Introdução
O consenso social construído a respeito da valorização do magistério como princípio estruturante da organização da educação brasileira, expresso nos termos do artigo 206 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), quando já estava perto de completar 200 anos (VIEIRA, J. D., 2013), foi, reconhecidamente, resultado de uma longa luta dos professores organizados em suas entidades representativas.
Tal proposição encontrou, naquele momento histórico, ainda que em complexa correlação de forças sociais, apoio significativo de importantes parcelas da sociedade brasileira, que contribuíram para a defesa de sua inscrição no texto constitucional, para que o pacto relativo à questão fosse firmado. O fato teve importância também para, conceptualmente, se desenhar a organicidade pretendida de um Sistema Nacional de Educação.
A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), sobretudo, pactuou, com a sociedade brasileira, a perspectiva da construção de um Estado Democrático de Direito Social (VIEIRA, E., 2004), com vistas à ampliação dos direitos sociais, entre eles, o da valorização do magistério. No entanto, o pacto firmado para a construção de um Estado Democrático de Direito Social ruiu logo cedo, ainda em 1989. O início da sua desconstrução foi a eleição presidencial, que acenou para outra concepção de Estado; seu ápice foi a retirada do Estado da economia por meio de processos de privatização dos bens públicos e nacionais (FIORI, 1997).
A redefinição das funções de Estado a partir de 1989, em princípios de neoliberalismo econômico, colocou novamente em disputa pela sociedade questões que haviam sido pactuadas na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). Naquela nova conjuntura, o artigo constitucional que imprimiu a concepção de valorização do magistério veio sendo discutido paulatinamente. A controvérsia tem se expressado em modificações e alterações em sua redação, que vão em direções opostas e que explicitam tensões sobre como a valorização do magistério deveria se materializar. Assim, nos anos de 1990, o debate sobre uma concepção de valorização do magistério centrou-se, em especial, na definição da existência (ou não) de um Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN), que culminou com a retirada do termo "nacional" da redação original da Constituição, por meio da Emenda Constitucional Nº 19/1998 (BRASIL, 1998). A Emenda em questão incluiu uma ampla reforma dos conceitos da administração pública no país em uma direção gerencialista (NOGUEIRA, 2011).
Em 2003, novas forças sociais e políticas ascenderam ao Governo Federal em processo democrático. Na conjuntura, "[...] a grande novidade é a vitória de um partido de esquerda, com projeto popular e nacional de democratização do desenvolvimento: uma novidade histórica em todos os sentidos" (FIORI, 2003, p. 196). Redesenharam-se as funções do Estado brasileiro em perspectiva neodesenvolvimentista, tendo como imperativo alargar e fortalecer a estrutura do Estado diante dos desafios postos em todos os setores da sociedade e, entre eles, os do setor educacional. Combater as desigualdades estruturais da oferta educacional brasileira fez parte desse projeto. A expressão disso para o setor educacional foi a aprovação da Emenda Constitucional Nº 53/2006 (BRASIL, 2006), cujo tema central foi o financiamento da educação, quando se retomaram tanto um prazo para a implantação quanto o sentido do texto original da Constituição Federal de 1988, no que se refere ao PSPN.
Nesse panorama que colocou a disputa quanto a um PSPN como uma questão de concepção de Estado, ora mais reduzido, ora mais ampliado, para a garantia dos direitos sociais, a atenção deslocou-se para a legislação ordinária de regulamentação do PSPN. O curso de aprovação e implementação do PSPN foi longo. Sofreu contestação junto ao Supremo Tribunal Federal (FERNANDES; RODRIGUEZ, 2011; VIEIRA, J. M. D., 2012, SILVEIRA, 2013) e resultou em uma norma federal que depende da ação dos entes subnacionais para se efetivar. Vencida a nova batalha de constitucionalidade da lei ordinária, as expectativas sobre a implementação da lei implicaram ação dos sindicatos locais, o que levou a um processo de ampla mobilização e discussão das carreiras do magistério nos últimos anos.
Entretanto, o cenário de golpe institucional instalado em 2015, com o impedimento da Presidente Dilma Rousseff sem a devida comprovação de crime de responsabilidade e com o cumprimento de uma agenda altamente restritiva para as políticas sociais, expressa especialmente na Emenda Constitucional Nº 95/2016 (BRASIL, 2016), coloca graves entraves nacionais para a política de valorização do magistério. Entre os muitos desafios que se impõem para a realização do direito à educação com qualidade no Brasil, a compreensão dos impasses e das perspectivas regionais e locais para a efetivação do PSPN é, certamente, urgente. Contudo, se o tema do Piso é fundamental para a atratividade da profissão, também é premente o tema da carreira, sob a perspectiva de longo prazo, para a fixação de bons profissionais no âmbito do sistema público de ensino. É essa lógica de valorização docente implícita tanto no PSPN quanto no desenvolvimento das carreiras que os termos da EC Nº 95/2016 (BRASIL, 2016) comprometem. Nas próximas sessões, este artigo desenvolve as razões dessa relação e contextualiza os riscos recentes para o cumprimento do princípio constitucional de valorização do magistério em dois casos subnacionais.
O financiamento da educação pública e a Emenda Constitucional Nº 95/2016
O financiamento da educação pública brasileira tem, como estrutura básica, a vinculação constitucional da receita de impostos, inclusive oriunda de transferências entre entes governamentais, à manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE). Farenzena (2006) destaca que o mecanismo de vinculação dota o sistema de uma estabilidade relativa, pois os investimentos em educação respondem, usualmente, ao movimento geral da economia no país. Castro (2011), ao analisar os dados da primeira década do século XXI, no que se refere ao investimento em educação, ressalta esse movimento de ampliação dos recursos para educação como efeito do crescimento da economia e evidencia como o cenário econômico afeta, de maneira muito incisiva, as condições de efetivação do direito à educação, ao se considerarem as condições de manutenção dos sistemas públicos.
Além desse desenho específico das regras de financiamento para o caso da educação, o financiamento de uma área compõe o conjunto do esforço geral do Estado para a construção de proteção social. Esse conjunto pode ser compreendido em duas direções: em contextos mais conservadores, à ação mínima do Estado, caracterizada como proteção ex-post; ou em formas mais progressistas, quando a proteção é compreendida como uma tarefa ex-ant à produção de desigualdades sociais (OLIVEIRA, 1998; ESPING-ANDERSEN, 1991). Isso implica diferenças no grau de mobilização dos países para a constituição de um fundo público capaz de assegurar a presença do Estado na construção de um modelo de proteção social. Estudo recente de Piketty (2014) faz uma análise de como, ao longo do século XX, os países ricos produziram um esforço notável, medido pelo percentual do PIB, para a garantia de políticas sociais. Piketty (2014) demonstra que, nos países de economia capitalista industrializada e forte presença do Estado de Bem-Estar Social, a arrecadação de impostos e contribuições obrigatórias saiu de menos de 10% no início do século XX para, pelo menos, 30% do Produto Interno Bruto (PIB). O autor relata que, durante o século XX, esses países movimentaram-se na direção de maior tributação, o que dotou o Estado de capacidade de realizar redistribuição de riqueza por meio de políticas sociais (PIKETTY, 2014).
A energia dedicada em cada país para tais matérias, evidentemente, não é igual, assim como os modelos de proteção social construídos não são iguais. O que se realça, a partir dos dados do economista francês, é que o tamanho do fundo público disponível para as políticas públicas tem relação com decisões políticas de taxação e do consenso, ou dissenso social, sobre o tamanho de dedicação nacional que é legítimo para a ação pública.
No caso do Brasil, os dados disponíveis não retrocedem a uma série histórica tão longa quanto os de Piketty (2014). No entanto, é interessante constatar que o início dos anos 1990 registrou uma queda expressiva da carga tributária em relação ao PIB, o que foi revertido a partir de 1994. Nos anos 2000, a carga tributária brasileira ultrapassou 33% do PIB nacional (Gráfico 1).
Em geral, os dados da carga tributária revelam um aumento da capacidade de investimento do Estado brasileiro em políticas públicas. A direção que os investimentos públicos assumiram, nesse período, implicam um conjunto mais complexo de informações. Tomam-se, aqui, como indicadoras de efeito de políticas públicas, as desigualdades de renda entre os 10% mais ricos e os 40% mais pobres da população brasileira, tendo como suposto que a ação do Estado, se na direção ex-ant de proteção social, deve diminuir as desigualdades. Os dados do Gráfico 2 1, a seguir, ajudam na exemplificação.
A queda na desigualdade, como mostra o Gráfico 2, foi contínua em todo o período, mas foi mais acentuada na última década. Arretche (2015), em estudo sobre as desigualdades brasileiras, argumenta que há um ciclo de diminuição das desigualdades que pode nos remeter à construção de políticas sociais a partir da Constituição de 1988. A autora explicita:
A queda global da desigualdade de renda no Brasil é resultado da combinação de políticas que afetam categorias sociais distintas. Os programas de transferência condicionada de renda reduziram de fato a desigualdade quando se tornaram simultaneamente massivos e com limitado vazamento, o que supôs a centralização da autoridade sobre sua distribuição. A política do salário mínimo produziu impacto por meio da progressiva incorporação de parte dos mais vulneráveis ao universo dos protegidos combinada ao aumento de seus valores reais. Por fim, a queda da desigualdade no mercado de trabalho está associada à trajetória da política educacional, ainda que [...] o prêmio da educação não esgote o rol de mecanismos que afetam as desigualdades de renda. (ARRETCHE, 2015, p. 438).
O ciclo de expansão das políticas de transferência de renda, o ciclo de valorização do salário mínimo e a educação são elementos que reforçam o argumento de que a queda da desigualdade significa investimento do Estado em política pública. A coincidência entre crescimento da carga tributária e decréscimo de desigualdade pode ser, portanto, um indicativo da direção da ação do Estado na redistribuição do fundo público.
Esse foi o ciclo interrompido pela aprovação da Emenda Constitucional Nº 95/2016 (BRASIL, 2016), que afeta especificamente a capacidade de o Estado brasileiro produzir políticas públicas, ao congelar por 20 anos os gastos correntes do Governo Federal, induzindo fortemente à retração também dos gastos dos demais entes federados.
O sentido da demanda por um projeto de Estado que se volte à proteção social e ao combate à desigualdade ou a um Estado que se exime desse tema consta da exposição de motivos que o Governo Temer apresentou ao enviar ao Congresso Nacional a proposta de Emenda Constitucional em 2016:
Nos últimos anos, aumentaram-se gastos presentes e futuros, em diversas políticas públicas, sem levar em conta as restrições naturais impostas pela capacidade de crescimento da economia, ou seja, pelo crescimento da receita. É fundamental para o equilíbrio macroeconômico que a despesa pública seja gerida numa perspectiva global. Nesse sentido, qualquer iniciativa que implique aumento de gastos não deve ser analisada isoladamente, haja vista que essa abordagem tende a levar a conclusões equivocadas sobre seus benefícios e custos. De fato, nossa experiência ensinou que o processo descentralizado e disperso de criação de novas despesas gerou crescimento acelerado e descontrolado do gasto. Isso posto, faz-se necessári[a] a introdução de limites ao crescimento da despesa global, ao mesmo tempo em que se preservam as prerrogativas dos poderes constituídos para alocarem os recursos públicos de acordo com as prioridades da população e a legislação vigente. (MEIRELLES; OLIVEIRA, 2016, n. p.).
A justificativa de que há restrições naturais impostas pela capacidade de crescimento é uma estratégia para secundarizar o debate político sobre o empenho de uma sociedade para sustentar políticas públicas. O argumento de que gastos públicos não devem ser analisados isoladamente é relevante. A questão é: A que informações os gastos públicos devem estar articulados para que seja possível avaliar a direção dos cortes ou dos investimentos?
Para argumentar sobre os desafios específicos da valorização dos professores, cabe ainda lembrar que a EC Nº 95/2016 (BRASIL, 2016) elenca, além da fixação de teto para as despesas primárias, um conjunto de definições sobre que tipos de despesas deverão ser cortadas a fim de adequar as contas públicas, incluindo a seguinte redação no Artigo 109 do texto constitucional:
Art. 109. No caso de descumprimento de limite individualizado, aplicam-se, até o final do exercício de retorno das despesas aos respectivos limites, ao Poder Executivo ou a órgão elencado nos incisos II a V do caput do art. 107 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que o descumpriu, sem prejuízo de outras medidas, as seguintes vedações: I - concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal decorrente de atos anteriores à entrada em vigor desta Emenda Constitucional; II - criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa; III - alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa; IV - admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios; V - realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV; VI - criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e militares; VII - criação de despesa obrigatória; e VIII - adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º da Constituição Federal. (BRASIL, 2016, n.p., grifos nossos).
Não se trata de uma suposição de que o congelamento de gastos tem uma relação direta com a remuneração de professores. Como a Emenda congela os gastos do Governo Federal, isso é imediatamente aplicável no âmbito dos servidores federais. Entretanto, há fortes indícios do efeito indutor para os demais entes federados, posto que diferentes municípios e estados aprovaram legislações locais, produzindo o mesmo efeito nas contas subnacionais, já em 2017. Com esses elementos, passa-se ao debate sobre a remuneração dos professores.
Panorama da remuneração dos professores da Educação Básica nos estados do Paraná e de Mato Grosso do Sul, conforme a RAIS
A estrutura e a organização da oferta de Educação Básica no Brasil estão consolidadas na divisão de responsabilidades entre os entes federados municipais e estaduais, na provisão desse direito. Ao Governo Federal compete a tarefa supletiva e redistributiva e a manutenção de sua rede própria2. Isso significa que a distribuição dos empregos de professores no país acompanha o modelo descentralizado. Uma consequência importante é que, pelas regras constitucionais brasileiras para o serviço público, as condições de contratação, remuneração e carreira são prerrogativas do ente federado específico. Compreender a política de valorização e a luta sindical docente exige, portanto, investigar o que ocorre no âmbito subnacional. Assim, para este trabalho, tomam-se os dados das Redes Municipais de Ensino dos estados do Paraná e de Mato Grosso do Sul, dois estados com forte organização sindical municipal e características de organização bastante diferentes.
Para examinar as condições de remuneração dos professores que atuam nos municípios paranaenses e sul mato-grossenses, a fonte de dados utilizada foi a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do ano de 2016, último ano disponível no Sistema de Disseminação de Estatísticas do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. Os dados foram acessados a partir do banco de dados da RAIS trabalhador3 que contém variáveis relativas a cada vínculo de emprego formal no país, registrado pelos empregadores. A análise dos dados de remuneração tem o intuito de caracterizar as condições de valorização dos professores, conceituada nos seguintes termos:
[...] um princípio constitucional que se efetiva por meio de um mecanismo legal chamado carreira, que se desenvolve por meio de três elementos, sendo: a) formação, b) condições de trabalho e c) remuneração, tendo como objetivos a qualidade da educação e a qualidade de vida do trabalhador. (GROCHOSKA, 2015, p. 28).
A análise privilegia uma leitura dos dados da RAIS, com o propósito de identificar a existência de carreira nos municípios, procurando evidenciar diferenças entre remuneração inicial e média nas redes, diferenças de remuneração por formação e tempo de trabalho, além da jornada de trabalho dos professores municipais. Para a leitura da remuneração, cabe contextualizar, inicialmente, os vínculos dos professores nos dois estados.
A Tabela 1 mostra o perfil dos vínculos em 31 de dezembro de 2016, incluindo os professores ativos e os que foram desligados ao longo do ano ou no final do ano. No caso do estado do Paraná, as Redes Municipais possuem um conjunto expressivo de professores estáveis, com 92,60% dos professores com vínculo ativo em 31 de dezembro, enquanto as condições das Redes Municipais do estado de Mato Grosso do Sul são de maior instabilidade nos contratos, fato expresso no número de rescisões em julho e dezembro, o que resulta em apenas 40,69% dos professores com contratos ativos no final do ano.
Redes Municipais | Mato Grosso do Sul | Paraná | ||
---|---|---|---|---|
Condição do vínculo | Número | Percentual | Número | Percentual |
Ativo | 14.467 | 40,69 | 98.508 | 92,60 |
Término de contrato de trabalho | 16.375 | 46,05 | 1.858 | 1,75 |
Aposentadoria | 306 | 0,86 | 2.631 | 2,47 |
Rescisão sem justa causa a pedido do empregador | 2.511 | 7,06 | 542 | 0,51 |
Rescisão sem justa causa a pedido do empregado | 1.593 | 4,48 | 2.639 | 2,48 |
Outras | 304 | 0,85 | 199 | 0,19 |
Total | 35.556 | 100,00 | 106.377 | 100,00 |
Fonte: RAIS (2016). Elaboração nossa.
Essa diferença de perfil de estabilidade de trabalho nas duas redes exige avançar na caracterização dos tipos de vínculos dos professores municipais nos dois estados. No caso do estado do Paraná, predominam os contratos estatutários e estatutário no Regime Geral da Previdência (RPG). No estado de Mato Grosso do Sul, 50% dos professores são estatutários não efetivos. Esse grupo de estatutários não efetivos é predominantemente contratado em fevereiro e julho e desligado em julho e dezembro. A síntese está exposta na Tabela 2 que segue.
Redes Municipais por estado | Paraná | Mato Grosso do Sul | ||
---|---|---|---|---|
Tipos de vínculo | Número | Percentual | Número | Percentual |
Estatutário | 77.946 | 73,27 | 13.242 | 37,24 |
Estatutário RGP | 16.768 | 15,76 | 2.337 | 6,57 |
Estatutário não efetivo | 3.312 | 3,11 | 17.816 | 50,11 |
Temporário | 267 | 0,25 | 0 | 0 |
CLT | 6.006 | 5,65 | 233 | 0,66 |
Contrato por prazo determinado | 219 | 0,21 | 641 | 1,80 |
Contrato lei municipal | 1.859 | 1,75 | 1.287 | 3,62 |
Total | 106.377 | 100,00 | 35.556 | 100,00 |
Fonte: RAIS (2016). Elaboração nossa.
Uma visão inicial do conjunto das Redes Municipais dos dois estados leva à caracterização das condições de remuneração (Tabela 3). Em média, o conjunto das Redes Municipais do estado de Mato Grosso do Sul tem remuneração mais alta que o conjunto das Redes Municipais do estado do Paraná. Há, inclusive, uma pequena diferença na média de horas de contrato de trabalho. Quando se observa a mediana da remuneração e a mediana das horas de contrato, a diferença de média de horas de contrato desaparece. Nos dois estados, os vínculos de 20 horas são predominantes. No tocante ao desvio padrão da remuneração, a variação no estado de Mato Grosso do Sul é sensivelmente maior. A remuneração média nesse estado varia de R$419,00 para um contrato de 14 horas semanais (média menos 1 desvio padrão) a R$5.582,00 para um contrato de 32 horas semanais (média mais 1 desvio padrão). Isso significa que 80% dos casos estão nesse intervalo de variação. No caso do estado do Paraná, fazendo o mesmo exercício, vê-se remuneração de, no mínimo, R$1.131,00 para 16 horas de trabalho (média menos 1 desvio padrão), até R$4.389,00 para 34 horas (média mais 1 desvio padrão). Tendo em vista essa medida, problematiza-se que a média maior de remuneração do estado de Mato Grosso do Sul esconde mais desigualdades entre os municípios.
Redes Municipais | Mato Grosso do Sul | Paraná | ||
---|---|---|---|---|
Medidas | Quantidade de horas contrato | Remuneração média nominal | Quantidade de horas contrato | Remuneração média nominal |
Casos válidos | 35.330 | 35.330 | 105.617 | 105.617 |
Casos retirados* | 260 | 260 | 760 | 760 |
Média | 23 | 3.001 | 25 | 2.758 |
Mediana | 20 | 2.553 | 20 | 2.423 |
Desvio padrão | 9 | 2.582 | 9 | 1.622 |
Percentis | ||||
25 | 20 | 1.908 | 20 | 1.838 |
50 | 20 | 2.553 | 20 | 2.423 |
75 | 24 | 3.602 | 30 | 3.218 |
Fonte: RAIS (2016). Elaboração nossa.
*Foram retirados os casos de vínculo com remuneração média zero.
Outra forma de apresentar o panorama das remunerações contidas na Tabela 3 está no agrupamento das médias de remuneração por percentis. Novamente, os valores médios no estado de Mato Grosso do Sul são maiores do que no estado do Paraná; no entanto, em termos de jornada, os dois estados são bastantes similares. O primeiro quartil de remuneração congrega 25% de vínculos de professores. Nesse grupo, a média de remuneração, no caso do estado de Mato Grosso do Sul, foi de R$1.908,00 para 20 horas semanais; no estado do Paraná, para a mesma jornada, a média foi de R$1.838,00. No segundo quartil, quando se agrupam 50% dos vínculos, a média de remuneração chegou a R$2.553,00 reais no estado de Mato Grosso do Sul para 20 horas semanais e R$2.423,00 para os professores com 20 horas no estado do Paraná. Ao se levarem em conta 75% dos vínculos, no terceiro quartil, a média das remunerações cresceu nos dois casos; entretanto, também cresceu notavelmente a média de horas de trabalho semanal. Vários fatores influenciaram essas variações em cada um dos estados.
O contexto local e a pauta sindical do PSPN
No que tange aos contextos locais - nesse caso, os municípios -, o PSPN resulta da luta docente pela sua valorização por meio de remuneração. Ele foi instituído na interseção da política educacional entre Governo Federal e governos subnacionais. Dois fatores foram fundamentais para que a luta docente em relação ao PSPN ganhasse materialidade: as condições objetivas construídas pela União para a aprovação da Lei Nº 11.738/2008 (BRASIL, 2008), em cenário de ampliação dos direitos sociais, dada a concepção de Estado que se forjou a partir de 2003; e, também porque, no período de 2003 a 2014, houve aumento de receitas para a MDE (FERNANDES; BASSI; GEMAQUE, 2016).
Não obstante, em contexto local, a luta pela implantação dos direitos instituídos pela Lei Nº 11.738/2008 (BRASIL, 2008), entre eles o PSPN, continua central na pauta dos sindicatos brasileiros. A média salarial apresentada pela RAIS demonstra os complexos e emblemáticos desafios postos na luta pela valorização do magistério por meio dos seus sindicatos, dado que o PSPN definiu um patamar mínimo de remuneração docente, ao se considerar a formação de nível médio e jornada de 40 horas semanais.
Para dimensionar a complexidade da pauta do movimento sindical docente, os dados da Tabela 4 informam a situação dos professores em início de carreira4. Levando-se em conta o valor do PSPN em 2016, de R$2.135,64 para uma jornada de 40 horas semanal e professores com formação de nível médio, o salário por hora do professor iniciante deveria ser de aproximadamente 12 reais. No cálculo do salário por hora nos dois estados, o Paraná tem valores significativamente mais baixos para professores iniciantes de nível médio e superior. Os dois estados pagam o PSNP para os professores leigos. Os professores leigos são um número muito pequeno nos dois estados. Entretanto, é preocupante o fato de que eles continuam a aparecer quando se calculam os dados apenas de professores com menos de três anos de trabalho. Cabe destaque, ainda, para uma diferença de aproximadamente 30% entre a média da remuneração dos professores iniciantes de nível médio e superior, indicando a valorização adequada da maior titulação entre os professores.
Tipo de formação | Mato Grosso do Sul | Paraná | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Remuneração média nominal | Média de horas semanais | Valorpor hora | Remuneração média nominal | Média de horas semanais | Valor por hora | ||
Leigo | Média | 1.620,37 | 27,77 | 14,15 | 1.740,32 | 30,61 | 13,61 |
N | 131 | 131 | 131 | 132 | 132 | 132 | |
Desvio Padrão | 661,03 | 10,12 | 6,18 | 667,11 | 10,28 | 5,91 | |
Ensino Médio | Média | 2.629,56 | 28,44 | 21,96 | 1.763,11 | 31,54 | 13,29 |
N | 1.687 | 1.687 | 1687 | 4.478 | 4.478 | 4478 | |
Desvio Padrão | 7.502,73 | 10,22 | 64,84 | 613,39 | 10,40 | 5,65 | |
Ensino Supe-rior | Média | 2.672,88 | 22,49 | 28,87 | 1.942,81 | 26,51 | 17,48 |
N | 21.709 | 21.709 | 21709 | 19.629 | 19.629 | 19629 | |
Desvio Padrão | 1.845,55 | 9,31 | 20,11 | 820,95 | 9,51 | 9,14 | |
Total | Média | 2.663,92 | 22,95 | 28,29 | 1.908,51 | 27,46 | 16,68 |
N | 23.527 | 23.527 | 23527 | 24.239 | 24.239 | 24239 | |
Desvio Padrão | 2.680,59 | 9,51 | 26,06 | 789,11 | 9,88 | 8,74 |
Fonte: RAIS (2016). Elaboração nossa.
Para considerar, além das condições de cumprimento do PSPN, as condições de carreira e, portanto, as expectativas de valorização dos professores em termos de formação e remuneração, pontua-se a variação da remuneração para o conjunto dos professores. Os dados da Tabela 5 demonstram as condições dos professores com mais de três anos de trabalho que, em tese, devem estar progredindo nas carreiras. Nesse caso, as médias dos professores que atuam nas Redes Municipais paranaenses são um pouco mais elevadas que as de Mato Grosso do Sul, o que pode ter relação com a presença de muitos vínculos temporários neste último, que não propicia o desenvolvimento de carreiras para uma parte importante dos professores.
Tipo de formação | Mato Grosso do Sul | Paraná | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Remuneração média nominal | Horas semanais de trabalho | Remuneração por hora | Remuneração Nominal | Horas semanais de trabalho | Remuneração por hora | ||
Leigo | Média | 2.006,19 | 32,31 | 16,85 | 2.685,19 | 28,46 | 23,25 |
N | 96 | 96 | 96 | 716 | 716 | 716 | |
DP | 1.059,34 | 10,01 | 13,06 | 1.360,90 | 9,89 | 14,86 | |
Ensino médio | Média | 2.502,39 | 31,18 | 20,94 | 2.612,58 | 29,95 | 21,51 |
N | 417 | 417 | 417 | 11.401 | 11.401 | 11401 | |
DP | 1.160,62 | 10,49 | 13,07 | 1.492,52 | 10,34 | 16,95 | |
Ensino supe-rior | Média | 3.729,69 | 23,62 | 38,38 | 3.080,44 | 23,71 | 32,01 |
N | 11.290 | 11.290 | 11290 | 69.276 | 69.276 | 69276 | |
DP | 2.244,28 | 7,86 | 25,45 | 1.745,58 | 7,89 | 31,73 | |
Total | Média | 3.672,31 | 23,95 | 37,59 | 3.011,43 | 24,63 | 30,46 |
N | 11.803 | 11.803 | 11803 | 81.393 | 81.393 | 81393 | |
DP | 2.224,51 | 8,14 | 25,31 | 1.717,26 | 8,58 | 30,21 |
Fonte: RAIS (2016). Elaboração nossa.
Os conjuntos dos professores das Redes Municipais dos dois estados trazem indícios de valorização da formação em nível superior, o que pode significar execução da carreira. No caso do Paraná, a diferença da remuneração por hora entre os professores com Ensino Superior com mais de três anos e menos de três anos é de 80%; no estado de Mato Grosso do Sul, é de 34%. Nos dois estados, a articulação entre o pagamento do PSPN no início da carreira e o desenvolvimento das carreiras evidencia-se como relevante para se pensar a dinâmica da valorização.
Com esses elementos, indaga-se sobre as perspectivas da agenda sindical frente ao PSPN e à carreira dos professores em termos de remuneração/jornada e organização sindical. Camargo et al. (2009), ao analisarem o movimento da remuneração de professores de redes estaduais, ponderaram sobre a dificuldade de encontrar relações explicativas suficientes entre a movimentação das remunerações e os indicadores econômicos. Os autores argumentam que, dada a autonomia dos entes federados brasileiros, a movimentação dos provimentos dos professores precisa ser tomada no contexto da disputa política local, pois, muitas vezes,
[...] a remuneração docente, além de ter que ser melhor "decifrada" - inclusive para dar sustentação adequada ao PSPN -, é determinada por uma configuração de múltiplos fatores (externos e internos) e envolve diversos agentes em busca de seus interesses. Desta forma expõe sua maior dimensão explicativa, revelando-a como dimensão concreta de uma relação de forças em disputa de projetos de sociedade, de escola, de homem, de valorização do ensino: enfim, como luta política. (CAMARGO et al., 2009, p. 360).
De maneira geral, existe uma variedade de formas de organização sindical e forte aproximação nos municípios do pagamento do PSPN para os professores municipais. No Paraná, os municípios contam com quatro formas de organização sindical dos professores: sindicatos próprios do magistério, associações de professores filiadas ao sindicato estadual, sindicatos de servidores públicos municipais que congregam professores e sindicatos intermunicipais. Esse conjunto de formas de representação cobre 69% dos municípios, ou seja, 277 cidades (GOUVEIA, 2018). Em Mato Grosso do Sul, há sindicatos municipais filiados à Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul (FETEMS). Segundo as informações no site da FETEMS, os sindicatos estão organizados em 64 municípios, cobrindo 81% das cidades.
A questão que se coloca neste momento é: nesse contexto complexo de negociações para o cumprimento do PSPN, que ainda não havia se consolidado, mas marcou os debates até 2016 no âmbito da valorização dos professores nos diferentes municípios, o que esperar à luz da indução federal de corte de recursos e de congelamento de salários?
Para retomar a relação entre o contexto da Emenda Constitucional Nº 95/2016, com seu efeito indutor de congelamento de salários no serviço público subnacional e a possível quebra de um ciclo de reconhecimento da urgência da valorização do magistério, listam-se alguns dos achados nos dados da RAIS: o PSPN tem o potencial de dotar os sistemas de condições de manutenção do poder de compra da remuneração, contribuindo para condições dignas de entrada na carreira; os dados do conjunto das Redes Municipais ainda evidenciam muita variação entre as redes, portanto indicam a necessidade de efetividade da política; em relação às carreiras, novamente, há muita variação, porém existem indícios de que o diferencial entre a remuneração média dos iniciantes e a dos professores mais experientes pode contribuir para a valorização da formação e da experiência em termos de remuneração. É esse cenário que está em risco e tem demandado mais mobilização sindical após a Emenda Constitucional Nº 95/2016.
Considerações finais
Os dados informados pela RAIS sobre salários docentes municipais em dois estados da federação brasileira, Mato Grosso do Sul e Paraná, mostraram que o contexto de implantação e de manutenção do PSPN por indução do Governo Federal e a consequente atuação sindical pela sua aplicabilidade foram decisivos para a valorização do magistério.
Ainda que essa força de trabalho tenha evidenciado, de acordo com os dados da RAIS, com tendência de maior desigualdade em municípios do estado de Mato Grosso do Sul do que em municípios do estado do Paraná, em razão de contratos temporários de trabalho, a aprovação da Lei No 11.738/2008 (BRASIL, 2008), que instituiu o PSPN, foi fundamental para a elevação da massa salarial docente.
Há variações expressivas na estrutura de carreira docente, tanto nos municípios de um estado quanto do outro, o que implica que se mantenha a pauta do movimento sindical docente em defesa tanto do PSPN quanto da estrutura de carreira docente, ao se tomar o PSPN como o piso que deve incidir em início de carreira. Tal fato demonstra que a indução do Governo Federal, por meio de políticas sociais, com vistas à reprodução da força de trabalho docente, contribuiu enormemente para que a tendência de ganhos salariais efetivos se coloque como valorização do trabalho docente.
A aprovação da Emenda Constitucional Nº 95/2016 (BRASIL, 2016) pode significar o fim desse cenário de valorização docente por meio salarial, à medida que provocará, em curto prazo, contenção de despesas públicas no campo das políticas sociais para as unidades federativas. A pauta da valorização docente, como importante instrumento de qualidade da educação, como estabeleceu o Plano Nacional de Educação 2014-2024 (BRASIL, 2014), reconhecendo, inclusive, que os professores ganham -33% em relação aos demais profissionais com mesma formação e jornada de trabalho, também se coloca em questão pela Emenda Constitucional Nº 95/2016 (BRASIL, 2016).
Por tudo isso, o movimento sindical docente certamente terá como pauta significativa de reivindicação a aplicabilidade do PSPN nas estruturas de carreiras docentes, como forma de garantia da valorização do magistério, em cenário próximo. O grau de organização e organicidade do movimento sindical docente poderá fazer diferença na conjuntura, que se anuncia imediatamente, de corte para as políticas sociais.