1 INTRODUÇÃO
O desenvolvimento infantil pode ser definido como um processo progressivo, multidimensional e integral que se inicia com a concepção e que engloba o crescimento físico, a maturação neurológica, os desenvolvimentos comportamental, sensorial, cognitivo e de linguagem, assim como as relações socioafetivas. Tem como efeito tornar a criança capaz de responder às suas necessidades e as do seu meio, considerando-se seu contexto de vida (OPAS, 2006).
Nem sempre o desenvolvimento infantil ocorre de forma típica. Podem ocorrer atrasos, desvios ou transtornos no desenvolvimento da criança. Dentre estes transtornos encontra-se o autismo. Nos últimos anos, assistimos a alterações consideráveis na classificação diagnóstica do Transtorno do Espectro Autista (TEA), em consequência de revisões sistemáticas de critérios, por parte da comunidade científica (APA, 2013), e de avanços clínicos resultantes da prática de profissionais especializados.
A tríade clínica de incapacidades que define o TEA na DSM-IV é reduzida para dois critérios na DSM-5, ficando os déficits de interação social e os da comunicação englobados num único critério, designados como "déficits na comunicação social" além dos “comportamentos e interesses restritos e repetitivos” (APA, 2014).
O TEA tem início precoce e traz dificuldades que tendem a comprometer o desenvolvimento do indivíduo, ao longo de sua vida, apresentando uma extensa variabilidade na intensidade e forma de expressão da sintomatologia, nas áreas que definem o seu diagnóstico. Trata-se de uma síndrome comportamental complexa que apresenta etiologias múltiplas, combinando fatores genéticos e ambientais (RUTTER, 2011).
Desse modo, é preciso que o mais precocemente possível sejam ofertadas intervenções que possam minimizar os prejuízos causados pela ausência de comunicação, de interação social e de simbolização, de forma a melhorar a qualidade de vida da criança e inseri-la em sociedade. Através da intervenção precoce, tem-se como objetivo impedir que os sintomas do autismo tornem-se irreversíveis ou mais difíceis de serem tratados (LEWIS; ELMAN, 2008).
Já que não se pode falar ainda em cura para o autismo, é preciso que se desenvolvam estratégias que deem conta dos prejuízos secundários deste transtorno (HADWIN, BARON-COHEN, 1999). A neuroplasticidade cerebral, que permite maior rearranjo das ligações sinápticas e funcionamento cerebral, é maior nos primeiros anos de vida, então, estimular a criança precocemente pode favorecer a diminuição dos sintomas e aumentar as chances de seu desenvolvimento (MCCONACHIE; WATSON, 2014).
O tratamento engloba inúmeras intervenções educacionais e clínicas, através de uma equipe multidisciplinar, de acordo com as necessidades de cada criança. É possível observar que existe um grande número de possibilidades referentes ao tratamento para o Transtorno do Espectro Autista, podendo este ser medicamentoso ou terapêutico, de base comportamentalista ou desenvolvimentista, ressaltando-se a importância da intervenção precoce de acordo com o perfil de cada criança e de sua família (STUDER et al., 2017).
Assim, a abordagem desenvolvimentista responderia bem a tais dificuldades do autista, porque objetiva que a criança desenvolva habilidades efetivas de comunicação, sejam elas verbais ou não verbais, favorecendo o desenvolvimento da linguagem, em ambientes naturais, por meio da retomada da sequência do desenvolvimento típico inicial. Tudo isso ajuda a minimizar problemas comportamentais, como agressões e autolesões, aumentar a interação social, maximizar as condutas intencionais e socioafetivas da criança (GREENSPAN; WIEDER, 1999; MCCONACHIE et al., 2005).
A literatura aponta que o modelo desenvolvimentista tem-se revelado eficaz em favorecer o desenvolvimento das crianças, especialmente entre 18 e 48 meses, e pode ser utilizado em contextos naturais. Ele fornece inúmeras estratégias estruturadas para trabalhar com crianças muito jovens, em contextos individuais e em grupo, promovendo o seu desenvolvimento em domínios-chave como a imitação, a comunicação, a cognição, as competências motoras e sociais, o comportamento adaptativo e os jogos (LAMPREIA, 2008; WETHERBY; PRIZANT, 2000), daí a nossa opção por utilizá-la nesta pesquisa.
Assim, ao longo das décadas, o atendimento às crianças autistas passou a ter como foco o início do transtorno, antes que os prejuízos sejam agravados e tornem o tratamento mais difícil. Desta forma, as intervenções atuais, desenvolvidas em outros países, como Estados Unidos e Inglaterra, utilizam a abordagem desenvolvimentista, atuando tão logo as dificuldades iniciais são apontadas (DAWSON; ZANOLLI, 2003).
De forma a consolidar estes conhecimentos sobre o autismo, realizamos esta pesquisa. Mais especificamente, este estudo pretendeu avaliar os efeitos da aplicação de um programa de intervenção precoce, para pais/ cuidadores, baseado na abordagem desenvolvimentista, na ocorrência de turnos e de modalidade de iniciativas e respostas para crianças com menos de trinta meses de idade, com diagnóstico ou suspeita de autismo.
2 MÉTODO
2.1 Participante: Izabel
A pesquisa contou com três crianças e respectivos cuidadores. Neste artigo, no entanto, será descrito o trabalho somente com Izabel, por ser, dentre as três crianças, a que apresentava um quadro clínico mais grave, bem como a mais jovem a ser inserida nas intervenções. A participante era criança atendida pelos pediatras, no ambulatório de Seguimento em Pediatria, da Faculdade de Medicina de Campos, aos 18 meses, pelo neurologista e pelo pediatra, com diagnóstico de autismo, apresentando quadro severo. Além da menina, com sua respectiva cuidadora participaram também deste estudo uma Terapeuta Ocupacional e uma Pedagoga, que atuavam no referido Ambulatório.
2.2 Local da pesquisa
Esta pesquisa se desenvolveu no supracitado ambulatório, situado em Campos dos Goytacazes-RJ. Este Serviço da rede SUS (Sistema Único de Saúde) recebe crianças de 1 a 7 anos para tratamento do Transtorno do Espectro. Neste serviço há uma equipe multidisciplinar, composta por pedagogos, psicopedagogos, fisioterapeuta, psicólogo e terapeuta ocupacional. O ambulatório possui três salas para as intervenções.
2.3 Materiais e instrumentos
Para a implementação do protocolo foram utilizados uma filmadora digital Sony (Manducam); jogos pedagógicos, brinquedos variados (sonoros, musicais, jogos de encaixe e outros); fantasias; óculos; peruca colorida; “tapete mágico”; material para exploração sensorial e fichas para registro cotidiano das sessões, bem como “diário de campo”.
Os instrumentos de rastreio aplicados foram o M-CHAT e o ESAT.
2.4 Procedimentos específicos
Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (protocolo 35454314.4.0000.5282), foi iniciada a pesquisa.
O estudo foi desenvolvido em três fases: linha de base, tratamento e follow-up.
a) Fase de linha de base
Ao adentrarem o Serviço, a mãe foi entrevistada sobre: gravidez, parto, doenças pré e pós-natais, doenças que a criança já teve; frequência à Creche/Escola; local de residência; pessoas com quem a criança mora; motivo do encaminhamento ao Serviço; percepção da mãe sobre o que é “diferente” em seu filho; uso de medicamentos; descrição de como a criança se alimenta, brinca, dorme, contato lúdico com outras crianças, fala, indicando a idade em que iniciou a fala, dentre outros.
A seguir, a criança foi estimulada pelo terapeuta a brincar: este propunha brincadeiras e jogos, de forma a conhecê-la. Também foram aplicados testes de rastreio: M Chat e ESAT; bem como observação sobre o perfil sensorial da criança, com ajuda da família. Depois, a criança foi encaminhada às terapias com a terapeuta ocupacional, a psicopedagoga e a cuidadora.
Foram então conduzidas 10 sessões com duração de 40 minutos da cuidadora e a criança, sem nenhuma orientação prévia da pesquisadora. A cuidadora foi solicitada a brincar com a criança utilizando ou não os brinquedos e materiais existentes na sala do Ambulatório Interdisciplinar. Esta fase foi encerrada após indicação de certa habilidade da cuidadora na organização do ambiente, de forma a favorecer a comunicação da criança, por meio da disposição dos brinquedos/objetos dentro do campo visual da criança e fora do seu alcance.
b) Fase de intervenção
Nesta fase, a cuidadora e as terapeutas foram chamadas a participar de um Curso de Capacitação com duração de oito horas e de um programa de intervenção aplicado aos pais e cuidadores.
Etapa 1 - Curso de Capacitação I, para pais/cuidadores
O objetivo desse curso foi orientar pais a promover o desenvolvimento das crianças participantes, por meio da oferta de novas situações de aprendizagem, de modo a se tornarem coterapeutas, reproduzindo as orientações recebidas e possibilitando a emissão dos comportamentos adequados em outros contextos.
Etapa 2 - Programa de intervenção aplicado à cuidadora
Foram realizadas 15 sessões interventivas com a criança, sua cuidadora a e as terapeutas. A fase de intervenção sobre a criança compreendeu dois procedimentos e teve como objetivo ajudar a criança a emitir espontaneamente respostas pré-verbais, bem como melhorar sua interação social com os cuidadores e terapeutas.
Os objetivos dessa intervenção foram: a) identificar áreas e repertório de comportamentos das crianças a serem desenvolvidos ou comportamentos a serem extintos por meio da análise das sessões videografadas durante a linha de base e de vídeos caseiros trazidos pelos pais; b)identificar áreas e repertório de comportamentos dos adultos, no tratamento com a criança com autismo, que devem ter continuidade ou que precisam ser modificados; c) possibilitar a troca de informações entre os pais, de forma a auxiliar a dirimir dúvidas de forma a auxiliar no desenvolvimento da criança com autismo; d) elaborar um programa individualizado, estimulando o aprendizado de novas habilidades, ampliando os repertórios de potencialidades e reduzindo comportamentos mal adaptativos e disfuncionais, bem como favorecendo interações sociais mais positivas e melhorando a qualidade do padrão de comunicação.
Utilizando os vídeos, a cuidadora, a pesquisadora e as terapeutas puderam identificar os principais aspectos a serem observados para implementação das estratégias de ensino e registro das respostas da criança, compreendendo o funcionamento de cada uma. Incluímos, no referido programa, os elementos críticos para uma melhor prática nos Programas de Intervenção Precoce destinados a crianças até cinco anos de idade com risco de atraso ou desvio em seu desenvolvimento (LAMPREIA, 2007; NRC, 2001), baseado no perfil individualizado de cada criança (NRC, 2001); centrados no desenvolvimento da atenção (focalizada e sustentada; compartilhada e conjunta); utilização da imitação e uso da linguagem expressiva; emprego de atividades lúdicas/jogo com brinquedos apropriados para favorecer a interação social (NRC, 2001); oferecendo apoios aos pais/cuidadores (GURALNICK, 1998), envolvendo os mesmos como agentes ativos na intervenção (ARAÚJO, 2012; CORREA NETO, 2017; GREENSPAN; WIEDER, 1999; GURALNICK, 1998; MCCONACHIE et al., 2005; NRC, 2001).
Nas 15 sessões de intervenção para cada uma das três crianças foram utilizados três procedimentos:
Na primeira parte da sessão, com duração total de 20 minutos, em média, foram estruturadas situações pelas terapeutas com a cuidadora, de modo a propiciar o desenvolvimento das categorias de comunicação inicial das crianças, por meio da intervenção direta da cuidadora a sobre ela;
Assim, os 20 minutos restantes eram dedicados à intervenção direta da terapeuta sobre a criança, com a mãe apenas observando suas intervenções, para que ela servisse de modelo de como a mãe poderia agir com a criança em seu dia a dia;
Terminados os 40 minutos de intervenção, durante mais 10 minutos, a cuidadora era convidada a refletir, com a pesquisadora e a terapeuta, de que forma poderia corrigir eventuais erros cometidos por ela. A cuidadora era orientada sobre como proceder nas determinadas situações e incentivada a promover as interações com a sua criança, em casa ou nos demais ambientes de convivência.
Fase de follow-up
Esta fase ocorreu 40 dias após o término da intervenção de forma a verificar a manutenção das respostas dos participantes, sem a presença da pesquisadora. Após, foi realizada uma entrevista, filmada e transcrita, com a cuidadora e terapeutas, de forma a expor e avaliar os avanços de cada criança.
2.5 Delineamento da pesquisa
Segundo Nunes Sobrinho e Naujorks (2001); Nunes e Walter (2014), trata-se de pesquisa quase experimental, intrassujeitos, do tipo AB - linha de base, tratamento e follow-up-. Neste tipo de pesquisa, o desempenho de cada sujeito é avaliado em relação a ele mesmo, e não em comparação com os demais. Um único participante é avaliado diversas vezes no decorrer do estudo, em vários aspectos diferentes e o nível de desempenho do participante é comparado com ele próprio sob diversas condições experimentais. Estudos com esse tipo de delineamento podem ocorrer em três fases: linha de base (pré-teste), tratamento (intervenção) e follow up (pós-teste). A análise e interpretação dos dados ocorreram de forma quantitativa e qualitativa.
As variáveis desse estudo foram:
-
✓ Variável independente: oferta de programa de capacitação para pais/cuidadores.Variáveis dependentes: desempenho dos pais/cuidadores na interação com as crianças, e que pode ser avaliado em termos da frequência dos seguintes comportamentos:
usar acessórios divertidos para chamar a atenção da criança: óculos, perucas...;
usar brinquedos sonoros, coloridos, que emitem som ou luz, ou que são musicais;
chamar a criança pelo nome diversas vezes;
ficar em frente do espelho com a criança, ajudar a reconhecer-se pelo nome;
brincar com a criança, tocá-la, fazer cócegas, de forma a estimular o sorriso responsivo; deixar a criança começar uma brincadeira;
fazer um comentário engraçado ou elogioso para que a criança o olhe e volte a brincar;
fazer imitações das ações da criança, repetir sons, vocalizar sílabas;
usar músicas infantis; a partir de músicas, estimular a imitação dos gestos.
Num segundo momento, o uso de estratégias aprendidas durante a capacitação, pelos pais/cuidadores funcionou como variável independente e a resposta das crianças como variável dependente:
2.6 Registro e análise dos dados
Para o registro de todos os dados, foram utilizadas três fichas:
a) Uma de registro de evento, realizado a partir da transcrição das sessões videografadas, o qual envolvia anotar em cada sessão a ocorrência de cada comportamento ao longo dos minutos 06 a 21, tanto da linha de base, quanto da intervenção e do follow-up, já que os cinco minutos iniciais eram de ambientação da criança. Os seguintes comportamentos: foram registrados: iniciativa do adulto, modalidade da iniciativa (verbal, gestual, mista (verbal+gestual) do adulto ou da criança, modalidade da resposta (verbal, gestual, mista (verbal+gestual) do adulto ou da criança, bem como as seguintes categorias: imitação; respeito à alternância de turno;
b) uma segunda ficha para fazer o cômputo geral ou síntese das interações e respostas da criança;
c) uma terceira ficha para registrar se os itens do Programa de Intervenção Aplicado aos Pais e Cuidadora foram utilizados na linha de base, na intervenção e no follow-up.
Usou-se um “diário de campo” para anotação de aspectos relevantes das sessões ou situações relatadas pela cuidadora e profissionais.
Os dados das respostas das cuidadoras e das crianças foram submetidos ao Tau-U que é um método para avaliar o tamanho do efeito de uma intervenção. Ele representa um novo índice para análise de dados de pesquisa intrassujeitos que combina a não sobreposição entre fases com a tendência dos dados da fase de intervenção. O Tau-U mensurando dados não sobrepostos entre duas fases (linha de base e intervenção) constitui técnica não paramétrica “livre de distribuição”, com poder estatístico de 91% a 95% de regressão linear (OLS) quando os dados estão em conformidade com as suposições paramétricas. Este é um índice bem adequado para conjuntos de dados pequenos (PARKER; VANNEST; DAVIS; SAUBER, 2011).
3. RESULTADOS
Perfil de Izabel
Izabel, de 18 meses, quando iniciou o tratamento, permaneceu por vários dias sem entrar na sala de atendimentos, mesmo com a mãe. A menina se recusava e chorava muito. Jamais sorriu nesta fase. Não atendia pelo nome. Apresentavas estereotipias. Não fixava o olhar no interlocutor. A tentativa de intervenção (acolhimento) era realizada no corredor do hospital. Izabel estabeleceu grande empatia com a terapeuta ocupacional. Foram realizadas três reuniões com a mãe, a terapeuta ocupacional, a pedagoga e o pediatra da menina, de forma a conhecermos melhor seu quadro clínico.
Seu repertório de interesses era bastante limitado. Izabel não falava e se comunicava muito pouco. Nos primeiros dias, apesar dos vários brinquedos e brincadeiras propostas, Izabel permaneceu toda a sessão de 30 minutos no colo da mãe, parada, sem se interessar por nenhum dos brinquedos oferecidos (pianinho colorido; Peppa Pig; telefone, livros infantis, jogos de encaixe...) e chorando. A mãe demonstrou desconforto e inquietação, mas, ao mesmo tempo, dizia que queria muito ajudar a filha a melhorar.
Na linha de base foram realizadas 10 sessões de aproximadamente quarenta minutos cada. Depois, foram realizadas 15 sessões de intervenção, com a participação da cuidadora a e terapeuta e cinco sessões de follow-up. Desta forma, a partir dos instrumentos de avaliação aplicados (M CHAT, ESAT), e fundamentação nas abordagens naturalística e desenvolvimentista, foram elaborados os objetivos e estratégias de ensino para Izabel, visando aumentar atenção ao estímulo social e às funções comunicativas da menina.
Na Figura 1 está apresentado o número de ocorrências das iniciativas de Izabel e das respostas da cuidadora a estas iniciativas, em cada sessão, nas fases de linha de base, intervenção e follow-up.
Podemos observar que, na fase da intervenção, assim como no follow up, Izabel aumentou consideravelmente suas iniciativas de interação com a cuidadora, comparativamente à linha de base. A cuidadora a respondeu a estas iniciativas nas três fases.
A tabela 1 apresenta o somatório das modalidades de respostas verbal/vocal; gestual (incluindo expressão facial, expressão corporal) e misto (vocal + gestual) empregadas pela díade durante todas as sessões de linha de base, intervenção e follow-up.
Cuidadora | Izabel | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Linha de Base | Intervenção | Follow-up | Linha de Base | Intervenção | Follow-up | |
Verbal/Vocal | 16 | 46 | 14 | 17 | 21 | 4 |
Exp. Facial | 12 | 9 | 1 | 34 | 77 | 23 |
Exp. Corporal | 39 | 72 | 20 | 30 | 87 | 32 |
Mista | 41 | 90 | 32 | 27 | 37 | 7 |
Total | 108 | 217 | 67 | 108 | 222 | 66 |
Fonte: os autores, pesquisa de campo
Houve um aumento generalizado nas diversas modalidades de respostas, tanto da cuidadora quanto da criança, na fase de intervenção comparativamente à de linha de base. No follow-up, contudo, houve um decréscimo em todas as modalidades.
Na Tabela 2 são apresentados os dados do Tau-U acerca dos comportamentos/estratégias utilizados pela cuidadora de Izabel, nas sessões de intervenção, comparativamente à fase de linha de base.
Estratégias de ensino | p | TAU-U |
---|---|---|
Usa acessórios divertidos para buscar chamar a atenção da criança | 0,1655 | -0,3333 |
Usa brinquedos sonoros | 0,6774 | 0,1000 |
Chama a criança pelo nome | 0,2120 | 0,3000 |
Fica em frente ao espelho com a criança, ajuda a reconhecer-se pelo nome | 0,4881 | 0,1667 |
Brinca com a criança pelo toque, estimulando o sorriso responsivo | 0,6774 | 0,1000 |
Deixa a criança começar uma brincadeira | 0,0522 | 0,4667 |
Faz um comentário engraçado ou elogioso para que a criança volte a brincar | 0,0036* | 0,7000 |
Faz imitações, repete sons, parecidas com as da criança | 0,4054 | 0,2000 |
Estimula a imitação, alternando turnos | 0,1655 | 0,3333 |
Usa músicas infantis | 0,6774 | 0,1000 |
A partir das músicas, estimula a imitação dos gestos | 0,8897 | 0,0333 |
* Diferença estatisticamente significante, corte em p<0,05
Fonte: os autores, pesquisa de campo
O teste estatístico mostra um forte efeito do Curso de Capacitação para Cuidadora as no comportamento de fazer comentários engraçados ou elogiosos para que a criança voltasse a brincar e um efeito relativamente fraco quanto ao comportamento de deixar a criança começar uma brincadeira. Não houve, todavia, diferença estatisticamente significante quanto às demais variáveis.
Na Tabela 3 estão resultados do Tau-U sobre a ocorrência de diferentes modalidades de iniciativa e de resposta de Izabel na fase de intervenção comparativamente à de linha de base
Izabel | ||
---|---|---|
Iniciativa | p | TAU-U |
Verbal | 0,5791 | -0,1333 |
Facial | 0,0265 | 0,5333 |
Corporal | 0,1077 | 0,3867 |
Mista | 0,4881 | 0,1667 |
Total | 0,0855 | 0,4133 |
Resposta | p | TAU-U |
Verbal | 0,6572 | -0,1067 |
Facial | 0,0305 | 0,52 |
Corporal | 0,0198 | 0,56 |
Mista | 0,4054 | -0,2 |
Total | 0.0714 | 0,4333 |
Fonte: os autores, pesquisa de campo
O teste estatístico mostrou efeitos relativamente moderados do Curso de Capacitação para Cuidadora nas iniciativas, usando expressões faciais, e nas respostas faciais e corporais de Izabel. Não houve, todavia, diferença estatisticamente significante quanto às demais variáveis.
Os comportamentos de “prestar a atenção aos estímulos sociais, “alternância de turno e comportamento antecipatório” parecem ser de máxima importância para que a criança realmente se engaje em trocas sociais recíprocas que possibilitarão o seu desenvolvimento e, conforme observado durante a aplicação do programa, estes comportamentos parecem estar relacionados com o papel da criança em se tornar o iniciador das interações, que é um dos princípios fundamentais para o desenvolvimento infantil, conforme preconizam Wetherby, Schuler e Prizant (2000).
Foram evidenciados ganhos nas iniciativas da menina, por meio das expressões faciais. Especialmente, em jogos corporais, como “Serra, serra, serrador”, a menina esboçava sorriso farto. Por meio da expressão facial a menina solicitava que o jogo não parasse, por exemplo. Também, na hora de ir embora, passou a olhar para a cuidadora, dar a mão a esta e se encaminhar para a porta de saída. Estes devem ser os primeiros comportamentos observados como alvo das estratégias da intervenção.
Para avaliar a generalização dos comportamentos aprendidos pela cuidadora e pela criança é imprescindível que o profissional avalie a díade em sessões mais formais em outros contextos. Entretanto, não foi possível levar a criança para outro ambiente.
Na fase de follow up foram oferecidas atividades um pouco diferentes das realizadas anteriormente e mostrados brinquedos novos pela cuidadora. Contudo, a menina estava retornando de uma internação hospitalar, por problemas pulmonares, um tanto debilitada, e isto se refletiu em resultados menos exuberantes nesta fase de follow up do que na fase de intervenção.
4 VALIDADE SOCIAL
A validade social refere-se à percepção dos próprios participantes, de seus pais e profissionais acerca das mudanças na vida dos participantes em decorrência da intervenção. Ela implica igualmente na manutenção dos ganhos após a finalização da pesquisa, ou seja, se a intervenção apresenta “sustentabilidade de efeitos” (NUNES, 2010).
Foi realizada uma entrevista com os pais da criança envolvida, após as intervenções, com a participação das terapeutas e da pesquisadora. Estas entrevistas foram filmadas e transcritas. De modo sintético, na visão dos pais, identificamos validade social deste estudo, que pode ser identificada na fala abaixo, de forma tímida, mas animadora para futuras pesquisas, quando a mãe relata: “... depois do tratamento aqui, ela agora já é mais sociável, fica até feliz de sair. Ela gosta de ir para a rua, tem que ver, pega a minha mãozinha... Na escola, antes, ficava atrás da porta da sala se escondendo das outras crianças...”
A validade social deste estudo está, além dos ganhos para o desenvolvimento da criança, em relação ao procedimento com a cuidadora. Esta se tornou parceira ativa das estratégias da intervenção, pois a manutenção e a generalização dos comportamentos apresentados durante as sessões formais são a garantia de que a criança os desenvolveu e os utilizará em outros contextos (GURALNICK, 2000).
5 DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
São vários os estudos que indicam a intervenção precoce como fator primordial para a melhora do quadro clínico do autismo, gerando ganhos significativos e duradouros no desenvolvimento da criança (CHARMAN, 2004; REICHOW, 2011). Devido à neuroplasticidade cerebral, a intervenção iniciada precocemente desempenha papel importante, fortalecendo os efeitos positivos da mesma. Dentre os ganhos decorrentes da intervenção precoce, quando estudada a longo prazo, estão redução dos gastos dos familiares no tratamento das crianças, redução de gastos para a saúde pública, melhores resultados para a criança e minimização do quadro autístico, segundo Garcia e Lampréia (2011).
É, então, de grande importância a implementação de medidas preventivas e intervenção precoce com bebês de risco. É necessária uma escuta qualificada da família e da pessoa em questão, incluindo: sua história de vida (dados sobre a gestação, o nascimento, os primeiros anos de vida, os marcos de desenvolvimento); a configuração familiar (quem mora na casa, laços familiares, relações com amigos, quem se ocupa prioritariamente do cuidado); sua rotina diária (Creche, Escola ou grupo social, dia a dia, autonomia); sua história clínica, intercorrências de saúde, hospitalizações, etc., segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2015).
Porém, vários fatores podem retardar a intervenção, como a demora na detecção das primeiras dificuldades no comportamento da criança, na busca pela ajuda profissional e na realização do diagnóstico, o que limita uma quantidade maior de pesquisas referentes à intervenção precoce no TEA. Alguns estudos têm demonstrado que crianças com autismo poucas vezes recebem esse diagnóstico antes dos cinco anos (DALEY, 2004; MANDELL; LISTERUD; LEVY; PINTO-MARTIN, 2002), sendo que algumas são diagnosticadas apenas quando atingem idade escolar (NOTERDAEME; HUTZELMEYER-NICKELS, 2010).
A intervenção, via cuidadores, orientada por profissional, pode ser efetiva e apropriada ao contexto socioeconômico brasileiro, que carece de programas governamentais e de profissionais qualificados para conduzir intervenções no tratamento de autismo precoce (AUTOR, 2018).
Porém, como limitante ao êxito deste estudo, encontramos dificuldades em fomentar momentos com o cuidador, individualmente, acreditando ser necessária uma atenção específica para a família, na ausência da criança, de modo que ela tenha um espaço exclusivo para trabalhar as suas próprias questões.
Dentre os fatores que limitaram, de certo modo, o desenvolvimento da pesquisa, destacamos: dificuldades em fomentar momentos particulares com o cuidador sem a presença da criança, com o propósito de oferecer-lhe um espaço exclusivo para trabalhar as suas próprias questões; impedimentos das famílias em participar das sessões de pesquisa mais frequentemente e por um período de tempo mais extenso; pouca disponibilidade das famílias em receber a pesquisadora em seus lares.
O presente trabalho aponta uma contribuição relevante para o desenvolvimento de novos programas de intervenção precoce que poderão ajudar outras crianças que apresentam transtornos em seu desenvolvimento, sabendo-se que muito ainda precisa ser investigado e aperfeiçoado.
Ressalta-se, ainda, a necessidade de um maior investimento na realização de estudos experimentais e quase experimentais em educação e em saúde. Sugere-se que novos estudos sejam realizados, reforçando-se a necessidade de pesquisas rigorosas, que apontem os reais benefícios da intervenção precoce no autismo. O diagnóstico precoce do TEA é um enorme desafio no Brasil, o que dificulta a realização de pesquisas com crianças em tenra idade.