1 Introdução
A visibilidade dada pela imprensa a casos de suicídio e surtos psicóticos ocorridos com estudantes universitários, alguns dentro dos próprios campi das universidades, tem despertado um intenso debate sobre o papel e a responsabilidade das instituições de ensino superior (IES) na promoção e manutenção da saúde mental do seu corpo discente. A vida acadêmica, reconhecida como um momento de transição, amadurecimento, ganho de autonomia, estabelecimento de vínculos afetivos e de formação profissional, também tem sido descrita como período de elevado estresse e de risco potencial para o aparecimento de diversos tipos de transtornos mentais (PEDRELLI et al., 2015; LAMBERT; MOURA, 2020).
Apesar da notoriedade que o tema ganhou nos últimos anos, as preocupações com a saúde mental dos estudantes universitários não são novas. Já em 1910, a Universidade de Princeton (EUA) implantou o primeiro serviço de saúde mental voltado para o atendimento de seu corpo discente, iniciando posteriormente estudos na área (CERCHIARI, 2004). A partir de então, os Estados Unidos se tornaram pioneiros no campo de estudo, intervenção e atenção à saúde mental estudantil. Levantamentos mostram que no ano de 1936 já existiam serviços de apoio ao estudante em pelo menos 40% das universidades americanas (MACHADO; NUNES; CANTILINO, 2018). Essas iniciativas estavam fundadas na compreensão de que sendo os estudantes universitários vulneráveis nessa fase e estando propensos a desenvolver problemas relacionados à saúde mental, então as universidades teriam responsabilidade de oferecer suporte e apoio aos seus discentes (CERCHIARI; CAETANO; FACCENDA, 2005).
No Brasil, a primeira iniciativa conhecida na área data de meados de 1957 com a implantação do serviço de higiene mental na Universidade de Pernambuco, voltada, principalmente, ao atendimento de estudantes de Medicina. No ano seguinte, o Prof. Galdino Loreto, principal responsável pelo serviço, lança um relatório do trabalho desenvolvido, sendo este considerado o primeiro estudo brasileiro sobre saúde mental do estudante brasileiro (MACHADO; NUNES; CANTILINO, 2018). Nesse estudo seminal de Loreto (1958), as principais queixas apresentadas pelos estudantes atendidos estavam relacionadas às questões da vida pessoal e familiar, havendo um reconhecimento de que essas questões afetavam o desempenho acadêmico (NEVES; DALGALARRONDO, 2007). Alguns anos mais tarde, em um estudo publicado por Giglio (1976) realizado com estudantes da UNICAMP, o sofrimento psíquico apareceu relacionado com fatores como não correspondência do curso as expectativas, preocupações com o futuro profissional, e necessidade de conciliar horário de estudo com trabalho (LAMBERT; MOURA, 2020)
Nas décadas seguintes, um apanhado de pesquisas investigou questões referentes a relação entre o adoecimento e dimensões da vida acadêmica, como por exemplo, diferença do adoecimento entre cursos, ou se existem características pessoais que ao serem expostas ao contexto universitário têm maiores chances de desencadearem adoecimentos (HAHN; FERRAZ; GIGLIO, 1999). Desde então, ainda que de maneira inconsistente e descontínua, diversos estudos e relatórios oficiais abordam aspectos da saúde e adoecimento mental de estudantes universitários (CASTRO, 2017; FONAPRACE, 2019; GRANER; CERQUEIRA, 2019). Atualmente os temas investigados abordam questões como a utilização de serviços em saúde mental (RONCAGLIA; MARTINS; BATISTA, 2020), prevalência de transtornos como depressão e ansiedade (LEMOS; BAPTISTA; CARNEIRO, 2018; LEÃO et al., 2018), fatores de risco para a saúde mental dos estudantes (LIMA; DOMINGUES; CERQUEIRA, 2006; FIGUEIRA et al., 2020) e fatores acadêmicos que se relacionam com este tipo de problema (ARIÑO; BARDAGI, 2018).
Ariño (2018) propõe três categorias para classificar os fatores apresentados pela literatura como de risco ou protetivos associados à saúde mental do estudante universitário. A primeira dimensão, engloba as características próprias do indivíduo, como personalidade, humor, aspectos cognitivos e comportamentais. Já a segunda categoria, agrupa aspectos contextuais, como questões ambientais, culturais e interpessoais. A última categoria proposta pela autora remete a fatores acadêmicos e de carreira, tratando da experiência acadêmica, tais como processos de adaptação a universidade, o desenvolvimento do aluno ao longo da graduação, satisfação com escolha de curso, relação estudante-universidade.
Ainda que estudos indiquem que os fatores acadêmicos tenham forte relação com o adoecimento, nota-se na literatura pouco aprofundamento e sistematização desses aspectos. Em sua maioria, os estudos que apresentam questões próprias da vida acadêmica, abordam variáveis relacionadas ao tipo de curso (CERCHIARI; CAETANO; FACCENDA, 2005; LIMA, DOMINGUES; CERQUEIRA, 2006), área do conhecimento (DOS SANTOS et al, 2017), período da graduação (CASTRO, 2017; CLAUDINO; CORDEIRO, 2016) e satisfação com o curso (ABRÃO; COELHO; PASSOS, 2008; SOUZA, 2017; CASTRO, 2017). Contudo, são escassos estudos que investiguem a relação entre a saúde mental dos estudantes universitários com aspectos da percepção da experiência acadêmica e da integração do estudante ao ensino superior (ARIÑO; BARDAGI, 2018). Essa lacuna impossibilita uma compreensão mais profunda e ampla do problema, bem como limita a capacidade de intervir de forma efetiva, visto que são principalmente dentro desses aspectos que as organizações de ensino superior podem atuar. Assim, apesar de um conjunto considerável de variáveis terem sido associadas à saúde mental do estudante universitário e do consenso de que esse é um fenômeno complexo e multicausal, a literatura ainda carece de referenciais teóricos e modelos explicativos acerca da relação universidade e saúde mental.
É neste contexto que se localiza o presente estudo. Ele tem por objetivo principal investigar a relação entre dimensões de integração ao ensino superior e sintomas de transtornos mentais de estudantes de graduação em uma universidade pública federal. Para isso, analisam-se as possíveis relações entre fatores de integração sociais e acadêmicas, com sintomas de transtornos mentais comuns (TMC). Averiguando ainda se as dimensões acadêmicas e psicossociais são preditoras de problemas de saúde mental em universitários.
2 Modelo teórico
A fim de conceber um modelo teórico que ajude compreender a relação de dimensões acadêmicas com a saúde mental de universitários, tomamos como base uma das mais fundamentadas teorias do campo universitário, a teoria do abandono acadêmico de Vicent Tinto (SCHMITT, 2016). Tinto tem compilado desde 1975 uma vasta obra que aborda a retenção acadêmica, sendo um dos autores mais relevantes no campo de estudos acadêmicos. Seu trabalho é fortemente influenciado pela teoria social do suicídio de Durkheim (2011). Tinto desenvolveu um modelo preditor de evasão acadêmica, tendo como premissa a permanência ou a ruptura dos vínculos sociais (SCHLEICH, 2006), defendendo que para o estudante o sentimento de ser parte e pertencer a um grupo ou comunidade durante sua trajetória universitária será primordial nas suas decisões relativas aos investimentos e permanência na universidade (MAGALHÃES, 2013).
No modelo de Tinto, a integração é conceito chave para explicar a evasão e/ou permanência do indivíduo no curso e na universidade, visto que a intenção de deixar ou não a instituição de ensino está relacionada com a qualidade e intensidade do vínculo que o estudante desenvolve com a universidade, com colegas e professores (BARBOSA, 2013). Inspirado pela teoria de Durkheim (1953), de que o suicídio é um fato social, uma ruptura de vínculos, seja pelo não compartilhamento dos valores sociais do grupo ou pela percepção de desfiliação social, Tinto defende que a evasão é uma ruptura consequente de vínculos frágeis com a instituição de ensino superior e seu meio social.
A integração ao ensino superior tem dois eixos, o primeiro é a integração social e está relacionada à dimensão das relações interpessoais com os pares, docentes e comunidade acadêmica em geral (TEIXEIRA; CASTRO; ZOLTOWSKI, 2012). À medida que essas interações sociais são, ou não, bem-sucedidas e gratificantes, o estudante modifica a sua avaliação geral acerca dos custos e benefícios de estar na universidade, interferindo tanto na sua experiência, quanto no seu comprometimento acadêmico (MAGALHÃES, 2013). Para que o estudante experimente uma real integração social, precisa haver uma comunicação fluida, senso de identidade e pertencimento, assegurando-se de que possui uma rede de suporte que poderá lhe auxiliar durante a trajetória universitária (RIBEIRO; PEIXOTO; BASTOS, 2017).
O segundo eixo é definido pela integração acadêmica, essa é a dimensão que se relaciona com a universidade, sua cultura e cotidiano. Nesse aspecto a integração dependerá da capacidade do indivíduo de utilizar e ajustar as suas habilidades e características pessoais ao que lhe é exigido e esperado nesse espaço (RIBEIRO; PEIXOTO; BASTOS, 2017). Estão relacionados à integração acadêmica, à percepção do estudante acerca do seu papel de estudante, com a satisfação com seu desempenho acadêmico e com seu desenvolvimento pessoal durante o período universitário (TEIXEIRA; CASTRO; ZOLTOWSKI, 2012). Assim a integração acadêmica também pode ser aferida por meio do desempenho, tanto no que se refere às notas, quanto pelo desenvolvimento intelectual do estudante no período universitário (MAGALHÃES, 2013).
Além dos constructos de integração social e acadêmica, o Modelo de Integração do Estudante também é composto por outros elementos como, por exemplo, pela variável comprometimento com meta de graduação, que diz respeito ao grau de comprometimento do aluno em concluir a graduação, e o fator comprometimento com a instituição de ensino, que trata do compromisso do estudante com determinada instituição (TEIXEIRA; CASTRO; ZOLTOWSKI, 2012). De acordo com o modelo, quanto mais integrados acadêmica e socialmente, mais o estudante tende a estar comprometido e tem menores chances de evadir (SANTOS, 2013).
Os vínculos afetivos e o suporte social, elemento usualmente destacados pelas teorias contextuais, também são essenciais para a saúde mental do indivíduo. Laços afetivos considerados fortes atuam como protetores emocionais e aumentam a capacidade de enfrentamento de circunstâncias adversas e de eventos estressores de vida (RIOS, 2006; SOUZA, 2017). Estudantes que relatam ter apoio de familiares, amigos e colegas têm apresentado, nas pesquisas, menores níveis de depressão (RIOS, 2006) e Transtornos Mentais Comuns (SILVA; CERQUEIRA; LIMA, 2014). Por sua vez, aspectos relacionados à adaptação e integração ao contexto universitário, suas normas, rotinas e regras também podem ser geradores de sofrimento psíquico (CLAUDINO; CORDEIRO, 2016; SOUZA, 2017). Estudo realizado por Ariño e Bardagi (2018) indicaram que as experiências acadêmicas de baixa qualidade atuam como fator de risco para problemas de saúde mental entre estudantes universitários, enquanto experiências positivas podem servir de proteção para a saúde mental dos discentes.
Partindo dessa compreensão e tendo por base as ideias propostas por Tinto, propõe-se, nesse estudo, um modelo explicativo que ajude a compreender, mesmo que parcialmente, a relação da saúde mental do estudante universitário com as dimensões da vida acadêmica. Inicialmente este estudo focará nos aspectos referentes à relação estudante-universidade, que serão denominados aqui de dimensões acadêmicas. A hipótese que sustenta esse modelo é que estudantes mais integrados à universidade, tanto nas dimensões sociais, quanto em dimensões de integração acadêmica, como àqueles que têm maior satisfação com desempenho no curso, provavelmente são estudantes que têm maior suporte, laços sociais mais fortes, maior integração e, por este motivo, terão melhores indicativos de saúde mental e ferramentas mais eficientes de enfrentamento a transtornos mentais. Esquematizamos esse primeiro modelo na figura 1.
As Dimensões Acadêmicas agregam um conjunto de variáveis que podem ser distribuídas em dois eixos. No primeiro eixo, estão as variáveis de integração social: integração social com professores e integração social com colegas. No segundo eixo, estão as variáveis que tratam da relação do estudante com a IES, sendo elas: comprometimento com meta de graduação, satisfação com o desempenho no curso e comprometimento acadêmico.
Ao ingressarem no ensino superior, os estudantes trazem consigo uma série de atributos, valores e características pessoais como: sexo, status socioeconômico, etnia, habilidades específicas, experiências de vida, desempenho acadêmico anterior, relacionamento familiar, laços com a comunidade de origem entre outros. Antecedentes que impactam na relação do estudante com a IES, interferindo nas suas expectativas e comprometimento com a meta de graduação universitária e com o comprometimento com a instituição em que está matriculado. Durante o percurso acadêmico, esses componentes de comprometimento podem se alterar, sofrendo influência, principalmente, do grau de integração social e acadêmica do estudante (MAGALHÃES, 2013; SCHLEICH, 2006).
De forma similar, a saúde mental estudantil sofre influência de fatores antecedentes relacionados à história de vida, o contexto e características pessoais do indivíduo. Fatores como backgroud familiar, status socioeconômico, estilo de vida, condições de saúde e características psicológicas e relacionais, entre outras (ARIÑO, 2018; CERCHIARI, 2004; GRANER; CERQUEIRA, 2019; LEMOS; BAPTISTA; CARNEIRO, 2011), por um lado, essas variáveis atuam, como fatores de risco ou de proteção para a saúde mental do indivíduo e, por outro, interferem na percepção da experiência acadêmica, o que mais uma vez pode impactar na saúde mental do estudante universitário. Nesse sentido, propõem-se um segundo modelo que agrega alguns fatores psicossociais, tendo como hipótese central que as dimensões acadêmicas somadas a alguns antecedentes psicossociais podem ajudar a prever risco de problemas de saúde mental de estudantes universitários. Este modelo está representado na Figura 2. Nesse segundo modelo foram adicionadas as variáveis psicossociais: relacionamento em casa, renda familiar, prática de atividade física, participação em grupo social e diagnóstico prévio de transtorno mental.
3 Método
3.1 Delineamento metodológico
O presente trabalho se trata de um survey, de corte transversal, quantitativo e de caráter descritivo correlacional. Este estudo constitui um recorte de uma pesquisa mais ampla que buscou descrever e analisar as relações entre a universidade e a saúde mental dos estudantes universitários.
Responderam à pesquisa 7.177 estudantes universitários, graduandos de 77 cursos da Universidade Federal da Bahia, com participantes de todas as áreas de conhecimento e modalidades de ingresso.
3.2 Instrumentos de coleta de dados
O instrumento de coleta disponibilizado como um questionário online foi composto por três partes.
I) conjunto de dados sociodemográficos e de hábitos de vida - Construído pelos autores com o objetivo de oferecer uma caracterização ampla da amostra, identificando dados gerais, como: idade, gênero e autodeclaração de cor/raça. Adicionalmente, foram levantadas questões relacionadas aos hábitos, estilo de vida e o cotidiano universitário dos estudantes, como, por exemplo, frequência de prática de atividades físicas, participação em grupos sociais e participação em atividades acadêmicas extracurriculares. Havia ainda alguns itens que contemplavam condições básicas de saúde, como diagnóstico prévio de transtornos mentais e uso de substâncias psicoativas.
II) Escalas com dimensões de integração social e acadêmicas - Com questões voltadas principalmente para elementos relacionados a aspectos da vivência do estudante na universidade, tais como sua relação com colegas e professores, comprometimento com meta de graduação e satisfação com seu desempenho acadêmico.
III) Self-Reporting Questionnarie (SRQ-20) - Este é um questionário autoaplicável, desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde para países em desenvolvimento, com objetivo de rastrear e avaliar distúrbios primários, denominados Transtornos Mentais Comuns (TMC) (GONÇALVES; STEIN; KAPCZINSKI, 2008). A escala original foi desenvolvida por Harding et al. (1980) e validado no Brasil por Mari e Willians (1985). Desde então, ela tem sido amplamente utilizada em pesquisas, principalmente em contextos laborais (SANTOS et al., 2017). O SRQ-20 é composto por 20 questões de resposta dicotômica (Sim ou Não), com itens que correspondem a sintomas físicos (N = 4) e distúrbios psicossomáticos (N = 16). Ela é formada por quatro grupos de sintomas: humor depressivo/ansioso, sintomas psicossomáticos, decréscimo de energia vital e pensamentos depressivos. Este é um instrumento de rastreio cujos escores obtidos indicam a probabilidade da presença de distúrbios não psicóticos, como ansiedade, depressão, fadiga mental, irritabilidade e sintomas psicossomáticos. O instrumento tem boas propriedades psicométricas, apresentando sensibilidade (capacidade de medir realmente o fenômeno investigado) de 83%, e especificidade (capacidade de descriminar o fenômeno de outros fenômenos) de 80%. De acordo com Harding et al. (1980), o ponto de corte do instrumento pode variar a depender do contexto no qual é aplicado, podendo ir de 5/6 até 10/11. Neste estudo, optou-se por uma abordagem mais conservadora, estabelecendo o ponto de corte de 7/8 para toda a amostra, como sugerido por Gonçalves et al. (2008). Assim, a cada resposta positiva foi somado 1 ponto ao escore total, sendo que os indivíduos que apresentavam 8 ou mais respostas positivas foram considerados com indicativo de TMC.
3.3 Procedimentos e aspectos éticos
A coleta de dados foi realizada no segundo semestre de 2019, por meio de um questionário online disponibilizado na plataforma Survey Monkey. O convite para a participação foi enviado por e-mail para todos os estudantes com matrícula ativa no período da coleta (N = 37.851). Ao aceitar participar da pesquisa o estudante era direcionado ao termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), contendo as informações gerais da pesquisa, seus riscos, e o contato dos responsáveis da pesquisa para casos de dúvidas e esclarecimentos. Ainda foi disponibilizada lista com contatos e endereços de serviços de atendimento psicológico gratuitos para os participantes que porventura sentissem algum desconforto durante a resposta do questionário online. A pesquisa foi submetida e aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia, sobre o número CAE: 26414819.2.0000.5686.
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3.4 Análise de dados
A fim de constatar a confiabilidade das medidas de integração, realizou-se análise fatorial exploratória nas medidas de integração acadêmica. Como os dados apresentaram características não paramétricas, realizou-se correlações de spearman entre as variáveis de estudo. Por fim, com objetivo de verificar o poder preditivo de um conjunto de variáveis em relação ao indicativo de TMC, um modelo de regressão múltipla foi aplicado. As análises dos dados foram realizadas utilizando o software SPSS 20 - Statistical Package for the Social Science.
4 Resultados e Discussão
4.1 Caracterização da Amostra
A amostra foi composta predominantemente por participantes do sexo feminino (62,1%), solteiros (84,6%), com renda familiar menor que 3 salários-mínimos (53,49%) e que se autodeclararam pretos ou pardos (71,5%). A média de idade dos participantes foi de 25,6 anos (DP = 7,8). Essas características da amostra se mostraram compatíveis com o perfil dos estudantes universitários da UFBA.
Característica | N (Total = 7.117) | % | |
Sexo | Feminino | 4458 | 62,1 |
Masculino | 2695 | 37,6 | |
Outro | 24 | 0,3 | |
Estado civil | Solteiro (a) | 6074 | 84,6 |
Casado (a) / união estável | 780 | 10,9 | |
Divorciado (a) | 91 | 1,3 | |
Viúvo (a) | 8 | 0,1 | |
Outro | 224 | 3,1 | |
Raça | Amarela | 58 | 0,8 |
Branca | 1749 | 24,4 | |
Pardo | 3034 | 42,3 | |
Indígena | 48 | 0,7 | |
Preto | 2098 | 29,2 | |
Não desejo declarar | 190 | 2,6 | |
Renda | Menos de 1 sal. mínimo. | 758 | 10,6 |
01 a 03 sal. mínimos. | 3071 | 42,8 | |
03 a 06 sal. mínimos. | 1656 | 23,1 | |
06 a 10 sal. mínimos. | 813 | 11,3 | |
Mais de 10 sal. mínimos. | 542 | 7,6 | |
Não sei /não quero informar | 337 | 4,7 |
Fonte: Dados da Pesquisa.
4.2 Análise das medidas de vivências acadêmicas
A fim de constatar a confiabilidade das escalas relacionadas as vivências acadêmicas, realizou-se análise fatorial exploratória do instrumento. Essa escala contava originariamente com 22 itens agrupados em 6 diferentes fatores. Averiguou-se inicialmente a adequação da matriz dos dados para a fatoração por meio do critério de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e do teste de Esfericidade de Bartlett, resultando em um KMO = 0,884 e p < 0,000. Em seguida, utilizando o método de rotação Promax, a análise fatorial reduziu os itens do instrumento à seis escalas. Este modelo apresentou uma explicação de 73,34% da variância total da amostra. Um resultado considerado bastante expressivo.
O primeiro fator identificado agrupa 4 itens e compõe o que denominamos de escala de integração social com colegas, com Alpha de Cronbach de (= 0,930. O segundo fator agrupa 5 itens, denominado de Comprometimento com Meta de Graduação, com (= 0,867. O terceiro fator foi denominado de Satisfação com Desempenho no curso, inicialmente carregou 4 itens, mas como o item 18 (“O meu desempenho está de acordo com a qualidade do meu estudo”) apresentou baixa correlação com os demais, foi descartado e a medida ficou com 3 itens e (= 907. O fator 4 é composto pela escala de Integração Social com Professores com 4 itens e (= 0,863. A quinta escala é de Comprometimento Acadêmico e inicialmente era composto por 3 itens, mas o item 22 (Eu me sinto motivado para estudar) que inicialmente carregou na escala foi avaliada separadamente, ficando a escala com 2 itens e o (= 0,744. Por fim, dois itens que estavam agrupados no último fator, foram também analisados separadamente, são eles: O item 14 (“não tenho tempo para estudar”) e o 15 (“a quantidade de tarefas acadêmicas é excessiva para mim”).
4.3 Principais resultados
Para se investigar as relações entre as dimensões de integração ao ensino superior e os problemas em saúde mental dos estudantes universitários, realizou-se análise de correlação bivariada das variáveis: integração social com colegas, integração social com professores, satisfação com desempenho no curso, comprometimento com meta de graduação, comprometimento acadêmico, quantidade de atividades, tempo para estudo, e motivação para estudar; com os indicadores de TMC, e dos conjuntos de sintomas dos TMCs, humor ansioso/ depressivo, decréscimo de energia vital, pensamento depressivo, sintomas somáticos (Tabela 2).
TMC | Humor ansioso/ depressivo | Sintomas somáticos | Decréscimo de energia vital | Pensamento depressivo | |
---|---|---|---|---|---|
Integração com professores | -,302** | -,230** | -,221** | -,252** | -,294** |
Integração com colegas | -,199** | -,139** | -,117** | -,182** | -,227** |
Satisfação c/ desempenho no curso | -,415** | -,308** | -,307** | -,365** | -,388** |
Comprometimento com meta | -,196** | -,118** | -,096** | -,174** | -,265** |
Comprometimento acadêmico | -,121** | -,051** | -,033** | -,136** | -,183** |
Não tenho tempo para estudar. | ,213** | ,160** | ,195** | ,228** | ,094** |
A quantidade de tarefas acadêmicas é excessiva para mim. | ,299** | ,245** | ,273** | ,284** | ,169** |
Sinto-me motivado para estudar | -,453** | -,328** | -,319** | -,395** | -,452** |
Nota. N = 7.177; * p < 0,05 **p < 0,001.
Fonte: Elaborado pelos autores.
As análises corroboram com a hipótese inicial, de que existem correlações negativas e significativas entre as dimensões acadêmicas e sintomas de TMC. Entre os resultados destacam-se: as correlações negativas moderadas e significativas de todas as variáveis estudadas com satisfação com desempenho no curso; as correlações negativas e moderadas de todas as variáveis com motivação para estudar; e as correlações entre integração com professores e o índice geral de sintomas de transtorno mental-TMC (r=-.302, p<001) e pensamento depressivo (r=-.294).
Tais achados são consistentes com o resultado de outras pesquisas que encontraram associação entre autopercepção ruim sobre o desempenho escolar e TMC (LIMA; DOMINGUES; CERQUEIRA, 2006), e associação entre tirar notas baixas e níveis mais elevados de estresse (HALBOUB et al., 2018). Estudo realizado com estudantes de medicina apresentaram correlações entre autopercepção ruim de desempenho e motivação para estudar, com presença de sintomas depressivos e ansiosos moderados a severos (BORTOLINI et al., 2021).
O desempenho acadêmico e o desenvolvimento intelectual do estudante ao longo do percurso acadêmico podem expressar o quanto o indivíduo está integrado à universidade, e adaptado ao cotidiano, normas e estruturas da instituição (Ribeiro, 2015). Tinto (1975; 1987) destaca que as notas podem ser consideradas uma recompensa extrínseca, sendo uma avaliação que o próprio estudante faz acerca do seu desenvolvimento na universidade (MAGALHÃES, 2013). Portanto, é possível sugerir quando o estudante não está integrado à vida acadêmica e isso se reflete no baixo rendimento e em insatisfação com o seu desempenho, o que, por conseguinte, o deixa mais vulnerável a apresentar sintomas relacionados com transtornos mentais comuns.
Ariño e Bardagi (2018) destacam que o estudante que esteja passando por um período de maior vulnerabilidade emocional pode ter sua percepção aumentada acerca das suas experiências acadêmicas negativas, ou seja, os alunos que estejam em sofrimento psíquico ao se comparar com os colegas, podem sentir que seu desempenho não seja tão bom. Mas também o inverso é possível, assim como quando o indivíduo percebe que tem maiores dificuldades de aprender, de acompanhar as atividades, e realizar o que lhe é pedido, esse contexto desfavorável apresenta-se como um fator estressor que pode causar adoecimento. É possível sugerir, então, que a relação entre desempenho e saúde tenha caráter bidirecional. Ou seja, assim como o aumento da prevalência e a severidade dos problemas em saúde mental estudantil representa um risco ao desempenho acadêmico e a motivação para estudar (WYATT, OSWALT; OCHOA, 2017). A insatisfação com o desempenho e a baixa motivação para estudar, demonstra ser um fator de risco para os TMCs, estabelecendo assim uma relação cíclica que se retroalimenta.
Embora as variáveis de integração social tenham apresentado correlações consideradas relativamente fracas (com coeficientes de correlação menores que 0,3), a importância dos vínculos sociais entre estudantes e seus pares, bem como de estudantes com professores, demonstra-se relevante à saúde mental estudantil. Convergindo com achados de diversas pesquisas que encontraram associação entre transtornos mentais com questões como sentir dificuldade para fazer amigos (LIMA; DOMINGUES; CERQUEIRA, 2006), sentir-se rejeitado por eles (PERINI; DELANOGARE; SOUZA, 2019), e relacionamentos insatisfatórios com colegas e professores (BASUDAN; BINANZAN; ALHASSAN, 2017; LEÃO et al., 2018). Em relação a um padrão de correlações mais baixas encontradas no fator Integração Social com colegas, dois aspectos precisam ser considerados. O primeiro é que por si tratar de um fenômeno multifatorial, os fatores tendem a apresentar valores de correlação menores, o que pode suprimir a real importância da variável. A segunda questão é como a maioria dos participantes da presente pesquisa reside com os pais ou outros familiares (78,4%), é possível supor que para eles o suporte da família e outros grupos sociais, diminuam ou atenue o impacto das relações com os colegas. Acerca disso, Silva, Cerqueira e Lima (2014) ponderam que a importância do suporte de colegas pode ser mais necessária em universidades localizadas em cidades de médio porte, nas quais a maior parte dos estudantes é de fora e estão distantes da sua família e comunidade de origem, enquanto em IES localizadas em capitais, como a universidade da presente pesquisa, o suporte da família e de outros grupos sociais funciona como fator protetivo preponderante para a saúde mental do estudante.
É interessante ainda observar que a Integração Social com Professores apresentou maior associação do que a Integração com Colegas com TMC. Resultado parecido foi encontrado por Basudan, Binanzan e Alhassan (2017), em pesquisa com estudantes de odontologia da Arábia Saudita, no estudo, a satisfação com o relacionamento com professores foram previsores de Depressão, ansiedade e estresse, e demonstrou ter correlações com magnitude maiores do que satisfação com relacionamento com colegas para ansiedade e estresse.
Resultados como os encontrados na presente pesquisa fortalecem a concepção de que a interação com professores é fundamental para o desenvolvimento do estudante na universidade, inclusive no que diz respeito a sua saúde mental. Ao se analisar os itens da dimensão integração social com professores, fica evidente que estudantes que se sentem mais à vontade para conversar com seus professores e que percebem que o relacionamento com professores e coordenadores tem auxiliado no seu crescimento pessoal, profissional e em reflexões acerca da sua carreira profissional, apresentam menor grau de adoecimento psíquico. Entre os aspectos de integração social com professores, o com maior força de correlação foi “sinto-me à vontade para iniciar conversação com meus professores” (r = -0,333; p < 0,01), demonstrando que para os alunos à relação com professores com uma postura mais aberta e acessível tende a ser menos desgastante emocionalmente do que com professores com menor abertura para dialogar com os estudantes.
As análises demonstraram ainda que as variáveis “não tenho tempo para estudar” e “a quantidade de atividades é excessiva para mim” obtiveram correlações positivas e fracas com sintomas de TMC. A correlação obtida pelo item “a quantidade de tarefas acadêmicas (leituras, exercícios, trabalhos) é excessiva para mim” evidenciou ser mais relevante do que a falta de tempo para estudar (Tabela 2). Esses resultados corroboram com o que tem sido reportado pela literatura, que descreve o acúmulo de atividades como um dos fatores acadêmicos com maior carga de estresse (GUTIÉRREZ RODAS et al, 2010; LAU; PAZ; MARTÍNEZ, 2006). A rotina de estudo, leituras, exercícios e avaliações, faz parte do cotidiano acadêmico, no entanto, o excesso das mesmas pode levar o estudante a negligenciar o sono e atividades de lazer importantes para a sua saúde mental. Além disso, conciliar diversas disciplinas, estágios, atividades extracurriculares, com demandas pessoais e laborais pode levar ao acúmulo de atividades, causando sobrecarga emocional e aumento do estresse (CONCEIÇÃO et al, 2019; LAU; PAZ; MARTÍNEZ, 2006).
Partindo dessas análises iniciais, averiguou-se em que medida o conjunto das dimensões acadêmicas analisadas podem ajudar a prever problemas de saúde mental em universitários. As variáveis independentes que compuseram o modelo foram: integração social com colegas, integração social com professores, comprometimento com meta de graduação, comprometimento acadêmico, satisfação com desempenho no curso, não ter tempo para estudar, a quantidade excessiva de trabalho, e motivação para estudar. E a variável dependente foi sofrimento psíquico aferido por meio do escore obtido no SRQ-20, ressalta-se que quanto maior esse escore, maior é a chance de o indivíduo apresentar transtornos mentais comuns. A análise resultou em um modelo estatisticamente significativo com F (8, 7168) = 402,058; p < 0,01; R² = 0,309. O poder de previsão do modelo é de 30,9%, considerado expressivo, visto que o adoecimento mental é um fenômeno multifatorial.
R | R2 | R2 ajustado | Erro padrão da estimativa | Estatística da variância | ||||
R² Change | F Change | df1 | df2 | Sig. F Change | ||||
,557a | ,310 | ,309 | 4,350760 | ,310 | 402,058 | 8 | 7168 | ,000 |
Fonte: Elaborado pelos autores (2022)
Os fatores que apresentaram os maiores valores preditivos foram: motivação para estudar (β = -0,325; t = -24,913; p < 0,01), satisfação com desempenho (β = -0,215; t = -18,280; p < 0,01); e quantidade de tarefas acadêmicas é excessiva para mim (β = 0,159; t = 13,872; p < 0,01). Já o fator comprometimento com meta de graduação não foi significativo (p > 0,05).
Dimensão | β | t | Sig. |
Integração com colegas | -,028 | -2,401 | ,016 |
Comprometimento com meta de graduação | ,006 | ,561 | ,575 |
Satisfação com desempenho | -,215 | -18,280 | ,000 |
Integração com professores | -,028 | -2,401 | ,016 |
Comprometimento acadêmico | ,099 | 8,745 | ,000 |
Não tenho tempo para estudar. | ,053 | 4,699 | ,000 |
Quantidade de tarefas acadêmicas é excessiva para mim. | ,159 | 13,872 | ,000 |
Motivação para estudar | -,325 | -24,913 | ,000 |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Destacam-se as dimensões motivação para estudar e satisfação com desempenho, indicando que os estudantes que se sentem menos motivados para estudar e menos satisfeitos com seu rendimento, tendem a apresentar piores condições de saúde mental e maior risco de presença de TMC. Visto que a percepção que o estudante tem sobre seu desempenho pode expressar o quanto ele se sente integrado na dimensão acadêmica, é possível aferir que estudantes com melhor integração acadêmica tendem a ter menor grau de sofrimento psíquico e menor chance de apresentarem TMC.
É importante ressaltar que as dimensões relacionadas a integração social (integração social com colegas e integração social com professores) também apresentaram resultados significativos, em especial o fator que trata da relação com professores. Indicando que as relações sociais desenvolvidas no âmbito da universidade podem ser consideradas como fator protetivo para saúde mental dos estudantes. Ou seja, os alunos que se sentem mais integrados socialmente a colegas, professores e demais funcionários tem melhores condições gerais de saúde mental e menor risco de desenvolverem transtornos mentais comuns.
Com objetivo de aumentar a robustez do modelo, e tendo como premissas que fatores psicossociais do contexto no qual o estudante está inserido também interferem na sua saúde mental, foram acrescentadas algumas variáveis como representada na Figura 2. São elas: relacionamento em casa, renda familiar, prática de atividade física, e participação em grupo social. Nesse segundo modelo, a regressão linear múltipla resultou em uma equação significativa F (12,7164) = 346,969; p < 0,01; R2 ajustado= 0,367, apresentando um poder preditivo de 36,7% em relação a transtornos mentais comuns. Esses resultados validam a hipótese de que o contexto universitário, em interação com características pessoais e sociodemográficas, interfere na condição de saúde mental dos estudantes.
R | R2 | R2 Ajustado | Erro padrão da estimativa | Estatística da variância | ||||
R Square Change | F Change | df1 | df2 | Sig. F Change | ||||
,606a | ,368 | ,367 | 4,16555 | ,368 | 346,969 | 12 | 7164 | ,000 |
Fonte: Elaborado pelos autores.
No modelo 2, os fatores que apresentaram maior poder preditivo foram: motivação para estudar (β = -,303; t = ; p < 0,01), satisfação com desempenho no curso (β = -,191; t = -16,807; p < 0,01); quantidade de tarefa é excessiva (β = ,134; t = 12,191; p < 0,01); relacionamento em casa (β = -,134 ; t = -13,986; p < 0,01); e prática de atividade física (β = -,129 ; t = -13,198; p < 0,01) (Tabela 6).
Dimensão | β | t | Sig. |
---|---|---|---|
Integração com colegas | -,067 | -6,486 | ,000 |
Integração com professores | -,030 | -2,670 | ,008 |
Satisfação com desempenho | -,191 | -16,807 | ,000 |
Comprometimento com meta de graduação | ,006 | ,585 | ,558 |
Comprometimento acadêmico | ,099 | 9,051 | ,000 |
Não tenho tempo para estudar. | ,057 | 5,297 | ,000 |
Quantidade de tarefas acadêmicas é excessiva para mim. | ,134 | 12,191 | ,000 |
Relacionamento em casa | -,134 | -13,986 | ,000 |
Renda familiar | -,073 | -7,520 | ,000 |
Grupo social | -,079 | -8,126 | ,000 |
Atividade física | -,129 | -13,198 | ,000 |
Motivação para estudar | -,303 | -24,188 | ,000 |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Esses resultados vêm somar a diversos estudos que associam morar com os pais, ter um bom relacionamento familiar e a prática regular de atividade física a melhores condições de saúde mental, atuando como um fator protetor e de enfrentamento de situações de estresse (CERCHIARI, 2004; LEGUA-FLORES; ARROYO-HERNÁNDEZ, 2011; ZONTA; ROBLES; GROSSEMAN, 2006). De acordo com a literatura, os estudantes que percebem ter um bom suporte afetivo têm menores chances de desenvolverem depressão (LEMOS; BAPTISTA; CARNEIRO, 2018) e transtornos mentais comuns (LIMA; DOMINGUES; CERQUEIRA, 2006). De igual forma, a prática regular de atividade física desponta como fator protetivo para a saúde mental, com melhoras no bem-estar físico e psicológico (LEÃO et al., 2018), e diminuição do risco de apresentar TMC (SILVA; CAVALCANTE, 2014).
5 Conclusão
Apesar da visibilidade que o tema da saúde mental dos estudantes universitários tem ganhado nos últimos anos, poucos estudos se dedicaram a investigar aspectos próprios da relação estudante universidade, em especial, as dimensões de integração social e acadêmica. Diante dessa lacuna, a presente pesquisa traz importantes contribuições para um melhor entendimento dessa questão, e consequentemente a construção de intervenções mais efetivas para o enfrentamento desse problema.
Os resultados reforçam a importância dos vínculos sociais, para a saúde mental estudantil. Denotando a necessidade de intervenções que visem formação e o fortalecimento de laços afetivos, não apenas em sala de aula, mas principalmente em ambientes extraclasse. Como por exemplo, ações de fomento a formação de ligas, coletivos, times esportivos, entre outros, oferecendo ao estudante um grupo de apoio, identificação e pertencimento. Além disso, sugere-se a formulação de programas de treinamento e desenvolvimento para docentes e demais corpo técnico, voltados para sensibilização e capacitação para lidar com as demandas dos estudantes universitários.
Os fatores de integração acadêmica também demonstraram ter relevância no processo de adoecimento psíquico do alunado, com destaque para a satisfação com o desempenho no curso, e a motivação para estudar, como fatores que obtiveram associações mais fortes com TMC, depressão, ansiedade e estresse. Esses achados fortalecem o entendimento de que as IES precisam estar atentas ao desenvolvimento dos seus dissentes, oferecendo condições adequadas para que eles alcancem o seu potencial. Além disso, as associações da variável quantidade excessiva de tarefas com os indicadores de problemas de saúde mental, especialmente de TMC e estresse, trazem inquietações e reflexões acerca das metodologias de ensino utilizadas nas universidades e se elas são as mais adequadas para os novos perfis de estudantes.
Ainda que o presente estudo tenha algumas limitações, como ter corte transversal os resultados aqui descritos permitem estabelecer associações entre saúde mental e dimensões de integração ao ensino superior, e trazem evidências de validade para o modelo proposto. Diante dessas evidências, sugere-se o desenvolvimento de pesquisas que investiguem de forma mais aprofundada as relações entre dimensões acadêmicas e saúde mental do estudante universitário, em especial a relação entre desempenho e saúde mental.
Por fim, fica evidente a necessidade de repensar a saúde mental estudantil, não restringindo o adoecimento apenas aos vieses biológicos e psicossociais, mas englobando também o contexto organizacional. Respaldando a ampliação de possibilidades de intervenções, orientadas para uma atuação organizacional estratégica.