelas regulamentações do Ensino Normal, só passou a existir quando já havia na cidade a Escola Normal Secundária, pós 1963 (FACCHI, 2013).
Ao investigar Educação Rural no município de Francisco Beltrão, Cattelan (2014) constata que o crescimento da demanda educacional, na década de 1950, pelo intenso movimento migratório na região, resultou no aumento de escolas primárias rurais, onde os professores em sua maioria eram leigos, o que motivou a criação da Escola Normal Regional, em 1959, e a instalação a Escola Normal Colegial Regina Mundi, em 1965.
Ao concluir a investigação, Cattelan (2014) afirma que sua contribuição para o entendimento da história da educação regional deixou em aberto algumas lacunas, dentre elas, a necessidade de um estudo mais específico sobre a Escola Normal Regional de Francisco Beltrão.
Lemiechek (2014) trata do primeiro Curso Normal Regional do Estado do Paraná, instituído no Território Federal do Iguaçu (atual município de Laranjeiras do Sul). A princípio, sob responsabilidade do governo federal, com um corpo docente vindo do Rio de Janeiro e com intenso vínculo com o ruralismo pedagógico, mantinha uma área destinada à prática de agricultura, abrangia um Clube Agrícola e há prova documental que mostra as normalistas regionalistas cultivando a terra. Após 1948, com a extinção deste território federal, o governo do Estado assumiu a responsabilidade deste curso, alterou o quadro de professores e não há evidência sobre a continuidade do Clube Agrícola.
De um Curso Normal Regional afinado com os ideais ruralistas, entretanto, desde sua criação até extinção, de 1946 a 1967, este curso conviveu com sua maior contrariedade - o provisório se tornou permanente porque ocupou um Grupo Escolar urbano, situado em área nobre, perto da igreja matriz. A aproximação com a escola citadina possibilitou que ali acontecesse a Prática de Ensino, não se obtiveram indícios que fosse em Escolas Isoladas. Esta instituição de formação docente agregou estudantes de diferentes regiões, funcionou em sistema de internato e externato, por isso houve a necessidade de pensões para abrigar moças e rapazes. Outra contrariedade é que uma ex-normalista regionalista relata que só fez o curso por falta de opção e não tinha intenção de lecionar (LEMIECHEK, 2014).
Distinto dos demais Cursos Normais Regionais, o de Guarapuava funcionou anexo a um colégio confessional católico, existente desde o início do século XX, em uma instituição reconhecida por ser tradicional, com um regime disciplinar e quw, desde sua fundação, representava a modernidade necessária à “formação do homem civilizado”, assegura Palhano (2014). Como o público atendido era oriundo do interior da região e não teria condições de estudar senão em regime de internato, este colégio confessional atendeu esta necessidade do Curso Normal Regional. No entanto, Palhano (2014) analisa que, pela organização curricular, muitas formandas não assumiram a docência, pois se preparavam para o matrimônio, maternidade e cuidados do lar. Conclui-se que, no Curso Normal Regional de Guarapuava, nos anos 1950, coexistiam metodologias conservadoras e escolanovistas, em consonância e contrariedade com o âmbito do prescrito.
A dissertação de Gonçalves (2016) investiga a implantação da Escola Normal Regional Silva Jardim, em 1957, a partir das práticas pedagógicas inerentes à cultura escolar desenvolvidas no âmbito da instituição e constata que, mesmo diante de sua breve existência, contribuiu de forma significativa com a formação de professores primários em Cianorte.
Gonçalves (2016) e Hervatini (2011) compartilham da compreensão de que Pilotto, ao intentar uma nova visão no Ensino Normal do Estado, por meio dos Cursos Normais Regionais, procurou estabelecer algumas estratégias de trabalho que visassem contemplar os ideais escolanovistas. No entanto, a educação primária idealizada pelo educador e expressa nos programas para os Cursos Normais Regionais por ele elaborados, que primavam pela interação dos professores com o meio rural, não se realizou como propunha: “A realidade que observamos na Escola Normal Regional Silva Jardim demonstra que nem todas as propostas direcionadas para esta modalidade de ensino foram possíveis de serem efetivadas” (GONÇALVES, 2016, p. 161).
Faria (2017), no primeiro estudo a reconhecer o protagonismo de Diva Vidal no processo de expansão do Curso Normal Regional no Paraná, também historia três Cursos Normais Regionais - de Rolândia (1949-1965), Londrina e Sertanópolis (1950-1964). Estes utilizaram espaços cedidos, em especial prédios de Grupos Escolares, por toda ou parte de sua existência. No Curso Normal Regional de Sertanópolis eram constantes as atividades conjuntas com o Grupo Escolar, sobretudo em datas comemorativas, nos anos de 1956 a 1959, e a mesma professora esteve na direção de ambas as instituições em 1957.
Também o Curso Normal Regional de Rolândia compartilhou espaço e vivenciou o desconforto com as inúmeras mudanças de endereço. Em 1965, reclama-se que o ginásio se fez depositário do acervo bibliográfico do Grêmio Erasmo Pilotto daquele curso. Concernente à prática pedagógica, identifica-se a presença da premissa escolanovista nas disciplinas “Trabalho Independente” (1949 e 1950), “Clube da Leitura” e “Orientação Educacional” (1949). Pilotto (1952) publica um texto originalmente divulgado em “Esforço”, um órgão do Centro de Cultura deste curso, comprovando sua existência e diálogo com este educador. A consonância com o âmbito do prescrito visualiza-se também nas temáticas e metodologias empregadas: em determinada situação, trataram sobre o método Montessori, seria inaugurado o Teatro de Fantoche Ambulante em uma Escola Isolada e buscavam angariar fundos para a aquisição de uma discoteca escolar.
Quanto ao Curso Normal Regional de Londrina, ilustrativa é a elaboração de táticas: as normativas indicavam que, para o ingresso no curso, não se admitissem maiores de 25 anos, no entanto, em 1953, de 22 concluintes, 13 ingressaram no curso acima desta faixa etária. Ao avaliar as regulamentações de ensino, conclui-se que uma tática tornou estratégia, visto que, após 1958, a regulamentação exclui a idade máxima como condição de ingresso (FARIA, 2017).
Aksenen (2018), ao pesquisar sobre as influências da Unesco nos assuntos da educação rural no Brasil, com foco no Estado do Paraná e, especificamente, em Prudentópolis, aborda questões concernentes ao corpo docente e à formação dos professores primários rurais; destaca a presença de professores leigos, bem como elucida que a formação dos professores das escolas rurais se dava pela Escola Normal e de Aplicação Coronel José Durski e pelo Curso Normal Regional.
Dentre as discussões que a pesquisadora desenvolve, constata-se que uma das principais preocupações da Unesco foi formar professores que atuavam sem a devida qualificação e resolver a carência de professores nas zonas rurais. Para tanto, “[...] a UNESCO defendia a formação de professores rurais na escola normal, depois do curso primário (UNESCO, 1951) e que fossem criados, na zona rural, estabelecimentos que oferecessem tal formação, a fim de atender a essa demanda” (AKSENEN, 2018, p. 211).
A autora ressalta que este foi um dos motivadores que levou o Estado do Paraná a intensificar a formação de professores rurais e que o Curso Normal Regional, criado em Prudentópolis, “[...] fez parte desse projeto estando entre os 29 municípios nos quais foram instalados os cursos normais regionais até o final de 1955” (PARANÁ, 1956 apud, AKSENEN, 2018, p. 212).
Diante das contribuições da historiografia da educação paranaense sobre a história das Escolas Normais Regionais e da presença marcante de Erasmo Pilotto e Diva Vidal na difusão dos Cursos Normais Regionais pelo interior do Estado, analisaremos, a seguir, o protagonismo desses atores no intento de levar a Escola Normal ao interior para formar o mestre rural.
O protagonismo de Erasmo Pilotto e Diva Vidal no processo de interiorização dos Cursos Normais Regionais
“Terra de oportunidades”, “espetáculo de prosperidade”, “vocação eminentemente agrícola” foram alguns dos atributos conferidos ao Paraná, por seus governantes, durante o processo de (re)ocupação dos territórios do interior do Estado pela ação das companhias colonizadoras, mediante o processo de migração que advinha da expansão da cafeicultura na região Norte, da extração madeireira e da suinocultura nas regiões Oeste e Sudoeste, sobretudo, nas décadas de 40, 50 e 60 do século XX.
Neste contexto, modernizar o Estado consistia em criar infraestrutura e ofertar serviços públicos básicos para atender a demanda oriunda do aumento populacional. Os dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES; 1989, 1993) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010) apontam para uma taxa de crescimento demográfico em torno de 70 e 100% neste período, vinculado aos processos migratórios de mineiros, paulistas, gaúchos e catarinenses, além dos fluxos imigratórios, sendo que os residentes nas áreas rurais representavam 75% e 69% da população nas décadas de 1950 e 1960, respectivamente (SCHELBAUER, 2014).
Dentre os fatores apontados para a modernização do “sertão”, educar o campesino era fazer a escola primária chegar ao interior. Essa é a tônica pela qual se expandem as escolas primárias rurais no Estado, com a “missão” de criar lideranças para fazer prosperar o meio rural, para isso era necessário que a professora fosse formada de acordo com as modernas concepções pedagógicas. Para tanto, institucionalizaram-se “[...] políticas de expansão da escola primária na zona rural que fosse capaz de preparar homens e mulheres a resolverem seus problemas regionais e integrarem-se ao seu mundo rural” (SCHELBAUER, GONÇALVES NETO, 2013, p. 87), bem como criaram e expandiram os Cursos Normais Regionais entre 1940 e 1960, contribuindo com a interiorização da formação de professores paranaenses (FARIA, 2017).
Com tantos personagens conhecidos e anônimos que empreenderam a missão de disseminar a escola primária ao interior do Estado, podemos nomear dois educadores que foram ícones das ações empreendidas para formar os mestres rurais que atuariam nessas escolas: Erasmo Pilotto5 e Diva Vidal6.
Estes educadores trabalharam na administração escolar paranaense, traçaram políticas educacionais, criaram normatizações e regulamentações de ensino com intuito de modernizar a escola primária ao transformar a “moça do lugar”, como nomeava Pilotto (1952), na sonhada professora normalista conhecedora dos “modernos” preceitos pedagógicos (FARIA, SCHELBAUER, 2019).
A atuação desses educadores foi fundamental para a expansão dos Cursos Normais Regionais. À frente da Secretaria de Educação e Cultura, em seu primeiro ano de mandato, Pilotto instalou 19 Escolas Normais Regionais. No final de sua gestão, em 1951, esse número já atingia 24 cursos criados e instalados em diversas regiões do Estado (MIGUEL, 1992; FARIA, 2017).
Pilotto (1952) havia deixado o seu legado: “Levamos a escola normal ao sertão”, mas suas contribuições não se encerrariam aí, como veremos adiante. No entanto, a significativa expansão das Escolas Normais Regionais foi marcada pela atuação de Diva Vidal, quando se alcançou o número de 70 Cursos Normais Regionais, em 1958, período em que a educadora esteve à frente do Serviço de Ensino Normal, delineando estratégias para que inovações pedagógicas chegassem às novas e inúmeras Escolas Normais Regionais e Escolas Normais Secundárias (VIDAL, 1958).
Destaca-se como uma das ações de Pilotto, ao sair da esfera pública, em 1951, a criação da Associação de Estudos Pedagógicos7 (1956-1970) e da Revista de Pedagogia8, impresso pedagógico de cunho associativo, publicado entre os anos de 1957 e 1966, órgão da Associação de Estudos Pedagógicos para os Cursos Normais Regionais, na qual atuou como editor e diretor, evidenciando sua continuidade nas discussões sobre a educação pública estatal. Com uma tônica marcadamente prescritiva, a estratégia da revista, como um veículo de preparo prático para atuação das normalistas, pode ser observada nos primeiros números do periódico, dedicados à descrição de práticas pedagógicas, com ênfase no ensino inicial da leitura, composição escrita e multiplicação, a partir da individualização do ensino e por meio do sistema de fichas. Tais prescrições amparavam-se no argumento de que os resultados satisfatórios do ensino primário no interior dependiam do trabalho das professoras em formação nos Cursos Normais Regionais, tendo em vista a especificidade do ensino nas Escolas Isoladas da zona rural.
A metodologia de ensino individualizado é prescrita como uma solução ao trabalho dos professores nas Escolas Isoladas da zona rural, atuando como um “sistema de controle do professor para o aluno como também um controle sobre o trabalho do professor” a fim de proporcionar “[...] a cada criança o ensino adequado à sua capacidade de aprender, sendo extremamente útil, especialmente no contexto das escolas isoladas, e facilmente utilizável por professores com carência de formação especializada” (SILVA, 2018, p. 8).
Como observou Julia (2001, p. 11) “normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar os dispositivos pedagógicos”. Em nosso caso, o corpo profissional dos agentes constitui-se de professores em formação pelos Cursos Normais Regionais. Nos registros documentais analisados por Hervatini (2011) acerca de duas Escolas Normais Regionais do interior paranaense, observam-se as práticas pedagógicas que as normalistas realizavam para a docência nas Escolas Isoladas, com as denominadas fichas de leitura, oferecendo indícios de que esta metodologia era largamente explorada.
As fichas eram elaboradas pelos estudantes das Escolas Normais Regionais e utilizadas em situações de estágio nas Escolas Isoladas rurais. Após os estágios, tanto as fichas de leitura, quanto os demais materiais confeccionados e utilizados nas atividades, eram doados para as professoras das escolas primárias, conforme as orientações da Associação de Estudos Pedagógicos. A falta de condições materiais das Escolas Isoladas, sobretudo aquelas nas zonas rurais de difícil acesso ou com poucos recursos, somadas à falta de formação pedagógica de suas professoras em relação às novas metodologias de ensino, são destacadas por Hervatini (2011) como justificativa para adoção de tais práticas.
Com tais apontamentos e mesmo diante da inexistência de dados de circulação da Revista de Pedagogia nos Cursos Normais Regionais, infere-se que o periódico, como veículo da Associação de Estudos Pedagógicos, funcionou como uma das estratégias para colocar em circulação um corpo de conhecimentos práticos e dispositivos pedagógicos considerados fundamentais à formação dos mestres rurais e aos próprios professores das escolas primárias rurais.
A conjuntura em que a Revista de Pedagogia (1957-1966) circulava foi a mesma vivenciada por Diva Vidal na condição de chefe do Serviço do Ensino Normal (1955-1961). Trata-se de um período de significativa expansão de Cursos Normais Regionais no território paranaense, sendo que Pilotto e Vidal protagonizaram iniciativas que auxiliaram na circulação de ideias e na manutenção do diálogo entre centro e interior.
Concernente à educadora e chefe do Serviço de Ensino Normal que “sentiu, viveu e sofreu”, como escreve na despedida deste cargo, em 1961, Diva Vidal lidou com os dilemas da expansão da Escola Normal, inclusive dos cursos formadores de Regentes de Ensino Primário, por isso organizou, produziu e estimulou a elaboração de abundante material relacionado à vida administrativo-pedagógica do Ensino Normal: regulamentações, circulares, ofícios, avisos, orientações, relatórios e outros escritos.
No período em que Diva Vidal esteve na chefia, sendo a principal articuladora de diversas estratégias, houve um intenso diálogo entre centro e interior que se desdobrou em várias facetas de atuação do Serviço do Ensino Normal. Conforme os estudos de Faria (2017): 1) aconteceram cursos de atualização e aperfeiçoamento, reuniões de diretores e outros mecanismos de formação em serviço; 2) pela expansão da Escola Nova e a dificuldade de referencial bibliográfico chegar às Escolas Normais, porque não havia espaço para a biblioteca e nem livros, o Serviço de Ensino Normal criou a Assistência Técnica que traduziu as prerrogativas escolanovistas para o âmbito da prática das Escolas Normais e dos Cursos Normais Regionais (FARIA, SCHELBAUER, 2019); 3) ainda em decorrência da disseminação das Escolas Normais, criou-se a Escola Centro, um modelo reconhecido pelo Serviço de Ensino Normal, em que Escolas Normais mais antigas davam suporte às instituições mais novas para orientar e inspecionar, sobretudo as Escolas Normais Regionais; 4) incentivou-se e promoveu-se a instalação de bibliotecas em escolas de Ensino Normal; 5) instituiu-se a revista “A Mensagem”, que socializava histórias de sucesso das escolas do Paraná (PARANÁ, [1997?]), sua existência e tentativa de circulação são confirmadas em documentos provenientes do Curso Normal Regional de Londrina, datado de 1961 (FARIA, 2017).
O diálogo entre centro e interior aconteceu porque Diva Vidal se propôs a criar estratégias de comunicação; estava sensível a questões e problemas relativos à formação de mestres rurais. Não bastava expandir os Cursos Normais Regionais, Vidal (1958) confirma a necessidade de uniformizar a orientação e seguir uma única diretriz, o que justifica a insistente recomendação de que os documentos enviados pelo Serviço de Ensino Normal fossem lidos e interpretados para ciência e seu cumprimento. Gonçalves (2016) identifica que no Curso Normal Regional de Cianorte, nas reuniões mensais entre 1957 e 1962, destacam-se a leitura e discussão de documentos oficiais, inclusive as atas registram a preocupação quando não havia instruções do governo do Estado.
Quanto ao trabalho do Setor de Assistência Técnica do Serviço de Ensino Normal, Vidal é quem o apresenta. Reconhecia a necessidade das bibliotecas, pois o livro seria o porta-voz de modernas ideias pedagógicas; o uso de modo ativo da biblioteca oportunizaria novas práticas de ensino, mais descentralizada da figura do professor, coerente com a Regulamentação do Ensino Normal em que constava como um importante local do Curso Normal Regional. Todavia, no diálogo travado com estes cursos, em suas viagens e visitas as escolas interioranas, conheceu a incipiência das bibliotecas escolares, sabia que era preciso “cientificar” a direção e docentes do Curso Normal Regional e se ocupar de sua “formação profissional”, como Vidal nomeia em escritos de 1959.
A partir destas convicções, a Assistência Técnica do Serviço de Ensino Normal respondia a questões de cursos interioranos e, por intermédio destas, formulava textos, orientações e difundia práticas pedagógicas inovadoras. Vidal se preocupou com a materialização dos programas do Curso Normal Regional, “[...] quer de aplicação de métodos de ensino ou, ainda, qualquer expediente que possa esclarecer dúvidas sôbre bibliografias, pontos de difícil execução, etc.”, pondera Vidal ao mencionar o trabalho deste setor, em 1959.
Ademais do Serviço de Ensino Normal se responsabilizar pela produção de material orientador para as Escolas Normais, estimulava intensivamente a organização da biblioteca nas instituições de formação docente. Em concordância com esta solicitação, no Curso Normal Regional de Sertanópolis se observou o esforço em fundar e equipar a biblioteca, em 1957. Para tal empreitada, realizou-se uma campanha para doação de livros e promoveu-se um baile para arrecadar recursos, considerava-se oportuno o Dia ou Semana do Livro para promover melhorias no acervo da biblioteca (FARIA, 2017).
Indubitavelmente este diálogo não aconteceu sem tensão. Em muitas situações se alertava sobre o cumprimento das normativas, empregando a coerção como um mecanismo. A série de documentos emitidos pelo Serviço de Ensino Normal, sob a responsabilidade de Vidal, demonstra a necessidade de organizar os inúmeros cursos e, para controlar as ações empreendidas pelo Curso Normal Regional, era exigido o envio de um relatório mensal de atividades, assim se verificava se o normatizado era acatado no cotidiano escolar.
Entre estratégias e táticas, Diva Vidal e Erasmo Pilotto representam sujeitos históricos, embebidos por seus princípios, valores, ideais pedagógicos, que lidaram, de modo criativo, com as possibilidades/limitações da realidade concreta. Como em estudo anterior de Faria e Schelbauer (2019), reitera-se que estes educadores inovaram as práticas pedagógicas da formação de mestres rurais, na tentativa de modernizar o “sertão” paranaense. Acrescenta-se que, seguramente, tornaram-se importantes protagonistas no diálogo entre centro e Cursos Normais Regionais interioranos.
Considerações finais
Os dados apresentados até o momento evidenciam aumento significativo da produção historiográfica sobre o tema nos últimos dez anos, bem como um número crescente de estudos que compreendem os Cursos Normais Regionais, totalizando 14 municípios investigados. Considerando que esta modalidade de formação atingiu 121 cursos instituídos até o ano de 1964, abrangendo todo o Estado, constata-se a necessidade de ampliação do olhar para demais cidades e regiões do Paraná, por meio de investimentos de pesquisa no âmbito dos cursos de Pós-graduação em Educação.
Portanto, trata-se de considerações preliminares. As nove dissertações e três teses, com foco no Paraná e/ou município(s) específico(s), aclaram sobre a singularidade assumida pelo Curso Normal Regional paranaense. Observam-se aproximações e distanciamentos entre o prescrito pelo centro e o praticado nestas instituições interioranas; ora em concordância com a finalidade de formar docente rural, com a pedagogia escolanovista e demais prescrições; ora apresentando contrariedade pelas condições concretas ou até disputas de interesse em cada localidade. Conclui-se que o Curso Normal Regional no Paraná fora fruto do esforço conjunto de conhecidos educadores e de anônimos professores que, mediante diálogo entre prescrito-praticado e centro-interior, elaboravam estratégias e táticas, para lidar com o problema da formação docente rural.
Dentre os reconhecidos educadores, Erasmo Pilotto com a Associação de Estudos Pedagógicos, em específico a partir da Revista de Pedagogia, levou ao “sertão” práticas inovadoras para o ensino primário, proporcionando indícios da existência de diálogo entre a capital e o interior. Diva Vidal, por conhecer os dilemas e problemas da rápida expansão da Escola Normal e, em particular, do Curso Normal Regional no Paraná, representou a principal articuladora de inúmeras estratégias junto ao Serviço de Ensino Normal. Ambos os educadores, Vidal e Pilotto, imbuídos da convicção da importância de “cientificar”, promoveram a “formação profissional”, para atender as reais demandas dos Cursos Normais Regionais, e alinhá-los aos modernos preceitos pedagógicos, além de difundir normas e prescrições a partir de um órgão associativo; delinearam práticas na formação de normalistas e alcançaram o corpo de professores, em sua maioria leiga, nas escolas rurais do interior do Estado. Indubitavelmente, estes educadores protagonizaram o diálogo entre centro e Cursos Normais Regionais interioranos.