Introdução
A Constituição Federal (BRASIL, 1988), na letra de seus artigos 205 e 206, trata de a quem se destina e quais os princípios que regem a educação no país, destacando-se, na presente análise, a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, como o primeiro princípio arrolado no art. 206.
A presente pesquisa visa avaliar a eficácia do programa do auxílio estudantil em um câmpus de universidade federal brasileira, o qual tem a finalidade de apoiar o estudante no seu desenvolvimento acadêmico e na sua permanência na Instituição, buscando reduzir os índices de evasão decorrentes de dificuldades de ordem socioeconômica. É parte de dissertação de mestrado apresentada como requisito para a obtenção do título de Mestre em Planejamento e Governança Pública, por meio da qual se busca obter conhecimentos no campo de realidade social inserida no contexto da educação superior e da assistência estudantil. Dados de pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), de 2010, descrevem que cerca de 44% dos estudantes das universidades federais pertencem às classes C, D e E; comparam com dados de pesquisa da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa (ABEP), de 2009, de que 67% da população do país pertence às classes C, D e E (ANDIFES, 2011, p. 20); e demonstram uma dificuldade no acesso e permanência dos estudantes das classes menos favorecidas no ensino superior. Ressalte-se que tal estudo não considerou as instituições de ensino superior privadas, que respondem por parcela significativa do ensino superior no país.
Tal demonstração é só mais uma a reforçar a constatação histórica de desigualdade no ensino superior. Diante do exposto, diferentes atores sociais vêm, ao longo de décadas, buscando uma efetiva democratização do ensino superior, visando assim, a redução da desigualdade social em nosso país.
A manutenção de tais estudantes no ensino superior contribui sobremaneira para que, uma vez graduados, possam ingressar no mercado de trabalho de nível superior, catapultando sua renda, alçando-os, bem como suas famílias, das classes sociais menos favorecidas, quebrando um círculo vicioso de pobreza. E interessa a toda sociedade, posto que ela passa a contribuir para o desenvolvimento do país, com profissionais qualificados.
Na visão de Jannuzzi (2016, p. 42), a educação é uma das áreas setoriais de políticas públicas, nas quais o Brasil segue, a passos mais largos, o caminho trilhado pelos países mais desenvolvidos em décadas passadas, particularmente na esfera federal, na medida em que já se identificam indícios de que a cultura de avaliação de programas sociais está se institucionalizando. Isso após mais de duas décadas de construção, alicerçada na produção de estudos e experiências consolidadas, marcos normativos, comunidades de profissionais especializados em formação e oferta regular na área de monitoramento e avaliação (M&A), em universidades e centros de pesquisa aplicada (JANNUZZI, 2016, p. 42). É nessa tendência que a presente pesquisa busca construir uma avaliação de eficácia do referido programa, por meio de estudos comparativos do coeficiente acadêmico1 e da permanência dos estudantes bolsistas do programa e dos demais estudantes do câmpus da universidade. Tomou-se a definição de Sander (1995, p. 29), para eficácia: capacidade de alcançar o objetivo proposto.
Para além da presente introdução, o presente artigo expõe sobre a assistência estudantil no Brasil, trata do procedimento metodológico adotado e exibe os resultados da pesquisa.
Assistência estudantil no Brasil
Constituição Federal e Plano Nacional de Educação
A Constituição Federal (BRASIL, 1988), na letra de seus artigos 205 e 206, trata de a quem se destina e quais os princípios que regem a educação no país, destacando-se, na presente análise, a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, como o primeiro princípio arrolado no art. 206.
O Plano Nacional de Educação (PNE) foi fundado na Lei nº 10.172/2001 (BRASIL, 2001), posteriormente, substituída pela Lei nº 13.005/2014 (BRASIL, 2014). Alves (2003, p. 1) observa que, nele, “o ser humano é visto como um ser ativo, crítico e construtor da própria cultura. Para tanto é imprescindível seu acesso a uma escola que, além de formação ampla, desenvolva valores e atributos inerentes à cidadania”. Na Lei de 2001, consta como “OBJETIVOS E PRIORIDADES”, a redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência, com sucesso, na educação pública. Nas “METAS E ESTRATÉGIAS” da nova lei de 2014, figura a questão da permanência e do aproveitamento escolar de várias categorias de estudantes, como beneficiários de programas de transferência de renda, bem como das situações de discriminação, preconceitos e violências na escola.
Gadotti (1981, p. 5) afirma que as classes populares sempre estiveram à margem do poder no Brasil. Por conseguinte, as aspirações populares, em matéria de educação, não encontram ressonância: a educação é eminentemente elitista e antipopular.
Almeida (2000, p. 53) pontua que o sistema de educação brasileiro não permite a universalização do ingresso, posto que, em razão da luta pela sobrevivência, entre outros fatores, grande parte da população se obriga a trabalhar, abandonando os bancos escolares ainda com poucos anos de estudo, justificando-se um conjunto de ações assistenciais na educação superior, a fim de combater elevados índices de evasão.
Alves (2003, p. 4) apresenta dados do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE), e aponta que, em 1997, “para uma parcela de 14% de estudantes, as dificuldades socioeconômicas como uma das causas de evasão e retenção”.
Em vista desse problema, o PNE, por pressão realizada pelo FONAPRACE, estabeleceu a inclusão de programas de assistência estudantil, para apoiar a manutenção de estudantes com menor poder aquisitivo na educação superior, com vistas a diminuir a desigualdade de oportunidades. Destaque-se que o FONAPRACE vê a assistência estudantil como um investimento (2012, p. 21; 24-25). Já nos anos 1970, Ribeiro (1975 p. 232) apontava para a necessidade de reavaliar procedimentos acadêmicos, visando a criação de uma “universidade verdadeiramente democrática e aberta”. E destaca a necessidade de reorganização dos serviços assistenciais a fim de criar mecanismos asseguradores da participação efetiva do “proletariado estudantil”.
Novamente Alves (2003, p. 5) sinaliza a efetividade da assistência estudantil e como é o instrumento de manutenção desses estudantes oriundos de famílias de menor renda no ensino superior e no seu desempenho acadêmico.
Plano Nacional de Assistência Estudantil
Na esteira do PNE, em 2007, sobreveio o Plano Nacional de Assistência Estudantil, na forma da Portaria Normativa nº 39 do Ministério da Educação (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2007)2, construído a partir de um trabalho conjunto da ANDIFES e do FONAPRACE; mas, principalmente, por pressão do movimento estudantil, na luta pelo acesso e permanência no ensino superior.
Na pesquisa da ANDIFES de 2010, já referida na Introdução, sobre o perfil sociocultural dos estudantes da graduação das universidades federais brasileiras (2011, p. 20), registra-se que 43,67% dos estudantes pertencem às classes C, D e E. Faz comparação com a distribuição de renda da população brasileira, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa (ABEP) de 2009, na qual se verifica que 67% da população pertence às classes C, D e E, o que adjetiva flagrante distorção.
A mesma pesquisa da ANDIFES (2011, p. 21) compara pesquisas realizadas em 1996, 2003 e essa de 2010, observando pouca variação na proporção de estudantes das classes C, D e E, respectivamente, 44,3%, 42,8% e 43,7%, e os identificando como aqueles “que necessitam de algum tipo de assistência estudantil: alimentação, moradia, bolsa de trabalho, atendimento médico-odontológico, psicológico, etc.”
Dados da já referida pesquisa da ANDIFES de 2010 (2011, p. 33) dão conta de um índice de trancamento de matrícula de 12,4% no universo pesquisado, sendo 15% por motivos financeiros, número que sobe para 22,69% para as classes C, D e E.
O próprio PNAES (ANDIFES, 2007) ressalta que
Historicamente as IFES têm desenvolvido suas atividades de assistência estudantil, a partir das demandas apresentadas pelos estudantes. A partir das análises dos dados coletados, observa-se a necessidade de adequar a oferta de serviços em qualidade e quantidade, com relação à demanda.
Alves (2003. p. 4) corrobora a importância da assistência estudantil: “para que o estudante possa desenvolver-se em sua plenitude acadêmica, torna-se necessário associar, à qualidade do ensino ministrado, uma política efetiva de assistência”.
Para além da questão da permanência, constam como princípios do PNAES:
III) a igualdade de condições para o acesso, a permanência e a conclusão de curso nas IFES - Instituições Federais de Ensino Superior; V) a garantia da democratização e da qualidade dos serviços prestados à comunidade estudantil; (BRASIL, PNAES, 2007).
A partir das normas referidas, cabe às IFES implementar programas de assistência estudantil, com a ampliação do acesso à educação pública superior com recursos do PNAES, nos termos do art. 7º do Decreto nº 7.234/2010 (BRASIL, 2010).
Procedimentos metodológicos
Classificação e foco da pesquisa e coleta de dados
A presente pesquisa objetiva, precipuamente, avaliar a eficácia do programa de auxílio estudantil em um câmpus de universidade federal brasileira. Está situada no campo da pesquisa social, na definição de Marconi e Lakatos (2012, p. 4-5), em se tratando da investigação dos efeitos da consecução de programa de cunho social por uma instituição social, por meio da qual se podem obter novos conhecimentos no campo da realidade social, em que estão situados o programa e a instituição em foco; utilizando-se da metodologia científica.
No caso em pauta, o fenômeno a ser investigado é a relação entre o programa, o coeficiente acadêmico e a permanência no câmpus da universidade sob estudo, no seu contexto, a educação superior e a assistência estudantil, buscando-se conhecer a realidade social em questão. O pesquisador não controla eventos e variáveis. O fenômeno é contemporâneo. Assim, observando as definições de Yin (2005, p. 32) e Martins (2008, p. xi), enquadra-se a presente pesquisa na classificação de estudo de caso.
A coleta de dados se valeu de duas fontes: o sistema acadêmico da universidade em questão e os documentos eletrônicos do núcleo que executa o programa sob análise.
A primeira fonte abrange, originalmente, registros, referentes a estudantes ingressados desde 1979 até o primeiro semestre letivo de 2015. Cada registro refere-se a um estudante em um determinado curso3.
A segunda fonte é composta de documentos eletrônicos, na forma de planilhas, nas quais se registram as bolsas concedidas no âmbito do programa de auxílio estudantil do câmpus sob estudo. Totalizam 2.195 estudantes bolsistas.
Dos estudantes que receberam bolsa, o mais antigo deles ingressou na instituição no primeiro semestre de 2000. Assim, decidiu-se por descartar os dados de estudantes que teriam ingressado antes desse período, restando 22.113 registros na primeira fonte.
Indicadores e análise de dados
Indicadores são meios de representação quantificáveis das características de produtos e de processos, associados à qualidade e ao desempenho, utilizados para controlar e melhorar os resultados. Possibilitam avaliar o desempenho de uma organização, num determinado período, em relação às metas e a outros referenciais, servindo para subsidiar a tomada de decisões e a reformulação ou readequação do planejamento, na definição de Silva e Souza-Lima, em sua obra sobre políticas públicas e desenvolvimento sustentável (SILVA; SOUZA-LIMA, 2010, p. 58).
Na presente pesquisa foi construído um sistema de indicadores na forma de medidas associadas ao desempenho do processo envolvido no programa de auxílio estudantil em foco, com relação aos seus objetivos, com fins de controle e melhora dos resultados deste, subsidiando a tomada de decisões e a reformulação ou readequação do planejamento.
Tais indicadores foram divididos em dois grupos, segundo classificação difundida por Jannuzzi (2016, p. 113-114), em indicadores-chave e complementares. A diferença é a relação direta dos primeiros com os objetivos propostos no presente trabalho, frente a uma relação mais indireta, complementar, dos segundos com tais objetivos.
Os indicadores-chave eleitos são o “coeficiente acadêmico comparativo”, expressão do desenvolvimento acadêmico, e a “evasão comparativa”, oposto da permanência, definidos conforme a Tabela 1.
Indicadores | Significado | Fonte de dados | Fórmula | Interpretação/ sentido |
Coeficiente acadêmico comparativo | Diferença percentual entre a média do coeficiente acadêmico dos bolsistas e a dos não bolsistas, por curso e por grau | Sistema acadêmico + Dados do núcleo executor | 1) Em cada curso ou grau: calcula-se a média do coeficiente acadêmico dos estudantes bolsistas; faz- se o mesmo para os não bolsistas (MCB4 e MCNB5); 2) Para cada curso ou grau, calcula-se a diferença percentual entre a média do coeficiente acadêmico dos bolsistas e a dos não bolsistas ((MCB-MCNB)/MCNB*100). | Crescente com o coeficiente acadêmico do bolsista. Quanto mais próximo de zero ou positivo, maior a eficácia do programa. |
Evasão comparativa, por curso e por grau | Diferença percentual entre percentual de evadidos bolsistas e não bolsistas, por curso e por grau | Sistema acadêmico + Dados do núcleo executor | 1) Em cada curso ou grau, calcula-se o percentual de bolsistas evadidos (situação “Desistente”, “Jubilado” e “Trancado”); dividindo-se a contagem desses pelo total de bolsistas do curso; faz o mesmo para os não bolsistas (EB6 e ENB7); e 2) Para cada curso, calcula-se a diferença percentual entre percentual de evadidos bolsistas e não bolsistas ((ENB-EB)/EB*100). | Decrescente com a permanência do bolsista. Quanto mais próximo de zero ou negativo, maior a eficácia do programa. |
Os indicadores assim construídos representam os resultados previstos para o programa em seu Edital: apoiar o estudante para o seu desenvolvimento acadêmico e a sua permanência na Instituição, buscando reduzir os índices de evasão decorrentes de dificuldades de ordem socioeconômica.
É importante para a pesquisa conceituar os seus elementos de interesse, em particular, a evasão. A ANDIFES assim define evasão, em três modalidades (1996, p. 16):
No sentido de aclarar o objeto de estudo, a Comissão, mesmo reconhecendo as limitações possíveis desta opção, decidiu por caracterizar evasão distinguindo: • evasão de curso: quando o estudante desliga-se do curso superior em situações diversas tais como: abandono (deixa de matricular-se), desistência (oficial), transferência ou reopção (mudança de curso), exclusão por norma institucional; • evasão da instituição: quando o estudante desliga-se da instituição na qual está matriculado; • evasão do sistema: quanto o estudante abandona de forma definitiva ou temporária o ensino superior.
A definição adotada no presente trabalho é a primeira delas, a evasão do curso. Assim é que, dos dados do sistema acadêmico, foram computadas como evasão, no cálculo de evasão comparativa, as situações: “Desistente”, “Jubilado” e “Trancado”).
Foram ainda construídos indicadores-complementares a cada macroprocesso ou resultado, que ajudam a interpretar cada um dos indicadores-chave (JANNUZZI, 2016, p. 114). Os abordados no presente artigo são “formados comparativo” e “afastados para estudo no exterior comparativo”, de construção semelhante à do indicador-chave “evasão comparativa”.
A situação “formado” tem significado inverso da evasão, na avaliação da eficácia do programa, sendo o que se espera do estudante que permaneceu no curso até a sua conclusão.
Para os afastamentos para estudo no exterior, no âmbito do programa Ciências sem Fronteiras, os estudantes devem apresentar, entre outros requisitos, coeficiente de rendimento mínimo. É indicador-complementar, portanto, que reflete o coeficiente acadêmico.
Sobre a análise de dados, autores como Dey, além de Miles e Huberman (1993; 1994, apud Gil, 2009, p. 100), defendem a sistematização em três grandes etapas, as quais foram percorridas na presente pesquisa:
1) Redução, referindo-se ao processo de seleção, focalização, simplificação, abstração e transformação dos dados obtidos;
2) Exibição, que trata da organização dos dados selecionados de forma a possibilitar a análise sistemática das semelhanças e diferenças e seu inter-relacionamento;
3) Conclusão e verificação, na qual o pesquisador procura identificar o significado dos dados, incluindo suas regularidades, padrões e explicações; verificando também se as conclusões são dignas de crédito.
Ainda no que se refere a análise, mas também a interpretação dos dados, cabe mencionar alguns pontos acerca do tratamento estatístico empregado.
O indicador-chave “evasão comparativa” e os indicadores-complementares “formados” e “afastados para estudo no exterior” são medidas construídas na base de contagens de frequências e percentuais. Não há tomada de amostras dentro de um universo. Todos os elementos são considerados.
O indicador-chave “coeficiente acadêmico comparado”, porém, exige um tratamento mais aprofundado. Identificou-se como o mais apropriado o teste-t de Student, por se tratar de uma comparação de médias de grupos independentes de indivíduos, com variâncias distintas, a priori, com vistas a determinar se há diferenças estatísticas significativas (LEVIN, 1987, p. 161).
Resultados e discussão
A análise de dados foi realizada, nas etapas de redução, exibição, conclusão e verificação; na citada referida sistematização de Dey, além de Miles e Huberman; com a aplicação dos indicadores construídos nas fontes de dados, obtendo-se os resultados expostos no presente capítulo, os quais são discutidos um a um.
Indicadores-chave, coeficiente acadêmico comparativo e evasão comparativa
Na Tabela 2 são apresentados os resultados da aplicação dos indicadores de “coeficiente acadêmico comparativo” e “evasão comparativa”, agrupados por grau8: Bacharelado, Engenharia, Licenciatura e Tecnologia.
Grau | Bolsista ou não | Nº. estudantes | Nº. estudantes comparativo (%) | Coeficiente | Coeficiente comparativo (%) | Evasão (%) | Evasão compa-rativa (%) |
Bacharelado | Nãobolsista | 3030 | 83,17 | 0,55 | 42,51 | ||
Bolsista | 613 | 16,83 | 0,62 | 13,23 | 24,14 | -43,2 | |
Engenharia | Não bolsista | 7564 | 90,25 | 0,56 | 31,13 | ||
Bolsista | 817 | 9,75 | 0,58 | 3,9 | 19,58 | -37,1 | |
Licenciatura | Não bolsista | 1340 | 80,82 | 0,42 | 64,18 | ||
Bolsista | 318 | 19,18 | 0,55 | 29,78 | 39,94 | -37,77 | |
Tecnologia | Não bolsista | 10179 | 95,79 | 0,54 | 49,98 | ||
Bolsista | 447 | 4,21 | 0,62 | 15,39 | 36,69 | -26,59 | |
Totais | Não bolsista | 22113 | 90,97 | 0,54 | 43,37 | ||
Bolsista | 2195 | 9,03 | 0,6 | 10,5 | 27,29 | -37,08 |
Fonte: Elaboração própria
Dos resultados expostos na Tabela 2, verifica-se que os estudantes que foram bolsistas do programa apresentaram coeficiente acadêmico, em média, 10,5% melhor que os não bolsistas, sendo tal diferença maior nos cursos de Licenciatura, com 29,78%, e menor nos de Engenharia, com apenas 3,9%. Dos 42 cursos, em apenas sete, os não bolsistas apresentaram coeficiente acadêmico melhor que os bolsistas (sendo que desses, apenas o curso de “Tecnologia em Automação Industrial” está em funcionamento), demonstrando a consistência dos resultados.
Os estudantes bolsistas apresentaram evasão, em média, 37,08% menor que os não bolsistas, resultado até mais expressivo que o obtido para o coeficiente acadêmico. Dos 42 cursos, em apenas 11, os não bolsistas apresentaram evasão menor que os bolsistas, e, novamente, todos cursos de grau tecnologia (dos quais apenas os cursos de “Tecnologia em Mecatrônica Industrial” e “Tecnologia em Radiologia” permanecem em funcionamento).
Os resultados apresentados demonstram um maior coeficiente acadêmico e um menor índice de evasão entre os estudantes bolsistas do programa de auxílio estudantil, diferentemente do que relata Alves (2003, p. 5). Também, nos marcos normativos da assistência estudantil, objetiva-se “igualdade” ou “redução da desigualdade”, conforme exposto ao longo do capítulo 2.
Ao indicador-chave "coeficiente acadêmico comparado” foi aplicado o referido teste-t de Student, com o auxílio da ferramenta de análise de dados constante no pacote Microsoft Excel. O resultado é o exposto na Tabela 3.
Coeficiente não bolsista | Coeficiente bolsista | |
Média | 0,508939 | 0,589884 |
Variância | 0,083351 | 0,051357 |
P(T<=t) bi-caudal | 2,56E-43 |
Fonte: Elaboração própria
Na aplicação do dito teste, foram tomados dois grupos - estudantes bolsistas e não bolsistas - independentemente de curso ou grau. Para cada um deles, constam as médias e variâncias. Ao final é apresentado o cálculo do valor “P(T<=t) bi-caudal”, em 2,56E-43. Como este é menor que 0,05, demonstra-se haver, sim, diferenças estatisticamente relevantes entre os dois grupos, com nível de significância o valor de 0,05, ou seja, 5% de probabilidade de erro e, assim, 95% de certeza (LEVIN, 1987, p. 161).
Indicadores-complementares formados comparativo e afastados para estudo no exterior comparativo
Na Tabela 4, são exibidos os números dos indicadores de estudantes formados e afastados para estudo no exterior, agrupados por grau9.
Grau | Bolsista ou não | N. alunos | Formado | Formado (%) | Formado comparativo (%) | Afastado para estudo no exterior | Afastado para estudo no exterior (%) | Afastado para estudo no exterior comparativo (%) |
Bacharelado | Não bolsista | 2800 | 152 | 5,43 | 103 | 3,68 | ||
Bolsista | 602 | 33 | 5,48 | 0,01 | 17 | 2,82 | -0,23 | |
Engenharia | Não bolsista | 4355 | 305 | 7 | 237 | 5,44 | ||
Bolsista | 745 | 37 | 4,96 | -0,29 | 41 | 5,5 | 0,01 | |
Licenciatura | Não bolsista | 1339 | 85 | 6,35 | 6 | 0,45 | ||
Bolsista | 318 | 32 | 10,06 | 0,58 | 3 | 0,94 | 1,09 | |
Tecnologia | Não bolsista | 2444 | 245 | 10,02 | 16 | 0,65 | ||
Bolsista | 326 | 47 | 14,42 | 0,44 | 5 | 1,53 | 1,35 | |
Totais | Não bolsista | 10938 | 787 | 7,19 | 362 | 3,31 | ||
Bolsista | 1991 | 149 | 7,48 | 0,04 | 66 | 3,31 | 0,00 |
Fonte: Elaboração própria
Na investigação em relação aos afastamentos para estudos no exterior, os dados apontam na direção da igualdade: bolsistas foram estudar no exterior na mesma proporção, em média, 3,31%, que não bolsistas, resultando o indicador comparativo em 0,00%10; e 7,48% dos bolsistas se formaram, contra 7,19% dos não bolsistas, número 0,04% maior para os primeiros. Nos cursos de grau Licenciatura e Tecnologia os não bolsistas se formam em maior proporção, situação que se inverte nas Engenharias.
Os indicadores “formados comparativo” e “afastados para estudo no exterior comparativo”, complementam a informação obtida com os indicadores-chave tratados na seção anterior. Os resultados comparativos demonstram igualdade de condições: 0,00% e 0,04%, respectivamente. Como já referido, os afastamentos para estudos no exterior dependem de coeficiente de rendimento mínimo, ligando-se ao coeficiente acadêmico. São, portanto, dados a corroborar a eficácia do programa de auxílio estudantil.
Conclusões
A educação enquanto direito de todos e dever do Estado, visando a efetivação da cidadania além da qualificação para o trabalho, como posto no art. 205 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), não se efetivou no Brasil para as classes menos favorecidas, como se depreende da pesquisa da ANDIFES (2011, p. 20).
A Constituição da República preconiza ainda, no inciso I, de seu art. 205 (BRASIL, 1988) a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola como um dos princípios da educação, ao refletir uma preocupação com a baixa democratização do ensino superior brasileiro, percebida ao longo de sua história.
O problema sobre o qual se debruçou a presente pesquisa foi a dificuldade de permanência dos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica no ensino superior.
Num ambiente de inserção da cultura da avaliação no setor de políticas públicas educacionais, elegeu-se a avaliação da eficácia do programa de auxílio estudantil em um câmpus de universidade federal brasileira, como objeto principal da pesquisa pela comparação entre o coeficiente acadêmico e a permanência dos estudantes bolsistas do programa e dos demais estudantes da universidade.
Para tanto, foi construído um sistema de indicadores, os quais foram aplicados às fontes de dados selecionadas, envolvendo 22.113 estudantes, sendo 2.195 bolsistas.
Dos resultados da aplicação do indicador-chave “coeficiente acadêmico comparado”, informação essa que foi complementada pelos resultados obtidos com o indicador “afastados para estudo no exterior comparado”, conclui-se que os bolsistas obtiveram coeficientes acadêmicos, em média, 10,5% melhores e se afastaram para estudo no exterior em proporção igual à dos não bolsistas, demonstrando mais que igualdade, a superioridade de condições de desempenho. O coeficiente acadêmico é a medida ampla e direta do desenvolvimento acadêmico e o afastamento para estudo no exterior, por depender de requisito de rendimento mínimo, relaciona-se com o coeficiente.
Já a aplicação do indicador-chave “evasão comparada” - considerando que evasão é o oposto da permanência -, com a auxílio do indicador-complementar “formados comparativo” - este que indica que o estudante permaneceu no curso até o seu término, permitiu concluir que os bolsistas evadiram, em média, 37,08% menos que os não bolsistas e se formaram numa proporção 0,04% maior que os não bolsistas, demonstrando a igualdade em relação ao número de estudantes formados e a superioridade de condições de permanência dos estudantes na instituição.
Em suma, demonstram-se superiores os coeficientes acadêmicos dos estudantes bolsistas em relação aos não bolsistas, bem como inferiores, suas taxas de evasão, apontando para um esforço maior dos bolsistas na vida acadêmica. As razões para tanto podem ser objeto de novas investigações, possivelmente em outros campos das ciências sociais.
Na medida em que a avaliação posta em prática na pesquisa demonstrou o atingimento dos objetivos do programa, produzindo efeitos sociais relevantes, em particular, na permanência desses estudantes na universidade, justifica-se a continuidade do programa, visto que é plenamente legitimável junto ao governo e à sociedade.
A presente pesquisa pode alicerçar trabalhos futuros que estudem as causas da evasão, um problema que tanto preocupa governo e sociedade, destruindo ou retardando projetos de vida de jovens estudantes e suas famílias, acrescentando-se uma pesquisa sobre as ações mais eficazes para enfrentar o problema.