Ainda que recentes, não são poucos os estudos em Educação que se esforçam em dar nuances à diversidade de projetos educacionais e, por conseguinte, aos distintos sujeitos que os atravessaram em diferentes temporalidades. Têm ganhado tônus no campo os esforços de pesquisa que tematizaram, entre outras, categorias como raça e gênero para o entendimento dos públicos e das comunidades escolares.
É, pois, nesse contexto que a trajetória de educadores como Antonieta de Barros tem sido revisitada. Embora já tenha sido abordada em produções acadêmicas anteriores (Nunes, 2000, 2001; Fontão, 2010; Espíndola, 2015) e retomada em iniciativas de divulgação diversas,1 a recente obra de Jeruse Romão avança no entendimento ao propor uma análise de Antonieta no contexto de suas redes familiares, afetivas e profissionais. Dessa forma, o livro "Antonieta de Barros: professora, escritora, jornalista, primeira deputada catarinense e negra do Brasil" propõe um reposicionamento do debate ao enfatizar as humanidades na trajetória de Antonieta, tornando o texto "[...] um lugar de reencontro dela com aquelas e aqueles que podem [reconhecê-la] em seus corpos, suas trajetórias e suas convicções" (Nogueira, 2021, p. 17).
Para operar essa desnaturalização de sua figura solitária, a obra dividiu-se em sete capítulos que esmiuçaram, em diferentes escalas, seus trânsitos políticos, funcionais, familiares, afetivos e acadêmicos. Em um primeiro momento, os capítulos "Florianópolis nos tempos de Antonieta" e "Os Barros: por uma genealogia da pessoa" debruçaram-se sobre a circunscrição histórica e política da capital catarinense, bem como de Lages, onde nasceram os avós, a mãe e a irmã mais velha de Antonieta. Além disso, Jeruse Romão propôs o esforço de entender seu objeto em uma linhagem matrifocal (Romão, 2021, p. 40), bem como em seus deslocamentos pelo espaço urbano (Romão, 2021, p. 44-45). No que diz respeito ainda às redes familiares de Antonieta, vale destacar os laços com os irmãos Cristalino (1897–1962) e Leonor (1903–1973). O primeiro, parte do Centro Cívico José Boiteux, da Irmandade Nossa Senhora dos Homens Pretos e da União Beneficente dos Pintores de Florianópolis, destacou-se pela atuação em associações de "homens de cor" e pelas filiações políticas (Romão, 2021, p. 68-73). Leonor, por outro lado, compartilhou com Antonieta a formação, a atuação profissional, o ativismo docente e o cotidiano em meio às campanhas políticas da segunda, sendo ela a responsável por "protegê-la moralmente" em um cenário predominantemente masculino e embranquecido (Romão, 2021, p. 78).
A trajetória profissional de Antonieta é tematizada em duas das suas principais frentes de atuação nos capítulos "Magistério como estratégia e ofício" e "Antonieta, uma jornalista de seu tempo". No primeiro, a formação e a atuação professoral foram abordadas pela via de seu percurso na Escola Normal e, posteriormente, nos magistérios privado e público. Em todos esses espaços, houve preocupação em inseri-la em grupos e iniciativas em que sua atuação não fosse isolada. É esse o caso da criação do Centro Cívico das Normalistas (1920), da Liga do Magistério Catarinense (1924), da participação na Cruzada Nacional de Alfabetização (1938) e da abertura do Curso Primário Antonieta de Barros (1922), no qual atuou com a irmã, Leonor, e veio fazer coro às demais iniciativas de escolarização capitaneadas por negros e negras catarinenses (Romão, 2021, p. 100-105). Sem desconsiderar essa rede afetiva e profissional, a autora também reflete sobre as frentes em que Antonieta foi solitária como mulher e negra, sobretudo em uma profissão cuja representação convocava a uma imagem de abnegação e sacerdócio.
Já sua atuação na imprensa catarinense é considerada nas trocas feitas com demais jornalistas, como Maura de Senna Pereira e Barreiros Filho, bem como nos conflitos institucionais avultados entre a Academia Catarinense e o Centro Catarinense de Letras2 (Romão, 2021, p. 129-132). Também o seu lugar de atuação foi tensionado quando comparado à atuação de Ildefonso Juvenal, que "recorreu à categoria do racismo e da desigualdade racial como resultantes de uma dinâmica social [...]" (Romão, 2021, p. 144-145), ao passo que Antonieta "[...] utilizava o discurso das desigualdades como um desajuste das interpretações religiosas" (Romão, 2021, p. 145). À professora, portanto, coube o que Jeruse Romão entendeu como "ética autoimposta" (Romão, 2021, p. 155), a partir da qual buscou disputar o espaço da imprensa e fortalecê-la como instância de contribuição na ação educativa (Romão, 2021, p. 155).
Também sua trajetória político-partidária ganhou espaço tanto em sua singularidade quanto no contexto compartilhado em "A deputada Antonieta de Barros". Nesse capítulo, ela foi posta à luz pela listagem de outras mulheres que disputaram o campo político de formas distintas — nomeadamente: Beatriz de Souza Brito (Romão, 2021, p. 163-167), Ignez de Oliveira (Romão, 2021, p. 168-170) e Bertha Lutz (Romão, 2021, p. 196-199) —, bem como pelas confluências que afetaram seu trânsito político. Isso porque, segundo Jeruse Romão, é necessário considerar sua trajetória eleitoral também pela via da diversidade de movimentos que compuseram seu engajamento. Dentre eles, listou sua atuação política na Escola Normal e na Liga do Magistério, sua atuação docente e jornalística e seu alistamento e sua articulação eleitoral junto ao Partido Liberal Catarinense (Romão, 2021, p. 170-172).
Por fim, os capítulos "Traçando relações: negros e negras em movimento nos tempos de Antonieta" e "Antonieta ancestral: a continuidade do legado em Leonor" se propõem a cartografar a militância negra, seus sujeitos e suas relações (Romão, 2021, p. 229), bem como os desdobramentos das ações e vivências de Antonieta após seu falecimento. Neles, ela foi posta e entendida em seus entroncamentos com trajetórias como as de Trajano Margarida, Ildefonso Juvenal, José Ribeiro dos Santos e Epaminondas Vicente de Carvalho, no exercício reiterado de inseri-la em um cenário amplo e disputado por agências de negros e negras.
Dessa forma, o livro se soma a uma já vasta produção de Jeruse Romão a respeito da diversidade de trajetórias de negros e negras em Santa Catarina e no Brasil, agora avançando na compreensão de uma professora cuja trajetória era comumente vista como ímpar e solitária. Nesse sentido, ele oferece indicações da diversidade de atores que disputaram o campo da instrução pública e particular catarinense, da política partidária, da ação legislativa e da imprensa pela via dos marcadores de raça e gênero, o que dá nuances para o entendimento das ações e práticas então alavancadas. Assim, o livro acrescenta ao debate considerações que permitem perceber Antonieta em trânsitos políticos e sociais disputados que, ainda que embranquecidos e masculinizados, também foram ocupados por outros negros e negras que tangenciaram a trajetória da biografada.
Por fim, entender as dinâmicas educacionais e sociais de uma sociedade racializada implica em considerar a delicada relação entre interdições e presenças desse público. Nesse sentido, a trajetória de Antonieta — examinada à luz da diversidade de sujeitos e agrupamentos que a tangenciaram e influíram — permite perceber a presença de negros e negras no cenário educacional catarinense, contribuindo, assim, para matizar narrativas embranquecidas e embranquecedoras a respeito da história, da ocupação e da política desse estado específico.