Introdução
Na década de 90 ocorreram movimentos internacionais, que tinham como slogan “A Educação para Todos”, como a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994), que proclamaram a necessidade de criação de políticas públicas educacionais direcionadas à igualdade de oportunidades. Assim, considera-se que a partir da década de 90, inúmeras mudanças legais e conceituais, assentadas na defesa ao direito de todos à educação, começam a ser elaboradas pela via de programas e políticas educacionais. Frente a este contexto o presente artigo discorre sobre a trajetória de escolarização do jovem e adulto com deficiência na educação brasileira. Caracteriza-se por uma análise documental sobre a EJA e a Educação Especial, bem como das políticas públicas destinadas à estas modalidades de ensino. Fazendo-se um paralelo, trabalhou-se com fontes primárias e secundárias de pesquisa, compreendendo o período de 1990 até 2016. A trajetória metodológica consistiu-se em estudos sobre as revisões bibliográficas e as políticas públicas, onde se buscou produzir destes uma análise, organizando-os e interpretando-os segundo o objetivo da investigação proposta, ou seja, analisar historicamente a articulação entre as políticas públicas das modalidades de ensino EJA e Educação Especial. Processou-se a organização do material seguindo critérios da análise de conteúdo. A análise de conteúdo, segundo Bardin (2009), é uma técnica de tratamento das informações que tem por finalidade identificar o que está sendo dito a respeito de um determinado tema e permite a inferência de conhecimentos pertinentes às condições de produção destas mensagens.
Para tanto, o artigo encontra-se dividido em três seções principais. Na primeira, apresentam-se os aspectos políticos das modalidades da EJA na segunda apresentam-se os aspectos políticos das modalidades da Educação Especial e na terceira seção as considerações finais.
Aspectos políticos das modalidades Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial no Brasil: da década de 1990 à década de 2010
Na década de 1990, com o crescimento do capitalismo e a consolidação dos princípios neoliberais, “o chamado mundo globalizado redefinia a função do Estado como executor de políticas sociais” (PERONI, 2009, p.01). Essa redefinição acarretou profundas alterações no processo de construção e gerenciamento das políticas públicas, o que consistiu em “transferir a responsabilidade pela execução e pelo financiamento das políticas sociais diretamente para o mercado” (PERONI, 2005, P.139), ou seja, introduzir a lógica mercantil nos setores de competência do Estado.
Frente às alterações acarretadas pela redefinição da função do Estado na execução de “[...] políticas sociais mencionadas por Peroni (2009), [...] o desenvolvimento de políticas públicas para a Educação Especial e para a EJA nitidamente converge no que diz respeito ao descaso com essas duas modalidades de ensino. A displicência representou, para o público-alvo da Educação Especial, a legitimação de espaços externos à educação.
Para o público da EJA, significou a ampliação de ações para a alfabetização em espaços de iniciativa não governamental, por meio do Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC), o qual anunciava a transferência de recursos federais para instituições públicas, privadas e comunitárias que promovessem a alfabetização e a elevação da escolaridade de jovens e adultos.
Apesar do descaso com as duas modalidades de ensino mencionadas, em 1990, o Brasil participou, juntamente com outros países, da Conferência Mundial realizada em Jontiem, na Tailândia, que contou com patrocinadores, como a UNESCO, o Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD), o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) e o Banco Mundial. Nessa conferência, foi aprovada a Declaração Mundial sobre a Educação para Todos, cujos objetivos, segundo Haddad e Di Pierro (2000), foram publicizar a realidade mundial do analfabetismo de pessoas jovens e adultas, anunciar os índices insatisfatórios de escolarização na Educação Básica e acelerar o “repensar” a educação nos âmbitos internacional e nacional.
Sob o contexto das conferências, o Brasil, na década de 1990, com o objetivo de honrar o compromisso firmado com as agências internacionais e seguir as orientações, instituiu uma ampla reforma na educação. Na reforma educacional, ocorreu o fomento de políticas educacionais para as modalidades da Educação de Jovens e Adultos e para a Educação Especial, as quais serão apresentadas nas próximas seções.
Políticas educacionais para a modalidade Educação de Jovens e Adultos
A Educação de Jovens e Adultos tornou-se uma modalidade de ensino da Educação Básica por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei Nº 9.394/96, especificamente nos Artigos 37 e 38, da Seção V. No Art. 37, está presente a ideia de acesso, continuação, gratuidade, oportunidades apropriadas às considerações e às características dos alunos, bem como o estímulo ao acesso e à permanência por meio de ações integradas do Poder Público:
Art. 37 A Educação de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e adultos, que não puderam efetuar seus estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. § 2º O Poder público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si. § 3º A Educação de Jovens e Adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a educação profissional, na forma do regulamento (Incluído pela Lei nº 11.741, de 2008) (BRASIL, 2010, p. 25).
Um ano após a aprovação da LDBEN Nº 9.394/96, ocorreu, em Hamburgo, na Alemanha, a V Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA), promovida pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Na Conferência, foi destacada a importância da Educação Básica para todas as pessoas como um meio para o desenvolvimento potencial, coletivo e individual:
Não é apenas um direito, mas também um dever e uma responsabilidade para com os outros e com toda a sociedade. É fundamental que o reconhecimento do direito à educação continuada durante a vida seja acompanhado de medidas que garantam as condições necessárias para o exercício desse direito (DECLARAÇÃO DE HAMBURGO, 1998, s/p).
As propostas lançadas na V CONFINTEA pressupõem que a EJA assuma a educação ao longo da vida por meio da educação formal e informal. Ao referir-se à educação ao longo da vida, a Declaração de Hamburgo (1997) elucida que é necessário repensar alguns fatores, como a idade, a igualdade entre sexos, as necessidades especiais, a cultura e as disparidades econômicas. Vale destacar ainda que ao longo do texto da Declaração de Hamburgo (1997) são “mencionados” os (jovens, adultos, idosos, homens, mulheres, brancos, negros, pessoas com necessidades educacionais especiais, população indígena e quilombola, nômades etc.), bem como a oportunidade desses segmentos terem igualdade de condições e o direito à educação por toda a vida.
Após as discussões realizadas sobre a Educação de Adultos na V CONFINTEA, ocorreram, no Brasil, no início do ano 2000, debates sobre as experiências nacionais na EJA elaboradas na década de 1990. Como resultado dos debates, ocorreu a promulgação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, CNE/CEB Nº 11/2000 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB), a qual fundamenta as diretrizes da Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2000). Nele consta que essa modalidade deve criar oportunidades àqueles que tiveram negado o direito ao ensino, propiciando, por meio de programas de escolarização, um modelo pedagógico diferenciado que responda às necessidades de aprendizagem dessa população, normalmente destituída de direitos. O Parecer apresenta a EJA com função reparadora de restaurar um direito negado; equalizadora de modo a garantir redistribuição e alocação em vista de igualdade na forma pela qual se distribuem os bens sociais; e qualificadora no sentido de propiciar a todos a atualização de conhecimentos por toda a vida (BRASIL, 2000). Compreende-se que essas funções não se resumem à ideia de resgate da oportunidade perdida, pois traz a concepção de que para “aprender não há idade, e que a todos devem ser assegurados direitos iguais” (PAIVA, 1997, p.98).
No entanto, o avanço proporcionado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA (BRASIL, 2000) não garantiu a organização de políticas educacionais destinadas à EJA. O governo federal conferiu lugar marginal à EJA na hierarquia da política educacional, extinguindo em 1997, a Comissão Nacional de Educação de Jovens e Adultos (CNEJA), que era canal de diálogo com a sociedade civil organizada, e, por meio do Programa Alfabetização Solidária, redefiniu os papéis dos setores públicos e privados. Nessa redefinição, a sociedade foi chamada para colaborar com a oferta de serviços educacionais, diminuindo as responsabilidades do Estado pelo analfabetismo. A respeito dessa redefinição, Haddad (2009) explicita que
ganharam relevância entidades de prestação de serviços, entidades filantrópicas, ou de caráter assistencialista, e verificou-se crescente interesse de parte dos grupos empresariais e do capital em geral nos rumos e no controle das orientações e no atendimento educacional. Com o enfraquecimento do setor público diversas entidades privadas foram chamadas a produzir materiais didáticos, treinar professores e atuar no plano de orientações pedagógicas. (HADDAD, 2009, p.357)
Ações como as mencionadas por Haddad (2009) marcaram a atuação neoliberal nas políticas brasileiras, com o estímulo da produção de “[...] novos tipos de atores sociais, sujeitos sociais híbridos que são espacialmente móveis, eticamente maleáveis e capazes de falar as linguagens do público, do valor privado e filantrópico” (BALL, 2014, p. 230). Nesse contexto, entende-se que as políticas educacionais foram e são objeto de disputa e oportunidade de lucro, tanto no sentido de venda como de doação ou filantropia, o que oportuniza também o fortalecimento do terceiro setor fazendo com que entidades sociais, organizações não governamentais e fundações empresariais se multiplicassem, e muitas se tornassem operadoras das políticas sociais, conferindo a essas políticas o caráter de mercado e oportunidades de lucro.
A participação do terceiro setor na educação é prevista na LDBEN/96, em seu Art. 60, no qual consta que os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público. Diante do exposto pela lei, compreende-se que a presença do setor privado é reconhecida pelo Poder Público como uma colaboração importante e que a busca por recursos públicos torna-se fundamental para a existência desse setor. Assim, apreende-se que a nova forma de atuação do governo frente às demandas sociais retirou do Estado o papel de provedor para fazê-lo articulador de políticas sociais, aproximando o setor privado do público.
Sobre a relação dos setores público/privado na oferta da EJA, Freitas (2010) destaca que, mesmo com a aproximação entre as duas esferas, não ocorreu a reversão do quadro de analfabetismo no país, e as disparidades educativas observadas entre os grupos étnico-raciais e as populações rurais continuavam a aumentar. Esse contexto levou o governo federal a aprovar o Plano Nacional de Educação (2001-2010) na tentativa de amenizar as desigualdades e erradicar o analfabetismo.
O Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001) apontou que, em relação às desigualdades, o grande avanço da década seria a construção de escolas inclusivas que garantissem o atendimento à diversidade humana. Em decorrência dessa meta, o PNE anunciou como objetivo, a erradicação do analfabetismo até 2010. Dessa forma, aderiu à “concepção continuada ao longo da vida, mas priorizou a atenção ao direito público subjetivo dos jovens e adultos ao ensino fundamental público e gratuito” (DI PIERRO 2010, p. 944). O texto do PNE reconheceu jovens e adultos como cidadãos com o direito de estarem integrados à sociedade em todas as esferas possíveis, devendo essas esferas se adequarem às suas necessidades, principalmente às escolares (BRASIL, 2001).
Na mesma década em que ocorreu a aprovação do Plano Nacional de Educação (2001-2010), o governo federal criou a Secretaria Nacional da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), a qual procurou resgatar o sentido educacional da modalidade da Educação de Jovens e Adultos, com a implantação do Programa Brasil Alfabetizado, que buscou construir instrumentos de gestão que permitissem o efetivo acompanhamento/monitoramento e a consequente avaliação das ações de alfabetização de jovens e adultos; do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (PROJOVEM), lançado em 2005 e executado pela Secretaria Especial de Juventude da Presidência da República, que reafirma a integração entre a Educação Básica e o Documento Nacional Preparatório à VI Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA), na perspectiva de formação integral às populações em situação de maior vulnerabilidade, focalizando o público jovem entre 18 e 24 anos com baixa escolaridade e sem emprego formal; e do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), desenvolvido por meio de parcerias com os Institutos Federais do país, com o objetivo de oportunizar a mobilidade social, dando qualificação profissional às pessoas fora da faixa etária. (BRASIL, 2009).
No entanto, apesar da implantação dos programas citados, torna-se importante evidenciar, que, o analfabetismo afetou no ano de 2015, 13 milhões de brasileiros(as) que estavam fora do processo de escolarização. Esse número evidenciado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatásitica - IBGE (2015) representa 8,7% da população acima de 15 anos no país. Outro fator que merece destaque é o índice de analfabetismo funcional que correspondeu na época a 27%. A porcentagem relacionada ao analfabetismo funcional é considerada pelo IBGE como o número de pessoas cuja escolarização não ultrapassa quatro anos (IBGE, 2015). Diante dos dados expostos, compreendo o analfabetismo como um dos exemplos mais sérios de exclusão, visto que o não saber ler e escrever significa não dispor dos recursos de interação com o mundo e com a sociedade capitalista.
Ainda sobre os dados do analfabetismo, cabe destacar o Plano Nacional de Educação, Lei Nº 13.005/2014 que, na Meta 9, reforça a necessidade de
elevar a taxa de alfabetização da população com 15 (quinze) anos ou mais para 93,5% (noventa e três inteiros e cinco décimos por cento) até 2015 e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% (cinquenta por cento) a taxa de analfabetismo funcional. (BRASIL, 2014, p.35)
Para alcançar a Meta 9, o plano propõe estratégias que assegurem a oferta gratuita da Educação de Jovens e Adultos a todos os que não tiveram acesso à Educação Básica na idade própria, sendo elas: a implementação de ações de alfabetização de jovens e adultos com garantia de continuidade da escolarização básica; o apoio técnico e financeiro com projetos inovadores na Educação de Jovens e Adultos que visem ao desenvolvimento de modelos adequados às necessidades específicas desses alunos; e a implementação de programas de capacitação tecnológica da população jovem e adulta, direcionados para os segmentos com baixos níveis de escolarização formal e para alunos com deficiência, articulando os sistemas de ensino, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, as universidades, as cooperativas e as associações que favoreçam a efetiva inclusão social e produtiva dessa população. (BRASIL, 2014)
As estratégias mencionadas asseguram a oferta gratuita da modalidade EJA a todos os que não tiveram acesso à Educação Básica na idade própria. Mediante a igualdade de acesso, evidencio a busca por ações voltadas para as pessoas com deficiência. Tais ações visam à implementação de programas de capacitação tecnológica, como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), instituído pela Lei Nº 12.513/2011 que, em seu § 2º, do Art. 2º, estabelece que “será estimulada a participação das pessoas com deficiência nas ações de educação profissional e tecnológica desenvolvidas no âmbito do PRONATEC”. (BRASIL, 2016, p. 148). O documento ainda considera que, nessa participação, deverão ser observadas as condições de acessibilidade e participação plena no ambiente educacional, tais como adequação de equipamentos, de materiais pedagógicos, de currículos e de estrutura física, que favoreçam a efetiva inclusão desse público.
Políticas educacionais para a modalidade Educação Especial
A Educação Especial também foi contemplada na reforma educacional como uma possibilidade de democratização do ensino. A LDBEN Nº 9.394/96, no Capítulo V, a definiu como uma modalidade de educação que perpassa todos os níveis de ensino e deve ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1996). Além disso, os sistemas de ensino foram orientados a assegurar currículos, métodos e profissionais para atender às necessidades desse público.
Em 2001, a Resolução Nº 02, do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2001), responsável pelas Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica, com o intuito de regulamentar o Capítulo V da LDBEN Nº 9.394/96, instituiu, em seu Art. 1º, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica para a educação de alunos que apresentam “necessidades educacionais especiais, na Educação Básica, em todas as suas etapas e modalidades” e, no parágrafo único desse mesmo artigo, determinou que
O atendimento escolar desses alunos terá início na educação infantil, nas creches e pré-escolas, assegurando-lhes os serviços de educação especial sempre que se evidencie, mediante avaliação e interação com a família e a comunidade, a necessidade de atendimento educacional especializado. (BRASIL, 2001, s/p)
A referida resolução, em seu Art. 2º, igualmente determinou que “Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos” (BRASIL, 2001). Sobre a educação de qualidade, o texto da Declaração de Salamanca (1994) reafirmou o compromisso com a Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e a urgência de educação para as crianças, os jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino. Com a necessidade e a urgência da inclusão afirmada no texto da Declaração de Salamanca (1994), o Ministério da Educação (MEC) e a Secretaria de Educação Especial (SESP) implantou, em 2004, o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, cujo objetivo foi “[...] compartilhar novos conceitos, informações e metodologias - no âmbito da gestão e também da relação pedagógica em todos os estados brasileiros” (BRASIL, 2004, p.3).
No entanto no Brasil, as iniciativas voltadas para a pessoa com deficiência foram intensificadas a partir dos compromissos assumidos na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2006) que estabeleceu que os Estados-Partes devem
[...] assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social compatível com a meta da plena participação e inclusão, adotando medidas para garantir que:
a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino fundamental gratuito e compulsório, sob alegação de deficiência;
b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino fundamental inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem (BRASIL, 2007, p.5-6).
A partir da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2006), foi evidenciado, no Brasil, o compromisso com a inclusão, ocorrendo investimentos em programas e projetos educacionais e sociais voltados para as pessoas público-alvo da Educação Especial. Decorrente desse compromisso, o Brasil, em 2009, promulgou a referida Convenção pelo Decreto Nº 6.949/2009, considerando que os atos internacionais em apreço entrariam em vigor no país, no plano jurídico, em agosto de 2008.
Anteriormente ao Decreto Nº 6.949/2009, o governo brasileiro nomeou uma comissão de profissionais da área da Educação Especial para elaborar o texto da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). A comissão realizou várias discussões e, em 2008, entregou o texto, segundo o qual a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
objetiva o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais especiais, garantindo:
-Transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior; [...] (BRASIL, 2008, p. 8).
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) afirma não só que a Educação Especial deve transversalizar todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, como também disponibilizar recursos e o Atendimento Educacional Especializado (AEE) para complementar e/ou suplementar a formação escolar dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação matriculados na rede regular de ensino (BRASIL, 2008).
Ao evidenciar a Educação Especial com atuação no AEE, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva determina que o atendimento seja ofertado no turno inverso ao da escolarização, tendo “[...] como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas” (BRASIL, 2008). Nos termos legais, o AEE deverá ser garantido pelos sistemas de ensino e ofertado, prioritariamente, nas escolas comuns e em espaços definidos como SRM.
No mesmo ano de promulgação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), foi homologado o Decreto Nº 6.571/2008 (BRASIL, 2008) que regulamentou o AEE e estabeleceu por meio da Lei Nº 11.494/2007, a distribuição dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) para os alunos público-alvo da Educação Especial, matriculados nas escolas comuns e no AEE (BRASIL, 2007). No entanto, ao iniciarem as matrículas na escola regular de alunos que frequentavam somente as instituições especializadas, o referido decreto foi revogado pelo Decreto Nº 7.611/11 (BRASIL, 2011).
O Decreto nº 7.611/11, além de determinar, em seu Art. 1º, que o sistema educacional seja inclusivo em todos os níveis, sendo dever do Estado a educação das pessoas público-alvo da Educação Especial, oficializa a prática da dupla matrícula (no ensino regular e no AEE) (BRASIL, 2011). Esse decreto também reforça o apoio financeiro às instituições especializadas privadas e filantrópicas que atuam na Educação Especial.
Entende-se que o mecanismo de financiamento às instituições que atuam na Educação Especial garante aos estados e municípios a distribuição de recursos do FUNDEB (Lei Nº 11.494/07), em função de matrículas nas instituições conveniadas, preservando, assim, a relação histórica entre o Estado e as instituições assistencialistas. Tais instituições são, muitas vezes, vinculadas a espaços externos ao campo da Educação e cujos objetivos são adversos e reforçam o discurso da solidariedade para os excluídos e o assistencialismo para as pessoas com deficiência.
Para justificar o que preceitua o Decreto Nº 7.611/2011 sobre a distribuição de recursos, foi lançada, pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) e pelo MEC, a Nota Técnica Nº 62/2011. Essa Nota esclarece que o Decreto Nº 7.611/2011 não determina o retrocesso à política de inclusão, mas, sim, o apoio financeiro a instituições especializadas que destinam o atendimento a pessoas que se encontram fora da faixa etária de escolarização obrigatória, em razão de um processo histórico de exclusão escolar (BRASIL, 2011). Dito de outra forma, destinam o atendimento aos jovens e adultos com deficiência que trazem, em sua trajetória, o registro de permanência em instituições da Educação Especial e de fracasso no ensino regular, os quais, no entanto, no referido documento, são desconsiderados como público da educação.
Na conjuntura mencionada, observa-se a busca de instituições especializadas privadas e filantrópicas pelo público da Educação Especial como forma de garantir os recursos financeiros. Por outro lado, essa abertura para essas instituições aponta a fragilidade do Estado quanto à garantia da escolarização do jovem e do adulto com deficiência. Essa fragilidade é constatada por meio da existência de formas exclusivas de atendimentos que desconsideram a política de educação inclusiva.
Ainda sobre a política de educação inclusiva, em 2010, discussões foram apresentadas nas reuniões da Conferência Nacional de Educação (CONAE). Como resultado dessas discussões, foi aprovado, em 2014, o novo Plano Nacional de Educação, Lei Nº 13.005/2014, que, em sua Meta 4, reforça a necessidade de
universalizar, para a população de quatro a dezessete anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados (BRASIL, 2014, p.55).
Ao fazer uma reflexão sobre a Meta 4, pondero que o termo “preferencialmente” nega o caráter da política inclusiva e reforça, mais uma vez, a oferta do AEE nas instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas, as quais possuem força nas políticas da Educação Especial. O Plano Nacional de Educação (2014-2024) esclarece, em suas linhas introdutórias, a força dessas instituições:
Outra polêmica ocorreu na discussão da Meta 4 (educação especial), em relação ao atendimento educacional especializado “preferencialmente na rede pública” (expressão adotada na LDB). No debate entre atores que defendiam a educação inclusiva na rede pública e os que reivindicavam um atendimento educacional especializado complementar, foram bem-sucedidas as Apaes, que, ao apoiarem o último grupo, conseguiu que fosse mantida a expressão “preferencialmente” (BRASIL, 2014, p.22).
A presença das instituições especializadas privadas e filantrópicas na Educação Especial é histórica, e a influência desse setor mostra-se decisiva nos rumos das políticas educacionais, como citado anteriormente. A respeito dessas instituições, Laplane, Caiado e Kassar (2016) destacam que há forte tensão na história da Educação Especial brasileira, construída com investimentos de recursos públicos nas instituições privadas de caráter filantrópico. No entanto, as autoras evidenciam que, apesar de o neoliberalismo incentivar a privatização dos serviços públicos, incluindo a educação, a UNESCO apontou razões (educacional, social e econômica) para desenvolver um sistema educacional mais inclusivo.
Frente a este contexto vale destacar que os jovens e adultos oriundos de escolas especiais, com vivências de escolarização nem sempre bem-sucedidas, muitas vezes marcadas pela crença da escola e da sociedade na sua incapacidade de aprender e pela infantilização de suas experiências de aprendizagem, procuram a EJA, porque se percebem ou são percebidos pela sociedade como excluídos. Dessa maneira,
valorizar o retorno dos jovens e adultos à escolaridade é fundamental para torná-los visíveis, já que representa a chance que, mais uma vez, esse jovem está dando ao sistema educacional brasileiro de considerar sua existência social, cumprindo o direito constitucional de todos terem acesso à escolaridade básica (ANDRADE, 2004, p. 51).
No entanto, a instituição escolar há que tomar o devido cuidado para que esses sujeitos não sejam vistos sob a “[...] ótica das carências escolares: não tiveram acesso, na infância e na adolescência, ao ensino fundamental, ou dele foram excluídos ou dele se evadiram; logo propiciemos uma segunda oportunidade” (ARROYO, 2006, p. 23).
Tratam-se de sujeitos, com suas diferenças culturais, de etnias, de religião e de crenças que procuram, na instituição escolar, “[...] um espaço de sociabilidade, de transformação social e de construção de conhecimentos” (GADOTTI, 2003, p.23), ou seja, de conhecimentos culturais que possibilitem a inserção no mundo político, econômico e social e, consequentemente, o acesso ao mercado de trabalho. Isso representa dizer que a modalidade da EJA requer o comprometimento com o ensino que vise à formação de sujeitos capazes de enfrentar as diversidades com autonomia.
Considerações Finais
A breve análise histórica sobre a articulação entre as políticas educacionais das modalidades de ensino EJA e Educação Especial, nos fez perceber a ausência de articulação entre as áreas da EJA e Educação Especial até o início de 2000 em âmbito nacional, não sendo constatada nenhuma interface entre as ações e políticas voltadas ao atendimento de jovens e adultos e pessoas com deficiência até esta data, embora tenha que se destacar que muitos avanços ocorreram neste período, marcando o início da visibilidade desses sujeitos, mesmo que isoladamente, ou seja, com garantias voltadas especificamente aos jovens e adultos e garantias voltadas especificamente às pessoas com deficiência.
No entanto as garantias isoladas tornam a EJA um espaço de segregação e desaparecimento do sujeito, assim como acontece fortemente na área da Educação Especial com a presença de instituições especializadas. Essa invisibilidade dos jovens e adultos com deficiência abre uma lacuna possível de ser preenchida por visões reducionistas sobre esses sujeitos. No caso dos jovens e adultos com deficiência, a invisibilidade de ações para incluí-los nos processos escolares do ensino comum pode significar a permanência desses sujeitos nos espaços especializados ou, mesmo quando há a inclusão no ensino comum, esta pode significar a manutenção da mesma configuração, ou seja, a segregação.
Frente a este contexto, considero necessária a articulação entre as políticas das modalidades de ensino, pois nos textos encontra-se um conjunto de orientações as quais considero instrumentos importantes de determinação, quando aliados às práticas e ao comprometimento para garantir a transformação nas escolas. Textos políticos que passam a considerar os jovens e adultos com deficiência sujeitos da aprendizagem e possuidores de direito à educação.