1 INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta uma análise de teses e dissertações identificadas em programas de mestrado e doutorado das áreas de Ciências e Matemática, a partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com foco em práticas pedagógicas que fazem uso de tecnologias encapsuladas pelo conceito de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC).
As TDIC têm sido utilizadas em diversos segmentos da sociedade, inclusive no ambiente escolar. Tendo em vista os avanços tecnológicos voltados para a educação, elas possibilitam novas formas de comunicar e adquirir conhecimento (LEITE, 2015).
De acordo com Garcia et al. (2020, p. 216), “a tecnologia pode ser uma boa aliada do professor, quando este pretende ensinar de forma a promover uma educação integral e plena. Dessa forma, os recursos tecnológicos auxiliam na abordagem de temáticas em sala de aula e podem ser grandes aliados na educação”. Os autores ressaltam a importância da adequação na formação inicial de professores para o uso de tecnologias. A discussão envolvendo educação e tecnologia mostra-se bem pertinente, considerando-se que a utilização de dispositivos eletrônicos (computadores e dispositivos móveis) torna-se cada vez mais indispensável no cotidiano dos indivíduos (FERNANDES; SCORTEGAGNA, 2018).
Embora ainda seja precoce determinar a proporção alcançada com o uso de tecnologia e acesso à internet para fins educacionais, pontua-se a relevância dessa temática no ano de 2020, em razão do período atípico causado pela pandemia de Covid-19. Essa ocorrência provocou mudanças em muitas áreas como as da economia, da saúde, social e, inclusive, educacional, uma vez que as aulas presenciais foram suspensas, em nível básico e superior, em toda a extensão do território brasileiro.
Ocorreram adaptações em atividades presenciais para que fosse possível a realização de aulas em forma remota de home office (quando o escritório vai do ambiente de trabalho para o de moradia). Assim, recorreu-se ao suporte de tecnologias e ao uso da internet para manter o funcionamento, dentro do possível, das diversas atividades planejadas.
A partir da BNCC, aprovada em 2017 para o Ensino Fundamental e em 2018 para o Ensino Médio como documento-base para os currículos escolares de educação básica, percebe-se a menção ao emprego da tecnologia para fins educacionais. Neste estudo, busca-se compreender como as pesquisas sobre tal temática abordam práticas que fazem uso de tecnologias. O objetivo deste artigo é, pois, analisar textual e discursivamente as concepções teórico-metodológicas orientadoras da utilização de TDIC na educação básica, mais especificamente na educação de matemática e ciências, presentes na produção de dissertações e teses de programas de pós-graduação stricto sensu a partir da publicação da BNCC.
Com o uso de palavras-chave, operadores booleanos e filtros de exclusão, o corpus de análise foi definido. Para orientar a análise desse corpus, a fim de identificar como a BNCC tem sido utilizada como guia de referenciais teóricos de dissertações e teses, foram elaboradas duas questões norteadoras: (i) Quais os aportes teóricos que estruturam a(s) prática(s) presente(s)?; (ii) Qual(is) a(s) estrutura(s) metodológica(s) das TDIC utilizada(s)?
Na sequência deste artigo, são desenvolvidos os seguintes tópicos: embasamento teórico sobre o uso de tecnologias; metodologia de análise; dados coletados; e metatexto.
2 EMBASAMENTO TEÓRICO SOBRE O USO DE TECNOLOGIAS
A BNCC (BRASIL, 2017) trata da inserção das TDIC na educação básica. Para tanto, elenca três competências básicas a serem desenvolvidas: o mundo digital e a cultura digital, de ordem subjetiva e cidadã (VALENTE, 2016; BRACKMANN, 2017), e o pensamento computacional, uma competência lógico-linguística associada ao uso de computadores na resolução de problemas (WING, 2011; DENNING; TEDRE, 2019).
Como pontua Valente (2016, p. 866), “é inegável que a presença das TDIC tem provocado transformações importantes na organização econômica, social e cultural”. No contexto educacional, não é diferente, pois essas tecnologias podem representar novas práticas educacionais e formas de ensino-aprendizagem. Ainda, “diversos trabalhos abordam a questão da preparação de professores para desenvolver essas atividades, e como avaliar o aluno com relação ao desenvolvimento do pensamento computacional” (VALENTE, 2016, p. 868). Há um esforço em criar um saber docente (SCHÖN, 1992) que siga os currículos e que embase práticas pedagógicas.
Sobre as repercussões na educação, para Cursino (2017, p. 26), “o acúmulo de informações não gera conhecimento por si só; é necessário construir significados para que este conhecimento adquirido seja utilizado com maior eficácia”. Para isso, o autor identifica a necessidade de a alfabetização digital estar inserida no ambiente escolar para que proporcione aos professores alterações em práticas no dia a dia.
Um exemplo da importância da tecnologia no âmbito educacional pode ser visto em Brackmann (2017, p. 43), quando afirma que “é evidente que o computador se tornou um parceiro indispensável para a resolução de problemas”; assim, o suporte na educação passa a ser um canal a mais para o ensino-aprendizagem. O autor ainda argumenta sobre o quanto o conhecimento em educação computacional facilita o aprendizado dos estudantes em outras disciplinas, ou seja, quando ocorre a promoção da interdisciplinaridade, além de ajudar esses indivíduos no mercado de trabalho.
3 METODOLOGIA DE ANÁLISE
O presente estudo é um recorte com o cunho de revisão empírico-bibliográfica (GIL, 2018; FIORENTINI; LORENZATO, 2006). Foram pesquisados, por meio da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), trabalhos publicados referentes à BNCC (BRASIL, 2017). Essa busca limitou-se aos anos de 2017 até 2020, adequando a expectativa de delinear o cenário das possíveis influências da BNCC sobre os aspectos teórico-metodológicos presentes nessas produções.
De acordo com o objetivo geral, os termos pesquisados procuraram associar as TDIC à Pesquisa em Educação de Ciências e Matemática, sendo eles: “TDIC”, garantindo a centralidade da temática; “Educação Básica”, determinando o tipo de pesquisa de que se trata; além do termo “Ciências OR Matemática”, utilizando-se o operador booleano “OR” para referir-se a “e/ou”. Todos esses termos deveriam estar presentes nos títulos ou palavras-chave sob o resumo.
Para maior refinamento, alguns delimitadores foram estabelecidos como critério de exclusão. Os trabalhos deveriam referenciar a BNCC reformulada em 2017, reconhecendo sua existência e fazendo construções teóricas em referência; os trabalhos não poderiam ser revisões sistemáticas de literatura; as pesquisas deveriam ter lócus na educação básica.
Dessa busca resultaram 29 publicações (1 tese e 28 dissertações). Após a adoção dos critérios de exclusão supramencionados, 11 desses trabalhos (1 tese e 10 dissertações) atenderam aos requisitos para análise neste artigo.
Nas dissertações e teses, foram analisados os referenciais teóricos e a metodologia considerando-se duas questões: (i) Quais referenciais teóricos estruturam o trabalho?; (ii) Qual(is) estrutura(s) metodológica(s) foi(ram) apresentada(s) para cada TDIC utilizada?
3.1 Análise Textual Discursiva
O produto das questões, excertos dos textos, passou por um método de análise por emergência (a posteriori) baseado em Análise Textual Discursiva (ATD). Segundo Moraes e Galiazzi (2006), a ATD situa-se entre eixos conceituais: o dos significados expressos pelo autor e o dos contextos de produção dos textos.
A ATD é composta de três processos claramente distinguíveis: a unitarização, a categorização e a produção do metatexto. Sobre a unitarização, Moraes e Galiazzi (2006, p. 118) referem que:
A análise textual discursiva é descrita como um processo que se inicia com uma unitarização, em que os textos são separados em unidades de significado. Estas unidades por si mesmas podem gerar outros conjuntos de unidades oriundas da interlocução empírica, da interlocução teórica e das interpretações feitas pelo pesquisador.
Dessa descrição é corolário que a análise não se inicia com um processo de copiar, colar e adequar gramaticalmente. Existem, nesse contexto, portanto, interpretação e apropriação semântico-teórica de ordem subjetiva e qualitativa. A unitarização parte o texto por métrica ou sintaxe, o que leva a uma repartição dos textos em suas ideias e argumentos.
Para Moraes e Galiazzi (2006, p. 118), esses processos “posicionam a articulação de significados semelhantes em um processo denominado de categorização, no qual reúnem-se as unidades de significado semelhantes, podendo gerar vários níveis de categorias de análise”.
É na categorização, de acordo com Galiazzi e Sousa (2017), que se constrói e particulariza a metodologia de ATD. A construção das categorias pode dar-se a partir do método indutivo ou por emergência de categorias (a posteriori). Agrupamentos por separação e/ou contraste constituem categorias fundamentadas por um referencial teórico previsível, mas subjacente.
A ATD justifica-se pela ação da interpretação realizada sobre a escrita e, nesse processo, foca-se a produção de significados e sentidos para que ocorra a compreensão textual. Por isso, iterativamente, a análise consiste no deslocamento do empírico para o teórico/abstrato, pois a ATD é, em essência, uma metodologia recursiva. Esse alcance obtém-se quando o pesquisador faz um movimento intenso de interpretação do texto originário e articulação de argumentos em consonância - ou registrada dissonância - com a literatura do tema (MORAES; GALIAZZI, 2006), configurando-se, assim, o processo concluinte - o metatexto.
Esse texto, teoricamente fundamentado, tem por função expressar, em argumentos, ideias recursivamente analisadas e agrupadas em categorias e subcategorias, que devem ser apresentadas com a presença de referenciais teóricos, bem como com a participação do pesquisador. Isso se dá porque, na ATD, tanto a pesquisa quanto o autor/pesquisador que a realiza sofrem transformações. No presente trabalho, as análises apresentadas na seção 6 configuram um metatexto.
4 DADOS COLETADOS: CARACTERIZAÇÃO
A seguir, no Quadro 1, apresentam-se os trabalhos identificados que, logo após, serão submetidos à metodologia de ATD.
Título | Autor | Ano | Tipo (D/T) | Programa | |
---|---|---|---|---|---|
1 | Tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) no ensino de ciências: análise de repositórios disponíveis | Kelly Meinerz Gonçalves | 2019 | D | Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul |
2 | A competência adquirida no uso das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) na formação de professores das licenciaturas em Ciências Biológicas, Física e Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): um estudo de caso | Maria Lúcia Dias | 2018 | T | Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul |
3 | Ensino híbrido na educação básica: narrativas docentes sobre a abordagem metodológica na perspectiva da personalização do ensino | Verônica Martins Cannatá | 2017 | D | Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação, Educação e Humanidades, da Universidade Metodista de São Paulo |
4 | O pensamento computacional no processo de aprendizagem na matemática nos anos finais do ensino fundamental | Ingrid Santella Evaristo | 2019 | D | Programa de Mestrado de Gestão e Práticas Educacionais, da Universidade Nove de Julho |
5 | Níveis de apropriação das TDIC pelos professores | Joyce Aparecida Lima | 2019 | D | Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo |
6 | Contribuições para o ensino de ciências nos anos finais do ensino fundamental através da produção colaborativa de animações | Gustavo Mayer Pinto | 2020 | D | Programa de Pós-Graduação em Formação Científica, Educacional e Tecnológica, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná |
7 | Professores de inglês da rede pública na cultura digital: mapeando suas percepções acerca da tecnologia e da competência digital | Sthefanie Kalil Kairallah | 2020 | D | Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa, da Faculdade de Ciências e Letras - Unesp/Araraquara |
8 | A integração das tecnologias ao currículo inclusivo de crianças com TEA: um estudo de caso | Patrícia Aparecida Coimbra de Pauli | 2019 | D | Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Currículo - PUC-SP |
9 | Contribuições do curso redes de aprendizagem do PROINFO para construção de conceitos e autonomia de professores do Tocantins | Deusirene Magalhães Araujo | 2018 | D | Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE, da Universidade Federal do Tocantins |
10 | Tecnologia educacional no contexto do ensino de citologia: uso de aplicativo educacional na produção de um ambiente virtual de ensino e aprendizagem | Alencar Beltrão Lima | 2019 | D | Programa de Pós-Graduação em Mestrado Profissional em Ensino de Biologia, da Universidade de Brasília. |
11 | Desafios e possibilidades no processo de ensinar e aprender história: a sala de aula invertida | Lyslley Ferreira Santos | 2018 | D | Programa de Pós-Graduação em Docência para a Educação Básica, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho |
Fonte: Os autores (2020).
Legenda: D - Dissertação; T - Tese.
Todos os trabalhos supracitados foram submetidos aos processos de análise textual, a partir do texto identificado como respondente às questões norteadoras postas anteriormente.
5 CATEGORIAS EMERGENTES
Como mencionado, os excertos das dissertações e da tese passaram pelo método indutivo de ATD. A seguir, o Quadro 2 explicita o processo de categorização.
Categorias Intermediárias | Categorias Finais |
---|---|
Pensamento Computacional Mundo Digital Cultura Digital |
Competências gerais para as TDIC |
Metodologias Ativas Autonomia Ferramentas de TDIC |
Metodologias TDIC |
Currículo integrado às TDIC Docência orientada por TDIC |
Docência TDIC |
Fonte: Os autores (2020).
No próximo tópico, apresenta-se a finalização da ATD, constituindo-se, assim, a comunicação desses resultados por meio do metatexto.
6 METATEXTO
A primeira categoria, Competências gerais para as TDIC, trata das discussões teóricas presentes nos textos e como estes erigiram suas bases teóricas em torno de competências gerais fundamentadoras da integração das TDIC na Educação. Na análise, foi fácil identificar que os direcionamentos postos pela BNCC (BRASIL, 2017) para tais temas (BRACKMANN, 2017) desdobram-se privilegiadamente sobre a criação de uma criticidade associada às TDIC.
Essa categoria é composta pelas ideias de: Mundo Digital, tratando-se de competências fundamentais para o exercício da cidadania em um mundo mediado por TDIC; Cultura Digital (distintos, mas relacionados), cuidando-se de horizontes epistemológicos e difusão de cultura determinados pelas TDIC e o Pensamento Computacional; as habilidades lógico-linguísticas associadas à criação de soluções computacionais.
O Mundo Digital trata da nossa realidade e enseja a compreensão do funcionamento das estruturas tecnológicas que estão à disposição (BRASIL, 2017). Nesse sentido, revela aquilo que Wing (2014) pondera sobre o fato de a computação mudar distintos ramos do conhecimento e o mundo humano. Por outro lado, Evaristo (2019) alerta que alijar os indivíduos das aprendizagens relativas às maneiras de transmitir, processar e distribuir informação de forma segura e confiável em meios eletrônicos é sinônimo de excluir indivíduos do Mundo Digital ou de processo de cidadania do tempo presente (VALENTE, 2016).
Um elemento de importância na composição da capacidade de ser cidadão de um mundo virtual é compreender, utilizar e criar TDIC de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolas) para comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.
Com outro viés, associado ao conhecimento e às relações sociais criadas pelo avanço tecnológico, esse Mundo Digital desencadeia uma cultura que é digital. A Cultura Digital, segundo Evaristo (2019), é o cerne de aprendizagens por meio das tecnologias digitais. Mais ainda, aquele digitalmente aculturado tem a compreensão dos impactos da revolução digital e dos avanços do mundo digital na sociedade contemporânea.
Deriva-se da BNCC (BRASIL, 2017) que cultura, nesse sentido, evoca a construção de uma atitude crítica, ética e responsável, em um ambiente de multiplicidade de ofertas midiáticas e digitais (EVARISTO, 2019), bem como faz uso desses meios para acessar e difundir uma cultura própria ao construir-se uma cibercultura (cultura digital), à qual está inexoravelmente integrado. Cannatá (2017) afirma que a cibercultura cria um campo de estudo associado a redes, mídias, jogos e relações que a compõem.
Nesse viés, a BNCC tem ambição de, segundo Evaristo (2019), ao acompanhar o desenvolvimento das TDIC e o crescimento do acesso a elas, levar os estudantes a impulsionarem a inserção própria e a de sua comunidade na cultura digital, e não somente como consumidores, mas também produzindo cultura. O logro do êxito só poderá ser examinado com o tempo e pelas relações conjunturais analisadas.
Talvez encapsulado por um mundo digital, onde reine uma cultura digital, poderá haver espaço privilegiado à difusão do Pensamento Computacional. Evaristo (2019) postula que, consonante com um detalhamento em habilidades, como o que se pode ler em BNCC (BRASIL, 2017), é preciso compreender que o pensamento computacional passa por ações, tais como: compreender, analisar, definir, modelar, resolver, comparar e automatizar problemas, bem como suas soluções, de forma metódica e sistemática, por meio do desenvolvimento de algoritmos.
Há que se esclarecer que o Pensamento Computacional é composto, segundo Wing (2011), por processos mentais envolvidos na formulação de soluções, de modo que um computador humano ou mecânico seja capaz de executá-las. Essa resolução demanda o fomento de uma competência que é tanto do polo lógico, da resolução de problemas, quanto do polo linguístico e que germina do mundo digital. Isso vai ao encontro do que aponta Cannatá (2017) quando diz que a tecnologia, como desdobramento da ciência, compõe-se por métodos, instrumentos e técnicas que culminam na resolução dos problemas do homem.
Pauli (2019) enuncia que a composição das competências relacionadas às TDIC perpassa a capacidade de ser cidadão de um mundo virtual. Logo, isso significa compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação desse mundo virtual e assim ser capaz de comunicar-se de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais dessa cultura digital (incluindo as escolas). Além disso, implica pensar computacionalmente, acessar informação, interpretar a realidade como uma composição complexa de processos de informação (DENNING; TEDRE, 2019), resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.
A segunda categoria, Metodologias TDIC, está diretamente relacionada ao uso das Metodologias Ativas de aprendizagens vinculadas às TDIC em sala de aula e às mudanças das práticas educativas para a promoção da aprendizagem dos estudantes. Foram identificadas três subcategorias: autonomia dos estudantes, metodologias ativas e ferramentas de TDIC.
Partindo-se do princípio de que aprender é um processo complexo, o ser humano aprende ativamente desde o dia em que nasceu, mediante desafios e novas possibilidades que surgem, seja no campo pessoal, profissional ou social (BACICH; MORAN, 2018). É importante que, em sala de aula, o aluno assuma uma postura mais ativa e resolva problemas e desafios. Trata-se de uma maneira de o estudante explicitar seus conhecimentos e habilidades, permitindo que o professor aja de forma a construir o seu aprendizado (ALMEIDA; VALENTE, 2011).
Nesse sentido, as metodologias ativas em sala de aula nos anos iniciais promovem o fortalecimento da autonomia dos estudantes, uma vez que propiciam condições e ferramentas para que eles interajam criticamente, com diferentes fontes de informação, construindo novos conhecimentos (EVARISTO, 2019).
De acordo com Lima (2019), a promoção da autonomia dos estudantes é uma das propostas da BNCC, ao aludir à elevação da qualidade do ensino no País por meio de uma referência comum que respeite a autonomia dos estudantes. A autonomia está ligada a agir por conta própria ou sem governações externas; é associada ao termo “autodeterminação”, que é a vontade do ser humano de organizar o próprio comportamento (GUIMARÃES, 2003). Entende-se que os estudantes, quando se percebem autônomos em suas atividades educacionais, apresentam resultados positivos no tocante à motivação intrínseca, ao engajamento, à persistência, ao desenvolvimento da criatividade e à aprendizagem, além de melhoria do desempenho nas atividades acadêmicas (REEVE, 2009).
Dias (2018) aponta para a necessidade de promoção do desenvolvimento de seus estudantes. Um ponto interessante evidenciado por Santos (2018) em seu trabalho quando menciona que grande parte dos estudantes sofre com as diferenças sociais, especialmente os provenientes das periferias. A escola, muitas vezes, apresenta-se como única alternativa para o desenvolvimento do protagonismo e da autonomia, ou seja, como uma formação que permite aos estudantes refletir sobre a realidade em que vivem e poder atuar como transformadores sociais (SANTOS, 2018).
A última categoria, Docência TDIC, reúne dos trabalhos as impressões acerca dos aspectos posicionados nos textos, que determinam elementos constitucionais do esforço docente em difundir e integrar práticas baseadas em TDIC, como também a solidificação das práticas via currículo e formação (inicial e continuada) docente. A categoria divide-se em duas intermediárias: Currículo Integrado às TDIC, que trata da associação de competências e habilidades gerais do aprendizado à mediação pedagógica por meio das TDIC, além de processos de instrumentalização de currículo proposto pela BNCC; Docência TDIC, por outro lado, trata de percepções da formação docente e de ações pedagógicas instaladas.
Tratando-se de Currículo Integrado às TDIC, Lima (2019) diz que a BNCC (BRASIL, 2017) serve-se dos chamados itinerários formativos (robótica, programação etc.) para instalar propostas pedagógicas. As atividades baseadas em TDIC devem ser desenvolvidas em engajamentos interdisciplinares, com autonomia estudantil, sendo relevantes às comunidades escolares, com fins tanto de inseri-las na educação básica quanto de trazer melhores índices educacionais.
Paralelamente, Dias (2018) descreve as iniciativas da Unesco em criar um repositório de textos-parâmetro, de maneira a auxiliar na construção de competências gerais docentes no uso das TDIC para o ensino, desassociando-se das tentativas de criação de disciplinas de ciência da computação, ilustradas por Valente (2016).
Construções curriculares como as supracitadas podem ter influência, como denota Araújo (2018), de iniciativas de estruturação da formação continuada da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2010), pré-BNCC, que já demandam que tais formações sejam organicamente geridas para integrar transversalmente propostas curriculares baseadas em TDIC, em consonância com os projetos político-pedagógicos que antecederam esse documento em escolas.
Por seu turno, Gonçalves (2019) descreve o Portal do Professor, que é uma iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia, retroalimentado por entes gestores de educação locais, em que se empregam as mencionadas competências gerais da Unesco para permitir um ambiente de formação para a Docência em TDIC.
Assim, a iniciativa promove o acesso às ferramentas de autoformação de caráter prático-reflexivo (SCHÖN, 1992). Gonçalves (2019) ainda destaca, quantitativamente, a prevalência de professores de ciências nas formações. Trata-se de algo que alude à afinidade das competências em TDIC, principalmente às do Pensamento Computacional, com a área STEM (do inglês, Science, Technology, Engineering and Mathematics), de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, conforme apontam Wing (2011), Valente (2016), Brackmann (2017) e Denning e Tedre (2019).
O fruto dessas formações são intervenções pedagógicas em ambientes ricos em tecnologia, como intervenções que promovam aprendizado por meio de digital storytelling, aprendizagem colaborativa virtual, mídias sociais, programação e códigos abertos, uso de realidade aumentada e holografia, blocos de montar e construção de robôs, cultura maker, impressão 3D, internet das coisas, aprendizagem híbrida (VALENTE, 2016; CANNATÁ, 2017; EVARISTO, 2019) etc.
Desse modo, projetos que busquem integrar tecnologias às competências disciplinares consolidadas em documentos como a BNCC, como o de Pinto (2020) - analisar aplicativos com estudantes do sétimo ano para o estudo de energia e transformações -, culminam no esforço de curricularização, de competências gerais que permitam, além da mediação pelas TDIC, o início de processos formativos para a docência mediada.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo objetivou analisar, textual e discursivamente, as concepções teórico-metodológicas que orientam o uso de TDIC na educação básica, especialmente na educação de matemática e de ciências, presentes na produção de programas de pós-graduação stricto sensu, a partir da publicação da BNCC. Como forma de direcionar o objetivo, foi proposto responder duas perguntas fundamentais que dariam direcionamento para o artigo: (i) Quais concepções teóricas estruturam a(s) prática(s) presente(s)?; (ii) Qual(is) a(s) estrutura(s) metodológica(s) de utilização das TDIC utilizada(s)?
Os resultados permitiram identificar o uso das TDIC e as competências fundamentais para sua integração com base na BNCC, a qual retrata a importância da construção de uma atitude crítica, ética e responsável em ambiente misto por midiáticas e digitais. Da mesma forma, nota-se que o emprego de metodologias ativas e seus respectivos vínculos com as TDIC têm transformado as formas de ensino e aprendizagem dos estudantes, muito embora a implementação de tais ferramentas e metodologias requeira ainda um grande esforço do docente em difundir e integrar essas práticas na sala de aula da educação básica.
Os trabalhos contribuíram para mostrar a relevância de expandir o contexto da sala de aula para a aplicação de outras metodologias e ferramentas, com diferentes estratégias de trabalhar no contexto escolar, seja na formação inicial ou continuada.
A ocorrência das TDIC para a utilização do storytelling, da programação e códigos abertos e outras formas fez com que os estudantes se envolvessem de maneira mais assídua nas atividades que lhes foram propostas, e tal envolvimento pode ocasionar a melhoria do engajamento dos estudantes perante os conteúdos propostos. As metodologias ativas também foram adotadas para colaborar com o ensino e a aprendizagem dos estudantes, como no uso do ensino híbrido e seus modelos de sala de aula invertida, rotação por estações e rotação individual, alterando os modos de interação entre professores e estudantes. A aplicação dessas ferramentas em sala de aula está diretamente fundamentada nas propostas da Unesco, ou seja, para criar meios de auxiliar os docentes na construção das habilidades de seus estudantes.
Em grande parte dos trabalhos que adotaram o uso das TDIC como forma de ampliar as possibilidades de interação e aprendizado, nota-se que elas têm impactado diretamente a autonomia dos estudantes. Logo, contribui para sua motivação e desempenho nas atividades acadêmicas (REEVE, 2009).
Vale a ressalva de que, em meio aos trabalhos analisados, ocorreram diversas constatações sobre as diferentes ferramentas, aparatos tecnológicos e metodologias como forma de promoção de um ensino de qualidade pautado pela BNCC.
Entretanto, embora os resultados apresentados sejam positivos, observa-se que poucos trabalhos retratam os desafios de implementação dessas ferramentas e aparatos tecnológicos nas escolas, ou até mesmo um posicionamento crítico sobre a viabilidade de implantação daquilo que propõe a BNCC.