Introdução
A educação brasileira sempre conviveu com grandes desafios (CURY et al., 1997; CUNHA, 2004; SAVIANI, 2007), como a busca pelo acesso a um ensino-aprendizagem indissociado da qualidade (BEHAR, 2009; HERDEIRO; SILVA, 2014). Essa indissociabilidade deve ser capaz de promover a formação do cidadão e do profissional, independentemente da área, modalidade ou nível educacional. O debate sobre a qualidade Educação e do processo de ensino-aprendizagem tem sido e continua sendo muito atual, pois, historicamente, esse campo de estudo da educação é constantemente renovado devido à própria evolução social, do conhecimento e das tecnologias. Trata-se de um debate marcado por aspectos históricos, multifatoriais e polissêmicos (DOURADO; OLIVEIRA, 2009; HERDEIRO; SILVA, 2014; REZENDE et al., 2011), quer estejamos abordando-o numa perspectiva crítica (MOSS, 2010; MAINALI, 2011); ou numa perspectiva liberal e meritocrática de Educação (THAREJA, 2017; OECD, 2012).
A popularização de tecnologias aplicadas à educação e as inovações no processo de ensino-aprendizagem têm levado a sociedade a refletir ainda mais sobre a constituição e o papel do processo pedagógico escolar, os modelos pedagógicos que estão em prática e a relação entre eles. Tais questões levam a tensões que, na prática docente, transformam-se em barreiras, pois, embora o docente deseje acreditar que as tecnologias vêm para melhorar sua práxis pedagógica e a formação discente, em seu discurso essa verdade não se constitui (REZENDE et al., 2011; JOAQUIM et al., 2012).
Outra questão a ser considerada é o próprio processo de formação dos professores universitários relacionado à sua ação docente. Alguns estudos (BARRETTO, 2010; BARROS; DIAS; CABRAL, 2019; JOAQUIM et al., 2012; CORRÊA; RIBEIRO, 2013; GATTI, 2017) relatam diversos desafios que necessitam ser vencidos: a) a dificuldade, de modo geral, do professor não conseguir vincular a teoria à prática plenamente; b) a necessidade de valorização do capital e habitus pedagógico na pós-graduação; c) a necessidade de se repensar os padrões de relacionamento entre professor e estudante; d) a necessidade de se considerar a diversidade social, cultural, epistemológica, dentre outras; e) a importância da construção de posturas éticas e estéticas comprometidas com a formação escolar inclusiva e de qualidade.
O ensino de engenharia tem conquistado um grande destaque mundial. A revista Journal of Engineering Education, por exemplo, tem o terceiro maior fator de impacto na categoria Educação no Scimago Journal & Country Rank (SJR, 2021), respeitado ranking internacional. Entretanto a discussão de onde e como acontece a formação específica do professor de engenharia não tem tanto espaço, assim como acontece no Brasil. As publicações sobre a área, em sua grande maioria, dedicam-se às metodologias de ensino, práticas didáticas, inovações em sala de aula, dentre outros.
Em diversos países como os Estados Unidos, os mais de 40 países europeus signatários da Declaração de Bolonha, que padronizou o ensino de graduação na Europa, Nigéria, Japão, dentre outros, para ser professor universitário é necessário que o candidato tenha o título de doutor. Mesmo nos países em que essa exigência não está posta em leis, na prática, acontece.
Entretanto é crescente o questionamento sobre a formação pedagógica do professor em cursos de doutorado e cada vez mais países passam a exigir cursos de formação pedagógica de seus professores ou a inclusão dessa formação nos doutorados (CONLEY et al., 2000; EUA, 2018; OKOLIE et al., 2020; WANKAT, 1999). Diversas ofertas de formação vêm surgindo, como o International Enginnering Educator Certification Program, ofertado pela International Society for Engineering Pegagogy (IGIP), o School of Engineering Education, da Purdue University, dentre outros.
Cabe ressaltar que diversos países exigem uma experiência docente prévia para concorrer a uma vaga de “Professor” em universidades. Essa experiência prévia pode ser obtida nas próprias universidades, pois a estrutura organizacional delas é diferente das Instituições de Ensino Superior brasileiras. Os cargos de Professor, Lecturer, Associate professor, Researcher, dentre outras nomenclaturas, tendem a ter atribuições diferentes, o que propicia a chance de obter experiência antes de tentar a seleção para um cargo de professor (EUA, 2018).
Esse tema ganha uma dimensão maior quando o transportamos para o âmbito brasileiro da pós-graduação stricto sensu, que, historicamente, sempre foi um espaço limitado a poucos, com foco à formação do pesquisador e que deveria também realizar a formação docente. A necessidade de fortalecer a formação docente de bacharéis no Brasil vem sendo discutida há vários anos. Lüdke e Moreira (1999), ainda no final da década de 90, alertavam para a forma como as autoridades educacionais brasileiras depreciavam a formação pedagógica desses professores.
No que diz respeito especificamente à Formação Docente, todas as versões do Plano Nacional de Pós-Graduação (CAPES, 2010) citam este direcionamento e o website da Avaliação do Sistema Nacional de Pós-Graduação, feita pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES cita os três objetivos do Sistema Nacional de Pós-Graduação - SNPG: “Formação pós-graduada de docentes para todos os níveis de ensino; Formação de recursos humanos qualificados para o mercado não acadêmico; Fortalecimento das bases científica, tecnológica e de inovação” (CAPES, 2019).
O direcionamento da formação do docente em programas de pós-graduação stricto sensu também é citado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - n.º 9.394/96, quando aborda a formação do docente para o magistério no ensino superior. O artigo 66 aponta que: “a preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado” (BRASIL, 1996).
Assim, o objetivo deste estudo visa identificar se os programas de pós-graduação stricto sensu brasileiros, especificamente nas áreas de Engenharias I a IV, estão formando docentes, bem como avaliar em que espaço acontece essa formação, com base nas informações disponíveis nos bancos de dados oficiais.
Devido à grande quantidade de produção científica e de disciplinas ofertadas nos programas identificados, foram elaboradas planilhas com centenas de milhares de linhas e os procedimentos adotados para coleta e análise serão apresentados na metodologia a seguir.
Desafios para o ensino de engenharia e tecnologia no século XXI
As modificações nos métodos de ensino na graduação têm sido incentivadas para acompanhar o novo perfil dos estudantes ao redor do mundo, não só na área de Engenharia (BAZZO, 2011). Segundo o autor, o ensino de engenharia no Brasil vem trazendo soluções paliativas, copiando modelos externos, pouco ligados aos problemas nacionais, desde a criação das primeiras escolas de engenharia brasileiras. Como exemplos, pode-se citar a Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1874, voltada em sua maioria para engenharia civil); a Escola de Minas de Ouro Preto, em Minas Gerais (1875, voltada em sua maioria para engenheiros de minas); a Escola Agrícola da Bahia (1877, voltada para Engenheiros Agrônomos) de onde vieram parte dos docentes que fundaram a Escola Polytechnica da Bahia (1897), voltada para engenheiros civis e engenheiros geógrafos. O movimento inicial para a criação dessas escolas no Brasil partiu das discussões sobre como melhorar a qualidade do ensino de engenharia (BARBOZA, 2010).
A discussão sobre o ensino de engenharia não pode, portanto, ser considerada recente, uma vez que diversos estudos vêm sendo realizados há vários anos, conforme pesquisa realizada pelos autores desta pesquisa nas bases de dados Scopus, Web of Science e Scielo, que demonstrou já existir publicações na área no ano de 1872 e com um aumento significativo na quantidade de pesquisas, principalmente a partir do final dos anos 2000.
Diversos autores realizaram pesquisas sobre os desafios para o ensino de engenharia no século XXI no Brasil, como Furtado (2013) e Bazzo (2011), que citaram a evasão dos estudantes como um dos grandes problemas atuais. Esses autores levantam algumas possíveis causas, como, por exemplo, o currículo dos cursos, os métodos de ensino ultrapassados e o corpo docente com didática inapropriada (grifo nosso), que comumente não contextualizam efetivamente os conteúdos ministrados em sala de aula
Soma-se a isto o fato de que atualmente espera-se dos profissionais que eles desenvolvam habilidades sociais e emocionais necessárias para trabalhar e viver no Século XXI. São as chamadas “soft skills”, que são habilidades mais subjetivas, mais voltadas à questão comportamental, como pensamento crítico, resolução de problemas, colaboração, comunicação, ética, dentre outras. Estas soft skills, somadas às habilidades técnicas, formam o profissional que o mercado espera atualmente. Entretanto questiona-se se as instituições preparam seus docentes para contribuir com a construção dessas habilidades junto a seus discentes (TEO et al., 2021).
Ao discutirem sobre a formação das competências para o Século XXI, Auchey, Mills e Auchey (1998) afirmam que é necessário repensar o currículo do curso de engenharia, transformando-o em um curso mais dinâmico e prático, que integre as pessoas que fazem parte dele, mantendo uma forte identidade entre a universidade e a indústria.
Os docentes de engenharia precisam continuar abordando os conteúdos técnicos, mas sem deixar de lado o impacto que a tecnologia vem causando no mercado de trabalho e na sala de aula, como também considerar a grande quantidade de informações disponíveis, a multidisciplinaridade, o mercado globalizado e a responsabilidade socioambiental, que são alguns dos fatores que sofreram modificações nos tempos atuais (GOUVEIA, 2017).
As discussões sobre o ensino de engenharia andam lado a lado com questionamentos sobre a qualidade da formação do engenheiro; além de debater sobre o currículo dos cursos, outras críticas comuns são a não interação entre a teoria e a prática, a forma como os conteúdos são abordados, dentre outras que recaem, logicamente, sobre o professor. Dessa forma, pode-se inferir que parte dos problemas apontados na formação do engenheiro poderia ser minimizada se o docente estivesse mais preparado para exercer a sua tarefa. Então, pode-se afirmar que a formação docente ocupa um importante papel nesse cenário.
A formação do professor: alguns apontamentos
Levando em consideração que o ensino não é concebido como uma prática improvisada, meramente empirista, o ato docente não se resume apenas a conhecimentos teóricos e ao currículo acadêmico. Segundo Pimenta (2005), ser um exímio pesquisador não é garantia de sucesso no desempenho pedagógico, uma vez que o saber-fazer docente é composto por múltiplos e heterogêneos saberes que não se limitam exclusivamente aos conhecimentos técnicos da pós-graduação.
O docente necessita dominar saberes múltiplos e específicos para sua atuação em sala de aula (COCHRAN-SMITH, 2003), pois, para que haja a construção da qualidade do ensino, o profissional necessita de uma formação sólida e pluridimensional. Para o exercício da docência, o profissional mobiliza saberes tais como: o saber disciplinar, o saber curricular, o saber das ciências da educação, os saberes pedagógicos, o saber experiencial e até mesmo o saber da tradição pedagógica (GAUTHIER et al., 1998; TARDIF, 2002, PIMENTA, 1999, VERGARA, 2015).
Entretanto, na prática, há, aparentemente, a falta da articulação de tais saberes na formação do futuro professor, tendo em vista que, por exemplo, os saberes das Ciências da Educação e os saberes pedagógicos são considerados como saberes da formação inicial e não adquiridos ao longo da experiência em sala de aula. Os saberes das Ciências da Educação e os conhecimentos pedagógicos não são socialmente construídos e compartilhados, como podem ser o saber experiencial e o saber curricular, e vice versa. No entanto, no âmbito da pós-graduação, a formação se resume à aquisição ou ao aprimoramento do saber disciplinar, ou seja, ao conteúdo específico de cada área de conhecimento, desconsiderando-se os demais saberes docentes.
A inclusão desses saberes na formação acadêmica é imprescindível porque, mesmo que a atividade docente seja composta de experiências únicas e complexas, em que constantemente se é levado a tomar decisões sobre múltiplos aspectos, é necessário obter conhecimentos pedagógicos para articular teoria e prática. Esses conhecimentos pedagógicos precisam ser adquiridos, formalmente, em algum momento da formação docente, sob pena de mantermos a docência condenada ao empirismo, à reprodução de práticas e à consequente desvalorização profissional e social dos professores.
Ao realizar um resgate histórico da formação de professores no contexto brasileiro, Saviani (2009) demonstra configurar-se basicamente dois modelos, em que o primeiro se concentra na cultura geral e domínio do conteúdo específico da disciplina a ser ministrada e outro modelo no qual a formação necessita de um preparo pedagógico-didático para ser considerada completa.
Quando uma formação docente se restringe exclusivamente ao saber disciplinar - conteúdo específico e técnico, duas consequências tendem a ocorrer: a reprodução de uma prática pedagógica baseada na transmissão de conhecimento, na qual o estudante assume uma postura passiva diante do conhecimento e restringe sua capacidade de autonomia intelectual; e uma prática acadêmica que, embora supostamente ancorada no tripé ensino, pesquisa e extensão, não consegue relacionar a pesquisa ao ensino, pois são práticas estanques.
Restringir-se ao quê ensinar (conhecimento específico, técnico) impede, dentre outros, a falta de domínio do professor sobre o processo de seleção e organização dos saberes que ele mesmo deve ensinar - o currículo, pois poderá não ter visão sistêmica sobre a área de conhecimento e sobre o papel da formação da qual é porta voz. O currículo impõe um tipo de conhecimento que vai muito além do saber disciplinar (saber específico), pois envolve uma relação com a vida social, com a cultura, com a política, com a economia, com a ciência, bem como a própria reflexão sobre o papel da formação escolar e da Educação (SACRISTÁN, 1998; GAUTHIER et al., 1998; BERTICELLI; TELLES, 2017).
Além de considerar e articular os diferentes saberes docentes, trata-se de conceber uma formação baseada numa concepção reflexiva, de indissociabilidade e simultaneidade entre teoria e prática, ainda que com separação dialética entre ambas (PIMENTA; GHEDIN, 2002; VÁZQUEZ, 2011), capaz de promover alguns pressupostos propostos por Roldão (2007), tais como: a) natureza compósita; b) capacidade analítica; c) natureza mobilizadora e interrogativa; d) meta-análise; e) comunicabilidade e circulação. Esses pressupostos estão intrinsecamente relacionados com todos os conhecimentos que precisam ser apropriados durante a formação docente, mas sobretudo com os conhecimentos pedagógicos.
Uma formação docente baseada nos pressupostos acima apresentados possibilita o desenvolvimento de práticas pedagógicas que superem a mera transmissão de conhecimento e cumpram o papel efetivo da docência: pensar o currículo, definir objetivos, construir metodologias de ensino, desenvolver a relação pedagógica professor e estudantes, avaliar, ajudar os estudantes, (re)pensar o papel da prática educativa, dentre outros (ROLDÃO, 2007; DOURADO; OLIVEIRA, 2009; GATTI, 2017).
Uma condição para que a docência realize de fato o seu papel é que a formação discente seja justamente baseada no princípio da pesquisa, sendo capaz, como conteúdo e como método, de exercer a crítica, a capacidade interrogativa, a capacidade de promover novos conhecimentos e práticas. Mais ainda: uma formação que permita o desenvolvimento de uma cultura formativa que ajude a analisar e questionar as práticas pedagógicas na Universidade e as posturas assumidas pelos sujeitos educativos, sobretudo a si mesmos, suas concepções e práticas.
A formação docente na Pós-Graduação Stricto Sensu brasileira
De acordo com a LDB, como já afirmado anteriormente, a formação docente para o magistério superior “far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado” (BRASIL, 1996). A mesma lei, no artigo 62, cita que para atuação na educação básica, o docente deverá ser formado em nível superior de licenciatura.
A interpretação da LDB nos leva à conclusão de que a pós-graduação stricto sensu é a responsável pela preparação para a docência no ensino superior. E o campo de trabalho docente reconhece, baseado na citada lei, que um mestre ou doutor foi capacitado para exercer as suas tarefas em sala de aula. Este reconhecimento também é devido à avaliação dos cursos superiores, realizada pelo MEC, na qual o nível da formação dos professores representa uma condição obrigatória e aumenta a pontuação dos cursos no respectivo quesito (INEP, 2017).
A importância da formação docente durante a pós-graduação é reforçada em pesquisas como a realizada por Oliveira Júnior, Prata-Linhares e Karwoski. (2018), que demonstra que as Instituições Federais de Educação Superior não têm promovido uma formação continuada que promova a profissionalização docente de forma satisfatória. Além do questionamento sobre a formação docente a própria avaliação da capes vem sendo questionada pela área de educação há vários anos (HORTA; MORAES, 2005)
Diante dessa condição, resta verificar como os cursos de pós-graduação stricto sensu estão exercendo esse papel de formação docente. Essa preocupação se sustenta não só pela importância da formação docente em si (o que já é bastante), como também pela necessária condição de instituição formadora que as Instituições de Ensino Superior têm.
Metodologia do estudo
A presente pesquisa foi realizada utilizando dados coletados da CAPES via Plataforma Sucupira, que é uma ferramenta criada para colher informações dos cursos de mestrado e doutorado brasileiros, o que possibilita análises e avaliações do SNPG com dados inseridos pelas próprias coordenações dos cursos (CAPES, 2019).
Basicamente, foi realizado o download de tabelas geradas com os seguintes conteúdos: Programa; Disciplina; Trabalho de Conclusão de Curso; Produção Intelectual; Produção relevante. Para tanto, foram consideradas as quatro áreas de engenharia e acessadas as planilhas de dados disponíveis para a última Avaliação Quadrienal das Pós-Graduações Brasileiras, realizada em 2017, que considera o período compreendido entre os anos de 2013 a 2016. Foram considerados os dados da avaliação realizada em 2017, pois o resultado do quadriênio entre 2017 e 2020 não foi divulgado até a realização desta pesquisa, devendo acontecer ao final de 2021 ou início de 2022.
A CAPES (2010), divide as Engenharias nas seguintes áreas:
I - Civil, Sanitária, de Transportes;
II -Minas, Materiais e Metalúrgica, Química, Nuclear;
III - Mecânica, Produção, Naval e Oceânica, Aeroespacial;
IV - Elétrica, Biomédica.
Os dados foram coletados no mês de agosto de 2018. Entre setembro e dezembro foram realizadas a compreensão das variáveis, a normalização e a validação dos dados disponíveis nas planilhas. Ressalta-se que a definição do que é produção “relevante” é determinada pelas coordenações dos cursos e sinalizados no preenchimento da Plataforma Sucupira, bem como as nomenclaturas “Disciplinas”, “Trabalho de Conclusão de Curso”, dentre outras, são as disponibilizadas na própria plataforma.
A pesquisa, inicialmente, buscou identificar se a pós-graduação stricto sensu brasileira tem dado, de fato, importância à formação do profissional docente, especificamente nas engenharias. Os resultados iniciais alcançados não trouxeram dados que demonstrassem uma preocupação sistemática com essa formação. Considerando que, em tese, qualquer discussão direcionada à educação contribui para a formação docente, decidiu-se ampliar o escopo da pesquisa para qualquer abordagem que envolvesse a área da educação e/ou ensino.
Tomando como base os estudos de Gray (2012), essa pesquisa apresenta natureza teórica, caráter experimental e descritivo, com abordagem mista, utilizando-se de técnicas de análise de conteúdo de um volumoso, variado, complexo e extenso conjunto de dados, que permitiu analisar numericamente a frequência de ocorrência de determinados termos, construções e referências em um dado/observação por meio de estatística inferencial, e tirar conclusões a partir de dados que podem não ser imediatamente óbvios.
As análises realizadas permitiram mapear, identificar e quantificar possíveis registros de estudos na área de educação. Ao aplicar a técnica da análise de conteúdo, foi possível estruturar, no conjunto de tabelas analisadas, as categorias pré-definidas que serviram ao propósito da pesquisa.
Para realizar as buscas foram consideradas as variações de escrita utilizando de recursos lógicos como as expressões curingas “?” para especular a existência ou não de uma letra; “*” para localizar ou não um conjunto de letras; “|” para representar a função de conjunto; em particular, o conectivo lógico “ou/or” foi usado para busca precisa, considerando um conjunto específico de combinações de caracteres. As categorias e seus termos relacionados neste trabalho foram:
Docente {docente?, professor*, teacher?}
Didática {did?tic*}
Discente {di?cente?, alun(o|a)s, student?}
Educação {educa*}
Aprendizagem {aprendiz*, learn*}
Escola {escola*, school*}
Ensino {ensino, teaching, instruction}
Formação {formaçã*, formation*}
Pedagogia {pedagog*}
Estudo {estud*, stud(y|ies)}
Estágio {est?gio?, internship*, stage?}
Currículo {curr?cul*}
Universidade {universidade?, universit*}
A escolha dos termos deu-se por meio da elaboração de nuvens de palavras, utilizando como base os principais artigos da referência bibliográfica dessa pesquisa. Após a criação das nuvens, foram selecionados os termos relativos à educação e validados por dois pesquisadores da área de formação docente. Quanto ao estabelecimento de critérios, alguns termos foram excluídos da pesquisa para facilitar o tratamento dos dados, como foi o caso do termo “avaliação”, pois se observou que este termo sozinho não trazia trabalhos ou disciplinas relacionados à educação; pelo contrário, apenas aumentava o número de trabalhos a serem analisados.
Após a seleção dos trabalhos que continham as palavras buscadas, todos os títulos foram revistos, às cegas (blind revision), por pelo menos dois pesquisadores, para que fossem eliminados os que continham algum dos termos selecionados, mas que não faziam parte do foco da pesquisa, para evitar a inclusão de dados como exemplificado acima.
Abaixo é apresentado o procedimento utilizado para a realização da coleta e tratamento dos dados.
Passo 1: Busca pelos programas de pós-graduação avaliados positivamente em 2017.
Acesso ao Relatório da Avaliação Quadrienal das pós-graduações brasileiras, parte da Coleta CAPES, na plataforma Sucupira.
Acesso aos dados: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/avaliacao/consultaFichaAvaliacao.xhtml;
Selecionar “Avaliação quadrienal” em “Período de avaliação”;
Seleção da variável “Área de Avaliação”: Engenharia I;
Gerar XLS ava_capes_eng_I_IV_2013_2016;
Repetir Procedimento 1:a-c para Engenharias II, III e IV;
Critério de inclusão: programas cadastrados que pertençam à Área de Avaliação das Engenharias I-IV e que estejam com a situação: “Em Funcionamento”.
Passo 2: Busca pela Produção Intelectual, Produção Relevante, Trabalhos de Conclusão de Curso e Disciplinas.
Acesso ao Relatórios de Dados Enviados ao Coleta CAPES
Critério de inclusão: os códigos individuais de cada programa;
Critério de exclusão: todos os códigos de programas que não estão contidos, na Tabela: ava_capes_eng_I_IV_2013_2016 gerada no Passo 1 e os que apresentaram dados nulos;
Geração das tabelas: identificou-se a necessidade de desenvolver um robô para realizar a captura dos dados de forma automatizada, pois ao gerar as tabelas anuais manualmente, alguns resultados de Produção Intelectual apresentaram erro, devido à grande quantidade de dados. Entretanto, ao buscar os dados do programa individualmente, as informações estavam disponíveis;
Importação dos dados: os dados foram importados em tabelas formato Excel (xlsx) geradas pela Plataforma Sucupira e convertidos para formato SQL visando inserção numa base de dados, facilitando assim o tratamento do grande número de informações coletadas.
Passo 3: Tratamento inicial dos dados capturados.
Construção das tabelas: utilizando o MySQL foram criadas as tabelas Produção Intelectual, Produção Relevante, Trabalhos de Conclusão de Curso e Disciplinas.
Tratamento inicial: as tabelas geradas passaram por um processo de validação e eliminação das linhas repetidas, que não faziam parte do escopo.
Busca por termos: considerando-se a grande quantidade de linhas a serem lidas para a análise, criou-se uma série de colunas correspondentes aos termos da área de educação, já relatados acima. Em seguida executou-se uma query no MySQL que identificou tais termos nos títulos/nomes das Produções, Trabalhos de Conclusão e Disciplinas, gerando uma tabela que apresentou apenas trabalhos ou disciplinas que tivessem em seus títulos, pelo menos, um dos termos buscados.
Seleção de títulos: Criou-se uma coluna “Total”, que contabilizou a quantidade de termos que foram encontrados nos títulos analisados e com base nessa coluna os pesquisadores liam apenas os títulos que apresentassem valor maior ou igual a 1.
Registro da seleção: foi criada a coluna “target” que representa a concordância de dois avaliadores se o título seria (1) ou não (0) considerado para a contabilidade e análise dos dados (etapa blind revision).
Passo 4: Após o mapeamento, identificação dos termos e quantificação dos casos, iniciou-se a análise e discussão a respeito do objetivo desse estudo.
Análise e discussões
Para direcionar a análise buscou-se entender, inicialmente, como evoluiu a publicação internacional sobre o tema, através da busca pelas expressões e operadores booleanos “(Teach* OR Educ*) (NEAR/1 or W/1) Engineer*” nas bases Scopus, Web of Science e Scielo. Os termos foram buscados simultaneamente nos campos (Título, Palavras-Chave e Abstract).
O Gráfico 1 demonstra o crescimento do número de publicações com maior ênfase a partir do final dos anos 2000. Sua construção se deu através da disposição do resultado quantitativo da busca em um gráfico de linhas demonstrando a evolução histórica do número de pesquisas na área. Estes dados são altamente correlacionados, como explicado abaixo.
Estatisticamente, duas variáveis, X
i
e Y
i
, correspondentes a n dados, e suas respectivas médias,
Da Equação 1 é possível observar que, por definição, o coeficiente de correlação, creditado ao matemático inglês Karl Pearson, consiste na covariância entre duas variáveis X e Y dividido pelo produto de seus desvios-padrão (PEARSON, 1896). Este valor deve estar entre −1 e + 1. Um coeficiente +1 especifica que as duas variáveis estão perfeitamente correlacionadas positivamente: à medida que uma variável aumenta, a outra também aumenta em uma quantidade comparável. No entanto, isso não significa que a variação de uma variável faça com que a outra mude, apenas que suas alterações coincidam. Por outro lado, um coeficiente −1 mostra uma perfeita relação negativa: se uma variável aumenta, a outra diminui em uma quantidade comparável. Um coeficiente zero implica que não há relação linear entre as variáveis.
Como pode ser visto do Gráfico 1, dados sobre os números de documentos do Scopus (Xi) versus Web of Science/Scielo (Yi) são altamente correlacionados, com um coeficiente de correlação r (n=118) = 0,929, p < 0,01 (bicaudal), relacionado ao período 1872-2021, e de acordo com a Equação (1).
Uma outra comparação entre duas possíveis variáveis relacionadas pode ser feita por meio do teste de hipótese não paramétrica, desenvolvido pelo químico Frank Wilcoxon, chamado teste dos postos com sinais (WILCOXON, 1945). Este pode ser usado para determinar se duas variáveis foram selecionadas de populações com distribuições semelhantes ou não. A partir deste teste, e considerando sua limitação, foi analisado apenas o intervalo entre os anos 1872 e 2021. Como existe diferença significativa entre a mediana dos números de documentos retornados das bases Scopus e WoS, podemos concluir que as variáveis analisadas são independentes. Ou seja, o teste Wilcoxon Signed-ranks indicou que a base Scopus (média= 986,92), no período considerado, disponibiliza mais publicações científicas que investigaram os termos “(Teach* OR Educ*) (NEAR/1 OR W/1) Engineer*” em detrimento à base WoS (média= 180,36), Z = -8,7, p <0,001; r (n=118) = 0,929.
Já para a análise dos dados extraídos da Plataforma Sucupira, foi gerada uma série de tabelas dinâmicas no Excel, permitindo diversos cruzamentos e propiciando uma visão mais precisa das informações, diferente do que aconteceu quando os arquivos iniciais foram explorados, visto que foram geradas 4 tabelas, que somaram mais de 1.600.000 linhas com informações sobre os programas de engenharia.
Abaixo são apresentados os percentuais referentes à presença dos termos chaves na Produção Intelectual Relevante.
Não Abordam | Abordam | Total | % que Abordam / Total | |
Eng I | 2.689 | 15 | 2.704 | 0,56% |
Eng II | 2.051 | 3 | 2.054 | 0,15% |
Eng III | 2.956 | 24 | 2.980 | 0,81% |
Eng IV | 1.836 | 10 | 1.846 | 0,54% |
Total Geral | 9.532 | 52 | 9.584 | 0,54% |
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
Conforme demonstrado no Quadro 1, foram contabilizadas 9.584 produções intelectuais que os programas de pós-graduação indicaram como relevantes. Destas, apenas 52 têm alguma relação direta com a área ensino/educação, o que representa 0,54%. Como já discutido em seção anterior, embora preconizada pela LDB (BRASIL, 1996) e destacada por Oliveira Júnior, Prata-Linhares e Karwoski (2018) e Horta e Moraes (2005), a formação docente para a atuação na Educação Superior não vem correspondendo ao papel relevante que deveria ter nas pós-graduações na área das Engenharias.
Os dados obtidos também permitem estratificar o resultado por subtipo da produção. O Quadro 2 demonstra, através de números percentuais, a representatividade que cada subtipo de publicação tem em relação ao total das produções. Aqui não foi realizada a separação por área da engenharia, nem por ano, para facilitar a visualização e análise.
Todas as produções | Apenas as produções que abordam os termos chave | |
Apresentação de trabalho | 9,56% | 32,69% |
Artigo em periódico | 55,82% | 25,00% |
Curso de curta duração | 2,05% | 9,62% |
Desenvolvimento de aplicativo | 2,34% | 3,85% |
Desenvolv. de mat. didat. e instrucional | 0,49% | 7,69% |
Organização de evento | 7,49% | 9,62% |
Serviços técnicos | 4,34% | 3,85% |
Trabalho em anais | 2,86% | 3,85% |
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
A análise do quadro acima demonstra um direcionamento maior, entre as produções relevantes, para as publicações em periódicos, totalizando 55,82%. Entretanto, isso não se repete quando se considera apenas a produção na área pesquisada, visto que os Artigos em Periódicos passam a representar 25%, ao mesmo tempo em que a representatividade da Apresentação de Trabalho cresce e passa a representar 32,69%, ante os 9,56% do total de publicações relevantes. Mais uma vez, os dados parecem mostrar que a formação docente tem pouca relevância nas pós-graduações em tela, denotando grande ênfase na pesquisa de conteúdo específico das engenharias, com pouca ou nenhuma formação pedagógica. Isso representa uma marca histórica e uma dicotomia presentes na preparação de docentes, como destacam Saviani (2009), Pimenta (2005) e Lelis (2008) quanto ao Brasil e Lang (2008), Boote (2008) e Nóvoa (1992) em relação a outros países, em que ressalta-se fortemente os saberes disciplinares em detrimento dos saberes pedagógicos e demais saberes docentes. Forma-se exclusivamente o pesquisador para atuar na área das Engenharias e não o professor, que também deve ser um pesquisador, responsável pela formação de novos engenheiros.
Destaca-se aqui que a soma dos percentuais dos subtipos das produções apresentadas no Quadro 2 não totaliza os 100% pois só estão inseridos no Quadro os subtipos que também apresentaram publicação na área de estudo desta pesquisa e com percentual maior que 2%.
Já o Quadro 3 traz o quantitativo e percentuais das Produções Intelectuais das pós-graduações em Engenharia nos anos de 2013 a 2016.
Não Abordam | Abordam | Total | % que Abordam / Total | |
Eng I | 45.203 | 292 | 45.495 | 0,64% |
Eng II | 42.621 | 157 | 42.778 | 0,37% |
Eng III | 60.337 | 636 | 60.973 | 1,04% |
Eng IV | 35.866 | 392 | 36.258 | 1,08% |
Total Geral | 184.027 | 1.477 | 185.504 | 0,80% |
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
No Quadro 3 é possível ver que 185.504 produções foram contabilizadas, sendo 1.477 com alguma relação com Ensino/Educação. Comparados aos números da Produção Relevante, há uma representatividade um pouco maior na produção na área, entretanto, continua sendo baixa, representando apenas 0,80%.
Ao analisar os subtipos das produções intelectuais, os resultados não seguem o mesmo padrão da produção intelectual relevante, como demonstrado no Quadro 4. Um dos destaques é em relação aos livros que não estavam presentes na produção relevante na área, mas representa 7,11% neste novo universo. Apresentação de trabalho e serviços técnicos passaram a ter maior representatividade e, assim como ocorreu com os dados do Quadro 2, os artigos em periódicos passaram a ser menos representativos na produção com relação à área de educação, com 15,17%.
Todas as produções | Apenas as produções que abordam os termos chave | |
Apresentação de trabalho | 6,86% | 11,58% |
Artigo em periódico | 24,29% | 15,17% |
Livro | 3,53% | 7,11% |
Organização de evento | 3,15% | 4,47% |
Trabalho em anais | 45,71% | 49,90% |
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
Cabe aqui um destaque no que diz respeito aos artigos em periódicos no total da produção intelectual, que representou 24,29%, o que demonstra que sua representatividade reduziu próximo à metade, quando comparada à produção relevante. Esse espaço passou a ser ocupado, quase em sua totalidade, por trabalhos em anais. No quadro só foram consideradas as produções que tivessem uma representatividade maior que 2% das produções na área do estudo. Parece haver uma relação inversamente proporcional entre produção na área de Educação/Ensino e a escolha por produções intelectuais mais valorizadas academicamente, demarcando o pouco investimento nessa área.
O Quadro 5, por sua vez, traz a distribuição dos Trabalhos de Conclusão de Curso - TCC por Engenharias e quantos têm alguma relação com a área de Ensino/Educação. Vale destacar que TCC, dentro dos dados extraídos da Plataforma Sucupira, são todos os trabalhos de conclusão, como teses, dissertações, artigos, entre outros. No período analisado foram elaborados 30.963 TCC, sendo 288 na área deste estudo, o que representa um total de 0,93%.
Não Abordam | Abordam | Total | % de Abordam / Total | |
Eng I | 7.030 | 24 | 7.054 | 0,32% |
Eng II | 7.318 | 7 | 7.325 | 0,00% |
Eng III | 9.480 | 182 | 9.662 | 1,87% |
Eng IV | 6.847 | 75 | 6.922 | 1,28% |
Total Geral | 30.675 | 288 | 30.963 | 0,93% |
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
Quando se separam os tipos de trabalho de conclusão de curso que têm alguma relação com a área, pode-se identificar três tipos: Dissertações, Teses e Projetos técnicos. A distribuição percentual de cada tipo está apresentada no Quadro 6. Quando se considera apenas os trabalhos com alguma relação com a área de Ensino/Educação, o percentual no número de dissertações aumenta um pouco, indo de 76,5% para 79,17%.
Tipo de Trabalho de Conclusão de Curso | |||
---|---|---|---|
Dissertação | Projeto Técnico | Tese | |
Todas as produções | 76,50% | 0,01% | 23,45% |
Apenas as produções selecionadas | 79,17% | 0,35% | 20,49% |
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
O último grupo de dados analisados durante a pesquisa estava relacionado às disciplinas. O estudo considerou o período de quatro anos da avaliação quadrienal da CAPES de 2017. A cada ano os programas de pós-graduação inserem na Plataforma Sucupira as disciplinas ofertadas e a grande maioria destas repetiu-se nos quatro anos. Como a metodologia adotada para a pesquisa analisa apenas o nome da disciplina, optou-se por fazer a análise ano a ano e o somatório do período.
Como já relatado na metodologia, a pesquisa apenas nos títulos também impediu avaliar o conteúdo de disciplinas, como Tópicos Especiais ou disciplinas com nomes similares. Essas disciplinas foram agrupadas para melhor interpretação dos dados. Também com o objetivo de facilitar a análise dos dados, as disciplinas relativas ao Estágio Docência foram agrupadas no levantamento.
O Quadro 7 demonstra o número total de disciplinas, assim como o total e percentual das disciplinas relacionadas com a área, as de Estágio Docência e as de Tópicos Especiais. Foram cadastradas na Plataforma Sucupira um total de 111.521 disciplinas.
2013 | 2014 | 2015 | 2016 | Total Geral | |
Sem relação com a área | 24.334 | 26.162 | 28.380 | 29.934 | 108.810 |
Com relação com a área | 84 | 92 | 105 | 118 | 399 |
Estágio Docência | 261 | 274 | 281 | 307 | 1.123 |
Tópicos Especiais | 262 | 288 | 309 | 330 | 1.189 |
Total Geral | 24.941 | 26.816 | 29.075 | 30.689 | 111.521 |
% das Disc. Com relação com a área | 0,34% | 0,34% | 0,36% | 0,38% | 0,36% |
Percentual das Disc. de Estágio Docência | 1,05% | 1,02% | 0,97% | 1,00% | 1,01% |
Percentual das Disc. de Tópicos Especiais | 1,05% | 1,07% | 1,06% | 1,08% | 1,07% |
Percentual TOTAL dos três grupos pesquisados | 2,43% | 2,44% | 2,39% | 2,46% | 2,43% |
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
Ao considerar-se apenas as disciplinas nominalmente relacionadas com a área de Ensino/Educação, obteve-se um total de 399, o que representa 0,39%. Para a análise dos dados da pesquisa optou-se pela hipótese mais positiva para a formação de docentes: a de que todas as disciplinas de Tópicos Especiais, e nomes correlatos, estão relacionadas com a área de Ensino/Educação. Mesmo considerando esta improvável totalidade, quando somadas às disciplinas de estágio docência, a representatividade de disciplinas selecionadas é de apenas 2,43%.
A análise dos dados demonstra que a área pedagógica não vem sendo valorizada nas pesquisas dos cursos de mestrado e doutorado da área de engenharia, impactando, de alguma forma a formação docente. Essa afirmação é reforçada quando analisados os trabalhos de conclusão de curso, sejam eles teses, dissertações ou outros tipos, que têm apenas 0,93% abordando educação e/ou ensino dos 30.963 apresentados no quadriênio analisado.
Os dados extraídos confirmam que a percepção é real, quando se tem apenas 0,8% da Produção Intelectual de engenharia com alguma relação com a área de Educação e/ou Ensino. Esse baixo direcionamento fica mais claro quando se considera que a produção sinalizada pelos programas de pós-graduação como relevante tem um percentual ainda menor, totalizando 0,54% das 9.584 publicações.
A totalidade de disciplinas direcionadas à área demonstrou também ser muito baixa, mesmo considerando as disciplinas de estágio docência, que muitas vezes se encontram presentes na matriz curricular devido à obrigação de determinadas agências de fomento, bem como as disciplinas de tópicos especiais. Do total de disciplinas ofertadas por todos os programas de engenharia, 2,43% são direcionadas à área pedagógica e, quando consideradas apenas as nominalmente expressas na área, esse número cai para 0,39%.
Diante dos dados encontrados, é possível indagar: até que ponto os cursos de pós-graduação, ao menos na área das engenharias, têm como uma de suas finalidades a formação de professores para a Educação Superior? Sabe-se que a formação docente não é a única finalidade dos cursos de pós-graduação, mas é uma delas e, sendo esses cursos um requisito para o exercício da docência universitária, os percentuais aqui mostrados demonstram que tal formação foi pouco efetivada e valorizada.
Se é levada em consideração a criação de mestrados e doutorados profissionais nas duas últimas décadas, os dados apresentados chamam ainda mais atenção, uma vez que, embora não haja uma limitação para pleitear um cargo como professor do magistério superior por parte de quem tem formação nesses programas profissionais, e como a própria denominação diz, os cursos de pós-graduação acadêmicos poderiam valorizar mais a finalidade de formação docente para a Educação Superior.
A configuração das produções acadêmicas aqui apresentada demonstra muito claramente que seus tipos e subtipos e, em especial, seus conteúdos, estão longe de representar um investimento, ou mesmo uma sinalização de que a formação docente interessa à pós-graduação stricto sensu, ao menos na área das Engenharias. Mais do que isso, afirma a primazia quase que exclusiva dos saberes disciplinares, apenas uma, dentre as multidimensões da formação do professor. Os dados indicam que a formação pedagógica, os fundamentos educacionais, o desenvolvimento de saberes pedagógicos, não são necessários para a atuação docente na Educação Superior. Reafirma-se, desse modo, o que Coelho (1996) chama de dicotomias da formação docente, como fazer versus pensar, informação versus formação, instrução versus educação, disciplinas práticas versus disciplinas teóricas, conteúdo versus forma, disciplinas pedagógicas versus disciplinas de conteúdos, ensino versus pesquisa, que representam “esquemas simplistas e rígidos de apreensão do real, com a superficialidade e a banalização do saber” (COELHO, 1996, p. 35). Representam, sobretudo, a desvalorização da Educação/Ensino como campo de conhecimento imprescindível à formação e prática do professor.
Considerações finais
Após a extensa análise dos 1.600.000 dados, esta pesquisa permitiu observar que nas pós-graduações, especificamente nas quatro áreas de engenharia, não se pode afirmar que há esforço suficiente quanto à formação docente de seus estudantes. Vale ressaltar que foi considerado no presente trabalho qualquer discussão na área de educação e/ou ensino e, não necessariamente, disciplinas e pesquisas com o foco na formação docente. Mesmo com a ampliação do escopo deste estudo, o percentual de resultados encontrados foi baixo.
No início da pesquisa percebeu-se que existe um senso comum, com base em aspectos qualitativos, de que a pós-graduação stricto sensu brasileira tem o seu direcionamento para a formação do pesquisador e não do docente. Mesmo assim, os números obtidos foram abaixo do esperado. Seja em relação ao menu de disciplinas ofertadas, seja em relação à produção intelectual e aos trabalhos de conclusão de curso, a discussão sobre o Ensino e a Educação, portanto a preocupação com a formação docente, é praticamente inexistente.
Diversos estudos evidenciam quais são os atuais desafios no ensino superior brasileiro, não só em engenharia, e boa parte das soluções para esses desafios apontam como um dos fatores chave o professor. Assim, não se pode pensar em melhoria da qualidade de ensino, ou da formação discente, modificando o perfil do egresso da educação superior brasileira, sem melhorar a formação docente.
Se o desenvolvimento do conhecimento nas áreas da Engenharia, em suas diversas áreas, é importante, o que fica evidenciado com a produção de pesquisa por meio dos programas de pós-graduação é que a preocupação com o ensino de Engenharia deveria ser igualmente relevante, visto que está diretamente relacionado à formação de novos engenheiros. Vale ressaltar que se trata aqui de apontar para uma formação de novos engenheiros que se baseie em práticas pedagógicas ativas, inovadoras, críticas e significativas, alicerçadas na indissociabilidade entre teoria e prática e entre ensino e pesquisa. Isso só é possível quando se investe em formação docente, em estudos e pesquisas sobre Educação e novas Práticas Pedagógicas, pois não é possível formar o professor sem que se pense, elabore, desenvolva e avalie propostas de ensino e se engaje na relação pedagógica com os demais sujeitos do processo educativo.
Apropriar-se, com profundidade e qualidade, de um saber específico, como é o caso de qualquer área da Engenharia, é fundamental, mas não é suficiente para ser professor. Não se pode cobrar do docente algo que ele não aprendeu e que não está sendo oportunizada a chance de aprender na academia, a não ser por meio da prática, na qual ele observa como seus professores agem e como o docente pensa ser a melhor forma de lecionar. Essa prática, empirista e sem a devida reflexão, prejudica enormemente a qualidade do ensino brasileiro, sobretudo porque tende a restringir-se à mera transmissão/reprodução de informações, que é aquilo que o professor dispõe quando não tem a devida formação docente.
As Instituições de Ensino Superior - IES, como centros acadêmicos que formam novos engenheiros e outros profissionais, caracterizam-se como espaços de formação que articulam ensino, pesquisa e extensão; não são instituições que se dedicam exclusivamente à pesquisa. O que caracteriza uma IES e a torna diferente de outros centros de pesquisa é justamente o seu caráter formativo e pedagógico, de forma que se trata de um contrassenso pressupor que a formação necessária para atuar nela se restrinja à aquisição de conhecimentos específicos (saberes disciplinares), por mais importantes e aprofundados que sejam.
É claro que a formação docente, por si só, não garante o desenvolvimento de uma prática educativa de qualidade na Educação Superior, ou em qualquer outro nível. Dentre outros aspectos, é necessário prover, de um lado, as condições de trabalho, que garantam espaços e tempos equânimes de ensino, pesquisa e extensão e, de outro, as condições para os estudantes se dedicarem à vida acadêmica e se desenvolverem plenamente.
Entretanto, a desvalorização da formação docente para sua atuação em cursos como bacharelados, superiores tecnológicos, técnicos, dentre outros, vem sendo negligenciada há décadas, como já citado na crítica de Lüdke e Moreira (1999). A pesquisa realizada, e aqui apresentada, reforça também que ainda não há alterações consideráveis em termos de como os professores destas áreas são formados.
Dentre as limitações desta pesquisa estão o foco nos programas de engenharia, afinal entender se esta não valorização também acontece em outras áreas pode interferir na busca por soluções ideais à realidade nacional. É de se considerar também que é necessário investigar quais motivos que criaram este cenário, bem como se há vontade de modificá-lo, isto considerando tanto os responsáveis pelas políticas públicas educacionais, quanto às instituições de ensino públicas e privadas, incluindo seus docentes e gestores.
Dada a importância de estudos que contribuam para o desenvolvimento da formação docente para o Ensino Superior, de acordo com as leis brasileiras, recomenda-se a realização de pesquisa similar a esta em outras áreas do conhecimento, e não apenas na de engenharia. Pesquisas como esta poderão subsidiar a (re)definição de novas políticas de pós-graduação no país, aliando pesquisa e ensino em prol de uma melhor formação docente para a atuação na Educação Superior.
É importante ressaltar ainda que nós podemos buscar experiências exitosas no exterior e trazermos para o Brasil. Entretanto, é necessário considerar que a própria graduação brasileira em si tem um formato diferente do que acontece em grande parte dos países. Isso interfere diretamente na construção dos programas de mestrado e doutorado, por exemplo, e em como aconteceriam possíveis adaptações para a adoção destas práticas na formação docente brasileira.
Uma pesquisa comparativa entre a formação docente para ensino superior no Brasil e em outros países pode mostrar caminhos, seja a inserção de disciplinas nos programas de mestrado e doutorado, seja no incentivo aos cursos de formação docente inicial ou de formação continuada, afinal, esses três modelos podem ser encontrados no exterior e é necessário entender se e qual melhor se adequa à nossa realidade.