1 Introdução
Nas últimas décadas, o desenvolvimento econômico e social observado no Brasil veio acompanhado de um aumento da procura e do acesso aos cursos de Educação Superior nas instituições públicas e privadas. De um lado, o desenvolvimento tecnológico e dos meios produtivos autônomos e digitais passou a exigir profissionais com qualificação superior no mercado de trabalho global, que tivessem, simultaneamente, competências técnicas para desempenho de funções no setor produtivo e competências de gerenciamento de pessoal, em especial no contexto da produção flexível (COMOGLIO, 2019). Por outro lado, um grande contingente de pessoas, a quem antes o acesso à universidade fora negado, ou pela restrição de vagas nas instituições públicas ou pelo elevado custo das mensalidades dos cursos de graduação em relação à renda familiar, passou a ver mais de perto a possibilidade de acessar a Educação Superior, seja pela oferta de financiamento subsidiado a taxas mais baixas, pela oferta de bolsas parciais ou integrais de estudo em instituições privadas ou pela reserva de vagas em instituições públicas. É nesse cenário que se consolidam os programas de expansão da Educação Superior: o Fies (Lei n° 10.260, de 12 de julho de 2001), o Prouni (Lei n° 11.096, de 13 de janeiro de 2005) e o Reuni (Decreto n° 6.096, de 24 de abril de 2007). Combinados entre si, esses programas possibilitaram alterações significativas na estrutura de oferta da Educação Superior, na quantidade e nos padrões socioeconômicos de estudantes presentes nessas instituições (BRASIL, 2001a, 2005a, 2007a).
Em 1995, o país contava com 684 instituições de Educação Superior privadas e 210 instituições públicas, representando uma distribuição de 23,5% de instituições públicas para 76,5% privadas. Quanto ao número de matrículas, as instituições públicas totalizavam 700.540; as privadas, 1.059.163 – respectivamente, 39,9% e 60,1% (BRASIL, 1995). Ao final de um ciclo de expansão de 20 anos, em 2015, o Brasil passou a contar com 2.364 instituições de Educação Superior, sendo 295 (12,5%) públicas e 2.069 privadas (87,5%) – indicando maior expansão do setor privado em relação ao público. Quanto à expansão do número de matrículas, a partir de 2001, as matrículas realizadas em instituições privadas já representavam mais de duas vezes as realizadas em instituições públicas e, em 2015, as privadas contavam com 4,81 milhões de matrículas (72,6%) frente a 1,82 milhão (27,4%) nas públicas (BRASIL, 2015).
Os gráficos 1 e 2 comparam a evolução, a cada biênio ímpar, a partir de 1995, dos números de instituições de Educação Superior, públicas e privadas, e o respectivo número de matrículas. Observa-se que, a partir de 1997, o número de instituições privadas teve significativo acréscimo, como reflexo do novo Plano Diretor de Reforma do Estado (de 1995), com diretrizes direcionadas à privatização de empresas públicas, entrada de capital estrangeiro e de grandes grupos internacionais e formação de oligopólios nos setores de educação e saúde (SGUISSARDI, 2005).
Tais dinâmicas, presentes no campo das políticas de Estado voltadas à Educação Superior, especialmente após a década de 1990, permitiram a consolidação de um viés utilitarista, pró-mercado, tanto “quanto aos mecanismos de gestão gerencial (similar à das empresas privadas)” quanto aos meios “de captação de recursos por parte dessas universidades” (SERAFIM, 2011, p. 259). Os dispositivos legais, elaborados em acordo com organismos internacionais, permitiram um processo de comoditização da Educação Superior, com repasse de funções e recursos públicos para o setor privado, especialmente “nos casos em que o Estado não consegue ampliar o acesso às universidades” (SERAFIM, 2011, p. 259). Nos primeiros anos da década de 2010, o setor educacional presente na Bovespa obteve os maiores índices de valorização dentre mais de outros 15 setores do mercado acionário. Grupos como Estácio e Kroton obtiveram valorizações de mais de 200% entre 2012 e 2014, e, em 2013, realizaram lucros, respectivamente, de 1,7 e 2,0 bilhões de reais – à época, essas instituições já detinham mais de 20% do número de estudantes em instituições privadas (1,3 milhão de estudantes) (SGUISSARDI, 2015, p. 870; 875).
A partir dessas considerações, surgiu o interesse de investigar como as políticas públicas de expansão da Educação Superior vêm sendo analisadas nas produções científicas da área da educação e quais resultados são possíveis de se observar na democratização desse nível de Educação. Para tanto, realizamos uma revisão narrativa nas bases de dados da SciELO e do Portal da Capes, orientada para a busca de periódicos que vinculem os programas1 do Fies, Prouni e Reuni ao processo de democratização do acesso à Educação Superior.
2 Revisão narrativa de literatura sobre o acesso à Educação Superior
Para análise dos resultados das políticas públicas no processo de democratização do acesso à Educação Superior, realizamos uma revisão narrativa com objetivo de identificar e sistematizar as discussões de artigos publicados em periódicos acadêmicos desde 2001, ano em que a Lei n° 10.260 aprova a criação do Fies. A pergunta norteadora da pesquisa é: quais são os resultados das políticas de Estado (Fies, Lei n° 10.260 de 12 de julho de 2001, Prouni, Lei n° 11.096 de 13 de janeiro de 2005 e Reuni, Decreto n° 6.096 de 24 de abril de 2007), voltadas a estudantes da Educação Superior brasileira, para o processo de democratização de acesso aos cursos de graduação nas instituições públicas e privadas?
Incluímos estudos que apresentaram discussões em que se evidenciaram as relações entre esses programas e o processo de democratização do acesso à Educação Superior. Para identificar estudos coerentes à problemática, adotamos como referencial de seleção dos artigos os critérios definidos pelas diretrizes do PRISMA/2020 (PAGE et al., 2021), com base nos seguintes elementos: população (estudantes da educação brasileira), interferência (políticas públicas de Estado: Fies, Prouni e Reuni); e resultados (processo de democratização de acesso a cursos de graduação nas instituições públicas e privadas) (GALVÃO; RICARTE, 2019).
Utilizamos as bases de dados da SciELO e do Portal de Periódicos Capes, adotando as palavras-chave “Fies”, “Prouni”, “Reuni” e “Democratização”, combinadas por meio do operador booleano “AND” da seguinte forma: “Fies” AND “Democratização”; “Prouni” AND “Democratização”; “Reuni” AND “Democratização”. As buscas foram realizadas sem seleção de partes específicas dos textos, o que resultou em artigos com as palavras-chave presentes em qualquer parte do texto.
Adotamos quatro etapas para avaliar os resultados da pesquisa bibliográfica, com base no diagrama de fluxo PRISMA/2020 (PAGE et al., 2021): identificação, triagem, elegibilidade e inclusão. Ao longo destas quatro etapas, os seguintes critérios foram aplicados para definir a inclusão e exclusão de artigos: a) Trata-se de um estudo publicado em periódico acadêmico em língua portuguesa?; b) O estudo é disponibilizado na íntegra (com livre acesso ou acesso mediante Comunidade Acadêmica Federada — Cafe?; c) Contém as palavras-chaves de identificação (Prouni, Fies, Reuni, Democratização)?; d) O estudo está dentro dos limites temporais da pesquisa (2001 a 2022)?; e) O estudo analisa políticas públicas relacionadas aos programas Fies, Prouni e Reuni?; f) O estudo analisa processos de democratização da Educação Superior nos limites temporais da pesquisa?; g) O estudo interrelaciona os critérios “e” e “f”?
Na fase da identificação, com base no uso da combinação das quatro palavras-chave adotadas, identificamos 5162 artigos de língua portuguesa. No Portal de Periódicos Capes, foram identificadas 99 pesquisas com a combinação “Fies” AND “Democratização”, 159 com a combinação “Prouni” AND “Democratização” e 252 com a combinação “Reuni” AND “Democratização”, totalizando 510 pesquisas. No banco de dados da SciELO, foram identificadas 0 (zero) pesquisas com a combinação “Fies” AND “Democratização”, 5 com a combinação “Prouni” AND “Democratização” e 1 com a combinação “Reuni” AND “Democratização”, totalizando 6 pesquisas. A partir da primeira triagem, 170 pesquisas foram excluídas por estarem duplicadas (encontravam-se em mais de uma busca dentro de uma plataforma ou estavam em diferentes plataformas). Após a leitura dos títulos e dos resumos, 271 não foram contemplados no tema da revisão narrativa – resultando em 75 estudos. Na fase da elegibilidade, após leitura flutuante, foram excluídos 17 estudos por não cumprirem os critérios 5, 6 e 7, totalizando 58 artigos incluídos, conforme figura 1.
Por fim, a análise e interpretação dos textos, com suporte em Bardin (2010), foi estruturada em três fases: pré-análise, exploração/tratamento dos resultados e interpretação. A exploração e o tratamento dos resultados foram realizados mediante a leitura integral dos artigos e resultou na identificação de seis principais temas de análise, codificados de A à F.
3 Resultados presentes na literatura sobre a democratização do acesso à Educação Superior
Embora tenhamos pesquisado artigos de 2001 em diante, foram encontradas pesquisas que atendiam aos critérios estabelecidos somente a partir de 2004. Desse ano em diante, também observamos dois anos em que não houve publicações: 2005 e 2008. Os anos de maior publicação foram 2016 e 2018 (8 artigos), seguidos por 2017 (7 artigos), 2013 e 2021 (5 artigos) e 2019 (4 artigos). Acreditamos que o aumento de publicações após o ano de 2012 seja reflexo da conclusão do ciclo de investimentos do Reuni, do aumento de bolsas (já a partir de 2010) do Prouni e de recursos investidos no Fies. A Figura 2 apresenta a distribuição dessas publicações ao longo da série temporal analisada.
Os 58 artigos científicos pesquisados se distribuem, regionalmente, em 12 estados, com destaque ao estado de São Paulo, que concentra 24 publicações, 17 publicações a mais que o estado do Rio Grande do Sul, com 7 publicações. Duas pesquisas foram publicadas em artigos internacionais: uma dos Estados Unidos da América e outra de Portugal. Quanto aos periódicos, o de maior incidência foi a Revista da Avaliação da Educação Superior, de Campinas, com 6 artigos, seguida das revistas EccoS, de São Paulo, e Educação & Sociedade, de Campinas, ambas com 4 trabalhos, conforme apresentado na Figura 3 e no Quadro 1.
PERIÓDICO | FREQUÊNCIA |
---|---|
Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior | 6 |
Eccos | 4 |
Educação & Sociedade | 4 |
Educar em revista | 2 |
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos | 2 |
Revista Gestão universitária na América Latina | 2 |
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação | 2 |
Revista temas em educação: RTE | 3 |
Quanto às políticas públicas, das 58 pesquisas, duas analisam exclusivamente o Fies; 10 o Prouni; 16 o Reuni; e 30 pesquisas articulam análises sobre mais de uma política pública. Tais pesquisas, codificadas de P1 a P58, trazem discussões sobre seis temas, de A à F. Tema A: Organismos e influências internacionais nas dinâmicas das políticas públicas nacionais; Tema B: Os processos de globalização, privatização, mercantilização e os efeitos do neoliberalismo sobre as políticas públicas da Educação Superior; Tema C: Expansão do acesso à Educação Superior e possíveis avanços; Tema D: Democratização do acesso à Educação Superior no Brasil: limites e contradições das políticas públicas; Tema E: Análises da implementação de políticas públicas de democratização do acesso à Educação Superior em realidades locais; Tema F: Olhar, perfil e realidade do estudante beneficiado pelas políticas públicas de democratização do acesso à Educação Superior. O Quadro 2 traz o ano, autor(es), título, política pública analisada e os temas contemplados em cada estudo:
Nº | Ano | Autores | Título | Política | Tema |
---|---|---|---|---|---|
P1 | 2016 | AGUIAR, Vilma | Um balanço das políticas do governo Lula para a educação superior: continuidade e ruptura | Fies Prouni | B e D |
P2 | 2016 | ALVAREZ, Adrian RADAELLI, Andressa Benvenutti | Políticas da educação superior no Brasil (2003-2010): democratização ou expansão? | Reuni | B e C |
P3 | 2013 | ALVES, Liduina Lopes FONTES, Dominik Garcia Araujo NASCIMENTO, Telma Araújo | Das reformas do ensino superior a criação do PROUNI: inclusão social ou mercantilização do ensino superior? | Prouni | B e D |
P4 | 2018 | ARIÑO, Daniela Ornellas DELVAN, Josiane Da Silva | As Trajetórias dos Acadêmicos Bolsistas do ProUni: desafios e estratégias de enfrentamento | Prouni | D e F |
P5 | 2011 | ARRUDA, Ana Lúcia Borba | Políticas da educação superior no Brasil: expansão e democratização: um debate contemporâneo | Reuni Prouni | A, B e C |
P6 | 2015 | ARRUDA, Ana Lúcia Borba GOMES, Alfredo Macedo | Democratização Da Educação Superior: Um Estudo Sobre A Política Reuni | Reuni | A, C, D e F |
P7 | 2021 | BANDEIRA ANDRIOLA, Wagner CASTRO ARAÚJO, Adriana | Avaliação dos impactos do Programa de Apoio a Planos de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais Brasileiras | Reuni | C e D |
P8 | 2019 | BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira | Democratização ou massificação do Ensino Superior no Brasil? | Fies Prouni | C, D e F |
P9 | 2016 | BARBOSA, Maria Ligia De Oliveira | Destinos, Escolhas e a Democratização do Ensino Superior | Reuni Prouni | C, D e E |
P10 | 2012 | BORGES, Maria Célia AQUINO, Orlando Fernandez | Educação Superior no Brasil e as políticas de expansão de vagas do REUNI: avanços e controvérsias | Fies | A, B, C e D |
P11 | 2017 | BROCCO, Ana Karina | “Aqui em casa a educação é muito bem-vinda”: significado do ensino superior para universitários bolsistas | Fies Reuni Prouni | F |
P12 | 2018 | CAMARGO, Arlete Maria Monte de ARAÚJO, Israel Martins | Expansão e interiorização das universidades federais no período de 2003 a 2014: perspectivas governamentais em debate | Reuni | C |
P13 | 2017 | CAÑAVERAL, I. Cristina Puertas SÁ, Thiago Antônio De Oliveira | REUNI: Expansão, segmentação e a determinação institucional do abandono. Estudo de caso na Unifal-MG | Reuni | C, D e E |
P14 | 2020 | CARNEIRO, Luci Annee Vargas BRIDI, Fabiane Romano de Souza | Políticas públicas de ensino superior no Brasil: um olhar sobre o acesso e a inclusão social | Fies Reuni Prouni | C e D |
P15 | 2006 | CARVALHO, Cristina H. Almeida | O PROUNI no governo Lula e o jogo político em torno do acesso ao ensino superior | Prouni | A, B e D |
P16 | 2013 | CASTELO BRANCO, Uyguaciara V. JEZINE, Edineide | A expansão da (na) UFPB: avaliando o REUNI (2008 a 2012) | Reuni | C, D e E |
P17 | 2014 | CASTRO, Alda Maria Duarte Araújo SILVA, Josielle Soares de | Políticas de expansão para o ensino superior no contexto do REUNI: a implementação do programa na UFRN | Reuni | A, B, C e E |
P18 | 2006 | CATANI, Afrânio Mendes HEY, Ana Paula GILIOLI, Renato de Sousa Porto | PROUNI: democratização do acesso às Instituições de Ensino Superior? | Prouni | D |
P19 | 2004 | CORBUCCI, Paulo Roberto | Financiamento e democratização do acesso à educação superior no Brasil: da deserção do Estado ao projeto de reforma | Fies Prouni | B, C e D |
P20 | 2018 | CORRÊA, Ricardo Leitoles NASCIMENTO, Décio Estevão do | Política de interiorização do ensino superior: taxa de sucesso na graduação na Universidade Federal do Paraná | Reuni | D e E |
P21 | 2011 | COSTA, Danilo de Melo COSTA, Alexandre Marino AMANTE, Cláudio José SILVA, Cláudio Heleno Pinto da | Aspectos da reestruturação das universidades federais por meio do Reuni: um estudo no estado de Santa Catarina | Reuni | C e E |
P22 | 2019 | CRUZ, Andreia Gomes da | Desafios da inclusão no processo contemporâneo de expansão da educação superior brasileira: democratização ou massificação do acesso? | Fies Reuni Prouni | A, B, C e D |
P23 | 2010 | DIAS SOBRINHO, José | Democratização, qualidade e crise da educação superior: faces da exclusão e limites da inclusão | Reuni Prouni | A, C e D |
P24 | 2018 | FAVATO, Maria Nilse RUIZ, Maria José Ferreira | REUNI: política para a democratização da educação superior? | Reuni | B, C e D |
P25 | 2014 | FERREIRA, Jose Ângelo PETRAGLIA, Izabel Cristina | O Programa Universidade para Todos: PROUNI e a democratização do Ensino Superior | Prouni | D |
P26 | 2019 | FERREIRA, Suely | As políticas de expansão para educação superior dos governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016): inclusão e democratização? | Fies Reuni Prouni | B, C, D e F |
P27 | 2016 | FONTELE, Tereza Lúcia Lima CRISÓSTOMO, Vicente Lima | PROUNI - pontos controversos sob a análise de alunos bolsistas | Prouni | D e F |
P28 | 2016 | GENTIL, Viviane Kanitz LACERDA, Miriam Pires Corrêa de | Expansão do ensino superior do sistema federal brasileiro no período 2003-2006 | Reuni Prouni | C |
P29 | 2018 | GREGÓRIO, José Renato | O papel do Banco Mundial na contra reforma da educação superior no brasil: uma análise dos documentos que precederam o reuni | Reuni | A e B |
P30 | 2016 | HAAS, Celia Maria PARDO, Rosangela Da Silva | As pesquisas sobre Fies, Reuni e Prouni registradas no banco de teses da Capes: discutindo o financiamento da educação superior no Brasil | Fies Reuni Prouni | A, B e C |
P31 | 2013 | HAGE, Salomão Mufarrej PEREIRA, Ricardo Augusto Gomes BRITO, Márcia Mariana Bittencourt | Educação superior e democratização: o acesso de populações negras, indígenas e do campo no ensino superior na Amazônia paraense | Prouni | B, D, E e F |
P32 | 2009 | JEZINE, Edineide | A expansão, a diversificação da educação superior e os processos de [in]exclusão das camadas populares | Fies Prouni | A, B, C e D |
P33 | 2016 | LIMA, Edileusa Esteves MACHADO, Lucília Regina de Souza | Reuni e Expansão Universitária na UFMG de 2008 a 2012 | Reuni | A, B, C e D |
P34 | 2013 | LIMA, Paulo Gomes | Políticas de educação superior no Brasil na primeira década do século XXI: alguns cenários e leituras | Fies Reuni Prouni | A, C e D |
P35 | 2018 | MARANHÃO, Carolina Machado Saraiva de Albuquerque FERNANDES, Talita Almeida PEREIRA, Jussara Jéssica | Universidade Federal e Políticas Públicas no Brasil: Análises Sobre o Reuni | Reuni | A, B, C e D |
P36 | 2020 | MÁXIMO, Rérisson | Efeitos territoriais de políticas educacionais: a recente expansão e interiorização do ensino federal em cidades não metropolitanas no Ceará | Reuni | C e E |
P37 | 2021 | MERTZIG, Patrícia Lakchmi Leite MENDONÇA, Camila Tecla Mortean FURLAN COSTA, Maria Luisa | Políticas públicas para a educação no Brasil: do terceiro setor ao processo de privatização do ensino superior | Fies Prouni | A e B |
P38 | 2020 | MIRANDA, Paula Roberta AZEVEDO, Mário Luiz Neves | Fies e Prouni na expansão da educação superior brasileira: políticas de democratização do acesso e/ou de promoção do setor privado-mercantil? | Fies Prouni | A, B, C |
P39 | 2021 | MOREIRA, Claudia Regina Silveira SOUZA, Ângelo Ricardo de | Democratização do acesso à educação superior em debate: avaliação do Prouni | Prouni | D e F |
P40 | 2007 | NEVES, Clarissa Eckert Baeta RAIZER, Leandro FACHINETTO, Rochele Fellini | Acesso, expansão e eqüidade na educação superior: novos desafios para a política educacional brasileira | Prouni | C |
P41 | 2021 | OLIVEIRA, Ana Luíza Matos de | Perfil dos estudantes de graduação entre 2001 e 2015: uma revisão | Fies Reuni Prouni | F |
P42 | 2017 | OLIVEIRA, Anandra Santos Ribeiro SILVA, Ivair Ramos | Políticas de inclusão social no ensino superior brasileiro: um estudo sobre o perfil socioeconômico de estudantes nos anos 2010 a 2012 | Fies Prouni | C, D e F |
P43 | 2018 | PACHECO, Márcia Maria Dias Reis CHAMON, Edna Maria Oliveira FUZARO, Carolina Moraes SANTANA, Leonor M | O crescimento do número de matrículas no ensino superior: subsídios para o debate | Fies Reuni Prouni | C e D |
P44 | 2021 | PAULA, Camila Henriques MARTIN, Débora Gonzaga | Reuni: um instrumento de promoção do princípio constitucional da igualdade | Reuni | C e D |
P45 | 2017 | PAULA, Maria de Fátima Costa de | Políticas de democratização da educação superior brasileira: limites e desafios para a próxima década | Fies Reuni Prouni | B, C, D e F |
P46 | 2018 | PEREIRA, Tarcísio Luiz BRITO, Silvia Helena Andrade | A expansão da educação superior privada no Brasil por meio do FIES | Fies | B, C e E |
P47 | 2010 | PEREIRA, Thiago Ingrassia CORREA DA SILVA, Luís Fernando | As políticas públicas do ensino superior no governo Lula: expansão ou democratização? | Reuni Prouni | C e D |
P48 | 2016 | PICANÇO, Felícia | Juventude e acesso ao ensino superior no Brasil: Onde está o alvo das políticas de ação afirmativa | Fies Prouni | C, D e E |
P49 | 2012 | PRESTES, Emília Maria da Trindade JEZINE, Edineide SCOCUGLIA, Afonso Celso | Democratização do Ensino Superior Brasileiro: O caso da Universidade Federal da Paraíba | Reuni Prouni | A, B, C, D e E |
P50 | 2017 | REDIN, Ezequiel | Políticas educacionais e juventude rural no ensino superior | Prouni | D e E |
P51 | 2014 | RISTOFF, Dilvo | O novo perfil do campus brasileiro: uma análise do perfil socioeconômico do estudante de graduação | Fies Reuni Prouni | C e F |
P52 | 2017 | ROGGERO, Rosemary ROCHA, Aline Sarmento Coura SILVA FILHO, Geuid Cavalcante | Políticas de inclusão e as recomendações dos organismos internacionais para o ensino médio e superior no Brasil | Fies Reuni Prouni | A e C |
P53 | 2015 | SGUISSARDI, Valdemar | Educação Superior no Brasil. Democratização ou massificação mercantil? | Fies Prouni | A, B, C e D |
P54 | 2013 | SILVA, Maria das Graças Martins da VELOSO, Tereza Christina Aguiar | Acesso nas políticas da educação superior: dimensões e indicadores em questão | Reuni Prouni | C e D |
P55 | 2017 | SILVA, Rosa Maria Segalla AMAURO, Nicéa Quintino SOUZA, Paulo Vitor Teodoro RODRIGUES FILHO, Guimes | Democratização do ensino superior: no contexto da educação brasileira | Fies Reuni Prouni | C |
P56 | 2019 | SOUSA, Ana Paula Ribeiro de COIMBRA, Leonardo José Pinho | “Democratização” do ensino superior em tempos neoliberais | Reuni | A, B, C, D e E |
P57 | 2020 | SOUZA, Lorena Passos PASSOS, Luana FERREIRA, Rosilda Arruda | Segregação no acesso ao ensino superior no Brasil: perfil dos ingressantes | Fies Reuni Prouni | C, D e F |
P58 | 2015 | TREVISOL, Joviles Vitório NIEROTKA, Rosileia | Democratização do acesso ao ensino superior público: análise das políticas de ingresso da UFFS | Reuni Prouni | A, B, C, E e F |
Fonte: Elaboração própria (2022).
Os critérios de inclusão e exclusão permitiram a seleção de estudos que, de forma ou outra, interrelacionam políticas de Estado a processos de democratização de acesso à Educação Superior. A metodologia empregada, em suas fases de pesquisa – identificação, triagem, elegibilidade e inclusão – resultou em uma ampla diversidade de estudos analisados a seguir.
3.1 Tema A: Organismos e influências internacionais nas dinâmicas das políticas públicas nacionais
Neste tema, encontram-se 20 pesquisas3 que trazem estudos, contribuições e percepções sobre a influência de organismos internacionais nas políticas públicas nacionais e na estruturação dos principais programas de expansão e democratização da Educação Superior. Tais pesquisas revelam o papel de organismos internacionais, como Banco Mundial (BM), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), dentre outros, na proposição e execução das políticas no campo da Educação Superior no Brasil e em outros países em desenvolvimento.
O Banco Mundial4, neste cenário, é um dos principais organismos internacionais de financiamento social, apresentando a redução da pobreza e da desigualdade global como principal meta. Na década de 1990, tal organismo teve importância significativa na remodelação econômica de diversas nações, orientando ações com vistas: ao equilíbrio orçamentário; à redução dos gastos públicos; à abertura comercial e eliminação de barreiras tarifárias; à flexibilização normativa de ingresso de capital estrangeiro; à desregulamentação dos mercados domésticos; à eliminação de instrumentos de intervenção estatal; e à privatização de empresas e serviços públicos (SOARES, 2003 apudBORGES; AQUINO, 2012, p. 122). Em análise do documento “Construir Sociedades de Conocimento: nuevos desafios para la educación terciária” (BANCO MUNDIAL, 2003 apudARRUDA; GOMES, 2015, p. 548), Arruda e Gomes destacam a construção de um discurso que reforça a necessidade de que os países assumam a responsabilidade da reforma no campo da Educação Superior com relação ao contexto da “economia global baseada no conhecimento” (BARRETO; LEHER, 2008 apudARRUDA; GOMES, 2015, p. 548). Tais diretrizes do BM se expressam nas políticas educacionais ao longo da década de 1990 em ações que resultaram em: contingenciamento de recursos destinados para instituições de Educação Superior; congelamento dos salários dos técnicos e docentes administrativos; aumento da autonomia dessas instituições aos moldes de princípios neoliberais e a serviço do capital internacional.
Catani, Hey e Gilioli (2006), Carvalho (2006), Gregório (2018) e Castro e Silva (2014) analisam a política macroeconômica implementada no Brasil, nos anos 1990, em acordo às metas estabelecidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), caracterizada pela manutenção de uma política fiscal orientada à manutenção do superávit primário como forma de controle, superação da crise e gestão da dívida externa. Decorre daí a dificuldade na implementação de políticas públicas que requeriam maior custo aos cofres públicos, como o investimento na expansão do sistema público de ensino. Segundo Catani, Hey e Gilioli (2006, p. 127) e Carvalho (2006, p. 982), o Prouni atende simultaneamente às pressões sociais pelo aumento da oferta da Educação Superior e à necessidade de manter o controle sobre as contas públicas, um mecanismo necessário para fazer com “que o mercado acredite que, no cenário esperado, não haverá risco de calote na dívida” (CARVALHO, 2006, p. 982).
Arruda e Gomes (2015), Castro e Silva (2014), Gregório (2018) e Mertzig, Mendonça e Furlan Costa (2021) apontam a Unesco como outro organismo internacional de significativa influência sobre os países em desenvolvimento. Tal influência ocorre predominantemente por meio de relatórios, conferências e declarações, como a Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação (UNESCO, 1998 apudCASTRO; SILVA, 2014, p. 212) e a Conferência Mundial sobre Ensino Superior de Paris, intitulada: As Novas Dinâmicas do Ensino Superior e Pesquisas para a Mudança e o Desenvolvimento Social (2009 apudCASTRO; SILVA, 2014, p. 212). Em síntese, as estratégias defendidas pela agência são a internacionalização, a regionalização e a globalização como mecanismos de transformação da Educação Superior e da pesquisa, remetendo-se a parcerias e “ações em nível nacional, regional e internacional” para garantir a qualidade dos sistemas de ensino superior (CASTRO; SILVA, 2014, p. 212).
As pesquisas de Arruda (2011), Arruda e Gomes (2015), Borges e Aquino (2012) e Silva e Veloso (2013) trazem a importância do Processo de Bolonha para o campo das políticas públicas da Educação Superior, com destaque à trajetória do Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). O processo de Bolonha teve aderência ao modelo adotado no Brasil, ao passo que suscitou novas questões, como a “duração de estudos, graus e títulos, arquitetura acadêmica” e “estratégias políticas que servem como recomendações no campo da educação superior” (DALE, 2009 apudARRUDA; GOMES, 2015, p. 549). Conforme Arruda e Gomes (2015, p. 551-553), os textos do Decreto e das Diretrizes Gerais do Reuni indicam influências do processo de Bolonha ao recomendarem: a abertura de cursos baseados na diversificação das modalidades de graduação; a ampliação da mobilidade estudantil entre cursos e aproveitamento de créditos; a ruptura com estruturas tradicionais de profissionalização precoce; e a previsão de cursos com formação inicial de curta duração e diplomas intermediários.
3.2 Tema B: Os processos de globalização, privatização, mercantilização e os efeitos do neoliberalismo sobre as políticas públicas da Educação Superior
Este tema apresenta 24 estudos5 que aprofundam as relações das estruturas macroeconômicas nacionais e internacionais com as políticas públicas de democratização e expansão da Educação Superior. Destacam-se, neste tema, os processos de globalização, financeirização, privatização, mercadorização e os efeitos de políticas neoliberais sobre a expansão do setor privado da Educação Superior.
A aceleração do processo de globalização econômica e financeira e seus efeitos sobre as políticas públicas nacionais está especialmente presente nos trabalhos de Castro e Silva (2014), Ferreira (2019), Gregório (2018), Jezine (2009), Miranda e Azevedo (2020), Prestes, Jezine e Scocuglia (2012) e Trevisol e Nierotka (2015). Segundo Souza Santos (2005 apudTREVISOL; NIEROTKA, 2015, p. 38), a redução do poder do Estado sobre a economia – que resultou em um processo de desinvestimento nas universidades públicas – e a “globalização mercantil das universidades, são faces da mesma moeda”. O processo de globalização, durante o final do século XX, produziu um pensamento hegemônico sob o qual se predomina compreender que “uma educação tem tanto mais qualidade quanto mais propicia aos indivíduos e às empresas maiores ganhos de eficiência e de capacidades competitivas” (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 1226 -1227). É neste sentido que se constrói a concepção de que a iniciativa pública é onerosa, pouco eficiente e retrógrada, enquanto a privada é versátil, dinâmica e potencializa soluções modernas e inovadoras.
A transferência de recursos públicos à iniciativa privada é explorada pelas pesquisas de Aguiar (2016), Arruda (2011), Carvalho (2006), Gregório (2018), Hass e Pardo (2016) e Miranda e Azevedo (2020). Segundo Miranda e Azevedo (2020), em 2015, o Fies mobilizou mais de R$ 15 bilhões em financiamento, enquanto o Prouni permitiu a renúncia fiscal de mais R$ 1 bilhão, indicando a intensa colaboração do governo federal na expansão das instituições privadas, “privilegiadas em suas demandas, seja por meio de incremento de recursos do fundo público, seja por meio de reivindicações que possibilitaram aumentar o número de financiamento e de recursos financeiros” (MIRANDA; AZEVEDO, 2020, p. 10). Durante as décadas de 1980 e 1990, as ações de instituições internacionais fomentaram a consolidação de mercados universitários nacionais com anuência estatal. Em seguida, respaldado pela reforma administrativa e financeira ocorrida na década de 1990, bem como impulsionado pelo massivo recebimento de recursos públicos a partir do início dos anos 2000, o mercado nacional e global de Educação Superior promoveu a constituição de empresas de capital aberto que lançaram títulos no mercado de ações para captação de (mais) recursos em fundos privados nacionais e transnacionais (MIRANDA; AZEVEDO, 2020, p. 13). Para os autores, “essa financeirização é concebida a partir das fusões e/ou aquisições das empresas educacionais nacionais e estrangeiras que formam grandes oligopólios, com abertura de capital na bolsa de valores, provocando a financeirização do setor educacional” (MIRANDA; AZEVEDO, 2020, p. 13). Nesse sentido, Sguissardi (2015, p. 870) revela que, de 2012 a 2014, o setor educacional obteve maior lucratividade dentre os demais setores econômicos da Bovespa: enquanto o índice total da Bovespa obteve uma redução de 3,67%, a Kroton (KROT3) teve uma valorização de 314% e a Estácio (ESTC3) de 240%.
As pesquisas de Aguiar (2016), Alves, Fontes e Nascimento (2013), Borges e Aquino (2012), Castro e Silva (2014), Cruz (2019), Favato e Ruiz (2018), Mertzig, Mendonça e Furlan Costa (2021), Miranda e Azevedo (2020), Pereira e Brito (2018), Sguissardi (2015), Souza e Coimbra (2019) e Trevisol e Nierotka (2015) destacam fatores relacionados aos reflexos das políticas neoliberais e ao processo de mercadorização e mercantilização dos direitos sociais. Já Neves, Raizer e Fachinetto (2007) contrapõem fatores como a internacionalização e interdependência das economias, além da emergência de uma divisão internacional do trabalho – fundamentada na produção global mediada por empresas multinacionais – e seus respectivos resultados nas sociedades e economias nacionais (NEVES; RAIZER; FACHINETTO, 2007, p. 126). Ainda, Sguissardi (2015) denuncia o processo de expansão da Educação Superior privada, que ocorre com “usufruto de um direito público, ou seja, apenas como compra de um serviço, produto comercial ou mercadoria” (SGUISSARDI, 2015, p. 869; 870).
Castro e Silva (2014) e Prestes, Jezine e Scocuglia (2012) analisam a complexidade das “disputas de concepções, projetos e políticas que se encontram e se diferenciam de formas contraditórias” frente aos direitos sociais e à oferta mercantilizada deste direito (PRESTES; JEZINE; SCOCUGLIA, 2012, p. 205) em um contexto de reestruturação produtiva, globalizada e de ideário neoliberal (CASTRO; SILVA, 2014, p. 207 e 208). Ambos os trabalhos apontam críticas às políticas de expansão da Educação Superior, especialmente ao Reuni, devido ao viés neoliberal e aos recursos subdimensionados e insuficientes para a expansão proposta. Nesse aspecto, segundo Castro e Silva (2014), as políticas de expansão da Educação Superior se evidenciaram em três tendências distintas: 1) “a expansão pela privatização do ensino”; 2) “a expansão pelo uso da modalidade a distância”; e 3) “a expansão pela restruturação das universidades públicas federais”, o que ocorreu sob uma lógica de racionalização dos recursos físicos e humanos existentes, voltada ao controle de resultados das universidades (CASTRO; SILVA, 2014, p. 213, 217).
3.3 Tema C: Expansão do acesso à Educação Superior e possíveis avanços
As relações entre a democratização do acesso e a expansão da Educação Superior são investigadas por 44 estudos6 desta revisão. Neste aspecto, a expansão da Educação Superior se associa: à expansão da rede física com a construção de universidades, faculdades e centros universitários; ao aumento do número de cursos e programas nas instituições públicas e privadas; à elevação no número de estudantes, matrículas e concluintes; e ao aumento de recursos – pessoais, financeiros e de infraestrutura no setor.
As pesquisas de Costa, Costa e Amante et al. (2011), Maranhão, Fernandes e Pereira et al. (2018), Miranda e Azevedo (2020), Paula e Martin (2021), Prestes, Jezine e Scocuglia (2012) e Souza e Coimbra (2019) trazem reflexões sobre a expansão de recursos, investimentos, funcionários e orçamentos no setor da Educação Superior. Maranhão, Fernandes e Pereira et al. (2018) indicam que de 2005 a 2009 os recursos financeiros disponibilizados às instituições públicas, em decorrência do Reuni, obtiveram aumento de 90% e que o investimento público direto em Educação, em comparação ao Produto Interno Bruto (PIB), que em 2000 era de 3,9%, chegou em 2009 a 5% (MARANHÃO; FERNANDES; PEREIRA et al., 2018, p. 62). No mesmo sentido, Costa, Costa e Amante et al. (2011) apresentam dados referentes à evolução dos recursos destinados ao Reuni: em 2008, os investimentos foram de R$ 209 milhões e, em 2011, atingiram R$1 627 milhões (R$ 1,627 bilhão), o que corresponde a um aumento de 678%. Paula e Martin (2021, p. 8) detalham os investimentos no ano de 2013: dos 1,2 bilhão de reais gastos com o programa, R$ 440 milhões foram destinados à ampliação e à consolidação das instituições, R$ 509 milhões foram utilizados para a implantação de novos campus e R$ 300 milhões para a implantação de novas universidades. Quanto ao orçamento do MEC, Paula e Martin (2021) e Maranhão, Fernandes, Pereira et al. (2018, p. 62) apresentam a evolução orçamentária do ministério, que teve tendência de crescimento linear ao longo da década de 2000, como uma tentativa de incrementar o orçamento para efetivar objetivos expansionistas da Educação Superior (PAULA; MARTIN, 2021, p. 8).
Os estudos de Alvarez e Radaelli (2016), Borges e Aquino (2012), Favato e Ruiz (2018) e Maranhão, Fernandes e Pereira et al. (2018) aprofundam as correlações entre o movimento expansionista da Educação Superior no Brasil e a implementação do Reuni. Conforme Alvarez e Radaelli (2016, p. 227), o número de instituições federais de Educação Superior era igual a 39, em 1995; 45, em 2003; e 59, em 2010. Já o número de municípios atendidos pelas universidades passou de 114, em 2003, para 237, em 2011. Nesse mesmo período, o número de matrículas nas instituições federais aumentou de 544.251 para 849.679 (ALVAREZ; RADAELLI, 2016, p. 227). Maranhão, Fernandes e Pereira et al. (2018, p. 55) trazem a evolução temporal do número de instituições criadas conforme os presidentes e identificam que as gestões com maior incremento no número de universidades foram as de Luiz Inácio da Silva (2003-2010), com 14 novas instituições, seguido de Juscelino Kubitschek (1956 e 1961), com 11 novas instituições, e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Artur da Costa e Silva (1967-1969), ambos com 6 novas instituições.
Miranda e Azevedo (2020), Ferreira e Petraglia (2014), Pereira e Corrêa da Silva (2010) e Neves, Raizer e Fachinetto (2007) analisam a correlação entre o Fies, o Prouni e a expansão da Educação Superior. Neves, Raizer e Fachinetto (2007) fazem uma vasta investigação da expansão da Educação Superior, caracterizando: a taxa bruta e líquida de acesso à Educação Superior pelos jovens brasileiros de 18 a 24 anos; a relação entre a expansão da estrutura (número de instituições) e o número de matrículas nas instituições públicas e privadas nos anos 2000; a taxa de crescimento de matrículas nos cursos de graduação segundo categoria administrativa; dentre outros dados. Pereira e Corrêa da Silva (2010) e Ferreira e Petraglia (2014) analisam, ainda, a expansão das matrículas nas instituições privadas, chamando atenção para a evolução das bolsas Prouni e para a taxa de bolsas parciais e integrais ofertadas aos estudantes.
Por fim, as relações entre a expansão da Educação Superior e o Fies são analisadas, sobretudo, pelos trabalhos de Pereira e Brito (2018) e Miranda e Azevedo (2020). Pereira e Brito (2018) estudam as (in)gerências de uma instituição de Educação Superior com o objetivo de elevar o número de ingressantes pelo Fies, enquanto Miranda e Azevedo (2020) investigam a expansão do setor privado e os processos de financeirização e mercantilização da Educação Superior, vendo esses pontos como um reflexo da transferência de recursos públicos para iniciativas privadas e isenção de impostos em troca de concessões de bolsas.
3.4 Tema D: Democratização do acesso à Educação Superior no Brasil: limites e contradições das políticas públicas
Parte significativa dos estudos aqui analisados discute o processo de democratização dos sistemas público e privado da Educação Superior, trazendo um olhar às dificuldades, limites, resistências e desafios do processo de democratização. Tais estudos contemplam 397 pesquisas que identificam questões relacionadas: à dificuldade de permanência e evasão dos estudantes após ingresso; à baixa qualidade dos cursos em instituições privadas ou precarização das universidades públicas após a expansão provocada pelo Reuni; e às desigualdades sociais e econômicas levadas para dentro das universidades.
Conforme Dias Sobrinho (2010, p. 1.232), as políticas de expansão de acesso à Educação Superior poderão obter sucesso somente a partir de uma “cobertura completa e com qualidade” de todo o sistema de educação. Somente a ampliação de vagas e a massificação do acesso às universidades e faculdades do país não conduzem necessariamente à democratização da Educação Superior enquanto um direito público. Paula (2017, p. 305), no mesmo sentido, apresenta quatro dimensões que sustentam sua concepção de democratização de Educação Superior: o “acesso/ingresso”, a “permanência/conclusão”, a “formação com qualidade” e a “inclusão de camadas socialmente subalternas”. A autora parte do princípio de que a “ênfase na política de massificação não esgota o projeto de democratização da Educação Superior” (PAULA; SILVA, 2012, p. 7 apudPAULA, 2017, p. 305).
As pesquisas de Alves, Fontes e Nascimento (2013), Ariño e Delvan (2018), Cañaveral e Sá (2017), Cruz (2019), Dias Sobrinho (2010), Favato e Ruiz (2018), Ferreira (2019), Hage, Pereira e Brito (2013), Jezine (2009), Lima (2013), Oliveira e Silva (2017), Pacheco, Chamon e Fuzaro et al. (2018), Paula (2017), Pereira e Correa da Silva (2010), Picanço (2016), Sguissardi (2015), Silva e Veloso (2013) e Souza e Coimbra (2019) demonstram que os programas de democratização do acesso ao Ensino Superior provocam, muitas vezes, uma pseudodemocratização, uma inclusão excludente que se revela na massificação do acesso, sem atingir “a abrangência necessária para legitimar a superação dos nefastos traços históricos que marcam este nível de ensino no Brasil” (FAVATO; RUIZ, 2018). Neste sentido, Sguissardi (2015, p. 877) também afirma que tais políticas focais, destinadas à determinadas parcelas da população excluída, apresentam alcance limitado e não agem sobre as causas da desigualdade que produz esta exclusão. Segundo Ariño e Delvan (2018, p. 2), tais políticas criam grupos de “excluídos do interior”, estudantes que ingressam nas universidades, mas são excluídos por não se sentirem pertencentes a esta realidade ou sofrerem discriminação de colegas, professores e funcionários. Para Paula (2017) e Cañaveral e Sá (2017), as elevadas taxas de evasão na graduação estão associadas a esta percepção de não pertencimento dos estudantes em relação ao ambiente universitário.
Dias Sobrinho (2010), Barbosa (2019) e Paula (2017) chamam atenção a este processo de exclusão vivenciada por estudantes de menor renda no acesso e percurso acadêmico. Estudantes que historicamente foram excluídos social e economicamente internalizam a ideologia de que a (sua) exclusão é natural, que devem se incluir em ambientes marginais e acreditam que têm capacidade intelectual para frequentar somente cursos mais acessíveis, em instituições privadas, de menor concorrência no processo seletivo e menor prestígio social, mesmo que estes venham eventualmente a abrir portas a empregos com menor potencial de remuneração (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 1230). Para Barbosa (2019, p. 251), a segmentação existente entre instituições privadas e públicas, reproduzindo os referenciais valorativos da sociedade, permite que a expansão da Educação Superior direcione os estudantes provenientes das elites a setores de maior prestígio social e os estudantes de outras camadas a setores menos privilegiados (BARBOSA, 2019, p. 251).
Por fim, as pesquisas de Barbosa (2016; 2019), Castelo Branco e Jezine (2013), Dias Sobrinho (2010), Ferreira (2019), Lima (2013), Moreira e Souza (2021), Oliveira (2021), Oliveira e Silva (2017), Pereira e Correa da Silva (2010), Picanço (2016) e Sguissardi (2015) salientam limitações quanto ao processo de democratização de acesso à Educação Superior em função de aspectos relacionados à estratificação econômica, desigualdade econômica e a estrutura meritocrática. Para Paula (2017), o processo de inclusão e exclusão da universidade brasileira é permeado por instrumentos e mecanismos de seleção que pré-determinam o lugar de cada um dos estudantes. Mesmo com as políticas de inclusão da Educação Superior, esta tradicional ordem da estratificação social não será alterada até que os fatores que ocasionam a desigualdade sejam alterados (PAULA; HOURI; CRUZ, 2015, p. 217 apudPAULA, 2017, p. 310). Quanto ao processo de elegibilidade de estudantes aos programas, Silva e Veloso (2013) destacam que a lógica de acesso à Educação Superior mantém o critério de seleção com base no mérito individual, mesmo que se estabeleça em grupos mais carentes e de menor renda. Tanto os bolsistas do Prouni nas instituições privadas, quanto os beneficiários de programas de ação afirmativa nas públicas, devem se submeter a processos excludentes de seleção. Tais processos mantém um sistema em que o mérito é o princípio motriz, que legitima a “captação dos melhores” e representa a exclusão dos que sobram (SILVA; VELOSO, 2013, p. 742).
3.5 Tema E: Análises da implementação de políticas públicas de democratização do acesso à Educação Superior em realidades locais
Dos 58 estudos aqui analisados, 14 trazem relatos8, experiências e resultados da implementação das políticas públicas em universidades brasileiras. Desses, 8 analisam, com maior ênfase, os resultados da implementação do Reuni em instituições federais, 1 analisa a importância do Prouni para uma região do estado do Rio Grande do Sul, 1 analisa os dados de pesquisa acerca do Fies em uma instituição privada de São Paulo e 4 pesquisas investigam as políticas de acesso, de modo geral, implementadas por universidades brasileiras.
As pesquisas de Cañaveral e Sá (2017), Castelo Branco e Jazine (2013), Castro e Silva (2014), Corrêa e Nascimento (2018), Costa, Costa e Amante et al. (2011), Hage, Pareira e Brito (2013), Lima e Machado (2016), Máximo (2020) e Souza e Coimbra (2019) investigam a expansão na Educação Superior considerando as instituições públicas a partir da implantação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Segundo Castro e Silva (2014), no caso da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a implementação do Reuni levou à criação de inúmeros cursos de graduação sem a ampliação proporcional da estrutura e contratação de professores. Foram criados, pela UFRN, 39 cursos em um período de 4 anos, em áreas das “novas tecnologias”, com o intuito de “melhorar seu ranking entre as universidades do país” (CASTRO; SILVA, 2014, p. 219). Fenômeno semelhante é relatado por Prestes, Jezine e Scocuglia (2012) na Universidade Federal da Paraíba, que apontam a criação de 32 novos cursos presenciais de graduação, resultando em uma ampliação de 18% no acesso de estudantes.
Segundo Lima e Machado (2016, p. 403), o Reuni se insere em um contexto de profundas transformações da universidade brasileira e trouxe à tona o debate sobre a eficiência, a produtividade e a estrutura acadêmica. Neste sentido, as autoras atentam-se às vulnerabilidades do programa quanto à defasagem de pessoal, que compromete a qualidade de processos acadêmicos e administrativos e a implantação de inovações pedagógicas e didáticas fomentadas pelo Reuni (LIMA; MACHADO, 2016, p. 403). O mesmo fato é relatado por Castro e Silva (2014), em pesquisa realizada na UFRN, a qual sinaliza dificuldade de cumprimento de indicativos de qualidade em um contexto de aumento da relação professor-aluno e racionalização das condições de trabalho e da estrutura física existente (CASTRO; SILVA, 2014, p. 220 - 221).
O fenômeno da interiorização é discutido nas pesquisas de Barbosa (2016), Castelo Branco e Jazine (2013), Corrêa e Nascimento (2018), Costa, Costa e Amante et al. (2011), Máximo (2020), Redin (2017) e Souza e Coimbra (2019). Conforme Máximo (2020), que realizou pesquisas em municípios do interior do estado do Ceará, a democratização da Educação Superior tem significativa relação com a interiorização provocada pela expansão das universidades públicas, as quais: passaram a levar cursos gratuitos a estudantes de camadas populares de pequenos e médios munícipios; contribuir com a criação de cursos noturnos destinados a trabalhadores-estudantes; reduzir os índices de evasão nas universidades dos grandes centros urbanos, em função de dificuldades vivenciadas por estudantes provenientes de cidades do interior (MÁXIMO, 2020). Redin (2017), em um estudo que analisa as políticas educacionais de acesso à Educação Superior e as relações com a juventude rural com hipossuficiência econômica na região do Território Centro-Serra, no Rio Grande do Sul, demonstrou que o Prouni possibilitou oportunidade de ingresso para jovens do campo e de cidades de interior em cursos superiores, em instituições de ensino particular (REDIN, 2017, p. 237). Enfim, Trevisol e Nierotka (2015) trazem resultados similares, em suas análises sobre a instalação da Universidade Federal da Fronteira Sul. Conforme a pesquisa, a política de acesso implementada pela universidade trouxe para seus acentos filhos de trabalhadores do campo e da cidade, majoritariamente oriundos de famílias de baixa renda e com pouca escolaridade, “em que o filho é o primeiro membro, da primeira geração, a chegar à universidade” (TREVISOL; NIEROTKA, 2015, p. 51).
3.6 Tema F: Olhar, perfil e realidade do estudante beneficiado pelas políticas públicas de democratização do acesso à Educação Superior
Os 15 estudos9 deste tema enfatizam a realidade da Educação Superior pela perspectiva do estudante beneficiado pelas políticas públicas e investigam seu perfil social, econômico, étnico, e seus olhares sobre si e sobre o próprio campo da Educação Superior no país.
As pesquisas de Ariño e Delvan (2018), Brocco (2017), Fontele e Crisóstomo (2016) e Moreira e Souza (2019 ou 2021?) investigaram as dificuldades, as condições sociais, as opiniões e os perfis dos bolsistas beneficiados pelo Programa Universidade para Todos (ProUni). Brocco (2017) entrevistou 11 estudantes bolsistas de uma instituição comunitária de Santa Catarina, com o objetivo de conhecer as condições sociais e a importância da Educação Superior para eles e suas famílias. Segundo a autora, os bolsistas entrevistados apresentam uma percepção pragmática da realidade e da Educação Superior e a concebem como um mecanismo de ascensão social. Nos relatos dos próprios estudantes, a democratização de oportunidades é limitada por fatores sociais mais amplos e estruturais (BROCCO, 2017, p. 106). A percepção crítica se faz também presente nas contribuições dos estudantes entrevistados por Fontele e Crisóstomo (2016), os quais consideram que há reformas estruturais a serem realizadas na Educação Básica e ajustes mais específicos no Prouni (FONTELE; CRISÓSTOMO, 2016, p. 759).
Arruda e Gomes (2015), Barbosa (2019), Oliveira e Silva (2017), Oliveira (2021), Picanço (2016), Ristoff (2014), Souza, Passos e Ferreira (2020), Trevisol e Nierotka (2015) investigaram a democratização da Educação Superior no Brasil com base em informações sobre o perfil socioeconômico, renda, etnia e gênero dos estudantes brasileiros. Oliveira e Silva (2017) utilizaram os microdados do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) para correlacionar as variáveis idade, escola de origem, tipo de instituição de Educação Superior, etnia declarada, renda familiar e política pública relacionadas ao ingresso em cursos de graduação. A pesquisa, com dados de 2010 a 2012, revelou que 56,47% dos estudantes universitários tinham 25 anos ou mais, 59,4% dos estudantes eram provenientes de escolas públicas, mas 77,6% estavam em instituições privadas. Quanto à etnia, 62,6 % declararam-se brancos, 27,9% pardos, 7,1% pretos, 1,8% amarelos e 0,6% indígenas. Com relação à renda, os autores observaram que mais de 30% dos estudantes apresentam renda familiar de até três salários-mínimos, com variações entre as áreas: enquanto nos cursos de Engenharia as faixas de renda de maior incidência são de 6 a 10 (25,18%) e de 10 a 30 (27,82%) salários-mínimos, nos cursos de Humanas as faixas de renda de maior incidência são de 1,5 a 3 (32,05%) e de 3 a 4,5 (21,89%) salários-mínimos.
Ristoff (2014) traz um estudo semelhante e aprofunda a análise das mudanças do perfil dos estudantes da Educação Superior conforme a evolução temporal dos programas. A partir de dados dos três primeiros ciclos do Enade10, de 2004 a 2012, o autor apresenta as mudanças no perfil de estudantes (bolsistas e não bolsistas) nos cursos de Medicina Veterinária, Odontologia, História, Psicologia, Medicina e Direito, quanto a fatores relacionados à cor de pele, renda mensal familiar, origem escolar e escolaridade dos pais dos estudantes. Em todos os cursos analisados o percentual de brancos universitários foi superior ao percentual desta etnia na população (48%, segundo IBGE de 2010) – com destaque aos cursos de Medicina Veterinária, Medicina e Odontologia, com índices de 80%, 74% e 75%, respectivamente (RISTOFF, 2014, p. 731). A série histórica dos três ciclos do Enade permite concluir que o percentual de brancos nestes cursos elitizados se reduziu. No curso de Medicina, conforme o autor, o percentual, em 2004, era de 80%, em 2007, 76%, e, em 2010, 74%. O mesmo ocorre para a concentração de renda: em 2004, neste mesmo curso, 67% dos estudantes eram provenientes de famílias com renda mensal superior a 10 salários-mínimos; em 2010 este índice reduziu-se para 44%. Em outros cursos, esta concentração de renda parte de valores menores no primeiro ciclo: no curso de Direito, no primeiro ciclo, 37% dos estudantes são provenientes de famílias com renda superior a 10 salários-mínimos; no terceiro ciclo este valor se reduz para 24% (RISTOFF, 2014, p. 734 - 735).
A pesquisa de Oliveira (2021) também evidencia redução da representatividade da população branca nos cursos de graduação nas instituições públicas nas décadas de 2000 e início da década de 2010: entre os anos de 2003 e 2014, a proporção de brancos reduziu de 59,4%, para 45,67%. No mesmo período, a representação de pardos aumentou de 28,3% para 37,8% e de pretos aumentou de 5,9% para 9,82% (OLIVEIRA, 2021, p. 242). Com relação aos dados do Censo da Educação Superior, sobre todas as instituições de Educação Superior do país, os resultados também indicam aumento da proporção de representatividade de pretos e pardos nos cursos de graduação: entre 2011 e 2017, o percentual de estudantes pretos aumentou de 6,95% para 8,62%; de estudantes pardos aumentou de 27,85% para 34,95%; e de estudantes brancos diminuiu de 61,89% para 53,34%. Sobre a renda bruta familiar dos graduandos das instituições federais de Educação Superior, a pesquisa da Fonaprace (2014 apudOLIVEIRA, 2021, p. 243) indica aumento da representação de estudantes de famílias de menor renda: entre 2010 a 2014, o percentual de estudantes de famílias com renda familiar bruta de até 1 salário mínimo subiu de 8,33% para 13,21%; de até 2 salários mínimos (incluindo a faixa anterior) subiu de 26,47% para 36,65%; de até 3 salários mínimos (incluindo as faixas anteriores) subiu de 40,66% para 51,66%. Neste mesmo período, estudantes de famílias com renda familiar bruta superior ou igual a 10 salários-mínimos reduziu de 16,72% para 10,5%.
Por fim, Picanço (2016) traz dados semelhantes em seus estudos que investigam as chances de ingresso na Educação Superior entre os anos de 1993 e 2011, com base nos fatores de cor de pele e renda. Em sua pesquisa, a autora constatou que em 1993 a chance de acesso à Educação Superior era 4 vezes maior para brancos em relação a outras etnias; em 2011, a razão da chance de acesso à Educação Superior para brancos em relação a outras etnias se reduziu para 2,3 vezes (mas ainda favorável a brancos). Quanto ao fator renda, a pesquisa revela que em 1993 os membros do quintil mais rico tinham 81 mais chances de acesso à Educação Superior em relação aos membros do quintil mais pobre. Em 2011, esta razão se reduz para 19 vezes mais chance de acesso à Educação Superior a favor dos membros do quintil mais rico (PICANÇO, 2016, p. 116 - 117).
4 Considerações finais
Os resultados encontrados nesta pesquisa indicam que, nas últimas duas décadas, a preocupação com o acesso e a democratização do acesso à Educação Superior se tornou uma importante pauta de ações públicas e, consequentemente, de pesquisas acadêmicas. No período analisado, foram identificados 58 artigos que trazem significativas contribuições ao campo de pesquisa. A análise deste material permite observar que conceitos, temas e contribuições se reiteram de modo complementar em estudos com abordagens metodológicas distintas, constituindo um consolidado e sólido corpo de conhecimentos, com fundamentação teórica e empírica. Quanto a estes conhecimentos, destacamos alguns pontos-chave:
a) As políticas de Estado voltadas à democratização da Educação Superior precisam superar ações que objetivam especificamente aumentar o número de matrículas. Esta democratização requer a expansão do número de vagas associada a uma série de transformações no sistema de educação nacional, levando-se em conta: a melhoria da infraestrutura da Educação Básica; da formação, qualificação, contratação e remuneração dos professores (de todos os níveis); das condições de permanência dos estudantes, em especial em nível médio e superior; da valorização da escola e da universidade enquanto espaços de cultivo e defesa de saberes democráticos;
b) O estamento socioeconômico se reproduz dentro da Universidade – na hierarquia dos cursos e das instituições (de maior ou menor prestígio) – e a transforma em ferramenta que reforça a estrutura socioeconômica da sociedade. Estudos presentes nesta revisão indicam que estudantes de menor renda tendem a procurar cursos nas áreas de humanas e licenciaturas, enquanto os de maior renda tendem a procurar cursos na área de engenharia e saúde, os quais, em relação aos anteriores, são mais propensos a resultar em uma maior renda no mercado de trabalho;
c) As políticas públicas analisadas são compreendidas por diversos autores como reformistas e provisórias, não resolvem os problemas e as contradições econômicas que determinam as desigualdades na universidade e que se reproduzem fora delas, mas criam uma percepção de resolução ilusória, cumprindo a função de conformação sociopolítica;
d) O processo de globalização dos últimos 30 anos demarcou com maior nitidez o devido lugar de cada nação no cenário internacional. Esta distribuição de papéis, operada pela ação de organismos transnacionais alinhados a setores específicos das economias nacionais, reflete-se diretamente nas políticas internas, aqui especialmente tratadas as de Educação Superior;
e) A financeirização da Educação aparece como fenômeno recente e, possivelmente, irreversível. Parte significativa dos estudantes da graduação o fazem em filiais de grandes conglomerados, que se consolidaram há não mais de 20 anos e que se prevalecem de uma simbiose entre o capital internacional e mercado nacional;
f) Frente ao cenário político e econômico atual, tendo em vista as ações de contenção de recursos para o setor da educação e a aprovação de emendas constitucionais que limitam investimentos públicos, são poucas as aspirações de ações de maior abrangência ou profundidade em relação à melhoria da qualidade do ensino da Educação Superior pública;
g) Diante da instabilidade econômica vivenciada atualmente, as pequenas conquistas alcançadas nas políticas de acesso e democratização, ainda que ladeadas à mercantilização do setor da educação, podem ser perdidas à medida que discursos e políticas de combate ao bem público, em crescente difusão por setores conservadores da sociedade, tornem-se hegemônicos e preponderantes nas diretrizes governamentais.
Diante dos achados desta revisão, reconhecemos que as políticas públicas voltadas para a democratização do acesso à Educação Superior contribuíram para o aumento do número de instituições de Educação Superior públicas, mas também para a ascensão dos conglomerados privados e para o aumento das vagas e matrículas. Entretanto, os resultando das ações dessas políticas são limitados quando analisados os reflexos sobre as mudanças na estrutura social brasileira, uma vez que os estudantes que estão nas instituições superiores, em cursos de maior prestígio e com tendência de maior remuneração profissional, ainda correspondem, em sua maioria, a grupos já socialmente privilegiados. Dessa forma, reitera-se que as políticas públicas necessitam superar os condicionantes estruturais, de ordem nacional e internacional, bem como fomentar a melhoria da qualidade da Educação Superior e oportunizar que a entrada dos estudantes nesse nível de educação não tenha vinculação à origem social.