Introdução
É comum aos diversos autores que têm tratado da constituição do campo da política educacional, no Brasil e na América Latina, em geral, a referência à sua complexidade e à diversidade de objetos que têm sido tratados sob essa rubrica em eventos e periódicos científicos. Seu desenvolvimento mais recente como campo de estudos intensificou-se a partir dos processos de reconfiguração do Estado e de suas relações com a sociedade civil e o mercado, e, consequentemente, das reformas educacionais implementadas na América Latina (PALAMIDESSI; GOROSTIAGA; SUASNÁBAR, 2012). De fato, na Região, o campo da política educacional nos diferentes países vem se constituindo lentamente, e de forma diversa, de acordo com as circunstâncias locais, mesmo que também se verifiquem similaridades, em diversos aspectos, como no que diz respeito, por exemplo, às disciplinas que influenciaram o seu desenvolvimento de uma forma geral.
No Brasil, embora a partir do final da década de 1960 fosse possível encontrar termos como “política educacional” ou “políticas educacionais” em títulos de dissertações e teses, até meados da década de 1970, essas pesquisas enquadravam-se nos estudos de Administração da Educação, Planejamento e Educação Comparada (MAINARDES; GANDIN, 2013; STREMEL; MAINARDES, 2018). Importantes marcos da estruturação desse campo de estudos foram a introdução dessas disciplinas nos currículos de Graduação, a criação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), em 1944, e de outras publicações e livros que focalizaram esses temas, assim como a criação da Associação Nacional de Professores de Administração Escolar (ANPAE), em 1961, e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), em 1976, além da organização dos programas de Pós-Graduação em linhas de pesquisa, a partir de 1990 (MAINARDES; GANDIN, 2013). É nas duas últimas décadas, contudo, que o campo apresenta significativa expansão, que passa a ocorrer juntamente à consolidação de um sistema de investigação e de Pós-Graduação, que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da ciência e da produção científica brasileira (BITTAR; BITTAR; MOROSINI, 2012).
Quanto à qualidade dessa produção, é possível notar que, a partir do final dos anos 1990, diversos autores, como Wittmann e Gracindo (2001), Azevedo e Aguiar (2001), Silva, Scaff e Jacomini, (2010), Tello e Mainardes (2012); Mainardes (2017, 2018a), Mainardes e Tello (2016), Guimarães (2018), Krawczyck (2019), entre outros, desenvolveram investigações que tomaram diferentes períodos dessa produção como objeto, assinalando suas principais temáticas, bem como suas fragilidades teóricas e metodológicas. O conjunto dessa produção e os desafios que implícita ou explicitamente apresentam-se motivaram a pesquisa1 exposta neste artigo, a qual focalizou as principais características epistemológicas de 23 teses sobre o Programa Universidade para Todos (Prouni) defendidas em programas de Pós-Graduação da área da Educação no período de 2007 a 2017, com foco nos seguintes aspectos, além da sistematização dos temas e dos subtemas tratados no conjunto dessa produção: enfoque analítico, perspectivas epistemológicas, tipos de teorização e níveis de abstração. Trata-se de uma metapesquisa2, que assumiu como parte do suporte analítico-conceitual o Enfoque das Epistemologias da Política Educativa (EEPE) combinado com a contribuição de autores do campo das políticas públicas e política educacional.
Uma exploração da literatura publicada logo após a promulgação da lei que instituiu o Prouni, em 20053, revelou ângulos de análise abundantes e diversificados de tratamento do tema, a princípio, em artigos críticos, aos quais se seguiram, a partir de 2007, as pesquisas de dissertações e teses, que passaram a analisar o programa, de forma a focalizar especialmente sua implementação e gestão em Instituições de Ensino Superior (IES) específicas. O que buscaram mostrar, essencialmente, os autores dessas pesquisas? A partir de quais perspectivas epistemológicas e teóricas organizaram suas investigações? Que níveis de abstração alcançaram em seus trabalhos? Essas questões nortearam a investigação cujos resultados são apresentados neste artigo, que está organizado em três partes principais, além desta introdução e das considerações finais: (1) Descrição do percurso teórico e metodológico da pesquisa; (2) Distribuição das teses por dependência administrativa das Instituições de Educação Superior (IES) e respectivos Programas de Pós-Graduação (PPG) onde foram defendidas, além de sua concentração por estado e região; (3) Descrição e análise dos dados qualitativos segundo as principais questões já enunciadas.
Aspectos epistemológicos, teóricos e metodológicos da pesquisa
O percurso da pesquisa abrangeu duas etapas principais: construção dos dados e análise e interpretação realizada a partir da leitura completa das teses e do referencial teórico já mencionado:
Primeira etapa: (1) Busca e armazenamento das teses em arquivos individuais4. (2) Elaboração de quadros e tabelas com as informações das teses relativas aos programas de Pós-Graduação onde foram defendidas. (3) Elaboração, a partir da leitura dos resumos e dos metadados, de um quadro inicial com as seguintes informações, além do título: objetivos, referenciais teóricos, metodologia, resultados e conclusões. (4) Elaboração de outros quadros e tabelas nos quais outras informações foram sendo incluídas à medida que se procedia à leitura completa das teses. (5) Elaboração, com o software Simple Mind, de um mapa individual para cada tese, contendo informações que abrangem da formulação dos objetivos aos resultados da pesquisa.
Segunda etapa: (1) Sistematização e análise das temáticas abordadas a partir dos objetivos, hipóteses e/ou questões de pesquisa enunciadas em cada tese. (2) Elaboração de categorias e subsequente classificação das teses segundo o enfoque e as fontes de pesquisa utilizadas em cada tese. (3) Sistematização e análise das perspectivas epistemológicas e teóricas e tipos de teorização do conjunto das teses conforme os elementos do EEPE. (4) Análise dos níveis de abstração do conjunto das teses. De um modo geral, os procedimentos adotados na pesquisa envolveram uma combinação indutiva e dedutiva de leituras e organização de informações procedentes do material lido e muitas tentativas de formular e/ou adaptar esquemas já criados, possibilitando uma leitura própria do material encontrado. Do ponto de vista epistemológico-teórico, a pesquisa abrangeu uma combinação do Enfoque das Epistemologias da Política Educacional (EEPE) com elementos da metapesquisa e algumas contribuições da literatura do campo da política educacional, mais particularmente no que se refere à análise e à avaliação de políticas e aos estudos de implementação.
Como contribuição específica para o campo da política educacional, o Enfoque das Epistemologias da Política Educacional (EEPE) constitui um esquema analítico-conceitual que apresenta um duplo objetivo: servir de instrumento de vigilância epistemológica da pesquisa desse campo e fornecer critérios e orientações metodológicas aos pesquisadores que pretendem fazer meta-investigações (MOREIRA, 2017). Trata-se de uma reflexão sobre a própria pesquisa, que inclui a dimensão ética e busca contribuir para o desenvolvimento teórico e metodológico do campo. A motivação para o desenvolvimento do Enfoque das Epistemologias da Política Educativa foi a constatação de que a produção do campo se mostrava muitas vezes desordenada, e, embora em geral houvesse explicitação dos procedimentos técnicos e metodológicos, o mesmo nem sempre ocorria em relação à perspectiva e ao posicionamento epistemológico dos pesquisadores (TELLO; MAINARDES, 2015).
O esquema básico do EEPE é composto por três componentes analíticos: a perspectiva epistemológica, o posicionamento epistemológico e o enfoque epistemetodológico. A perspectiva epistemológica é definida como a cosmovisão do investigador. São exemplos de perspectivas epistemológicas: “[...] el marxismo, neo-marxismo, estructuralismo, pos-estructuralismo, existencialismo, humanismo, positivismo y pluralismo” (TELLO, 2012, p. 57). O posicionamento epistemológico é representado pelos grandes quadros teóricos a partir dos quais a investigação pode se realizar e guarda estreita relação com seu conteúdo empírico. Exemplos de posicionamentos são o neoinstitucionalismo, o posicionamento jurídico-legal, o da complexidade, o crítico e o neoliberal, entre outros. Finalmente, vinculado ao modo de construção metodológica, situa-se o enfoque epistemetodológico, que se preocupa com a consistência metodológica da pesquisa e que deve guardar coerência com a perspectiva e o posicionamento epistemológicos (TELLO, 2012; TELLO; MAINARDES, 2015; MAINARDES, 2017). Tratando-se de uma perspectiva epistemológica alinhada ao pluralismo, o EEPE admite várias epistemologias e o recurso da teorização combinada, que consiste na utilização de várias teorias em uma mesma pesquisa, desde que possibilitem um quadro de referência suficientemente sólido e consistente para dar conta do objeto.
Ainda como parte do EEPE e com o propósito de aumentar os estudos de compreensão no campo da política educacional, Mainardes e Tello (2016) propõem que os resultados das investigações em política educacional sejam analisados, tendo-se em vista três principais níveis de abstração: descrição análise e compreensão. A combinação do enfoque EEPE com a observação dos níveis de abstração alcançados pelos pesquisadores do campo possibilita a identificação da forma como são trabalhadas tanto as questões epistemológicas quanto as teorias e os conceitos (MAINARDES; TELLO, 2016) que balizaram todo o processo, com evidentes implicações nos resultados.
O nível descritivo (o mais elementar, segundo a hierarquia proposta pelos autores), independentemente de sua relevância, pois tanto os estudos de análise quanto os de compreensão não o dispensa, apresenta uma série de deficiências, resultando em pesquisas que, no geral, não avançam na análise do processo político. Dentre os vieses comuns a esse tipo de pesquisa, podem-se apontar, dentre outros, a fraca integração entre teoria e dados, o apriorismo, o prescritivismo, as análises lineares baseadas em modelos que já não dão conta da trajetória das políticas e, ainda, a utilização inadequada de modelos do campo. O segundo nível, o analítico, caracteriza-se por visar à “[...] geração de conceitos, categorias, tipologias, de generalizações empíricas” (MAINARDES; TELLO, 2016, p. 7), tornando possível avançar para a teorização. O último nível, o mais avançado, é o da compreensão. Nesse nível, que se baseia nas descrições e nas análises, torna-se, enfim, possível explorar de forma mais profunda “as relações e determinações” (MAINARDES; TELLO, 2016, p. 7) envolvidas na pesquisa, o que torna seus resultados passíveis de serem utilizados por outros pesquisadores, possibilitando o avanço do conhecimento.
Do campo da política, os chamados “Estudos de implementação” constituíram uma das contribuições úteis para a pesquisa com as teses, que, no conjunto, trataram da materialização do programa tanto nos embates iniciais entre grupos de interesse envolvidos na sua criação, quanto nos desdobramentos posteriores nas IES parceiras. A implementação é a efetivação da política. É o momento que, por meio de órgãos e mecanismos existentes, ou criados para tal, as intenções da política começam a se transformar em ação (CAVALCANTI, 2007). Os estudos de implementação ganharam novo impulso a partir de meados dos anos de 1980, com a pesquisa pioneira de Pressman e Widalsky5, que deu origem aos modelos Top Down e Bottom up, que seriam desenvolvidos posteriormente (SIGNÉ, 2017).
Tais modelos fazem parte da segunda6 geração de estudos de implementação, desenvolvida do final da década de 1970 para o início dos anos de 1980, e buscaram identificar um conjunto de fatores que contribuiriam para o sucesso ou fracasso da política. São abordagens clássicas, que dividem as fases da política em agenda, formulação, implementação e avaliação e outros modelos foram formulados posteriormente (PEREZ, 2010). Contudo, por razões relacionadas à forma como o Prouni foi tratado nas teses, mostraram-se adequados para a compreensão dos momentos iniciais da política (agenda e formulação), marcados por questionamentos relacionados ao financiamento, à igualdade de oportunidades e à qualidade da educação, bem como em seus desdobramentos nas IES parceiras.
A análise dos enfoques da política no conjunto das teses foi feita com base em quatro categorias, criadas a partir da distinção entre produção de conhecimento científico e projetos para superação da realidade (TELLO, 2013), análise e avaliação de políticas (CAVALCANTI, 2007) e avaliação de políticas e avaliação política de programas (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 1986). Tello (2013), ao analisar as relações que vêm se estabelecendo entre produtores de conhecimento e tomadores de decisão no campo da política educacional na América Latina, chama atenção para a necessária distinção entre Projetos de Investigação, Informes técnicos e Projetos de Superação da Realidade e argumenta em favor do Enfoque das Epistemologias de Política Educativa (EEPE) como facilitador de vigilância epistemológica e da reflexividade sobre os processos de investigação do campo. A distinção entre os enfoques da Análise e da Avaliação de políticas é desenvolvida por Cavalcanti (2007), que baseada em extensa revisão da literatura latino-americana disponível sobre políticas públicas e educacionais distingue esses dois enfoques. Da contribuição de Figueiredo e Figueiredo (1986), que concebem a avaliação política como uma etapa preliminar à avaliação da política, destaca-se a ênfase que esses autores dão à avaliação política dos princípios que fundamentam as políticas (avaliação política), para além da preocupação com a eficácia, do estudo de como as decisões são tomadas e do alcance de metas.
Com base na conceituação exposta, após a identificação da forma como a temática foi explorada nas teses, estas foram categorizadas como estudos de Análise da política, Avaliação da política, Avaliação política e de alguns aspectos da política e Outros, categoria criada para alocar alguns trabalhos que, apesar de terem como informantes bolsistas do Prouni, não chegaram a tratar do programa como objeto principal. Em síntese, o trabalho analítico foi desenvolvido com base em elementos do EEPE, incluindo os tipos de teorização encontrados, abrangendo, também, a análise dos enfoques a partir dos quais os diferentes autores organizaram seus trabalhos e os níveis de abstração neles alcançados.
Apresentação e análise dos resultados
Após o levantamento realizado e a definição da lista final das teses a serem analisadas, foram organizadas as primeiras informações sobre as teses, a partir da leitura dos metadados; dos resumos, com as respectivas palavras-chave; das introduções; e, também, dos resultados das pesquisas apresentados em cada tese. Dessa primeira etapa, resultaram, além da lista final das teses, tabelas e gráficos elaborados com o objetivo de propiciar uma visão geral da distribuição das teses por estado e, também, por dependência administrativa das instituições.
As Tabelas 1 e 2 mostram, respectivamente, a distribuição das teses por IES e Programas e por regiões e estado.
Públicas | Privadas | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Federais | Teses | Estaduais | Teses | Privadas | Teses | Total |
Universidade Federal do Rio Grande do Sul | 1 | Universidade de São Paulo | 1 | PUC - Paraná | 1 | |
Universidade Federal da Bahia | 1 | Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita" | 1 | PUC - RJ | 1 | |
Universidade Federal do Paraná | 1 | PUC - RS | 1 | |||
Universidade Federal de Pernambuco | 1 | PUC - SP | 6 | |||
Universidade Federal de São Carlos | 2 | Universidade do Vale do Rio dos Sinos | 2 | |||
Universidade Federal do Ceará | 1 | Metodista de Piracicaba | 1 | |||
Universidade Federal do Pará | 1 | Universidade Nove de Julho | 1 | |||
Total Federais | 8 | Total Estaduais | 2 | Total Privadas | 13 | |
Total | 23 |
Fonte: Elaborada pela autora a partir de dados da pesquisa.
Região | Estado | IES | Número de Teses | Total por região |
---|---|---|---|---|
Sul | Rio Grande do Sul | PUC-RS | 1 | |
UFRGS | 1 | |||
Unisinos | 2 | |||
Paraná | PUC-PR | 1 | ||
UFPR | 1 | |||
Total Sul | 6 | |||
Sudeste | São Paulo | PUC-SP | 6 | |
USP | 1 | |||
Uninove | 1 | |||
Metodista de Piracicaba | 1 | |||
Júlio de Mesquita | 1 | |||
UFscar | 2 | |||
Rio de Janeiro | PUC-RJ | 1 | ||
Total Sudeste | 13 | |||
Nordeste | Bahia | UFBA | 1 | |
Pernambuco | UFPE | 1 | ||
Ceará | UFCE | 1 | ||
Total Nordeste | 3 | |||
Norte | Pará | UFPA | 1 | |
Total Norte | 1 | |||
Total | 23 | 23 |
Fonte: Elaborada pela autora a partir de dados da pesquisa.
Como se pode observar, 13 das 23 teses foram defendidas em IES privadas (das quais se destacam as universidades católicas - do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul), seguidas imediatamente pelas públicas: oito federais, distribuídas pelos estados do Pará, São Paulo, Ceará, Pernambuco, Paraná, Bahia e Rio Grande do Sul, e duas estaduais, todas no Estado de São Paulo. A Tabela 2 apresenta a distribuição das teses por região, estado e IES.
A predominância das regiões Sudeste e Sul na distribuição das teses é situação fácil de explicar, visto que, nessas regiões, está concentrada a maioria dos programas de Pós-Graduação em Educação.
Características epistemológicas das teses
A identificação das temáticas e a categorização das teses, segundo os enfoques já mencionados na seção anterior, foram feitas a partir da sistematização dos objetivos/teses/hipóteses e/ou questões de estudo, conforme se pode ver no Quadro 1.
Número da tese | Objetivos/tese/e/ou questões de estudo |
---|---|
17 | Identificar e analisar as causas/os motivos que levam os prounistas dos cursos de licenciatura a evadirem. |
2 | Identificar ações pessoais, institucionais e de políticas públicas que contribuem para acesso, permanência e conclusão. |
3 | Compreender as dimensões subjetivas dos bolsistas, em relação ao Prouni em suas múltiplas dimensões. Hipótese: O bolsista tem compreensão do Prouni em suas múltiplas dimensões. |
4 | Averiguar se a presença dos bolsistas impacta a qualidade de ensino nas IES que os acolhem. |
5 | Análise da efetividade das políticas focalizadas.Hipótese: as políticas focalizadas tendem a reforçar a aparência universalista (democratizadora), a natureza formal e ilusória do princípio da igualdade. |
6 | Analisar o comprometimento do bolsista com a sua aprendizagem e os impactos que esse novo acadêmico pode desencadear na universidade e na sociedade.Tese: Os resultados reais ou potenciais na formação do egresso Prouni estão relacionados ao comprometimento desse perfil estudantil com a sua aprendizagem.Hipótese: Quanto maior a intensidade, variedade e qualidade das ações desenvolvidas pelo estudante durante sua formação, será o conjunto de competências por ele construído |
7 | Investiga a itinerância de jovens das classes populares na ES.Tese/suposição: Em espaços não escolarizados constroem-se conhecimentos fundantes que favorecem uma relação positiva com o saber formal.Compreender as redes de socialização de saberes para interpretar os percursos formativos de jovens do Prouni. |
8 | Analisa o Programa como inclusão acadêmica e social.Analisa as dimensões meso e microinstitucionais: os processos instituídos e instituintes mediados em duas instituições de ES. |
9 | Compreender como a educação proporcionada pelo Prouni poderá construir a hegemonia da classe trabalhadora. Demonstrar como o Prouni, sendo uma política compensatória, origina-se e organiza-se a partir da realidade política, econômica e social que o cerca. |
10 | Exame crítico sobre o Programa e as suas consequências para a formação da classe trabalhadora, bem como acerca do seu papel na expansão do empresariamento da educação, sobretudo na educação superior cearense. Defender a ideia de que a mercantilização do ensino foi estimulada pela crise estrutural do capital agudizada na década de 70 com o esgotamento do modelo taylorista/fordista. |
11 | Qual é esse novo perfil de aluno que habita agora os espaços acadêmicos. [Conhecer] suas trajetórias, sentimentos, percepções, aproveitamento acadêmico e perspectivas futuras. As hipóteses indicavam dificuldades diversas para este aluno bolsista. |
12 | Analisar a implantação e as repercussões do PROUNI em IES de Santa Catarina. Conhecer o perfil do aluno da IES pesquisada, e a percepção do aluno quanto ao acesso e à inclusão no ES e o compromisso social da IES. Analisar criticamente o Prouni... avaliar os avanços e as fragilidades do programa, como política pública de inclusão e de democratização do ES. |
13 | Investigar os condicionantes que motivaram bolsistas do ProUni a buscar uma formação de nível superior, bem como o significado atribuído a esse ensino, e de que forma se deu essa experiência universitária. Uma das hipóteses é que, para este jovem excluído, o lugar do ES coincide com ascensão social e a conquista mais fácil de emprego. |
14 | Analisar se a conclusão de um curso superior privado, financiado pelo Prouni, causa influência sobre a inclusão social de indivíduos, a partir de indicadores como participação comunitária, empregabilidade, acesso ao capital social, político e cultural, alargamento da rede social. |
15 | Compreender as estratégias adotadas pelos bolsistas pernambucanos do Prouni e seus familiares, em uma realidade influenciada pela nova possibilidade de acesso ao ES. Categorizar o perfil do estudante bolsista e compará-lo com o perfil dos demais estudantes matriculados em IES privadas. |
16 | Realizar uma avaliação política e elucidar as razões que tornaram o programa uma das políticas prioritárias como estratégia para promoção da democratização do acesso à Educação Superior. Tese: O processo de constituição do sistema de Educação Superior no Brasil foi construtor de um verdadeiro muro que separou os considerados dignos de obter a titulação daqueles que não eram, legitimando discursos meritocráticos e mantendo residualmente o bacharelismo como fenômeno social. |
17 | Avaliar se o Prouni atende e corresponde às expectativas dessas novas camadas sociais incluídas no ES. |
18 | Investigar se o Prouni possibilitou melhores condições de inserção no mercado de trabalho, assim como melhoria na condição socioeconômica dos seus egressos. |
19 | Compreender e problematizar a relação público vs. privado na perspectiva histórica. Hipótese inicial: A relação das esferas pública e privada é de mútua implicação e não de polarização ou exclusão. |
20 | Investigar a dimensão subjetiva da desigualdade social, a partir da escolha do curso universitário dos bolsistas Prouni. Temos como base a ideia de quea desigualdade social perpassa todos os fenômenos sociais, dentre estes a escolha dos cursos, portanto, a escolha é realizada em condições desiguais. |
21 | Análise da implantação do Prouni no período 2005-2008 em duas IES de Campo Grande. Identificar o seu significado como política de democratização que visa a inserção de negros na Educação Superior. Hipótese: embora seja política focalizada, formulada no contexto neoliberal pode representar estratégia de acesso e permanência de jovens negros no ES. |
22 | Analisar a política de financiamento da ES privada por meio do Prouni e FIES como meio de expansão e formação de oligopólios. Tese: Incentivo a IES privadas atende aos interesses do capital financeiro contribuindo para a acumulação dos acionistas proprietários. |
23 | Evidenciar as Políticas Educacionais que embasam o Ensino Superior no Brasil, assim como as formas que a desigualdade social toma na educação, dando enfoque à dimensão subjetiva dessa realidade. |
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos resumos e das introduções das teses.
A análise do Quadro 1 elucida a variação na forma com que os diferentes autores enunciam seus propósitos: alguns em forma de objetivos clara e inequivocamente enunciados, outros em forma de tese(s) e/ou hipótese(s) acompanhadas ou não de questões de pesquisa. Com exceção das teses de número 1, 2, 4, 8, 9, 10, 12, 14, 15, 18 e 23, as quais enunciam propósitos descritivo-analíticos, as demais partem de algum tipo de “aposta”; algumas enunciadas claramente como “tese”, outras como hipótese, hipóteses, ou mesmo por meio de verbos como “demonstrar” e “defender”. Os procedimentos para sustentar suas assertivas envolvem, em geral, a análise de documentos combinada com a aplicação de questionários e a realização de entrevistas com bolsistas, egressos, gestores e professores, com exceção das teses de número 5, 9, 10, 16, 19 e 22 que podem ser classificadas como teórico-documentais.
Categorizar os tipos de estudo, temáticas, subtemáticas, além dos enfoques privilegiados pelos autores das teses envolveu escolhas que foram além do julgamento sobre similaridade e diferença. Foi necessário transitar de uma proposta inicial, baseada na literatura já mencionada, para a leitura das teses e passar por sucessivas etapas de refinamento até chegar ao resultado apresentado: uma leitura particular e consciente das limitações inerentes ao trabalho com textos extensos e complexos como teses de doutoramento.
Considerando, conforme Perez (2010, p. 1185), que o modelo top down tem como objetivo a análise do grau de alcance dos objetivos da política e de seus impactos e dos principais fatores que afetam a própria política, além de outros aspectos; e que os enfoques bottom up se centram nos atores locais e têm como pressuposto “[...] a compatibilidade dos programas aos desejos, vontades e padrões comportamentais dos atores e o processo de descentralização”, é possível, a partir de aspectos da implementação e das temáticas das teses, sistematizá-las em três grupos:8
O Grupo 1 é composto pelas teses 1, 2, 4, 6, 7, 11, 15 e 17. Pela ênfase nos bolsistas como principal fonte empírica de informação e por tratarem prioritariamente de suas experiências no Ensino Superior, essas pesquisas podem ser consideradas como estudos Bottom up. No geral, analisam algum aspecto da implementação nas IES parceiras. É formado por oito teses, com a seguinte distribuição temática: acolhimento e prevenção da evasão (teses 1 e 2); impacto na qualidade do ensino (tese 4); comprometimento do aluno com a aprendizagem (tese 6); trajetórias, redes de socialização e relação com o saber acadêmico (tese 7); perfil dos bolsistas e inserção no Ensino Superior (tese 11); estratégias de adaptação (tese 15); atendimento das expectativas dos bolsistas em relação ao Ensino Superior (tese 17).
O Grupo 2 é formado por teses que podem ser consideradas, genericamente, estudos de avaliação da política ou que pretendem, além de avaliar alguns aspectos do Prouni, realizar também uma avaliação política do programa. É formado por dois subgrupos: O primeiro inclui as teses 5, 8, 18, 12, 14, 21 e 22, que analisam o Prouni do ponto de vista de sua efetividade; a partir de diferentes perspectivas, como: crítica ao caráter focalizado da política (tese 5); aspectos do financiamento (tese 22); mobilidade social e inserção de egressos no mundo do trabalho (teses 12 e 14); inclusão de negros (tese 21); avanços e fragilidades do programa (tese 18). Desse grupo, a tese 8 merece menção especial, pois, apesar de não enunciar tese ou hipótese, analisa o programa do ponto de vista da inserção acadêmica e social nos níveis macro, meso e micro. A abordagem do ciclo de políticas na versão de Ball9 explica melhor o desenvolvimento dessa pesquisa, que focaliza todos os contextos da política: das influências para o problema entrar na agenda governamental a uma ampla avaliação dos destinatários da política em duas IES do Rio de Janeiro. O segundo é formado pelas teses 9, 10, 16 e 19, que avaliam o Prouni a partir das seguintes perspectivas: potencial crítico (teses 9 e 10); possibilidades de democratização da Educação Superior (tese 16); relação público versus privado (tese 19).
O Grupo 3 inclui as teses 3, 13, 20 e 23, que foram categorizadas à parte porque, mesmo tendo como sujeitos certo número de bolsistas, não analisaram ou avaliaram o Prouni, mas os sentidos atribuídos ao programa pelos sujeitos envolvidos na investigação (teses 3, 20 e 23) e ao Ensino Superior, caso da tese 13.
Quanto aos enfoques, com base na literatura de políticas já mencionada na parte introdutória deste artigo, as teses foram agrupadas em quatro categorias10: Análise da política, Avaliação da política, Avaliação política e de alguns aspectos da política e Outros. Os trabalhos de “Análise da política” comportam as teses que trataram de algum aspecto da implementação do Prouni em uma ou mais IES. Os de “Avaliação da política” incluem as teses que focalizaram o Prouni e seus efeitos de um modo mais global, fazendo uso de conceitos como inclusão social, ou mesmo da ideia de efetividade da política, ainda que sem menção ao uso que se faz desse conceito na literatura de políticas públicas, a exemplo do texto já citado de Figueiredo11. Os de “Avaliação política e de alguns aspectos da política”, categoria que combina as duas primeiras, são os que utilizaram abordagem mista; sem deixarem de analisar algum aspecto da implementação, priorizaram a crítica ao programa em razão de seu viés neoliberal. Esses trabalhos podem ser considerados estudos Top Down. Os trabalhos incluídos na categoria “Outros” são os que focalizam os sentidos atribuídos pelos bolsistas entrevistados ao Prouni, não comportando análise ou avaliação do programa, propriamente.
O Quadro 2 sintetiza os enfoques, as categorias e as subcategorias construídas com base na leitura completa e mapeamento geral de cada tese, elaborado com o software Simple Mind12, abrangendo dos objetivos aos resultados, incluindo ainda os procedimentos de coleta e análise dos dados13.
Análise da política | Avaliação da política | Avaliação política e de alguns aspectos da política | Outros | ||||
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Aspectos da implementação nas IES parceiras | Fontes e teses | Efetividade | Fontes e teses | Potencial crítico e de democratização da política | Fontes e teses | Percursos e atribuição de sentidos | Fontes e teses |
Acolhimento e prevenção da evasão | IES Teses 1 e 2 | Crítica ao caráter focalizado da Política | Documentos Tese 5 | Contribuição para a formação da classe trabalhadora | Documentos Teses 9 e 10 | Compreensão das diferentes dimensões do Prouni | Bolsistas Tese 3 |
Impacto na qualidade | IESTeses 4 | Inclusão social e acadêmica | Bolsistas, gestores e documentos Teses 8 e 12 | Democratização | Documentos Tese 16 | Razões da busca por formação superior | Bolsistas Tese 13 |
Comprometimento do aluno com a aprendizagem | Bolsistas Tese 6 | Mobilidade e ascensão social | Egressos Teses 14 e 18 | Relação público vs. privado | Documentos Tese 19 | Dimensão subjetiva da desigualdade e escolha da carreira | Bolsistas Tese 20 |
Trajetórias, redes de socialização e relação com o saber acadêmico | Bolsistas Tese 7 | Inclusão de negros | Bolsistas Tese 21 | Pobreza, escolaridade e subjetividade | Bolsistas Tese 23 | ||
Perfil dos bolsistas e inserção no Ensino Superior | BolsistasTese 11 | Financiamento | Documentos Tese 22 | ||||
Estratégias de adaptação | Bolsistas Tese 15 | ||||||
Atendimento das Expectativas dos bolsistas | BolsistasTese 17 | ||||||
Total | 8 teses | 7 Teses | 4 Teses | 4 Teses |
Fonte: Elaborado pela autora a partir das informações coletadas nas teses.
Perspectivas epistemológicas e tipos de teorização
A sistematização e a análise das perspectivas epistemológicas e teóricas, a partir das quais os autores das teses organizaram suas investigações, apresentaram algumas dificuldades, em razão da grande variedade na forma como tais trabalhos foram estruturados. Alguns com capítulo teórico separado, outros abrangendo diferentes tópicos anteriores à parte empírica da pesquisa, e até mesmo um trabalho no qual a fundamentação teórica foi feita juntamente à revisão de literatura, confundindo-se com ela. O Quadro 3 apresenta uma síntese das referências epistemológicas e teóricas informadas pelos autores das teses nos resumos e/ou nas introduções ou mesmo em capítulos teóricos separados.
Perspectivas epistemológicas | Teses | Teorias, autores e conceitos | Teses | Teorização combinada | Teses | Ausência de teorização | Tese |
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Marxismo, neomarxismo e materialismo histórico-dialético | 9, 10 e 22 | Paulo Freire e Gramsci | 2 | Autores do campo das políticas + Teorização combinada | 8 e 16 | Revisão de Literatura sobre o tema da Tese | 1 |
Perspectiva da Psicologia sócio-histórica | 20 e 23 | Teoria da Complexidade | 3 | Teorização combinada | 4, 6, 7, 11, 12, 14, 17, 18, 19 e 21 | ||
Sociologia Histórico-comparada de Bendix | 5 | ||||||
Bourdieu e Bourdieu e colaboradores | 13 e 15 | ||||||
Totais | 5 | 5 | 12 | 1 |
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos resumos e das introduções das teses.
Do ponto de vista do esquema analítico-conceitual geral do EEPE, constata-se, em primeiro lugar, que, considerando a perspectiva epistemológica como as grandes estruturas conceituais a partir das quais o pesquisador constrói a realidade, apenas nas teses 9, 10 e 22, e 20 e 23 constam explicitamente as respectivas perspectivas epistemológicas assumidas: marxista, neomarxista e materialista histórico-dialética, no primeiro caso, e perspectiva da psicologia sócio-histórica, no segundo. As demais formam três subgrupos: (1) o das teses 2, 3, 5, 13 e 15, cujos autores informam referências teóricas, nomeiam autores, conceitos e trabalham fundamentalmente com estes, embora muitos outros autores apareçam citados em diferentes passagens; (2) o das teses 4, 6, 7, 11, 12, 14, 17, 18, 19 e 21, que combinam diferentes autores conceitos e teorias; (3) o das teses 8 e 16, as únicas que, explicitamente, utilizam autores e modelos de análise do campo da política educacional e das políticas públicas, embora também façam uso de teorização combinada. Finalmente, encontra-se também uma tese em que não há teorização.
Nota-se, portanto, a pequena quantidade de autores que explicita a perspectiva epistemológica assumida para fazer a investigação, informação consistente com os estudos de Mainardes (2017, 2018a) e Mainardes e Tello (2016) que, nesses e em outros textos, têm chamado atenção para as consequências dessa ausência e para a importância de uma perspectiva epistemológica definida para aumentar a coerência, o rigor e a interação entre teoria e dados contribuindo, portanto, para consolidar a produção do campo. Em segundo lugar, a quantidade de trabalhos que fazem uso do recurso da teorização combinada15, o que tanto representa uma tomada de decisão intencional, com vistas a construir um arcabouço teoricamente mais sólido para dar conta do objeto, como é o caso das teses 8 e 16, que combinaram as contribuições de modelos analíticos das políticas com aportes sociológicos, quanto, provavelmente, escolhas motivadas por razões outras, como a linha de pesquisa da qual o autor da tese fez ou faz parte, as influências do orientador ou, ainda, a riqueza de possibilidades do objeto.
Cabe lembrar que a teorização combinada remete ao pluralismo, perspectiva cuja contribuição para a investigação social ainda não é consensual (MAINARDES, 2017, 2018a). Coutinho (1991, p.13) adverte que o pluralismo não pode implicar o relativismo ou o ecletismo e também que “[...] não se pode pensar em conciliar pontos de vista inconciliáveis em nome do pluralismo”. Nesse sentido, ao mesmo tempo que pode promover a novidade na ciência, estimular a crítica e estimular o diálogo, pode, também, na falta de referenciais sólidos, resvalar para o simples adicionamento de teorias, gerando pesquisas frágeis, as quais não contribuem para a consolidação dos conhecimentos de determinada área. O que fica em aberto é se, no conjunto, é possível contar com uma avaliação política e da política, que possa servir de referência para novos pesquisadores que, na fase de revisão de literatura, possam encontrar um ponto a partir do qual avançar, contribuindo, dessa forma, para a constituição de um corpus de conhecimentos consolidados no que se refere especificamente a esse programa.
Níveis de abstração
Constatadas a extensão e a estrutura das teses, além do conteúdo dos respectivos capítulos,16 a sistematização dos níveis de abstração foi feita considerando as seguintes possibilidades, combinadas ou não: estudos descritivos, analíticos e compreensivos (MAINARDES; TELLO, 2016) ou, ainda, conforme propõe Dunleavy (2003), combinação dos estilos analítico e argumentativo, argumentativo e analítico e vice-versa. No conjunto, as teses contêm muito de descrição, embora algumas tenham também trabalhado com conceitos e categorias, derivadas das informações obtidas nas IES com bolsistas e outros informantes, ou de alguma teoria em uso, ou mesmo apresentado ideias e ou conclusões originais. Foram identificados estudos mistos, que combinaram descrição e análise, análise e argumentação, capítulos puramente descritivos, além de trabalhos analíticos combinados com tentativas de teorização. A Tabela 3 sintetiza essas informações:
Níveis de abstração | Número de teses |
---|---|
Descritivas analíticas | 11 |
Analíticas compreensivas | 5 |
Compreensiva analítica | 1 |
Analítica argumentativa | 1 |
Argumentativa descritiva | 1 |
Argumentativa analítica | 3 |
Explicativa | 1 |
Total | 23 |
Fonte: Elaborada pela autora a partir dos dados da pesquisa.
Do grupo das teses 1, 2, 4, 6, 7, 11, 15 e 17, categorizadas no Quadro 2 como estudos de Análise da política com foco em aspectos da implementação do programa, são descritivas analíticas as teses 1, 2, 4, 11 e 17. Todas avançam até a formulação de categorias, mas, no geral, contêm mais descrição do que análise. A 6 é uma pesquisa que trabalha com uma tese e uma hipótese claramente delineadas, informadas como comprovadas, e que teve o propósito, informado como “explicativo”, de demonstrar que os resultados reais ou potenciais na formação do egresso do Prouni estão relacionados ao seu comprometimento com a aprendizagem. A teses 15 e 7 são pesquisas analíticas compreensivas. A 15 aborda as diferentes percepções dos bolsistas em face do acesso ao Ensino Superior. Apresenta avanço na teorização, ao defender e sustentar empiricamente a ideia de uma “luta” entre dois campos por parte do bolsista, o qual constrói estratégias próprias para transitar de forma equilibrada entre a família e o ambiente acadêmico. A tese 7 articula, de forma consistente, teorias da Sociologia, da Antropologia e das Políticas Sociais, com foco nas políticas para a juventude, e aborda, de forma original, a noção da criação, pelos bolsistas, de “redes subterrâneas” de socialização para lidar com o saber acadêmico e fazer face às exigências do Ensino Superior.
Do grupo das teses 5, 8, 12, 14, 18, 21 e 22, que avaliaram a efetividade da política em diferentes dimensões, destacam-se as teses 5, 8 e 22, por apresentarem contribuições originais à discussão sobre o programa. São teses integradas, nas quais seus autores entregaram o que prometeram (DUNLEAVY, 2003), avançando também ao nível da compreensão. As teses 5 e 22 são teórico-documentais. A 8 é uma pesquisa analítica compreensiva, na qual, além de farta descrição da implementação do programa em duas instituições de Ensino Superior, o Prouni foi analisado do contexto de influência ao da prática. Foram ouvidos, ao todo, 904 sujeitos, envolvidos em diferentes níveis da política. A tese 5, categorizada como argumentativa analítica, apresenta uma crítica bem fundamentada ao caráter focalizado, e “ilusório”, do Prouni. A 22, uma tese analítico-argumentativa, demonstra, por meio de análise de documentos de três grandes grupos educacionais privados, o papel do Prouni e do FIES na expansão e na formação de oligopólios. As teses 12, 18, 14 e 21 são descritivo-analíticas; as teses 18 e 14 focalizaram aspectos relacionados à inclusão dos egressos no mundo do trabalho; a 12 a importância do compromisso das IES com o acolhimento dos bolsistas, por meio da análise de uma experiência; e a 21 analisou, com grande riqueza de dados, o papel do Prouni na inserção de negros no Ensino Superior.
As teses 9, 10, 16 e 19, cujo enfoque é a avaliação política e de alguns aspectos da política, são todas documentais e apresentam diferentes níveis de contribuição. As teses 9 e 10, como a 22 e a 5, citadas anteriormente, partem de posições já firmadas contra o Prouni e são, respectivamente argumentativa descritiva e argumentativa analítica. A tese 9 trabalha com categorias gramscianas e procura mostrar que o Prouni não favorece a construção da hegemonia da classe trabalhadora, por meio da análise de trechos do Relatório de auditoria de 2009 do Tribunal de Contas da União (TCU) e de estatísticas sobre o Prouni. A tese 10, também com base em literatura marxista, assinala o caráter pseudo-democratizante do programa e suas consequências nefastas para a formação da classe trabalhadora, assim como seu papel na expansão do setor empresarial da Educação Superior cearense. A Tese 16 combina a sociologia compreensiva de Max Weber, com o Modelo de Fluxos Múltiplos, de Kingdon e com outras contribuições da policy analysis (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 1986; e Neoinstitucionalismo histórico) para realizar uma avaliação política e da política, de modo a enfatizar a separação entre os cursos de maior e menor prestígio, bem como as razões pelas quais o Prouni teve precedência sobre outras políticas. É uma tese analítica compreensiva. A 19 é uma tese argumentativa analítica, que parte da hipótese de que a relação entre as esferas pública e privada é de mútua implicação e não de polarização ou exclusão. Conclui que os resultados do Prouni expressam ganhos sociais, traduzindo sua dimensão pública, bem como ganhos de mercado, atestando também sua dimensão privada.
Finalmente, as teses 3, 13, 20 e 23 são respectivamente analítica compreensiva, descritiva analítica, compreensiva analítica e descritiva analítica. Na tese 3, o autor explorou as informações obtidas nas entrevistas com os bolsistas, cotejando-as com a teoria utilizada para responder à questão principal de pesquisa. A 13 investigou, por meio da análise de dados sobre o Prouni e de questionários e entrevistas com bolsistas, a motivação para cursar o ensino superior e o significado atribuído ao Prouni. As duas últimas, teses 20 e 23, têm em comum o fato de terem assumido a perspectiva da Psicologia sócio-histórica crítica e ambas trabalharem com análise dos núcleos de significação construídos a partir do material empírico recolhido. A 20, em entrevistas dialógicas com quatro bolsistas, de diferentes cursos; a 23, em 30 questionários e uma entrevista. A tese 20, apesar de trabalhar com um pequeno número de sujeitos, consegue, por meio da análise dos núcleos de significação identificados nas entrevistas dialógicas, discutir de forma integrada a relação entre subjetividade, escolha da carreira e desigualdade. A 23 privilegia os questionários e descreve mais do que analisa.
Considerações finais
No tratamento do tema da constituição do campo da política educacional, no Brasil e na América Latina, em geral, é comum a referência à sua complexidade, à diversidade de seus objetos, bem como à necessidade de pesquisas mais consistentes, nas quais os autores não só indiquem claramente a perspectiva e o posicionamento epistemológico que os informam, como também demonstrem coerência entre os diferentes polos (epistemológico, teórico, metodológico e técnico) nessas investigações.
Como forma de contribuir para consolidar a pesquisa desse campo, a metapesquisa vem sendo apontada como um instrumento útil para realizar a avaliação de pesquisas, identificar características, tendências, fragilidades e obstáculos para o desenvolvimento de um campo ou temática de pesquisa (MAINARDES; TELLO, 2016). Neste artigo, apresentamos os resultados de uma metapesquisa que, diferentemente de estudos que procuram mapear pesquisas de forma mais abrangente, focalizou as teses sobre um único programa, o Prouni, com suporte de esquemas analítico-conceituais e referências teóricas do campo das políticas públicas e da pesquisa educacional, com o objetivo de caracterizar epistemologicamente os estudos sobre o tema, no período analisado.
Os resultados focalizaram três grandes aspectos: as temáticas e os enfoques, as referências teóricas e epistemológicas e os níveis de análise e de abstração. O passo a passo da pesquisa exigiu um grande esforço de sistematização e de construção de dados; assim, muitos aspectos restam ainda a ser explorados. Retomando brevemente as questões de pesquisa, constatou-se a grande variedade de assuntos, com múltiplas ramificações, presentes nos trabalhos, a ínfima quantidade de estudos em que as perspectivas e posicionamentos epistemológicos são apresentados explicitamente, a utilização majoritária de teorização combinada, bem como a presença de apenas dois estudos que utilizam a literatura e modelos do campo das políticas.
Um aspecto controverso e que exigirá aprofundamentos posteriores diz respeito aos limites entre as teses analíticas e as de compreensão, o que implicará um exame mais detalhado das formas com que os autores operam com as teorias, criam categorias e lidam com as evidências de uma maneira geral. Um investimento posterior na compreensão dos procedimentos de construção e análise de dados, assim como da configuração textual, poderá trazer subsídios para esclarecer esses aspectos. Um último aspecto a merecer atenção é a ausência, na maioria dos estudos, de discussões mais substantivas sobre o Prouni, à luz de conceitos como os de democratização, inclusão social e equidade, apenas tangenciados, na maioria dos trabalhos, bem como de um panorama mais abrangente das diferentes maneiras como os sistemas de Educação Superior em outros países vêm tratando a questão do acesso à Educação Superior.