1 Introdução
A expectativa de vida de pessoas com deficiência (PcD) tem aumentado (Hess, Campagna, & Jensen 2017), acompanhando o panorama mundial de aumento da expectativa de vida (Mckenzie, Ouellette-Kuntz, & Martin, 2017), porém são escassos os estudos brasileiros (Margre, Reis, Morais, & Ramos, 2011), especialmente em pessoas institucionalizadas com deficiência múltipla. Entende-se por deficiência múltipla a associação de mais de um tipo de deficiência, com impactos sobre sua funcionalidade (Rocha & Pletsch, 2018).
Ao longo dos anos, indivíduos com múltiplas desordens neurofuncionais podem apresentar declínio funcional (Quatman-Yates, Quatman, Meszaros, Paterno, & Hewett, 2012) principalmente após os 21 anos de idade e com comprometimento grave (Hanna et al., 2009). Além disso, é esperado um prognóstico reservado para aquelas pessoas que apresentam comprometimentos associados (Voorman, Dallmeijer, Knol, Lankhorst, & Becher, 2007), como, por exemplo, alteração múltipla, fato que pode ser impactante sobre aspectos funcionais ao longo da vida (Chaney & Eyman, 2000).
Considerando a funcionalidade como um indicador de saúde (Stucki & Bickenbach, 2017), atualmente tem sido crescente o uso da Classificação Internacional da Funcionalidade, incapacidade e Saúde (CIF) (Organização Mundial de Saúde [OMS], 2015) no âmbito da atenção em saúde. Tal forma de classificação busca compreender o indivíduo em seu contexto, observando suas habilidades e restrições funcionais. Assim sendo, indivíduos com o mesmo diagnóstico podem ter diferentes desfechos quando observados pela CIF. Para realização dessa classificação, é sugerido o uso de escalas de avaliação, como forma de sistematização dos dados (Cieza, Fayed, Bickenbach, & Prodinger, 2016; Silva et al., 2016), além de observações qualitativas referentes ao indivíduo e seu entorno.
No modelo biopsicossocial (OMS, 2015), fatores pessoais como características e sequelas físico-funcionais que envolvem os domínios de função e estrutura corporal (pouca mudança de posição e realização de movimentos e estímulos), dimensões de atividades e participação (reduzida estimulação por meio de atividade física e envolvimento social), além de fatores ambientais (institucionalização e tempo de permanência em cada posição e ambiente), somados ao próprio desconhecimento dos profissionais de saúde a respeito do envelhecimento, podem predispor a um maior comprometimento funcional (Margre et al., 2011). Tal fato pode levar a comorbidades e mortalidade precoces (Chaney & Eyman, 2000). Assim, o desenvolvimento da pessoa com deficiência múltipla deve ser compreendido de forma integrada e relacionada ao contexto (Sousa & Franco, 2012), independentemente da faixa etária, na tentativa de minimizar as alterações secundárias à deficiência primária.
Na avaliação de PcD, especialmente em casos de deficiência múltipla, o grau de comprometimento da deficiência, a etiologia, o sexo dos sujeitos (visto que mulheres têm maior sobrevida), o tipo de residência em que vivem e o estímulo recebido consistem variáveis a serem investigadas (Sousa & Franco, 2012). E ainda hoje são diversas as formas de avaliação funcional (Castaneda, Castro, & Bahia, 2014) e pouco discutido sobre tais avaliações no contexto de pessoas com PcD adultas e institucionalizadas.
Faltam escalas de avaliação funcional padronizadas para essa população e orientações de como melhor atender e tratar cada um deles. Para auxiliar nesse processo, a CIF abre novos horizontes e possibilidades para o entendimento da funcionalidade humana em todas as suas manifestações como um indicador de saúde (OMS, 2015).
A literatura aponta resultados controversos quanto à institucionalização de PcD. Alguns relatam piora funcional (Quatman-Yates et al., 2012), menor autonomia (OMS, 2015) e maiores problemas de saúde (Chaney & Eyman, 2000); enquanto outros estudos ainda são inconclusivos, não sabendo exatamente se, pelos pacientes serem mais graves, acabam sendo institucionalizados, ou, por serem institucionalizados, acabam com limitações mais severas (Sousa & Franco, 2012).
Associado aos achados inconclusivos sobre o efeito da institucionalização sobre a funcionalidade, há a própria questão da dificuldade de avaliação e acompanhamento de PcD com deficiência múltipla na transição da infância e da adolescência para a vida adulta, no que se relaciona aos cuidados de sua condição de saúde e inserção social (Binks, Barden, Burke, & Young, 2007; Haak, Lenski, Hidecker, Li, & Paneth, 2009). Dessa forma, como podemos pensar em avaliar e acompanhar o desenvolvimento de adultos com deficiência múltipla institucionalizados?
Muitas vezes a PcD, após a idade adulta, apresenta estagnação e queda do seu estado funcional (Haak et al., 2009), e, por não haver um instrumento específico de avaliação funcional de adultos com deficiência múltipla, a Gross Motor Function Measure (GMFM), amplamente utilizada para paralisia cerebral (PC), para crianças, adolescentes e ainda jovens adultos (Nelson, Owens, Hynan, Iannaccone, & AmSMART Group, 2006; Margre et al., 2011), foi selecionada, neste estudo, como forma de mensurar as habilidades motoras dos adultos com deficiência múltipla.
Selecionada pelos posicionamentos funcionais, a GMFM pode ser uma forma de acompanhamento da pessoa com deficiência múltipla. E, como forma de pontuação, a Aquatic Functional Assessment Scale (AFAS) pode ser utilizada como ferramenta de pontuação de cada uma dessas posições, uma vez que esta observa as habilidades individuais e não apenas as restrições funcionais. Tal escala classifica componentes motores de forma quali/quantitativa (Israel & Pardo, 2014).
Nesse sentido, a fim de propor novas formas de observação de habilidades posturais em PcD adultas, o objetivo deste estudo foi aplicar uma forma de classificação neurofuncional, baseada em posicionamentos e transferências em adultos com deficiência múltipla institucionalizadas e apresentar os possíveis facilitadores e restritores por meio da CIF em cada posicionamento.
2 Métodos
Trata-se de um estudo transversal descritivo (Abily-Donval et al., 2015), a partir do modelo biopsicossocial da CIF realizado em uma instituição de longa permanência que abriga cerca de 200 pessoas com deficiência cognitiva e/ou múltipla de Curitiba, estado do Paraná. Essa instituição funciona como casa lar para os moradores, conta com educação escolar e serviço de atenção à saúde. Também é apoiada por uma igreja e não tem fins lucrativos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto Brasileiro de Therapias e Ensino CAAE: 53310116.8.0000.5229, Parecer nº 1.429.717, com registro clínico RBR-2st594.
A demanda por tal investigação surgiu da própria instituição e equipe pedagógica no sentido de obter uma forma de avaliação e acompanhamento de evolução funcional e da aprendizagem (Rocha & Pletsch, 2018) de moradores com deficiências múltiplas, considerando a funcionalidade como indicador de relevância. Contudo, nesse primeiro momento, foram feitas avaliações que envolveram apenas as questões de mobilidade funcional.
Foram incluídos, no estudo, moradores de uma instituição de longa permanência para pessoas com deficiência múltipla de Curitiba com mais de 20 anos, que pudessem realizar atividades físicas fora da cadeira e do leito. Foram excluídos moradores com alterações psiquiátricas associadas e idosos. Participaram do estudo cinco moradores da instituição, com idades variando entre 21 e 29 anos, com predomínio do sexo feminino (80%), sendo apenas um (20%) do sexo masculino. A coleta de dados por meio de uma avaliação funcional dos comportamentos motores espontaneamente observados e/ou facilitados aconteceu na mesma instituição, sempre em uma sala equipada com tatames, tablado alto, rolo e/ou bolas, e realizada por profissionais especialistas fisioterapeutas na área neurofuncional.
Toda a avaliação ocorreu de forma individual, durou cerca de uma hora e foi acompanhada por três fisioterapeutas devidamente treinadas. Todas as posições corporais avaliadas nos participantes foram extraídas da GMFM. Esse sistema de avaliação é dividido em cinco dimensões de A E, sendo elas: A= deitar e rolar, B= sentar, C= engatinhar e rolar, D= em pé e= andar, correr e pular. Essas dimensões somam 88 itens, e o participante pode pontuar de 0 a 3, sendo: 0 = não inicia, 1= inicia, 2= completa parcialmente e 3= completa totalmente (Russell, Rosenbaum, Wright, & Avery, 2002; Mélo, 2011). Como forma de classificação e pontuação das habilidades motoras, dentro de cada posicionamento corporal utilizado pela GMFM, foi utilizado e adaptado o escore da AFAS (Israel & Pardo, 2014).
A AFAS classifica o desempenho funcional, por níveis de aprendizagem, nas atividades em pontuação que varia de 1 (0%) até a pontuação 5 (100%) e quanto maior a pontuação melhor é a capacidade motora e a independência (Israel & Pardo, 2014). Dessa forma, para cada uma das posições e transferências em solo, foram feitas a adaptação e a graduação da seguinte forma: 1 - Não Faz (NF): corresponde à habilidade de 0%; 2 - com ajuda total (CAT): mais de dois pontos de apoio, corresponde à habilidade de 25%; 3 - com ajuda parcial (CAP): 1 ou 2 pontos de apoio, corresponde à habilidade de 50%; 4 - faz sem ajuda (FSA): com domínio menor/parcial, corresponde à habilidade de 75%; 5 - totalmente alcançada (TA): com domínio maior/completo, corresponde à habilidade de 100%.
Foi utilizado o modelo biopsicossocial da CIF (Figura 1) para melhor compreensão funcional em cada uma dessas posições e observando, além da própria posição, a sua transferência e o contexto dos facilitadores (domínio de fatores ambientais) e restritores (domínio de participação). Nessa perspectiva, foi observado o que cada participante conseguia fazer e o que o limitava na realização de cada postura e transferência. Foram apontadas quais as funções e as estruturas corporais estavam com maior comprometimento que influenciavam na ação do posicionamento corporal.
Para a avaliação e posterior pontuação, foi realizada filmagem dos participantes nas posições: dorsal, ventral, lateral, transferências para estes decúbitos, sedestação e transferência para a posição sentada, posição gatas e ajoelhada, posição ortostática e em pé com deslocamento, com base na GMFM e AFAS. Para isso, cada pessoa avaliada era posicionada inicialmente na sua posição de melhor conforto e incentivada com objetos e/ou comando verbal pelos avaliadores a mudar de posição. Foram observados seus comportamentos motores voluntários e espontâneos e, na ausência deles, facilitados e guiados pelos terapeutas em mudanças de postura assim como na sua manutenção.
Como complementos às avaliações realizadas, foram retirados do prontuário físico da instituição a data de nascimento e o diagnóstico clínico de cada participante. Foi realizada uma análise descritiva das observações realizadas, após análise dos vídeos, e relatado, de forma qualitativa descritiva, os fatores de facilitadores e restritores da CIF.
3 Resultados
3.1 Avaliação a partir das posturas da GMFM
Foi possível notar que apenas um participante tem a marcha assistida e 3 (60%) apresentam estereotipia de mãos ou tronco. A interação entre o terapeuta e participante foi limitada em todas as avaliações, e as transferências entre uma posição corporal e outra superior não foram realizadas de forma independente por nenhum participante. Todos (n=5) necessitaram de apoio ou estímulo para sair da posição deitada para sentada, sentada para gatas, gatas para ajoelhada e em pé.
3.2 Observação a partir dos facilitadores e restritores do modelo biopsicossocial da CIF
Quanto à observação dos facilitadores e dos restritores da CIF, foi possível perceber que as alterações secundárias à própria deficiência múltipla muitas vezes foram barreiras para a realização dos movimentos. Em contrapartida, como os padrões de movimento, como as estereotipias e escolioses são presentes há muito tempo nos participantes, em alguns casos, são esses os recursos utilizados para realização de alguma movimentação. Foram então essas alterações secundárias, em vários momentos, os facilitadores de movimento, conforme descrito na Tabela 1.
Função e estrutura do corpo | Atividade(Posturas e transferências corporais) | Participação(Realização das posturas e transferências corporais) | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Participantes | Idade | Diagnóstico clínico | Porcentagem conclusão da habilidade AFAS | Pontuação total AFAS | O que facilita a habilidade | O que restringe a habilidade |
P1 | 23 | Transtorno do desenvolvimento intelectual leve e PC | A=50% B=75% C=25% D= 50% E=50% |
14 | Tem alcance com as mãos. Faz posição de gatas com apoio. Fica em pé, anda com supervisão e apoio em mãos. |
Estereotipia de mãos com automutilação Inclinação anterior de tronco. Déficit cognitivo. |
P2 | 21 | PC, Bronquite e Crises convulsivas | A=25% B=25% C=0% D= 0% E=0% |
7 | Sustenta a cervical em decúbito ventral e sentada. Busca interagir com o ambiente (sorrisos, olhar), faz movimentos ativos de flexão de joelho direito. |
Rigidez de quadril.Padrão em flexão de punhos. Pés em eversão com dorsiflexão. Não tem controle de tronco em sedestação sem apoio. Não faz alcance. |
P3 | 29 | PC, Crises convulsivas, Hipotireoidismo e Transtorno de desenvolvimento intelectual grave | A=25% B=50% C=0% D= 0% E=0% |
8 | Tórax sem deformidades e coluna alinhada. | Estereotipia de tronco. Adota posição em flexão de tronco quando sentada ou deitada. |
P4 | 21 | PC, Epilepsia e Transtorno do desenvolvimento intelectual | A=25% B=75% C=0% D=0% E=0% |
9 | Passa de decúbito ventral para sentado. Sustenta cervical em decúbito ventral. |
Senta em postura de flexão. Não tem preensão palmar. Estereotipia de mãos e MMII. Déficit cognitivo. |
P5 | 24 | PC e transtorno do desenvolvimento intelectual | A=0% B=0% C=0% D= 0% E=0% |
5 | É calmo, aceita os posicionamentos do terapeuta. | Hipertonicidade em quadril, tronco, joelhos, ombros que limita as transferências. Não faz extensão em decúbito ventral. Redução de ADM em joelhos, tornozelos e punhos. Inclinação da cervical para a esquerda. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Legenda: PC: Paralisia cerebral. ADM: amplitude de movimento. A= deitar e rolar, B= sentar, C= engatinhar e rolar, D= em pé e= andar, correr e pular. MMII: Membros Inferiores. Pontuação da AFAS: 1- NF: não faz; 2- CAT: com ajuda total (mais de dois pontos de apoio); 3- CAP: com ajuda parcial (1 ou 2 pontos de apoio); 4- FSA: faz sem ajuda, com domínio menor/ parcial; 5- TA: totalmente alcançada, com domínio maior/completo.
O ambiente em que os participantes passaram a maior parte do tempo também foi considerado restritor, pois, em longos períodos do dia, todos os moradores da instituição ficam em cadeiras de roda ou camas em quartos compartilhados, saindo desses locais apenas no curto período da Fisioterapia. Tal fator acaba por limitar a mobilidade ainda mais e reduzir o relacionamento social dos participantes. Esses aspectos acabam por torná-los dependentes para todas as demandas do dia a dia, talvez promovendo maiores restrições e incapacidades.
4 Discussão
4.1 Avaliação a partir das posturas da GMFM
Este estudo buscou aplicar uma forma de avaliação funcional em pessoas adultas com deficiência múltipla, a partir de instrumentos adaptados, e perceber pela CIF os restritores e os facilitadores de cada posicionamento para cada participante. Com relação ao sexo, nos participantes do presente estudo, houve um predomínio do sexo feminino, e isso se relaciona à literatura no que diz respeito a melhores condições de saúde, atendimento e longevidade feminina (Sousa & Franco, 2012). Entretanto, da expectativa de vida, nem sempre se associa a ganhos de funcionalidade, entre os indivíduos com deficiência múltipla, o que acaba por influenciar as taxas de mortalidade quando se agregam limitações e outras doenças, como no caso da PC e Síndrome de Down (Sousa & Franco, 2012). Esse fato torna-se relevante, uma vez que a amostra do estudo aqui apresentado tem essas características e grandes comprometimentos funcionais.
Fazendo uma comparação do processo envelhecimento da pessoa típica, espera-se também um declínio funcional na PcD, e essas perdas podem ser maiores ou menores dependendo do ambiente onde vivem, tipo de estímulo recebido, grau das deficiências e residência institucional (Sousa & Franco, 2012). Dificuldades funcionais em atividade e participação já foram mencionadas em estudo anterior, com crianças e adolescentes nessa mesma instituição de longa permanência (Mélo, Yamaguchi, Silva, & Israel, 2017). Dessa forma, pode-se notar que a redução funcional na fase adulta é resultado de um processo de anos de redução em estímulos e envolvimento social.
Observaram-se, pela adaptação das escalas da GMFM e AFAS, escores baixos relacionados às atividades funcionais em todas as posturas e, principalmente, para a realização de transferências. Tais observações foram justificadas pelas restrições que os participantes apresentaram em decorrência das complicações secundárias, como deformidades, encurtamentos, contraturas e estereotipias, mesmo sendo essa amostra composta por adultos jovens. Essas complicações musculoesqueléticas são relatadas em outros estudos (Binks et al., 2007; Haak et al., 2009), o que reforça a necessidade de medidas de atenção à essa população.
Um dos possíveis motivos para tantas alterações secundárias nos participantes do presente estudo pode relacionar-se ao baixo número de cuidadores contratados pela instituição, que necessitam cuidar de mais de uma pessoa ao mesmo tempo e nem sempre tem qualificação específica para cuidar de pessoas com deficiência múltipla.
O pouco envolvimento social, imobilismo e a institucionalização por vezes acabam por aprofundar o declínio funcional de pessoas com deficiência múltipla (Hanna et al., 2009). Isso leva ao envelhecimento precoce, com maiores chances de fragilização e dependência, antecipando fatores do processo do envelhecimento e agravando o quadro desses indivíduos (Mckenzie et al., 2017). As pessoas com deficiência múltipla acabam adotando posturas e padrões de movimentos, como evidenciado neste estudo, que dificultam sua funcionalidade, comprometendo suas atividades e participação. Essas alterações funcionais impactam em atividades de vida diária, como também nos processos pedagógicos e de adaptação de diferentes funções em contextos diversos. Incluem-se, aqui, a tecnologia assistiva e a comunicação alternativa que acabam por necessitar de adaptações praticamente individuais, dadas as restrições e os comprometimentos secundários.
Corroborando com Wanderer e Pedroza (2013), a amostra estudada composta de pessoas com deficiência múltipla têm maiores limitações funcionais que aquelas com apenas DI, sendo mais evidente esse maior comprometimento nos casos de indivíduos com PC e outras comorbidades agregadas (Wanderer & Pedroza, 2013), com destaque também para as estereotipias que limitam a função e foram presentes em mais da metade dos participantes.
A verificação de alterações funcionais pela GMFM pode ser difícil em casos de PcD com alterações múltiplas, ao considerar que mudanças do escore 1 para o escore 2 exigem grandes ganhos e só são detectados se a pessoa avaliada o faz sem facilitação do avaliador. Isso se torna difícil em pessoas que, além das dificuldades motoras, apresentam limitações cognitivas associadas. Além disso, não foram identificadas curvas normativas e escores para idades acima de 21 anos. Nesse sentido, o uso da AFAS parece permitir maiores possibilidades de identificação de tais graduações, mesmo se tratando de ambiente diferente, como o solo.
Quanto à funcionalidade dos adultos com deficiência, muitas pesquisas apontam para diferentes caminhos, envolvendo vida profissional, sexual, qualidade de vida e mobilidade físico-funcional. Nessa perspectiva, diversas áreas da saúde propõem possibilidades de assistência com intervenções médicas, fisioterapêuticas, psicológicas, fonoaudiológicas com o foco em avaliar e propor novas terapias ou possibilidades para ganhos funcionais em diferentes contextos em que o adulto pode estar inserido (Wanderer & Pedroza, 2013).
4.2 Observação a partir dos facilitadores e restritores do modelo biopsicossocial da CIF
A institucionalização por si só pode representar um facilitador no que diz respeito ao fator ambiental e de proteção à vida, se comparado à realidade anterior do sujeito que provavelmente foi institucionalizado por serem necessários maiores cuidados para a manutenção da sua vida e por dificuldades familiares. No entanto, o que é visto é uma realidade de difícil controle, pois são muitas as demandas que a pessoa com deficiência múltipla exige, poucos os recursos físicos e de pessoas e baixos os estímulos motores e sensoriais.
Ao observarem-se, sob o ponto de vista da CIF, os restritores e as facilitações destacados pela CIF, foi possível notar que as participantes do sexo feminino obtiveram melhores habilidades e facilitadores quando comparadas com o participante do sexo masculino.
. Ao aproximar a CIF das formas de classificação das PcD, passou-se a observar o indivíduo em um contexto multidisciplinar, internacional com incorporação do contexto de cada um, além de buscar entender o estado de saúde real dos sujeitos, sem distinção de faixa etária (Di Nubila & Buchalla, 2008). Dessa forma, sob a perspectiva da CIF, passou-se a observar, também, a deficiência como limitações na função ou estrutura do corpo, como apontadas nas restrições detalhadas neste estudo, e a funcionalidade passou a ser as funções e o desempenho de ações como testadas pelas posturas da GMFM.
A partir das observações feitas dos facilitadores e dos restritores da CIF dentro de cada posicionamento dos participantes, a Fisioterapia poderia contribuir na forma de manutenção e de prevenção de novas complicações em saúde com métodos e técnicas como: Cinesioterapia, Fisioterapia Aquática, Equoterapia, uso de órtese, Snoozelen/ambientes multissensoriais, Terapia Neuromotora Intensiva (TNMI), PenguimSuit®, AdeliSuit®, Pedia Suit®, TheraSuit® e as Terapias manuais (Mélo, Ferreira, Yamaguchi, & Israel, 2017).
Muitas vezes, para mensurar uma doença, são utilizados os prejuízos funcionais causados por ela e suas limitações na qualidade de vida. De acordo com McKenzie et al. (2017), poucas estratégias para avaliação de adultos com deficiências intelectuais e fragilidade surgiram. Dessa forma, mais pesquisas são necessárias para replicação das estratégias e validação de instrumentos.
Nesse sentido, é importante ressaltar que, assim como no estudo aqui apresentado, quando se fala em avaliações de adultos com deficiência múltipla, envolvendo a deficiência intelectual, faltam escalas padronizadas e existem dúvidas quanto a melhor forma de análises. Contudo, a diversidade dessa população, muitas vezes inviabiliza a padronização de escalas, pois há necessidade de descrições individuais de padrões e posturais - fatores que só são abrangidos em sua totalidade por meio de descrições qualitativas. Normalmente, o que ocorre então é a exclusão desses indivíduos da pesquisa, porém eles existem no contexto de inclusão e seus aspectos funcionais precisam ser debatidos (Wanderer & Pedroza, 2013), até porque estes têm vivido mais e cada vez com maiores limitações funcionais.
A utilização da GMFM como forma de analisar os comportamentos motores, com associação da AFAS, mostram-se complementares. Também podem ser uma forma alternativa para equipe de reabilitação e pedagógica acompanhar e mensurar os aspectos relacionados à funcionalidade, considerando que ganhos funcionais impactam diretamente em possibilidade de maior autonomia. A falta de ferramentas de avaliação para adultos com deficiência múltipla também pode ser destacada. Além disso, foram poucos os participantes encontrados para o estudo devido à diversidade funcional de adultos institucionalizados com deficiência
5 Conclusões
Foi possível aplicar uma forma de avaliação funcional e perceber as principais barreiras e facilitadores de adultos institucionalizados com deficiência múltipla. Também se notou uma grande quantidade de moradores com deficiência múltipla em instituições de longa permanência sem acompanhamento de avaliação e programas de intervenção padronizados.
Notou-se a dificuldade em encontrar escalas padronizadas para tal população. Entretanto, destaca-se a possibilidade de relatos qualitativos de pessoas com deficiência. Foi percebido que a CIF pode ser um instrumento capaz de auxiliar na escolha das melhores formas de classificação e posterior avaliação, de maneira a compreender a funcionalidade desses indivíduos e ressaltar suas capacidades e suas limitações, orientando, inclusive, condutas terapêuticas.