1 Introdução
Ações mais efetivas no tocante à inclusão a partir da década de 1990 no Brasil impulsionaram a matrícula de sujeitos Público da Educação Especial (PEE) em classes comuns4, alcançando números bastante expressivos. Esse aumento de matrículas ocorreu após o Brasil assumir compromissos e acordos internacionais com metas específicas estabelecidas a partir da Declaração de Jomtien de 1990, a Declaração de Salamanca de 1994 e outras, seguindo o exemplo de outros países que também foram signatários de tais convenções (Rebelo & Kassar, 2018).
Apesar das políticas com maior incentivo ao processo de escolarização do PEE nas escolas e classes comuns datarem da década de 1990 (Silva et al., 2019), os avanços mais significativos ocorreram a partir de 2000, são exemplos: o marco político da publicação do Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais (Rebelo & Kassar, 2018) e com a publicação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) de 2008. Em 2022, o Censo Escolar apontou um total de 47.382.074 matrículas no geral (educandos do PEE e não) na Educação Básica. Desse total, cerca de 3,2% (1.527.794) compõem o PEE, estando concentrados principalmente no Ensino Fundamental (65,5%). No entanto, os dados disponibilizados indicam que as matrículas na Educação Infantil, entre 2021 e 2022, obtiveram crescimento significativo quando comparadas aos demais ciclos da Educação Básica. O aumento nesse ciclo de escolarização, para educandos do PEE, foi de cerca 60%, enquanto no Ensino Fundamental e no Ensino Médio foi de cerca de 8% e 17,5%, respectivamente, representando, assim, uma “quebra” no até então crescimento lento e “constante” que vinha sendo observado desde 2010 nas matrículas, ou, então, efeitos da “saída” da pandemia da covid-19 que perdurou no período aqui analisado (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2023).
Ressaltamos, contudo, que a mera inclusão do PEE em classes comuns não garante que o aprendizado desse público seja, de fato, efetivo, e a permanência, sem conflitos. Em 2019, apenas 38,7% dos educandos PEE recebiam apoio especializado, enquanto 61,3% não contavam com nenhum tipo de atendimento (INEP, 2020). Em 2019, havia 1.240.436 professores que possuíam pelo menos um estudante PEE em sala de aula. Entretanto, apenas 5,8% desses professores do Brasil tinham alguma formação continuada adequada para atuar nos processos de ensino e aprendizagem desses educandos (INEP, 2020).
Nesse contexto e diante de um cenário formado por milhões de educandos do PEE na Educação Básica no Brasil, uma formação de professores que atenda às reais necessidades desses sujeitos se torna cada vez mais relevante e necessária para uma permanência menos conflitiva. Nesta pesquisa, o recorte utilizado refere-se aos educandos com deficiência visual (cegueira e baixa visão) e à disciplina de Matemática. Compreendemos como pessoa com baixa visão aquela que possui alguma alteração na sua acuidade visual, e cegueira aquela que possui perda total de visão; portanto, a deficiência visual refere-se a esses dois públicos elencados (Universidade Federal de São Paulo [Unifesp], 2020). Segundo o Censo Escolar de 2022 (INEP, 2023), o país possuía 87.737 educandos com esse tipo de deficiência matriculados na Educação Básica (classes comuns, especiais e exclusivas).
Segundo Macêdo (2021), o ensino de Matemática para educandos com deficiência visual é um desafio pelo grau de abstração da disciplina, que dificulta o desenvolvimento de materiais concretos. Em concordância com os dados apresentados pelo Censo Escolar de 2019 (INEP, 2020), em relação à baixa formação continuada dos professores, na medida em que poucos possuem os conhecimentos necessários para atuar, de maneira satisfatória, com os educandos com deficiência visual em salas de aula inclusivas, esses gargalos vão se tornando grandes desafios e barreiras educacionais a serem transpostos. De acordo com Macêdo (2021), o processo de ensino para educandos com deficiência visual possui como principal característica a necessidade de materiais e abordagens didático-metodológicas que não utilizem somente a visão como único canal e recurso de aprendizagem. Desse modo, é necessário que os professores tenham acesso a materiais e metodologias de ensino que auxiliem no planejamento das aulas. Nesse sentido, Macêdo (2021) esclarece que, quando o professor conhece os meios e os locais onde pode encontrar esses recursos, o planejamento das aulas é facilitado e a intervenção didática mais efetiva.
Dessa maneira, a reunião e a sistematização dos materiais acessíveis disponíveis na literatura podem auxiliar educadores no preparo de aulas mais adequadas, não só para educandos do PEE como também para os que não possuem qualquer deficiência, atendendo, assim, uma maior gama de públicos e tornando o processo de ensino e aprendizagem mais democrático e alinhado com as ideias do Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA), que, segundo o art. 112, inciso X, da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, refere-se à “concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, incluindo os recursos de tecnologia assistiva”.
Assim sendo, o objetivo desta pesquisa foi reunir e sistematizar, por meio de uma revisão de literatura, materiais acessíveis de Matemática para educandos com deficiência visual, a fim de auxiliar educadores no preparo de aulas mais acessíveis a esse público; e, de forma secundária, levar todos esses materiais para uma plataforma digital que vem sendo desenvolvida e divulgada para professores da Educação Básica5. Para alcançar tal objetivo, valemo-nos da pesquisa qualitativa, por meio da qual foram selecionados, de duas bases de dados distintas, após a definição dos critérios de elegibilidade, artigos, teses e dissertações cujos resumos foram analisados com o auxílio do software Iramuteq e que constituem os resultados da presente pesquisa.
2 Método
Para alcançarmos os objetivos propostos, a pesquisa em tela é de caráter qualitativo, no qual foram analisados artigos, teses e dissertações de duas bases de dados: 1) Scientific Electronic Library Online (SciELO) Brasil; e 2) Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). A análise dos dados obtidos foi realizada com o auxílio do software Iramuteq, que é gratuito, desenvolvido em Python e está ancorado no software estatístico R (Souza et al., 2018), o qual nos permitiu uma análise pormenorizada das informações presentes nos resumos dos trabalhos aqui analisados. Além disso, o uso de tal software ressalta o caráter de inovação em revisões de literatura e o uso em publicações nacionais. Para Rocha e Oliveira (2022): “O software IRaMuTeQ® apresenta rigor estatístico e qualitativo, permitindo aos pesquisadores utilizarem diferentes recursos técnicos de análise lexical” (p. 5).
As buscas nas bases de dados utilizaram combinações do descritor “matemática” com os descritores “cegos”, “deficiência visual” e “braille”. Na SciELO Brasil, realizou-se a busca de duas maneiras: 1) busca “All indexes”; e 2) busca “Abstract”, pois notamos que a plataforma apresenta resultados diferentes para as mesmas combinações de descritores a depender do tipo de busca. Na BDTD, realizamos apenas a busca “All fields”. Em ambas as bases de dados, buscamos trabalhos apenas em Língua Portuguesa, pois os resumos analisados via Iramuteq precisam estar em um mesmo idioma para um melhor aproveitamento do corpus textual.
Em um primeiro momento, foram analisados os títulos e os resumos dos trabalhos encontrados com base nos critérios de inclusão: 1) estar em Língua Portuguesa; 2) ter sido publicado entre 2012 e 2022 (uma análise longitudinal de dez anos); 3) ser desenvolvido e/ou aplicado na Educação Básica; 4) apresentar recursos e materiais voltados ao ensino de Matemática para estudantes com deficiência visual. Por fim, foram aplicados os seguintes critérios de exclusão: 1) estudos duplicados; 2) tratar de revisão de literatura; 3) não estar disponível na íntegra (apenas resumo); 4) não ter sido aplicado na Educação Básica.
Os trabalhos selecionados após a aplicação dos critérios compõem os resultados desta pesquisa, que são apresentados e discutidos na terceira seção deste texto. Para análise dos dados no Iramuteq, utilizamos os resumos desses trabalhos, que foram configurados de acordo com as orientações disponíveis no manual do software. Para tanto, a fim de garantirmos a qualidade da análise do corpus textual, foi necessário padronizarmos o modo de escrita de determinadas palavras-chave; e palavras com hífen ou que possuíam significado único foram unidas com o símbolo underline ( _ ), conforme indica a Tabela 1. Além disso, todos os numerais na forma de algarismos foram escritos por extenso.
Palavra presente no resumo | Padronização dos termos | Palavra presente no resumo | Padronização dos termos |
---|---|---|---|
Aluno / Estudante | educando | Função de segundo grau | função_de_segundo_grau |
Aluno / estudante / educando cego | educando com cegueira | Função exponencial | função_exponencial |
Atendimento Educacional Especializado | AEE | Função polinomial | função_polinomial |
Baixa visão | baixa_visão | Geometria espacial | geometria_espacial |
Braile | braille | Geometria plana | geometria_plana |
Deficiência visual | deficiência_visual | Número inteiro | número_inteiro |
Deficiente / Pessoa com deficiência | pessoa_com_deficiência | Número negativo | número_negativo |
Educação básica | educação_básica | Número racional | número_racional |
Educação inclusiva | educação_inclusiva | Organização Não Governamental | ONG |
Ensino fundamental | ensino_fundamental | Par ordenado | par_ordenado |
Ensino médio | ensino_médio | Plano Cartesiano | plano_cartesiano |
Escola regular | escola_regular | Produtos notáveis | produtos_Notáveis |
Fração não unitária | fração_não_unitária | Público-alvo | público_alvo |
Fração unitária | fraçãos_unitária | Semelhança de triângulos | semelhança_de_triângulos |
Seguindo o que está descrito no manual do Iramuteq, padronizamos os termos, conforme supracitado, e após isso foi realizada uma linha de comando para cada um dos resumos, composta da seguinte forma: * ****Art_1 e assim sucessivamente, o que gerou um material que foi transformado em formato 8-bit Unicode Transformation Format (UTF-8) para o processamento das informações no software e cujos resultados são compartilhados na sequência.
3 Resultados e discussões
A busca nas bases de dados resultou em 311 trabalhos (de 2012 a 2022), entre artigos, teses e dissertações, sendo 25 na SciELO Brasil (13 na busca “All indexes” e 12 na busca “Abstract”) e 286 na BDTD. Em ambas foram utilizadas as combinações “matemática AND cegos”, “matemática AND deficiência visual” e “matemática AND braille” como descritores de busca. A Tabela 2 apresenta a quantidade de trabalhos encontrados com cada combinação.
Base de dados / descritores | matemática AND cegos | matemática AND deficiência visual | matemática AND braille | Total |
---|---|---|---|---|
SciELO Brasil | 5 | 17 | 3 | 25 |
BDTD | 114 | 135 | 37 | 286 |
Total | 119 | 152 | 40 | 331 |
Na segunda etapa, os títulos e resumos dos 311 trabalhos foram analisados. Após aplicação dos critérios de inclusão, restaram 47 trabalhos, que foram lidos na íntegra e submetidos aos critérios de exclusão. Feito isso, foram excluídos 21 trabalhos (quatro tratavam de revisões de literatura, quatro não estavam disponíveis na íntegra, um era estudo duplicado e 12 não haviam sido aplicados na Educação Básica). Dessa forma, os resultados da presente pesquisa são as análises decorrentes dos conteúdos de 26 artigos, cujos resumos colocamos para serem processados e analisados via software Iramuteq, uma vez que o uso de tal software proporciona um maior rigor metodológico do processo de análise (Rocha & Oliveira, 2022).
Na Tabela 3, apresentamos uma síntese dos trabalhos selecionados, identificando os materiais por eles utilizados, a unidade temática6, entendida aqui como conteúdo ensinado, a metodologia utilizada, bem como o segmento escolar no qual foi realizada a pesquisa.
Título, autor e ano | Unidade temática | Materiais utilizados na pesquisa | Procedimentos Metodológicos | Nível escolar | Tipo de trabalho |
---|---|---|---|---|---|
Inclusão de estudantes cegos nas aulas de matemática: a construção de um kit pedagógico (Uliana, 2013) | Álgebra e Geometria | Plano cartesiano de metal | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Fundamental II | Artigo |
Significado atribuído aos números inteiros e suas operações por estudantes com deficiência visual: intervenções com material didático manipulável alicerçado em nexos conceituais (Felipe et al., 2022) | Números | Soroban | Abordagem qualitativa – pesquisa intervenção | Ensino Fundamental II | Artigo |
Ensino de frações para adolescentes com deficiência visual (Costa et al., 2019) | Números | Material reciclável / Brinquedos pedagógicos | Abordagem qualitativa – pesquisa intervenção | Ensino Fundamental II | Artigo |
Formação de conceitos em Geometria e Álgebra por estudante com deficiência visual (Mamcasz-Viginheski, 2017) | Álgebra e Geometria | Material reciclável / Material Dourado | Abordagem qualitativa –estudo de caso | Ensino Médio | Artigo |
Alunos com deficiência visual ensinando Matemática a alunos videntes: O plano cartesiano no jogo Batalha Naval (Xavier, 2020) | Geometria | Jogo Batalha Naval acessível | Abordagem qualitativa –estudo de caso | Ensino Médio | Dissertação |
Conceitos geométricos, deslocamentos e localização espacial de estudantes com cegueira congênita (Furlan, 2016) | Geometria | Multiplano / Maquete tátil | Abordagem qualitativa – pesquisa intervenção | Ensino Médio | Dissertação |
Educação matemática e inclusão escolar: a construção de estratégias para uma aprendizagem de alunos com deficiência visual do CEEEC (Stefanelli, 2020) | Geometria e Números | Material Dourado / Multiplano / Soroban / Ábacos | História Oral | Ensino Fundamental II | Dissertação |
Ensino de geometria para alunos com deficiência visual: análise de uma proposta de ensino envolvendo o uso de materiais manipulativos e a expressão oral e escrita (Pereira, 2012) | Geometria | Material concreto | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Fundamental II | Dissertação |
Contribuições dos materiais didáticos manipuláveis na aprendizagem de matemática de estudantes cegos (Koepsel, 2017) | Álgebra e Geometria | Geoplano | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Fundamental II | Dissertação |
O ensino de geometria plana para uma aluna com surdocegueira no contexto escolar inclusivo (Galvão, 2017) | Geometria | Kit de materiais adaptados / Geoplano | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Fundamental II | Dissertação |
O ensino de matrizes: um desafio mediado para aprendizes cegos e aprendizes surdos (Silva, 2012) | Álgebra | MATRIZMAT | Design Experiments | Ensino Médio | Dissertação |
Narrativa adaptada para o ensino de semelhança de triângulos para aluno com deficiência visual em situação de inclusão (Borges, 2020) | Geometria | Maquete tátil | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Médio | Dissertação |
Uso dos objetos ostensivos e não ostensivos para o ensino do princípio aditivo voltado ao(à) aluno(a) com deficiência visual dos anos iniciais do ensino fundamental (Santos, 2021) | Geometria e Números | Brinquedos pedagógicos / Dosvox (recurso eletrônico) | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Fundamental I | Dissertação |
Uma abordagem para o ensino de produtos notáveis em uma classe inclusiva: o caso de uma aluna com deficiência visual (Viginheski, 2013) | Álgebra | Material Dourado | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Fundamental II | Dissertação |
Uma ferramenta para elaboração de conceitos matemáticos para estudantes com deficiência visual: gráfico em pizza adaptado (Alvaristo, 2019) | Probabilidade e Estatística | Gráfico de setores manipulável | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Fundamental II | Dissertação |
O multiplano no processo de ensino da matemática: intervenções educacionais para estudantes com deficiên-cia visual e estudantes videntes com dificuldade de aprendizagem (Sá, 2019) | Números | Multiplano | Abordagem qualitativa – pesquisa intervenção | Ensino Médio | Dissertação |
O ensino de trigonometria para deficientes visuais através do Multiplano Pedagógico (Melo, 2014) | Geometria | Multiplano | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Médio | Dissertação |
O ensino de funções do 2º grau para alunos com deficiência visual: uma abordagem para a educação matemática inclusiva (Brim, 2018) | Álgebra | Material concreto | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Médio | Dissertação |
Introdução ao estudo de função para alunos com deficiência visual com o auxílio do multiplano (Souza, 2015) | Álgebra | Multiplano / Geoplano | Abordagem qualitativa –estudo de caso | Ensino Fundamental II (9° ano) | Dissertação |
Matemática inclusiva: ensinando matrizes a deficientes visuais (Silva, 2015) | Álgebra | Material concreto | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Médio | Dissertação |
O ensino da geometria para alunos com deficiência visual (Silva, 2013) | Geometria | Figuras geométricas de diferentes materiais | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Médio | Dissertação |
Introdução ao conceito da função exponencial: um olhar para a educação inclusiva (Santos, 2018) | Álgebra | Multiplano | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Médio | Dissertação |
Educação matemática inclusiva: o material didático na perspectiva do desenho universal para área visual (Berbetz, 2019) | Álgebra | Placas algébricas / Material Dourado | Abordagem qualitativa – pesquisa intervenção | Ensino Fundamental II | Dissertação |
As barras adaptadas de cuisenaire como mediadoras do processo de ensino e aprendizagem das operações matemáticas de adição e subtração de um aluno cego (Drummond, 2016) | Números | Barras de Cuise-naire adaptadas | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Fundamental I | Dissertação |
A inclusão de alunos com deficiência visual do 9º ano do Ensino Fundamental no processo de ensino e aprendizagem de estatística (Pas-quarelli, 2015) | Probabilidade e Estatística | Soroban / Simuladores de gráficos | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Fundamental II (9° ano) | Dissertação |
Análise instrumental de uma maquete tátil para a aprendizagem de probabilidade por alunos cegos (Vita, 2012) | Probabilidade e Estatística | Maquete tátil | Abordagem qualitativa – estudo de caso | Ensino Fundamental II | Tese |
Em relação ao nível da Educação Básica que o trabalho foi desenvolvido e/ou aplicado, verificamos que, dos 26 trabalhos, dois foram desenvolvidos para o Ensino Fundamental I, 13 para o Ensino Fundamental II e 11 para o Ensino Médio, o que demonstra equilíbrio entre as produções com foco nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. No entanto, os dados apontam para a falta de materiais com foco na deficiência visual para a Educação Infantil e para os anos iniciais do Ensino Fundamental (Drummond, 2016; Santos, 2021).
Sobre as unidades temáticas abordadas, observa-se que 12 estão ligadas (parcial ou exclusivamente) à “Geometria”, possivelmente pela disciplina favorecer a manipulação de objetos físicos/táteis, além da já existência de materiais que dão suporte ao seu ensino, como o Multiplano e Geoplano, que favorecem a representação tátil de gráficos e formas geométricas, como ocorreu nos trabalhos desenvolvidos por Furlan (2016), Galvão (2017), Koepsel (2017), Melo (2014), Stefanelli (2020) e Uliana (2013).
Na sequência, temos a unidade temática “Álgebra” com dez trabalhos, sendo sete exclusivos dessa unidade temática. Apesar de conter quantidade semelhante a de trabalhos que abordam conteúdos geométricos, a leitura dos trabalhos indica que os conteúdos mais abordados referem-se a funções e suas representações gráficas (seis trabalhos) e que, assim como na Geometria, utilizam materiais como o Multiplano, como os trabalhos de Koepsel (2017), que abordou o conteúdo de funções polinomiais de segundo grau; de Santos (2018), que objetivou apresentar o conceitos de função exponencial; de Souza (2015), que visou introduzir o conceito de função à educandos do 9° ano; e de Uliana (2013), que trabalhou as representações gráficas de funções polinomiais.
Já a unidade temática “Números”, com seis trabalhos, apresenta a maior variedade de materiais, como o Soroban, Material Dourado, material reciclável e brinquedos pedagógicos (Costa et al., 2019; Drummond, 2016; Felipe et al., 2022; Pereira, 2012; Sá, 2019; Santos, 2021). Por fim, a unidade temática “Probabilidade e Estatística” aparece com três trabalhos. Os materiais produzidos estão relacionados com a adaptação tátil de gráficos, maquetes e o uso do Soroban (Alvaristo, 2019; Pasquarelli, 2015; Vita, 2012).
Na Figura 1, evidenciamos, de maneira visual, o que foi discutido anteriormente. A elipse maior (em cinza) contém as quatro unidades temáticas abordadas pelos trabalhos selecionados.
Ressaltamos que a unidade temática “Probabilidade e Estatística” se encontra separada das demais na medida em que os conteúdos presentes nos trabalhos não se relacionam com as outras três. Das 26 produções apresentadas neste trabalho, 19 correspondem, total ou parcialmente, a apenas duas das cinco unidades temáticas propostas pela BNCC (2018) para o Ensino Fundamental e o Ensino Médio (números, álgebra, geometria, grandezas e medidas e probabilidade e estatística). Uma hipótese para tamanha concentração é que, no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio (cuja união contém 24 dos 26 trabalhos selecionados), a maior parte dos conteúdos matemáticos compõem essas unidades temáticas. No entanto, não podemos negligenciar as unidades restantes, que são igualmente importantes para o desenvolvimento do raciocínio matemático (numérico, estatístico e probabilístico) e habilidades (leitura e interpretação de gráficos, ordenação e comparação de grandezas e medidas, entre outras) nos educandos, principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Com relação à análise dos 26 resumos realizada pelo software, foram obtidos os seguintes resultados:
Segmentos de texto: 210.
Número de formas distintas: 1.627.
Número de ocorrências: 7.270.
Número de palavras que aparecem apenas uma vez: 905.
A partir desses resultados, foi possível gerarmos recursos visuais de análise. Como nos resumos há milhares de palavras distintas que os compõem, ao estruturar a nuvem de palavras, optamos por selecionar aquelas mais representativas e com frequência igual ou superior a 21, o que gerou resultados visualmente menos poluídos, conforme podemos identificar na Figura 2.
Conforme podemos constatar, utilizamos, para gerar a nuvem de palavras, 23 das mais de 1.600 palavras presentes em todo o texto, das quais mais de 900 aparecem apenas uma vez em todo o corpus da análise. Optamos por deixar a nuvem de palavras com o fundo na cor amarela e letras na cor preta para um melhor contraste da figura.
As palavras selecionadas, bem como suas respectivas frequências, são apresentadas na Tabela 4.
Termo | Frequência | Termo | Frequência | Termo | Frequência |
---|---|---|---|---|---|
educandos | 118 | matemática | 39 | utilizar | 26 |
material | 71 | cegueira | 38 | objetivo | 24 |
deficiência_visual | 67 | professor | 37 | análise | 23 |
pesquisa | 60 | atividade | 36 | conteúdo | 22 |
conceito | 60 | estudo | 31 | inclusão | 22 |
ensino | 55 | didático | 30 | resultado | 21 |
aprendizagem | 51 | processo | 28 | participante | 21 |
educar | 43 | intervenção | 27 | Total de palavras | 23 |
Nota. Resultados obtidos a partir dos dados inseridos no software Iramuteq.
Ao analisarmos a Figura 2 anterior, podemos verificar que as palavras de maior destaque são: “educandos”, “deficiência visual” e “material”, conforme era esperado pelos dados levantados e apresentados na Tabela 4. Ressaltamos que as palavras de maior destaque da nuvem de palavras são justamente as que constam nos objetivos desta RSL, que é o de apresentar materiais acessíveis de Matemática, com foco em educandos com deficiência visual, o que demonstra a adequação dos textos selecionados ao recorte dado a este trabalho.
De acordo com Uliana (2013), os educandos com deficiência visual necessitam, no decorrer das aulas, utilizar os outros sentidos para captar e interpretar as informações disponíveis. Desse modo, a autora aponta para o uso de materiais concretos acessíveis que se amparam no chamado “tato ativo”, como o Soroban, para auxiliar esses educandos no processo de aprendizagem da Matemática, pois, segundo um dos sujeitos de pesquisa entrevistados em sua pesquisa, “a partir do momento que você tem um material semelhante ao dos seus colegas de classe fica muito mais fácil o entendimento da matemática” (Uliana, 2013, p. 599). Nesse sentido, Felipe et al. (2022) destacam que os materiais acessíveis são “uma ponte para o desenvolvimento e a elaboração de significados para todos os estudantes, com ou sem deficiências específicas, visto que são facilitadores, formadores e transformadores de processos mentais” (p. 2), trecho que corrobora o exposto nos trabalhos de Berbetz (2019), Koepsel (2017) e Mamcasz-Viginheski (2017), que defendem, com base no DUA, o uso de materiais concretos acessíveis em sala de aula como uma maneira de promover a aprendizagem, a integração e a socialização entre educandos com e sem deficiência visual.
No entanto, a produção de materiais acessíveis é apenas parte da solução para o complexo desafio da inclusão de educandos PEE na Educação Básica. Segundo Berbetz (2019) e Pereira (2012), grande parte dos professores não têm a formação necessária para lidar, de maneira satisfatória, com educandos com deficiência. Como exemplo, Pereira (2012) relata o caso de professores que, apesar de utilizarem materiais acessíveis em uma sala de aula que continha educandos com deficiência visual, acabavam por agir da mesma forma que agiam em salas de aula onde não havia a presença deles. Desse modo, atuavam de maneira desconexa com o contexto da turma e os materiais utilizados. Para superar essas barreiras, Silva (2015) propôs que sejam desenvolvidas, com urgência, pesquisas, metodologias e capacitações voltadas à formação de professores no âmbito da educação inclusiva, de modo a propiciar a esses professores “um novo olhar sobre a educação inclusiva” (p. 10).
O segundo recurso visual consiste na análise de similitude (Figura 3), que identifica relações entre as palavras de maior frequência absoluta selecionadas (Tabela 4).
Nota. Resultado obtido a partir dos dados inseridos no software Iramuteq. Flechas acrescentadas pelos autores.
Ao analisarmos a Figura 3, podemos observar uma divisão do corpus realizada pelo Iramuteq e, assim, temos que a palavra “educandos” aparece no ponto central, o que demonstra que os trabalhos selecionados têm como foco o aprendiz; desse modo, as pesquisas foram desenvolvidas pensando em atender possíveis necessidades dos “receptores” em relação aos conceitos e aos conteúdos matemáticos vistos em sala de aula, em específico educandos com deficiência visual, já que essa palavra se conecta com as palavras “educar” e “participante”, indicando que educandos com esse tipo de deficiência foram os principais sujeitos das pesquisas selecionadas. A palavra “material”, por sua vez, conecta-se às palavras “atividade”, “didático”, “análise” e “intervenção”, o que indica que os objetivos dos trabalhos foram analisar e desenvolver materiais, atividades e intervenções didáticas para determinado público, que, neste caso, consiste em educandos com deficiência visual.
Nesse contexto, identificamos diversos trabalhos que coadunam com a divisão realizada pelo software. Dos 26 trabalhos selecionados, dez mencionam explicitamente as palavras do conjunto principal (“educandos”, “deficiência visual” e “materiais”) em seus resumos (Alvaristo, 2019; Drummond, 2016; Felipe et al., 2022; Koepsel, 2017; Pasquarelli, 2015; Silva, 2012; Silva, 2013; Silva, 2015; Viginheski, 2013; Vita, 2012). O conjunto das palavras “educandos”, “deficiência visual” e “atividades”, por sua vez, aparece em 11 trabalhos (Berbetz, 2019; Drummond, 2016; Koepsel, 2017; Melo, 2014; Pasquarelli, 2015; Pereira, 2012; Silva, 2012; Silva, 2013; Stefanelli, 2020; Viginheski, 2013; Vita, 2012). Já o conjunto das palavras “educandos”, “deficiência visual” e “didático” aparece em 11 trabalhos (Alvaristo, 2019; Berbetz, 2019; Brim, 2018; Furlan, 2016; Koepsel, 2017; Melo, 2014; Santos, 2021; Silva, 2013; Stefanelli, 2020; Viginheski, 2013; Vita, 2012). Dessa forma, retirando da soma os trabalhos que aparecem em mais de um dos três conjuntos de palavras descritos, verificamos a presença de 16 trabalhos, o que demonstra que as divisões realizadas pelo Iramuteq contemplam a maioria dos trabalhos selecionados e nos dão pistas visuais do que se trata e como se interconectam na construção dos dedos.
O último recurso utilizado consiste no Método de Reinert (via Classificação Hierárquica Descendente – CHD), que analisa o corpus textual e estabelece classes de palavras correlatas, oferecendo um contexto por meio de classes lexicais. Assim, a repartição é realizada com base na frequência das formas lematizadas (Rocha & Oliveira, 2022). A Figura 4 apresenta as classes identificadas pelo software.
Os resultados do Método de Reinert, via CHD, geraram um dendograma, apresentado na Figura 4 e que nos permite identificar cinco classes predominantes. A Classe 1, que contém as palavras “deficiência visual”, “vidente”, “aprendizagem”, “recurso” e “metodológico”, indicam as características do público e dos estudos desenvolvidos; dessa maneira, foram produzidos recursos e metodologias com foco na aprendizagem de educandos com e sem deficiência visual, e que, portanto, podem ser utilizados por ambos os públicos (Berbetz, 2019; Borges, 2020; Pasquarelli, 2015; Pereira, 2012; Sá, 2019; Santos, 2021; Silva, 2013; Silva, 2015; Souza, 2015; Stefanelli, 2020; Xavier, 2020).
A Classe 2, que contém as palavras “probabilidade”, “conceito”, “geométrico”, “perpendicularidade” e “paralelismo”, refere-se aos conteúdos abordados em alguns dos trabalhos aqui analisados. Desse modo, percebemos a predominância de conteúdos relacionados à unidade temática “Geometria”, como proposto também pela BNCC (2018). O tema mais abordado nos trabalhos refere-se a conceitos, propriedades e cálculo de áreas de figuras planas (Galvão, 2017; Mamcasz-Viginheski, 2017; Pereira, 2012; Santos, 2021; Stefanelli, 2020). Conteúdos como plano cartesiano, retas, semelhança de triângulos, trigonometria e figuras espaciais também são abordados, porém em trabalhos específicos (Xavier, 2020; Furlan, 2016; Borges, 2020; Melo, 2014; Silva, 2013, respectivamente).
A Classe 3, a qual contém as palavras “atividade”, “material”, “kit”, “peça” e “plano” (tabuleiros), diz respeito aos objetos educacionais desenvolvidos nos trabalhos de Berbetz (2019), Drummond (2016), Koepsel (2017), Melo (2014), Pasquarelli (2015), Pereira (2012), Silva (2012), Silva (2013), Stefanelli (2020), Viginheski (2013), Vita (2012) (atividades); Alvaristo (2019), Drummond (2016), Felipe et al. (2022), Koepsel (2017), Pasquarelli (2015), Silva (2012), Silva (2013), Silva (2015), Viginheski (2013), Vita (2012) (materiais); Berbetz (2019), Brim (2018), Galvão (2017), Uliana, (2013) (kits); Alvaristo (2019), Borges (2020), Costa et al. (2019), Sá (2019), Santos (2018), Xavier (2020) (peças e/ou planos).
A Classe 4, que contém as palavras “qualitativo”, “estudo”, “pesquisa”, “utilização” e “aplicado”, aponta para as características metodológicas dos estudos selecionados. De modo geral, todos os trabalhos, exceto os desenvolvidos por Silva (2012) e Stefanelli (2020), possuem natureza qualitativa, com destaque para estudos de caso em que houve aplicação dos materiais desenvolvidos com pequenos grupos de educandos (Alvaristo, 2019; Berbetz, 2019; Borges, 2020; Drummond, 2016; Furlan, 2016; Galvão, 2017; Koepsel, 2017; Sá, 2019; Souza, 2015; Stefanelli, 2020; Vita, 2012; Xavier, 2020).
Por fim, a Classe 5, a qual contém as palavras “escola”, “estadual”, “ensino fundamental”, “ensino médio” e “educação especial”, constitui a classe que representa os locais onde os estudos foram realizados: escolas públicas regulares de redes estaduais de ensino onde havia educandos com necessidades especiais (Alvaristo, 2019; Galvão, 2017; Sá, 2019; Santos, 2018; Santos, 2021; Souza, 2015; Stefanelli, 2020; Xavier, 2020).
4 Conclusões
Este trabalho teve como objetivo principal apresentar uma RSL sobre materiais acessíveis de Matemática, com foco em educandos com deficiência visual. Os dados coletados de 26 resumos de artigos, teses e dissertações, entre os anos de 2012 e 2022, nas bases de dados SciELO Brasil e BDTD, foram analisados via software Iramuteq e na íntegra pelos pesquisadores. O uso de tal recurso “qualificou o estudo e trouxe clareza sobre os temas tratados” (Rocha & Lacerda, 2023, p. 1). Verificamos que há poucos relatos na literatura sobre materiais acessíveis de Matemática para educandos com cegueira. Considerando o recorte temporal utilizado, há uma média de 2,36 produções inéditas por ano sobre esse tema.
Todavia, percebemos que os trabalhos têm dado pouco (ou nenhum) enfoque à Educação Infantil e aos anos iniciais do Ensino Fundamental quando comparado aos anos finais do Ensino Fundamental e ao Ensino Médio. Em relação à Educação Infantil e aos anos iniciais do Ensino Fundamental, a baixa quantidade pode estar relacionada ao perfil dos autores dos trabalhos, que comumente possuem formação em Matemática e, portanto, atuam como professoras(es) no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio. No entanto, os dados do Censo Escolar de 2022 indicam que há necessidade de investir em produções de materiais acessíveis para a Educação Infantil e para os anos iniciais do Ensino Fundamental na medida em que as matrículas do PEE na Educação Infantil aumentaram significativamente entre 2021 e 2022 e vem, ao longo dos anos, em uma crescente. Nos próximos anos, esses mesmos educandos estarão no Ensino Fundamental I, necessitando, dessa forma, de materiais adequados para o atendimento às suas necessidades (INEP, 2023), além disso, é preciso pensar e propor materiais que atendam o maior número de educandos, com base nos princípios do DUA e na universalização das possibilidades para a acessibilização dos conteúdos a todos(as).
Sobre as unidades temáticas e conteúdos abordados, os trabalhos selecionados indicam a concentração de produções voltadas às unidades temáticas Geometria e Álgebra, com foco na representação de formas geométricas e construção de gráficos de funções, principalmente com o uso do Multiplano. Dessa forma, o desenvolvimento de materiais acessíveis para o ensino de Matemática para educandos com deficiência visual deve expandir-se para todas as unidades temáticas e conteúdos, principalmente para aqueles com maior grau de abstração, como, por exemplo, a resolução de equações e sistemas de equações.
Esperamos, com essa revisão, contribuir para o engajamento na produção de novos materiais para o público aqui estudado, além de apresentar novas possibilidades para educadores em sala de aula a partir de materiais didáticos que possam ser utilizados tanto por videntes quanto por aqueles com algum tipo de deficiência visual, ampliando, dessa maneira, o acesso ao estudo da Matemática e tornando o ensino da disciplina cada vez mais inclusivo, efetivo e equitativo para todos.