1 Introdução
A produção do conhecimento científico e sua publicação representam critérios determinantes na avaliação de cursos e pesquisadores (GOULART; CARVALHO, 2008). A produtividade científica e tecnológica de uma universidade, principalmente a relacionada à produção intelectual de seus docentes, é utilizada como um quesito para as avaliações dos cursos superiores. Sabe-se que o índice de produtividade dos docentes é objeto de análise por parte do Ministério da Educação (MEC), tanto pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) quanto pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), na avaliação dos cursos de graduação e pós-graduação, ou seja, trata-se de um fator fundamental para a recomendação do curso, assim como para a sua avaliação (LEITNER et al., 2018; ZABOLOTNY et al., 2020).
A importância das publicações científicas está na divulgação e democratização do conhecimento científico gerados a partir da pesquisa para a sociedade. O registro da ciência é “essencial à conservação e preservação de resultados, observações, cálculos, teorias, etc., possibilitando, assim, a crítica, aceitação, ou não, e aperfeiçoamentos posteriores” (DROESCHER; SILVA, 2014). Ainda, a comunicação científica é importante por vários aspectos, como a valorização pessoal e institucional, além de promover a democratização do conhecimento por meio da divulgação científica. Um dos meios mais conhecidos de divulgação científica são os periódicos científicos (DROESCHER; SILVA, 2014), que são classificados por meio do conceito Qualis.
A qualidade da Educação Superior no país é uma das metas elencadas no Plano Nacional de Educação 2014-2024, em que se pretende elevar, nesse período, a qualidade da educação superior e ampliar o quantitativo de docentes efetivos mestres e doutores (BRASIL, 2014). Para tanto, os cursos das IES brasileiras são avaliados pelas entidades vinculadas ao MEC: os cursos de graduação são avaliados pelo INEP, por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), e os cursos de pós-graduação são avaliados pela CAPES, por meio do Sistema Nacional de Pós-graduação (SNPG) (CAPES, 2021). Essa avaliação é baseada em critérios e padrões qualitativos ou de eficiência e eficácia (INEP, 2019c), adotada pela Coordenação-Geral de avaliação do INEP, a fim de contribuir para o aperfeiçoamento do processo decisório e do aprendizado institucional (INEP, 2019a).
As produções intelectuais dos docentes são utilizadas como critério de análise no indicador “2.16 - Produção científica, cultural e artística ou tecnológica”, da dimensão 2, nas avaliações dos cursos de graduação pelo INEP; e, no item 2.4, no quesito “Formação das avaliações dos Programas de pós-graduação”, pela CAPES (CAPES, 2020; INEP, 2017). A produção docente, independentemente da área de atuação, também é mensurada pela qualidade dos periódicos em que são publicados seus artigos, ou seja, pela classificação ou conceito atribuído pelo Qualis Periódicos.
No Relatório da Web of Science TM (WoS), Clarivate Analytics, referente à trajetória e à situação da produção científica brasileira no período de 2011 a 2016, demonstrou-se que o Brasil se apresentava como o 13° maior produtor de publicações científicas em nível mundial, com 250.680 artigos. Esse índice supera até mesmo alguns países da Europa, como: Suécia, Países Baixos e Suíça; e dois países transcontinentais (pertencentes à Ásia e à Europa): Rússia e Turquia. O impacto de citações foi de 0.78, superando a Rússia e equiparando-se à Índia, mesmo tendo uma produção maior de artigos (papers) (CLARIVATE, 2017).
Apesar da contribuição científica pelos estados brasileiros ser ainda extremamente discrepante, observou-se, no mesmo relatório, que Roraima é o estado com o menor número de produção (349). Todavia, sua produção apresenta um fator de impacto de citações maior do que o de outros estados da Região Norte (Amapá, Rondônia, Tocantins), da Região Nordeste (Maranhão, Alagoas, Piauí, Sergipe, Paraíba, Bahia, Pernambuco), da Região Centro-Oeste (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás), da Região Sudeste (Espírito Santo) e da Região Sul (Paraná) (CLARIVATE, 2017).
Recentemente, em 2021, o Observatório de Ciência, Tecnologia e Inovação (OCTI) do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), organização supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), também analisou dados extraídos da WoS, mas referentes ao período de 2015 a 2020, e, semelhantemente, o Brasil manteve-se na 13ª colocação do ranking, com aproximadamente 372.000 produções científicas. Nesse contexto, o crescimento da sua produção científica foi de 32,2% em relação a 2015, superando o crescimento de 27,1% da produção global. Já o cenário mundial permanece idêntico, com as mesmas posições de liderança: EUA, China e Alemanha; e o Brasil continua superando a Rússia, Irã, Holanda e Turquia (CGEE, 2021).
Sabe-se que o mapeamento e constante monitoramento da produção científica de uma instituição permite um entendimento sobre as pesquisas recorrentes, além de delinear tendências científicas, sendo, assim, uma ferramenta imprescindível para a compreensão dos avanços científicos e tecnológicos e identificação de novas descobertas (CGEE, 2021). No entanto, muitas universidades não possuem dados detalhados da sua produção docente.
Dessa maneira, busca-se, por meio deste estudo, contribuir de forma teórica e empírica com o tema, a partir do levantamento e da análise da produtividade docente na UFRR, visto seu caráter inovador, uma vez que é o primeiro a ser realizado no âmbito institucional.
Este estudo justifica-se e encontra embasamento no Planejamento Estratégico Institucional (PEI) 2015-2025 e nos Planos de Desenvolvimento Institucional (PDI) 2016-2020 e 2021-2025 (UFRR, 2017, 2021a). Sendo objeto de estudo e meta da UFRR promover iniciativas que se relacionam diretamente com a produção científica e tecnológica dos docentes, a saber: a) expandir a produção científica e tecnológica da UFRR; ampliando gradativamente até 2025 o número de artigos publicados em periódicos com Qualis A, B; b) ampliar o número de citações na Web of Science c) ampliar o número de livros publicados com Qualis d)ampliar o número de produtos de inovação tecnológica, visando fortalecer o desenvolvimento de produtos; e) incentivar os docentes a registrar e manter atualizados o Currículo Lattes; f) ampliar as publicações dos programas de pós-graduação; g) ampliar iniciativas que melhorem os níveis de qualidade dos cursos de graduação e pós-graduação; h) fortalecer os periódicos institucionais; i) fortalecer e ampliar as formas de divulgação dos resultados alcançados, visando elevar os conceitos da graduação e pós-graduação; j) criar a política de estimulo e difusão para a produção cientifica; k) criar a política de inovação tecnológica (UFRR, 2017, 2021a).
Nesta pesquisa, identificou-se, quantificou-se e analisou-se a produtividade científica e tecnológica dos docentes da Universidade Federal de Roraima (UFRR) no período de 2015 a 2020. Trata-se de um mapeamento pioneiro da produção docente no âmbito institucional.
2 Metodologia
O presente estudo trata-se de uma investigação quantitativa e descritiva, realizada por meio de pesquisas bibliográficas e documentais a fim de mapear a produção científica e tecnológica dos docentes da Universidade Federal de Roraima, no sexênio 2015-2020.
O universo desta pesquisa foi constituído por 598 docentes efetivos de carreira Magistério Superior da Universidade Federal de Roraima, que mantêm ou se mantiveram ativos no período da pesquisa (2015 a 2020).
As relações de docentes que atuam ou atuaram nos cursos de graduação ou pós-graduação de 2015 a 2020 foram obtidas por relatório emitido pela Diretoria de Recursos Humanos (DARH) da UFRR, pelo Portal da Transparência e pela Plataforma Sucupira. Como fonte documental, foram utilizados os endereços eletrônicos da UFRR, CAPES, INEP e MEC. Os dados da produção científica e tecnológica foram obtidos por meio dos currículos Lattes, disponíveis na Plataforma Lattes, no período de 30 de janeiro a 02 de julho de 2021. O objeto de análise compreendeu, assim, todas as produções científicas (artigos, livros e capítulos) e tecnológicas (ativos de Propriedade Intelectual) compreendidas no período de 2015 a 2020.
A tabulação dos dados foi realizada em planilhas do Microsoft Excel 2013, de acordo com as variáveis: centro e departamento (de vínculo), nome do docente, titulação, ID Lattes, última data de atualização, identificador ORCID, data início da docência na UFRR e produção científica (artigos científicos, livros e capítulos) e tecnológica (ativos de Propriedade Intelectual).
Para qualificação dos periódicos nos quais os docentes publicaram seus artigos, utilizou-se a classificação de periódicos referente ao quadriênio 2013-2016, disponibilizada no Qualis Periódicos na Plataforma Sucupira da CAPES. A área de avaliação do curso ao qual o docente está vinculado foi tomada como base principal, e a multidisciplinar, como área secundária. Não se utilizou a classificação referente a 2017-2020, pois esta ainda não está disponível, nem o novo modelo, Qualis Referência, uma vez que este ainda se encontra em discussão e aprimoramentos pela CAPES.
3 Resultado e Discussão
A UFRR é uma fundação pública, dotada de personalidade jurídica de direito público, com sede e foro em Boa Vista, Roraima, autorizada pela Lei n° 7.364, de 12 de setembro de 1985, criada e implantada em 1989. Baseia-se no princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (Art. 207 da CF) e tem garantida, pela própria Constituição Federal, sua autonomia didático-científica, administrativa, financeira e disciplinar (UFRR, 2017). É a primeira instituição federal de Ensino Superior a instalar-se em Roraima (UFRR, 2022) e está localizada numa região de tríplice-fronteira (Venezuela - Brasil - República Cooperativa da Guiana), o que facilita a internacionalização do conhecimento. Possui três campi: Campus Paricarana, Campus Cauamé e Campus Murupu, 600 professores ativos e 360 técnicos administrativos, bem como oferta mais de 48 cursos superiores, nas modalidades presencial e a distância e nos graus bacharelado, licenciatura e tecnológico, 23 cursos de pós-graduação, além de cursos técnicos e ensino médio (UFRR, 2021b, 2022).
Em 2019, obteve o conceito 4 no Índice Geral de Cursos (IGC) pela primeira vez (BRASIL, 2021). Sendo este um indicador de qualidade, impacta positivamente a Universidade, uma vez que é utilizado como requisito, critério seletivo ou até de distinção para participar de iniciativas e políticas do governo, além de servir de referência nos processos de supervisão e regulação da educação superior (INEP, 2021).
3.1 Perfil dos docentes da UFRR (2015-2020)
A pesquisa demonstrou que 87% (n= 598) dos docentes efetivos da UFRR são da carreira de Magistério Superior (MS), ministram aulas e desenvolvem atividades nos cursos de graduação e pós-graduação. Quanto à titulação (Figura 1), a maioria dos docentes analisados apresenta título de doutor (63%). Esse percentual de doutores corrobora o perfil docente esperado em universidades, que, segundo o Censo da Educação Superior de 2019, demonstra que, nesse contexto, a maioria (61,5%) dos docentes do Brasil possui doutorado (INEP, 2019b).
Na UFRR, os Programas de Pós-graduação possuem 223 docentes, cuja maioria é efetiva. Ressalta-se que os de carreira MS representam uma grande parcela, 76% (n=170). O percentual de docentes de carreira MS da UFRR que atuam tanto na graduação quanto na pós-graduação é de 28% (n=170). É importante destacar que alguns desses docentes atuam em mais de um Programa, já que cada um pode estar vinculado a, no máximo, três Programas de Pós-graduação (PPG) (CAPES, 2016).
Por meio da Plataforma Lattes, foi possível recuperar o currículo de 99% (n=595) dos docentes, o que já era esperado, uma vez que a UFRR faz uso das informações do Currículo Lattes na terceira e última fase dos concursos para docentes, denominada "Prova de Títulos”, que visa avaliar o aperfeiçoamento profissional, a regularidade de produção intelectual e a atualização científica, evidenciando os trabalhos em relação às atividades de ensino, pesquisa, extensão e administração do inscrito (UFRR, 2019). Apenas três Currículos Lattes não foram localizados, mesmo adotando diferentes estratégias de busca. Em busca detalhada, foi verificado que eram correspondentes a docentes antigos da Instituição.
Sabe-se que o CNPq, assim como as Instituições de Ensino Superior recomendam a atualização do Currículo Lattes com frequência, pois este é utilizado como requisito para a avaliação dos pesquisadores, docentes, discentes, mas também se faz necessário para a participação em seleções de bolsas e de fomento à pesquisa (CNPq, 2020). Neste estudo, constatou-se que 75% dos currículos dos docentes do MS da UFRR foram atualizados entre 2020 e 2021 (Figura 2), sendo que somente 25% foram atualizados recentemente (2021).
Destes, somente 19% possuem Identificação Digital (ID) ORCID informado no Currículo Lattes. Nota-se a necessidade de disseminar o registro do ORCID e vínculo ao Currículo Lattes dos docentes da UFRR, uma vez que inúmeras instituições o adotam e solicitam que seus autores, docentes e pesquisadores estejam devidamente registrados, como por exemplo: a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de Uberlândia (UFU); bases de dados, como: WoS, Scielo e Scopus; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), CAPES, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) (ORCID, 2021). No âmbito institucional, é solicitado como requisito para participação do edital de Pró-Pesquisa de Apoio à publicação científica lançado pela Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação (PRPPG) da UFRR (UFRR, 2021c).
3.2 Análise e evolução da produção científica e tecnológica dos docentes (2015-2020)
Na análise quantitativa da produção científica e tecnológica dos docentes no sexênio (2015-2020), foram contabilizados 3756 documentos (Tabela 1), com destaque para a produção de artigos científicos (51,7%), seguidos pela produção de livros/capítulos (48%) e ativos de PI (Propriedade Intelectual) (0,03%). Os dados demonstraram que houve um aumento anual e constante no número de artigos, apesar de uma leve queda no ano de 2016. Em relação à produção de livros/capítulos, também se constatou um crescimento anual, com uma pequena queda na produção no ano de 2017. Em percentuais, o crescimento da produção bibliográfica de artigos científicos foi de 61%, e de livros/capítulos foi de 141% em 2020, comparado ao ano de 2015. Esse crescimento é superior aos dados consolidados pelo panorama da ciência brasileira, realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), sobre a produção de artigos no Brasil, o qual mostra que houve crescimento, nesse mesmo período, de 32,2%; mundialmente, o crescimento foi de 27,1% (CGEE, 2021).
Apesar disso, é importante ressaltar que o quantitativo, ainda assim, é incipiente se for comparado ao de outras universidades nacionais. De acordo com dados da WoS, foram publicados 488.973 documentos no sexênio, cuja maioria da produção foi liderada pela Universidade de São Paulo (USP), responsável por 89.986 publicações (18,403%). Já na região norte, a Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade Federal do Amazonas (UFAM) se destacaram, sendo responsáveis por 6.566 (1,392%) e 3.037 publicações (0,621%), respectivamente, enquanto a UFRR apresentou somente dois artigos (WEB OF SCIENCE, 2021). Isso confirma que a produção científica no país é heterogênea e que os polos com maior produtividade estão nas regiões de maior investimento na pesquisa.
Ano | Artigos | Livros e Capítulos | Ativos de PI | Total |
2015 | 251 | 213 | 3 | 464 |
2016 | 239 | 258 | 5 | 497 |
2017 | 300 | 170 | 1 | 470 |
2018 | 353 | 304 | 2 | 657 |
2019 | 393 | 344 | 1 | 737 |
2020 | 405 | 513 | 1 | 918 |
Total | 1941 | 1802 | 13 | 3756 |
Percentual total | 51,7% | 48% | 0,3% | 100% |
Crescimento 2015-2020 | 61% | 141% | - 67% | 98% |
Fonte: Elaboração própria (2021).
A publicação de artigos científicos na UFRR demonstra dados predominantes, o que sugere uma certa preferência quanto ao meio de comunicação científica. Sabe-se que, de acordo com a área do conhecimento, os docentes apresentam uma certa preferência no tipo de produção: bibliográfica ou tecnológica. Em geral, os docentes que atuam nas ciências humanas e sociais produzem maior número de livros e capítulos, e docentes que atuam nas Ciências Biológicas e Saúde publicam maior número de artigos (CARVALHO; MANOEL, 2006; FERREIRA; WANNMACHER, 2018; IRALA; BIHAIN, 2021; MAFRA, 2020; MUELLER, 2005). De fato, Souza, Filippo e Casado (2018) observaram que as áreas das Artes, Humanidades e Ciências Sociais preferem publicar em livros, enquanto as Biológicas e Exatas publicam artigos.
Foi verificado um ínfimo percentual de registros de ativos de PI (0,03%) na UFRR, equivalente a 13 registros, sendo 12 patentes e 1 marca. Destaca-se que as patentes se encontram em estágio inicial do pedido, o depósito. O maior número de registros de ativos, 5 (cinco), foi verificado em 2016, com quatro patentes depositadas e uma marca registrada, seguido de 2015, com 3 registros. No Brasil, em 2020, os depósitos de marcas no INPI cresceram 12,4% em relação ao ano de 2019, o que historicamente é inédito, embora já fosse esperada uma tendência mundial de aumento de demanda para a proteção desse tipo de ativo de PI durante a pandemia (INPI, 2021). Contraditoriamente, essa tendência não ocorreu na UFRR, mesmo possuindo um Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT/UFRR), institucionalizado desde 2011, o que evidencia a necessidade de expansão da produção tecnológica. É papel do NIT realizar políticas institucionais de estímulo a criações intelectuais, visando à expansão da produção tecnológica na instituição.
As áreas que apresentaram destaque na produção científica e tecnológica no sexênio foram as de Ciências Humanas (n= 943), Linguística, Letras e Artes (n= 659) e Ciências Sociais Aplicadas (n= 582) (Figura 3). No entanto, a área de Engenharias apresentou a menor representatividade, com 47 documentos. Tal resultado está em consonância com o panorama apresentado por Righetti e Gamba (2019) no período de 2008 a 2017, para o qual, no Brasil, as Ciências Humanas, Linguística e Ciências Sociais Aplicadas apresentaram um crescimento na produção científica de, respectivamente, 123,5%, 106% e 77%. Para fins de comparação, ao verificar o mapa das ciências do Panorama da ciência brasileira 2015-2020, na base da SciELO, as Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas apresentaram uma maior produção, enquanto as Engenharias obtiveram uma baixa representação (CGEE, 2021). Esse panorama mudou de configuração ao se verificar o mapa na base WoS, de modo que a produção ficou concentrada nas áreas de Ciências da Saúde, Biológicas e Agrárias (CGEE, 2021).
A UFRR, como outras Instituições, apresenta uma grande disparidade entre a produção tecnológica e a produção científica, demonstrando, assim, que os docentes e pesquisadores não têm afinidade com inovação e propriedade intelectual. A exemplo, em uma pesquisa realizada no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), foi demonstrado que a produção científica superou a produção tecnológica, sendo a proporção de 3160 artigos para 87 ativos de PI, o que resultou uma representação de apenas 2,6% de ativos de PI (SOUZA et al., 2021). Na UFRR, verificou-se que esse número é ainda mais incipiente: cerca de oito vezes menor. A realidade do Instituto Federal do Amazonas (IFAM), também localizado na região norte, se assemelha à da UFRR. Na análise da produção do IFAM durante o período 2015-2019, houve somente dois registros de marcas ao INPI e 18 patentes depositadas, ainda não concedidas (DIOGENES et al., 2021).
A média de produtividade no sexênio 2015-2020 foi de 6,3 produções por docente, resultando numa média de 1 artigo por ano. Se se fizer uma análise comparativa com os critérios de análise do INEP (que solicita, no mínimo, quatro produções nos últimos três anos para atribuir o Conceito 3) para os cursos de graduação (INEP, 2017), da área de Educação da CAPES (que solicita, no mínimo, quatro produções no quadriênio) para os Programas de Pós-graduação (CAPES, 2020) e da Universidade Federal do Pará (UFPA), que institucionalizou por meio de Resolução (n. 04/2019 PPGED/ICED/UFPA) o mínimo de uma produção docente por ano como critério para permanência no Programa de Pós-graduação em Educação (UFPA, 2019), pode-se considerar a produção bibliográfica na UFRR regular.
Em contrapartida, por meio de análise detalhada, os dados deste estudo revelaram uma alta discrepância na produção individual docente: um único docente teve 232 produções registradas no sexênio, enquanto 171 professores (29%) não registraram produções nos Currículos Lattes no mesmo período. Essas discrepâncias foram observadas no estudo realizado por Irala e Bihain (2021), na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), o qual demonstrou que dois docentes divergiam muito da média de produção (1-5 produções), apresentando 101 e 117 produções no período de 3 anos, enquanto outros 53 docentes não tiveram produção bibliográfica cadastrada no Currículo Lattes. Mafra (2020), na Universidade Federal de Viçosa (UFV), também demonstrou que sete docentes apresentaram de 250 a 546 produções, e, no extremo oposto, 432 docentes não apresentaram produção científica ao longo da sua vida acadêmica. Assim, a discrepância da produção docente é um frequente cenário nas Instituições e precisa ser mais bem analisada para compreender os fatores responsáveis por esse fenômeno.
3.3 Distribuição e evolução da produção científica qualificada
A fim de verificar a qualidade da produção científica na UFRR, os artigos científicos publicados por docentes foram individualmente analisados. No total, foram analisados 1940 artigos, distribuídos em 837 periódicos.
Quanto à classificação Qualis CAPES dos periódicos (Figura 4), destacou-se a produção de artigos científicos publicados em periódicos do estrato B1 (18%), seguido pelos estratos B4 (16%), B2 (15%), B3 (14%), B5 (13%) e C (10%). Apenas um pequeno percentual de 14% dos artigos, foram publicados em periódicos de excelência internacional (A1 e A2) e 33% foram publicados em periódicos de excelência nacional (B1 e B2) (BUFREM; SILVEIRA; FREITAS, 2019). A baixa produção em periódicos de excelência é conhecida pela UFRR. Isso tem feito a atual gestão se esforçar para impulsionar a produção em periódicos de destaque por meio de editais que fomentam custos para a publicação de artigos que possuem Qualis A1, A2, B1 e B2, como é o caso do edital 06/2021-PRPPG/Pró-Pesquisa (UFRR, 2021c). E isso tem relação direta com o previsto no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) 2021-2025, que prevê aumento de publicações em periódicos com classificação Qualis A (UFRR, 2021a).
Em relação à análise ano a ano (Tabela 2), os resultados demonstraram um aumento gradativo e constante no número de artigos classificados nos estratos: A1, B1, B2 e B4. Quanto à evolução da produção qualificada Qualis A no sexênio, houve um crescimento de 167% e 24% em 2020 em relação a 2015, nos Qualis A1 e A2, respectivamente. Em relação à produção de excelência nacional, o crescimento foi de 29% e 84% em 2020 em relação a 2015, nos Qualis B1 e B2, respectivamente. Corroborando esse resultado, na UFC também foi verificado um crescimento de 16,7% nos artigos científicos publicados em periódicos internacionais, Qualis A1 e A2, entre 2020 e 2019 (CEARÁ, 2021).
Na UFRR, os docentes das áreas de agrárias obtiveram um maior quantitativo de produções científicas qualificadas nos estratos de excelência internacional e nacional (A1, A2, B1 e B2). Ressalta-se que a área de Agronomia possui PPG nos níveis de mestrado e doutorado, o que contribuiu para esse resultado. A pesquisa de Zabolotny et al. (2020) converge com esse resultado, pois também verificou uma maior produção científica qualificada nos docentes que atuam nos PPGs, com mestrado e doutorado, e atribui esse resultado às produções oriundas das orientações, ou seja, espera-se que docentes que atuam nos PPGs tenham uma maior vantagem quanto à produção científica qualificada em relação aos demais docentes. Um outro fator que pode justificar tal crescimento são os incentivos à pesquisa e à cooperação internacional fornecidos pela Capes, baseada na política de internacionalização da Pós-graduação, contribuindo para a produção científica qualificada, que é privilegiada no sistema de avaliação, além de ampliar a visibilidade e demonstrar a articulação de seus pesquisadores no contexto global (ARAÚJO; FERNANDES, 2021).
Ano | A1 | A2 | B1 | B2 | B3 | B4 | B5 | C | Total |
2015 | 9 | 17 | 42 | 32 | 22 | 45 | 27 | 25 | 219 |
2016 | 9 | 15 | 45 | 28 | 41 | 27 | 22 | 25 | 212 |
2017 | 17 | 17 | 46 | 26 | 29 | 37 | 33 | 32 | 237 |
2018 | 19 | 26 | 45 | 44 | 38 | 34 | 43 | 21 | 270 |
2019 | 16 | 31 | 51 | 39 | 57 | 49 | 42 | 32 | 317 |
2020 | 24 | 21 | 54 | 59 | 30 | 66 | 30 | 29 | 313 |
Total | 94 | 127 | 283 | 228 | 217 | 258 | 197 | 164 | 1568 |
Crescimento 2015-2020 (%) | 167% | 24% | 29% | 84% | 36% | 47% | 11% | 16% | 43% |
Fonte: Elaboração própria (2021).
É importante destacar que 20% dos artigos da UFRR publicados no sexênio não receberam classificação; sendo assim, 13% (n=244) dos artigos foram publicados em periódicos que não possuem estratificação no Qualis 2013-2016, e 7% (n=129) foram publicados em periódicos que não possuem classificação nem para a área de avaliação principal de atuação do docente, nem para a secundária, interdisciplinar. São enquadrados como Não Periódico Científico (NPC) os veículos que não atendem à definição de periódico científico (CAPES, 2017).
Outro parâmetro analisado neste estudo foi a frequência de publicação dos docentes nos periódicos da UFRR, em que houve 204 artigos publicados, representando 11% do total de artigos do sexênio. Dos 12 periódicos da Instituição, somente seis possuem classificação Qualis Periódicos: Revista de Administração de Roraima (RARR), Revista de Ciência e Tecnologia (RCT), Textos e Debates, Acta Geográfica, Examãpaku e Cadernos de Extensão. Evidencia-se que o periódico Health and Diversity foi escolhido pelos docentes para a publicação de 49 artigos no período. Essa revista foi criada em 2017 e, por isso, não apresenta classificação no Qualis Periódicos 2013-2016. Por outro lado, a Acta Geográfica, que é o único periódico da instituição com Qualis B1 e B2, foi responsável pela publicação de 18 artigos (0,9%) no sexênio. Observa-se que esse periódico possui uma classificação heterogênea, visto que, dependendo da área, pode ser classificada nos estratos B1, B2, B3 ou B5.
Já a revista Textos e Debates, que possui classificação nos estratos B3 a B5 de acordo com a área de avaliação (Sociologia, História; Ciências Políticas e Relações Internacionais; Artes; Comunicação e Informação; Medicina I, II e III; Educação e Ensino; Psicologia; Antropologia e Linguística e Literatura), foi escolhida por 18 docentes de 10 áreas distintas para publicação de seus artigos (25 artigos, equivalentes a 1,3% de artigos no sexênio), o que reforça o seu caráter interdisciplinar.
No âmbito internacional, os periódicos Plant Disease e Scientia Horticulturae, dentre aqueles que possuem estrato A1 (total de 53 periódicos), foram os eleitos pelos docentes para publicação de nove artigos em cada periódico. Já o Chemical Engineering Transactions, classificado no estrato B2 (total de 69 periódicos), obteve 11 artigos publicados. Os periódicos Plos One e Zootaxa, nos quais os docentes publicaram artigos neste sexênio, figuram como o primeiro e o segundo principais periódicos do cluster Biodiversidade da WoS, no período de 2015-2020 (CGEE, 2021), o que ressalta o engajamento dos docentes no cenário nacional da produção científica em periódicos de qualidade.
Destaca-se que 15 dos docentes deste estudo integram o Ranking Alper-Doger Scientific Index 2021 de produtividade científica da América Latina e BRICS (AD SCIENTIFIC INDEX, 2021). Tal indicação pode estar relacionada ao crescimento de publicações de qualidade nacional e internacional na UFRR, o que contribui para ampliação da visibilidade dos pesquisadores e da instituição, além de mensurar a produtividade científica desses docentes.
Nesse sentido, embora a produção científica da UFRR ainda seja regular, nota-se um crescimento importante ao longo dos anos em relação aos números e à qualidade - o aumento da produção científica dos docentes da UFRR, inclusive nos estratos de excelência internacional e nacional. Isso pode estar relacionado ao incentivo ao desenvolvimento, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação nacional ocorridos a partir da década de 2000, em que houve articulações entre os Planos Nacionais de Pós-graduação (PNPG), de 2005-2010 e 2011-2020, e as diretrizes do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Ainda, acredita-se que a política de internacionalização da pós-graduação, que foi aperfeiçoada em 2005 pelo PNPG 2011-2020, foi fundamental para o desenvolvimento da pesquisa institucionalizada (ARAÚJO; FERNANDES, 2021). Por fim, a produção científica na instituição tem sido impulsionada por meio das iniciativas elencadas no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) 2016-2020 e no Planejamento Estratégico Institucional (PEI) 2015-2015, os quais incentivam a produção científica e tecnológica na Instituição.
Vale enfatizar que o dilema entre quantidade e qualidade é constante na comunidade científica, pois as métricas e indicadores utilizados dão ênfase à quantificação das atividades científicas, o que, por fim, torna-se um “prato cheio” para práticas antiéticas relacionadas ao “produtivismo”, no qual são utilizados “desvios” em demasia - como plágios, autocitação, “Salami Science” etc. -, o que leva a críticas quanto à avaliação científica e aos impactos “negativos” que o produtivismo ocasionam entre os pesquisadores e instituições (MATTEDI; SPIESS, 2017).
Nesse mesmo contexto, os pesquisadores que primam por publicações em atendimento às métricas e aos indicadores formam uma “elite acadêmica”, pois são legitimados pela comunidade científica, e, como consequência, desfrutam de privilégios por conta dos seus esforços intelectuais, que geram produções de qualidade, impactando positivamente na qualidade de produção dos seus orientandos. Ao tratar-se de docentes orientadores, estes produzem efeitos positivos tanto para a pesquisa, quanto para a Universidade, pois influenciam o capital intelectual da Instituição (FALASTER; FERREIRA; GOUVEA, 2017; FÁVERO; CONSALTÉR; TONIETO, 2019).
Ainda assim, pesquisadores, organizações e associações, inconformados com as atuais formas de avaliação, apresentaram manifestos com intuito de sugerir novas formas de avaliação para as publicações científicas e de questionar veemente o modelo vigente de avaliação científica tanto do ponto de vista prático quanto ético (MATTEDI; SPIESS, 2017).
4 Considerações finais
Este estudo demonstra a crescente produção científica dos docentes da UFRR no sexênio 2015-2020, uma instituição nova (32 anos), em desenvolvimento, que apresentou um aumento de 98% da sua produção no período analisado. Ainda, revelou um crescimento de 304% da produção qualificada nos estratos de excelência internacional (A1 e A2) e nacional (B1 e B2) no período. Mesmo apresentando limitações e reduzido quantitativo de produções científicas e ínfimo ativos de PI, este estudo registra a positiva evolução da produção intelectual docente no sexênio 2015-2020, em que fica evidente que a internacionalização e nacionalização do conhecimento da UFRR estão adquirindo maiores proporções, com aprimoramento da disseminação científica local, ampliação de redes e colaborações de pesquisa e contribuição por essa Instituição na pesquisa global.
Dessa maneira, este estudo contribuiu de forma ímpar para o levantamento e análise da produtividade científica e tecnológica docente da UFRR no período analisado. Almeja-se que esta pesquisa fortaleça ações transformadoras na realidade da produtividade intelectual da instituição rumo à conquista de uma qualidade socialmente relevante, com a promoção da divulgação científica, disseminação e democratização da informação e, principalmente, ampliação da visibilidade da instituição, de modo que auxilie no desenvolvimento de um planejamento estratégico, a fim de identificar as lacunas e impulsionar ainda mais a ciência e tecnologia nessa Instituição no próximos anos, visando “produzir, integrar e socializar conhecimentos para formar cidadãos comprometidos com o desenvolvimento cultural, social, econômico e ambiental” e “ser referência nacional e internacional em educação superior reconhecida pela excelência no saber amazônico e fronteiriço”, missão e visão institucional, respectivamente (UFRR, 2017).
A produtividade científica e tecnológica dos docentes da UFRR no sexênio 2015-2020 vislumbrou nuances ainda desconhecidas para a comunidade acadêmica e científica. A contribuição científica da UFRR para a sociedade como um todo e, em especial, para a Região Norte e Roraima, situada no extremo-norte do Brasil, é significativa pois desenvolve pesquisas baseadas nos anseios sociais, de forma a encontrar soluções, a partir da ciência, para solucionar problemas ou amenizar preocupações relacionadas à comunidade regional, principalmente as voltadas ao meio ambiente, questões indígenas, sustentabilidade e saberes tradicionais. E que está se despertando para a comunidade internacional, por meio das publicações internacionais em ascendência. Inspirada pelas palavras de Nonato (2012), a tal da “fronteira do conhecimento científico” pode ser reportada à produtividade da UFRR, para que esta vislumbre processos mais democráticos para produção do conhecimento científico e tecnológico de qualidade no âmbito institucional, visando à promoção e à divulgação científica, além do desenvolvimento regional da Amazônia, com foco na sustentabilidade, por conta da grande riqueza de biodiversidade existente na região.
Para trabalhos futuros, sugere-se verificar qual a representatividade da produção científica e tecnológica que está disponibilizada de forma aberta e qual a contribuição científica da UFRR para o Acesso Aberto. Ainda assim, utilizar-se de variadas métricas para mensurar a contribuição da produção científica e tecnológica da UFRR para a comunidade científica, enfatizando a questão regional em diversos aspectos.