A História da Educação, desde meados do século XIX, tem sido uma das disciplinas mais duradouras dentre as ofertadas em programas de formação de educadores. Desde 1840, a História da Educação como um objeto de estudo e pesquisa tem resultado em produções contínuas e disseminação de conhecimento a diferentes comunidades profissionais. Esse duplo imperativo tem sido abordado por inúmeros historiadores e educadores, cujos esforços têm contribuído para o desenvolvimento da área.
A narrativa a seguir descreve as conquistas de um rol seleto de estudiosos de renome que trouxeram avanços à área de História da Educação. Cada indivíduo contribuiu de uma maneira distinta, seja pelo aprofundamento e pela ampliação do estudo da História da Educação nas escolas e em programas universitários ou pelo incentivo à investigação estruturada e a atividades relacionadas à pesquisa na área. No que tange a essa última empreitada, o conhecimento foi frequentemente ampliado por meio da disponibilização de materiais divulgados em veículos de comunicação e por meio da promoção de políticas de apoio à pesquisa histórica e de fortalecimento da formação de pesquisadores em educação. Embora esta discussão tenha em vista destacar a obra desses estudiosos, eles representam uma parcela privilegiada de uma vasta comunidade de profissionais. Consequentemente, suas conquistas, embora importantes por mérito próprio, honram os esforços coletivos.
Este artigo faz uma análise do contexto de ensino e das tradições de pesquisa em História da Educação. Dentre os temas explorados nesta narrativa, estão: a inclusão do estudo da História da Educação nos programas de formação de professores, os conteúdos dos textos de história e a ascensão da pesquisa histórica como uma atividade valorizada. Mostrar-se-á que a evolução desse campo de estudo e pesquisa seguiu um caminho particular nos Estados Unidos e que, em determinados momentos, sua trajetória foi influenciada pelos pensamentos e pelas ações de profissionais de excelência.
1. A História da Educação como um estudo profissional
Podemos ter acesso ao conteúdo e à organização da História da Educação por meio de ementas de disciplinas, programas oficiais e institucionais e livros didáticos. Essa última fonte tem sido especialmente útil na caracterização do conteúdo ensinado em programas de formação de educadores. A primeira parte deste artigo aborda as contribuições de alguns autores e suas publicações, cuja importância tem sido reconhecida, na literatura, para o desenvolvimento da História da Educação como campo de estudo. A fim de atribuir a importância adequada a esses textos, tecer-se-á, antes da análise dos estudiosos e suas publicações, uma breve discussão sobre a origem e a expansão dos programas de formação de professores/educadores nos Estados Unidos durante o século XIX e início do século XX.
1.1 Ascensão dos programas de formação de educadores
O aparecimento da História da Educação em currículos de instituições de ensino remonta à fundação das Escolas Normais na primeira metade do século XIX. A expansão da educação primária nos Estados Unidos durante o início do século XIX foi acompanhada pelo empenho do poder legislativo dos estados em aprimorar o ofício do educador. Autoridades estatais e locais dos Estados Unidos perceberam que não era mais aceitável permitir que a educação de crianças fosse administrada por artífices e voluntários da comunidade com pouco entendimento de seus alunos ou domínio dos métodos de ensino. Evidências provenientes de vários países europeus demonstraram ser possível aliar, com êxito, a expansão da educação primária à formação de professores.
A profissionalização do ensino se tornou, já na primeira metade do século XIX, uma séria preocupação das autoridades públicas. Seus esforços em oferecer uma formação especializada para professores resultou na criação das Escolas Normais, que eram instituições de ensino pós-secundário para a formação de futuros professores de ensino primário, em períodos de dois a quatro anos. A Columbian School, primeira Escola Normal nos Estados Unidos, foi fundada pelo Reverendo Samuel Hall como uma instituição privada na cidade de Concord, no estado de Vermont, em 1823. Em 1839, foi fundada a primeira Escola Normal pública do país, na cidade de Lexington, em Massachusetts. Outras Escolas Normais públicas foram fundadas nos estados de Michigan em 1853, Missouri e Ilinóis em 1857, Minnesota em 1858, Califórnia em 1862 e Texas em 1879, entre outras. Em 1885, havia 103 Escolas Normais públicas e 132 privadas, e, até a virada do século, esses números aumentaram para 143 escolas públicas e 118 privadas2.
O sucesso das Escolas Normais induziu as instituições de ensino superior a criarem programas normais e departamentos para formação de professores focados no ensino secundário. A expansão desses programas foi impressionante. Em 1884, cinco universidades públicas nos estados de Iowa, Michigan, Missouri, Nebraska e Wisconsin, assim como a Universidade Johns Hopkins, em Maryland, ofereciam programas de formação de professores. Esse número aumentou para 83 instituições em 1893 e para 174 instituições em 1894. No final do século, 247 faculdades e universidades ofereciam cursos de pedagogia3.
A irrupção de Escolas Normais e programas de educação em universidades foi acompanhado pelo aumento nos tipos de cursos na área de educação. Cada vez mais foram ofertados estudos educacionais como disciplinas individuais em departamentos de humanidades ou como disciplinas múltiplas em departamentos e escolas de educação. Essas disciplinas eram frequentadas por professores em formação inicial, alunos de humanidades interessados em educação como parte de seus estudos gerais e estudantes de pós-graduação que desejavam se especializar em educação. As disciplinas documentadas como as mais comuns eram História da Educação, disciplinas básicas e avançadas de Psicologia da Educação, Pedagogia Herbartiana, Filosofia da Educação e practicums (práticas de ensino)4.
Várias pesquisas conduzidas no início do século XX mostraram que a História da Educação foi uma das disciplinas mais populares dos currículos acadêmicos. Em 1895, William Torrey Harris, Comissário de Educação dos Estados Unidos, confirmou que 25 universidades e faculdades eminentes ofereciam História da Educação em programas de formação docente5. A condição de prestígio dessa disciplina se tornou evidente em 1903 graças a George W. Luckey (1855-1933), docente na Universidade de Nebraska, que selecionou 20 universidades dentre as primeiras a estabelecerem departamentos de educação e catalogou as suas disciplinas no período de 1890-19006. Seus relatos mostraram que os estudantes dedicavam mais horas aos estudos históricos do que a qualquer outra matéria. Luckey também perguntou a opinião de 50 professores de faculdades e universidades acerca do conhecimento pedagógico que professores de Ensino Médio deveriam ter. Aproximadamente 90% dos entrevistados identificaram a História da Educação como o estudo mais fundamental, seguida pela Psicologia da Educação (66%), métodos gerais [de ensino] (42%), Teoria da Educação (26%) e Prática de Ensino (26%)7. Em 1902, cerca de 200 instituições de ensino superior ofereciam um ou mais disciplinas na área. Diversas instituições incluíam essa matéria em programas de bacharelado e mestrado, e algumas instituições, como Harvard e Columbia, exigiam uma disciplina avançada em História da Educação como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor8.
Alguns anos depois, F. E. Bolton examinou os resultados de um estudo conduzido pela Sociedade de Professores Universitários de Educação (Society of College Teachers of Education), o qual investigara a situação da História da Educação em 31 faculdades e universidades durante o ano letivo de 1906-19079. Ele observou que, dentre 23 disciplinas de educação, a História da Educação era a mais onipresente: 27 instituições ofereciam ao menos uma disciplina nessa área. O número de matrículas em História da Educação (incluindo cursos sobre as obras clássicas da educação) era o maior, alcançando um total de 2.114 alunos. Em seguida, as disciplinas mais populares eram as de Princípios da Educação (1.134), Psicologia da Educação (1.049) e métodos especiais (1.007)10.
Henry Suzallo (1875-1933), docente da Teachers College, Columbia University, também analisou os resultados de Luckey e divulgou suas conclusões em 1908. Ele observou que, embora 30 instituições oferecessem disciplinas de História da Educação, a natureza, o propósito e o tempo destinado a essas disciplinas variavam entre si. Então, ele categorizou essas disciplinas em seis tipos: (i) disciplinas gerais e introdutórias, que geralmente abrangiam a história europeia da antiguidade até os tempos modernos; (ii) disciplinas avançadas, que compreendiam toda ou alguma parte do conteúdo do curso introdutório; (iii) disciplinas sobre a história da educação estadunidense, frequentemente ofertadas como um complemento à história europeia; (iv) disciplinas sobre os clássicos da educação, que continham os textos de grande reformistas educacionais; (v) disciplinas avançadas, que usavam materiais-fonte publicados e materiais originais para investigar a história da educação; e (vi) discussões secundárias sobre a História da Educação em cursos cujo principal enfoque não era histórico11.
Os resultados de Harris, Luckey, Bolton, Suzallo e outros pesquisadores destacavam a importância da História da Educação nos currículos escolares e confirmavam sua importância em programas universitários no final do século XIX e início do século XX. O grande apreço pela área continuou nas décadas de 1920 e 1930, como confirmado por Dryer, que, em 1925, examinou as ofertas de cursos em catálogos de 35 universidades públicas e privadas12. De acordo com os seus resultados, foram identificados 25 títulos diferentes de História da Educação em um total de 223 disciplinas listadas13. A diversidade de títulos comprovou a História da Educação como um campo de estudo que compreendia diferentes focos e adotava diferentes perspectivas.
Voltando-se para o movimento de profissionalização de professores e de expansão da oferta de disciplinas da Educação em instituições de ensino pós-secundário, Arthur O. Norton (1869-1959), docente na Harvard University, apresentou a seguinte análise sobre a História da Educação, a qual provou ser válida até mesmo nas primeiras décadas do século XX:
os dias de pioneirismo da matéria estão chegando ao fim. Após um quarto de século desde sua introdução, ela se encontra evidentemente propagada nas faculdades; são vários os títulos e diplomas reconhecidos; o número de alunos aumentou consideravelmente; os recursos para estudo se tornaram facilmente acessíveis; e, finalmente, a nova concepção dessa matéria promete ser muito mais valiosa para os futuros professores14.
1.2 A iniciativa de Stowe
A proposta de Carl Ellis Stowe, professor de Grego na Dartmouth College em 1831 e de Literatura Bíblica na Lane Theological Seminary em Cincinnati no ano de 1833, foi fundamental para a validação do experimento com as Escolas Normais. Em 1836, Stowe viajou para a Europa Ocidental a fim de comprar uma biblioteca para a Lane Seminary e para fazer uma pesquisa sobre a educação primária na Inglaterra, Escócia, França, Prússia e em diferentes estados da Alemanha15. Ao retornar, apresentou um relatório em 1837 sobre escolas comuns e Escolas Normais às autoridades do estado de Ohio. Em poucos anos, o poder legislativo dos estados de Kentucky, Tennessee, Pensilvânia, Nova Iorque, Michigan, Carolina do Norte, Virgínia e Massachusetts reimprimiram suas conclusões.
Stowe também publicou um plano para um programa abrangente de formação de professores, ou escolas de professores, em 1839. Em suas propostas, Stowe deu grande ênfase ao que ele considerava uma matéria central e tradicional no programa: a História da Educação. Stowe argumentou que o estudo de civilizações passadas e dos seus sistemas educacionais poderia revelar métodos de ensino que poderiam ser adotados e aqueles que deveriam ser evitados. Ele acreditava que, de um estudo dos sistemas educacionais dos caldeus, assírios, egípcios, hindus, persas, gregos, romanos e nações europeias modernas, poderiam ser derivados princípios fundamentais que dessem à teoria e à prática educacional os precedentes necessários. Professores sem esse conhecimento e alheios ao passado não poderiam ter uma apreciação completa das implicações teóricas e práticas da pedagogia.
Stowe resumiu sua visão em observações que fez ao College of Professional Teachers em Cincinnati e Columbus (Ohio), as quais publicou em 1839 em um pequeno volume intitulado Report on Elementary Public Instruction in Europe, que foi apresentado à Assembleia Geral de Ohio em dezembro de 1837. Sua concepção, certamente consciente para ele naquela época, foi a primeira articulação do significado e da importância da História da Educação para os educadores estadunidenses.
A História da Educação, incluindo uma descrição precisa dos sistemas educacionais de diferentes épocas e nações, as circunstâncias que lhes deram origem, os princípios sobre os quais foram fundados, os fins que visavam alcançar, seus sucessos e fracassos, sua estabilidade e mudanças, como influenciaram o caráter individual e nacional, até que ponto qualquer um deles poderia ter se originado em plano premeditado por parte de seus fundadores, se e por que garantiram a inteligência, virtude e felicidade do povo ou não.16
A proposta de Stowe para as Escolas Normais apareceu em diferentes veículos entre 1839 a 1865. Esse foi um período significativo na educação estadunidense, durante o qual o modelo de Escola Normal se expandiu por todo o país. Um número significativo de instituições foi influenciado pelo conceito de Stone sobre História da Educação, como a prestigiada Oswego Normal School, que ofereceu disciplina sobre a teoria e a História da Educação em 1857, e a St. Louis Normal School, que ofereceu disciplina em 1873.17 Em 1913, a História da Educação era a disciplina mais oferecida dentre 32 diferentes áreas de estudo nos currículos das Escolas Normais.18 Ao refletir sobre esse progresso, Travers sugere:
O ponto a ser inferido a partir dessas estatísticas é que os líderes educacionais desse período ao menos mantiveram a posição de que os professores precisam dominar (em princípio) o conjunto acumulado de conhecimentos em Educação antes de se poder assumir uma postura inteligente em relação à práxis escolar ou a questões escolares vigentes.19
e esse posicionamento foi condizente com o pensamento de Stowe, décadas antes.
1.3 A História como as ideias do passado
O conteúdo e a organização do estudo formal da História da Educação chegam até nós por meio de ementas de disciplina, programas oficiais e institucionais e livros didáticos. Essa última fonte tem sido particularmente informativa para caracterizar o desenvolvimento da área, especialmente durante o final do século XIX e o século XX. O aparecimento e a disponibilidade de textos de História da Educação foi um fator que contribuiu para o sucesso da incorporação da matéria em programas de formação de educadores. Essas obras foram utilizados como textos para estudantes ou como recursos para professores. Em ambos os casos, eles moldaram a visão do leitor e as discussões sobre a natureza da educação.
Uma análise dos livros didáticos do século XIX nos Estados Unidos distingue duas abordagens de representação da História da Educação. A primeiro apresenta a História da Educação como as ideias de grandes pensadores do passado, utilizando suas palavras como o conteúdo dos textos. Raumer e Quick destacam-se na literatura no que tange a esse ponto de vista. A segunda abordagem interpreta a emergência dos sistemas educacionais como reveladores da mão divina no progresso dos assuntos humanos. Essa posição foi adotada por autores como Schmidt, Rosenkranz, Painter e Paine. 20 A contribuição de ambos os grupos de estudiosos para a historiografia da História da Educação merece uma breve análise.
A HISTÓRIA PEDAGÓGICA DE VON RAUMER. Robert H. Quick, o autor dos aclamados Essays on Educational Reformers, escreveu em 1868 que “[s]obre a História da Educação, não apenas os bons livros, mas todos os livros estão em alemão ou alguma outra língua estrangeira.” Nessa passagem, Quick comentou não apenas o estado empobrecido da Historiografia da Educação dos Estados Unidos, como também a predominância de autores alemães nesse gênero literário. Foi uma afirmação concisa que reconheceu a dura realidade de que existiam poucos textos em inglês sobre a História da Educação na primeira metade do século XIX.
As circunstâncias começaram a mudar com a publicação, em 1863, da tradução dos dois primeiros volumes da obra de Karl Von Raumer (1779-1882), History of Pedagogy, no American Journal of Education. A tradução inglesa de Geschichte der Pädagogik foi realizada por Friedrich Wilhelm Diesterweg (1790-1866) e originalmente se intitulava German Educational Reformers: Memoirs of eminent teachers and educators in Germany with contributions to the history of education from the fourteenth to the nineteenth century.
A obra History of Pedagogy de Raumer, deu o tratamento mais detalhado à matéria que havia se visto em língua inglesa até aquele momento. Em suas páginas, as ideias de “líderes heroicos do avanço educacional”, como Lutero, Comenius e Pestalozzi, foram examinadas por seu significado prático para os professores. A obra de Raumer exerceu influência considerável sobre as histórias da educação escritas em língua inglesa, o que a tornava, na visão de Chambliss, “a história mais completa disponível aos estudantes de educação em língua inglesa antes da tradução que W.H Payne fez do livro de Gabriel Compayré History of Pedagogy, tradução essa publicada em 1888”.21 Muitos textos históricos publicados posteriormente nos Estados Unidos se moldaram a partir da obra de Raumer ou a escrutinaram para obter maiores detalhes.
OS ENSAIOS DE QUICK. Uma das primeiras histórias em inglês a imitar a obra de Raumer foi Essays on Educational Reformers, de R.H. Quick. O texto, publicado originalmente em 1868 e ampliado em 1890, abraçou fielmente a interpretação de Raumer sobre a História da Educação. Em sua versão atualizada, Quick deixou claro que estava empenhado em melhorar a educação, relacionando “o que já foi dito e feito pelos principais homens nela envolvidos, tanto no passado como no presente”. 22 O Essays, de Quick, foi semelhante à History, de Raumer, na medida em que detalhou várias teorias e práticas educacionais desde a Renascença até o presente, mas diferiu ao torná-las imediatamente disponíveis para um público de língua inglesa.
Quick acreditava que os princípios de ação aplicados à prática educacional poderiam ser extraídos dos comentários de pensadores de diferentes períodos históricos. Ele não se furtava, porém, de contrastar a “velha educação” centrada no conteúdo, tal qual aquela predominante durante a Renascença, com a “nova educação” defendida por Locke, Rousseau, Pestalozzi e Froebel, com a sua atenção voltada ao desenvolvimento integral do ser humano. William Torrey Harris (1835-1909), filósofo e comissário de educação nos Estados Unidos de 1889 a 1906, ao avaliar o Essays on Educational Reformers, de Quick, escreveu que se tratava da “história mais valiosa da educação em nossa língua-mãe, digna apenas de ser comparada à Geschichte der Pädagogik, de von Raumer, por sua apresentação dos princípios básicos e pela sanidade de seus vereditos”23.
A abordagem adotada por Quick e Raumer agradou aos historiadores e educadores estadunidenses, uma vez que o meio cultural do século XIX atribuía grande valor ao pragmatismo, utilitarismo e naturalismo. Embora ambos os textos tenham sido fundamentados na literatura clássica e nas vidas e realizações de grandes pensadores, sua aplicabilidade às práticas educacionais exerceu grande apelo para os estadunidenses.
1.4 A História como um registro do progresso
Ao longo dos três primeiros setenta e cinco anos do século XIX, a Alemanha produziu uma série de obras extraordinárias que concebiam a história como um registro do progresso humano e da marcha da humanidade rumo à perfeição. D.L. Kiehle definiu esse conceito quando escreveu:
A história é um registro do progresso das raças da civilização -- progresso na melhoria das condições sociais e na utilização dos materiais da natureza para o aprimoramento das condições humanas. Pressupõe que as raças têm uma tendência de vida em direção ao amadurecimento e frutificação, de forma tão natural quanto aquela que torna a semente em planta e a criança em adulto”24.
Neste contexto, a educação foi percebida como uma contribuição para essa evolução. Ao longo do século XIX, as traduções de textos alemães sobre a História da Educação adotaram essa visão racionalista e moldaram o pensamento de muitos estudiosos e educadores. Racionalistas como Schimidt, Rosenkranz, Painter e Payne se destacaram como autores que retrataram a História da Educação sob essa perspectiva na segunda metade do século XX.
OS RACIONALISTAS. A abordagem racionalista da História da Educação foi amadurecida em 1860 por Karl Schmidt (1819-1864) nos quatro volumes de seu Geschichte der Pädagogik in der vorchristlichen Zeit. A obra de Schmidt delineou brevemente as dimensões físicas, intelectuais e práticas de uma “ciência da pedagogia”, examinando os sistemas educacionais das civilizações passadas.
Na sua narrativa, Schmidt foi adotando um tom messiânico. Sua obra, traduzida como History of Education in Pre-Christian Times, retratou a educação como uma nobre missão de origem divina, imbuída da tarefa de desenvolver a alma do indivíduo e da humanidade. O autor resumiu esse ponto de vista quando escreveu:
A história do mundo é a história do desenvolvimento da alma humana... O indivíduo, quando criança, não é um ser racional; ele se torna racional... toda história, seja da humanidade ou do indivíduo, dos céus estrelados ou da terra, é o desenvolvimento da vida em direção a Deus. Onde há desenvolvimento, há progresso. O progresso na história é apenas a encarnação mais visível, audível e perceptível de Deus na humanidade.25
A interpretação da História da Educação por Schmidt foi reiterada e introduzida à comunidade de língua inglesa em 1886, quando Anna Bracket traduziu Die Pädagogik als System, de Karl Rosenkranz (1805-1879), e a publicou sob o título The Philosophy of Education no primeiro volume da International Education Series, da editora Appleton. Conforme indicado por Harris no prefácio do editor, esse texto pode ser descrito como “filosófico”:
Para ganhar esse título, tal obra não só deve ser sistemática, mas também ter todos os seus detalhes aprovados no teste do princípio superior da filosofia. Essa premissa é o princípio reconhecido da civilização cristã; assim, Rosenkranz faz dela o fundamento de sua História de Educação e demonstra sua validade através de um apelo à psicologia, por um lado, e à história da civilização, por outro lado.26
Outra obra do gênero racionalista foi A History of Education, publicada em 1886 por Franklin Verzelius Newton Painter (1852-1931). Esse breve texto irradiava uma crença otimista no progresso e na orientação da mão divina nos assuntos de educação. Painter afirma, já nas primeiras páginas de sua obra, que, “[é] um pensamento enraizado na filosofia alemã que Deus conduz o mundo, através de um desenvolvimento gradual, mas não ininterrupto, para uma maior inteligência, liberdade e bondade... O progresso humano é um fato evidente.”27 Em sendo assim, as leis que regem o desenvolvimento humano foram estabelecidas e agora dirigem nosso ensino. Dominando a obra de Painter, encontra-se a sua crença de que os valores cristãos superaram os valores da antiguidade pré-cristã. O cristianismo, devido à sua base imutável, é o Ponto Ômega para o qual tendem todos os sistemas educacionais.
Entre 1886 e 1888, três obras suplementares contribuíram para a literatura essencial da História da Educação racionalista. A primeira foi Contributions to the Science of Education, de William Harold Payne (1836-1907). As outras duas foram escritas por Gabriel Compayre (1843-1913) e traduzidas por Payne como The History of Pedagogy e Lectures on Pedagogy, Theoretical and Practical. Payne considerou esses dois textos como as melhores publicações disponíveis na história, teoria e prática da educação.
A tendência de interpretar a História da Educação como o triunfo do progresso encontrado nas obras de Schmidt, Rosenkranz, Painter e Payne continuaram no século XX nas Histórias de S.G. Williams, James Phinney Munroe, e Frank Pierrepont Graves. Esses estudiosos, juntamente com aqueles com a mesma convicção que Raumer e Quick, formaram a percepção do que constituía uma "história da educação" e assim influenciaram os debates sobre a importância da história da educação como um campo profissional de estudo e, por extensão, as características do que seriam práticas educacionais sólidas.
2. A História da Educação e o conhecimento
A História da Educação como campo de estudo está em contraste com a História da Educação como campo de investigação. A primeira se concentra na reflexão do passado para melhorar as práticas de ensino atuais, enquanto a segunda investiga o passado para adquirir conhecimento que ajude a compreender o presente. Educadores tradicionalmente estudaram o passado, mas a pesquisa sistemática na História da Educação tem uma origem recente. Esta seção explora as contribuições dos estudiosos e das instituições para o desenvolvimento da dimensão relativa à pesquisa em História da Educação; isto é, para a geração e disseminação dos produtos de um conhecimento sistematizado.
2.1 Barnard e o Journal of Education
Poucas obras escritas sobre a História da Educação apareceram nas décadas seguintes ao livro de Smith, de 1842. Havia um interesse limitado em escrever textos e poucos espaços para publicar artigos sobre a História da Educação. Essa escassez de publicações e oportunidades, porém, foi revertida por meio dos esforços de Henry Barnard (1811-1900), reconhecido amplamente como um dos maiores reformistas da educação de seu tempo. Barnard teve uma longa e ilustre carreira como Comissário da Educação pelos Estados de Rhode Island e Connecticut e como o primeiro Comissário da Educação dos Estados Unidos (1867-1870). Mais tarde, serviu como chanceler da University of Wisconsin, em Madison (1858-61) e como reitor da St. John’s College em Annapolis, Maryland (1866-67).
Barnard, mais que qualquer outra pessoa de seu tempo, foi responsável por popularizar e disseminar informações sobre a História da Educação. Sua contribuição para a literatura em língua inglesa veio do seu papel como editor do American Journal of Education e de um pequeno periódico sobre educação internacional. A série sobre educação estadunidense consistiu em 24 volumes, cada um com 700-800 páginas, e totalizou entre 600 e 700 trabalhos sobre todos os tópicos de educação. Publicado trimestralmente entre 1856 e 1873, praticamente um terço do espaço do periódico foi ocupado por publicações de interesse histórico.
O American Journal of Education pode ser caracterizado como uma enciclopédia da educação. Dentre seus volumes, um grande número de artigos lidou com a educação sob um ponto de vista histórico. Diversos tópicos foram discutidos, como, por exemplo, a história do sistema escolar de Boston e da Yale College, de 1801-1850. Reformistas da educação e suas ideias foram examinados, assim como o desenvolvimento dos sistemas educacionais nacionais. Foram exploradas práticas educacionais antigas, como, por exemplo, o ensino em instituições monásticas e as formas de punição dos estudantes aplicadas pelos hebreus, gregos, romanos, alemães e ingleses. O periódico também publicou versões traduzidas de obras alemãs importantes para a História da Educação.
A contribuição mais significativa do periódico de Barnard, porém, consistiu em seu acúmulo e disseminação da literatura em língua inglesa sobre a História da Educação, sendo que a maioria pertencia aos Estados Unidos. Isso forneceu uma riqueza de documentos que estimulou discussões, diálogos e debates que resultaram em um aumento no interesse pela História da Educação. Destaca-se a publicação, em 1876, de dois volumes sobre educação redigidos em língua inglesa por Barnard e publicados pela primeira vez em 1862: English Pedagogy e Education, the School, and the Teacher, in English Literature. Paul Monroe, na enciclopédia Cyclopedia of Education, considera esse último volume inigualável como material-fonte para a educação em língua inglesa devido à sua seleção de citações de escritores que não eram educadores profissionais28.
A obra de Barnard como editor desse periódico - além de suas diversas publicações - criou a base para futuras pesquisas sobre a História da Educação. Ao coletar e disseminar, no século XIX, uma quantidade surpreendente de informações em uma ampla gama de tópicos históricos sobre a educação, Barnard criou uma base de conhecimento que poderia ser acessada por estudiosos contemporâneos e futuros. Essas informações foram de importância imediata, mas também futura, pois levam não apenas à análise de problemas educacionais nos Estados Unidos e no mundo, tanto no passado como no presente, mas também na identificação de tendências e áreas, tanto educacionais como históricas, para estudos mais aprofundados.
2.2 Monroe e a Cyclopedia of Education
Paul Monroe (1869-1947), assim como Henry Barnard, contribuiu para a pesquisa na História da Educação disseminando estudos educacionais por meio de Cyclopedia of Education. Monroe é descrito como um dos gigantes do conhecimento educacional estadunidense. Devido aos seus esforços, “a História da Educação se tornou uma grande disciplina educacional delineada em seu amplo cenário social e filosófico”29. Enquanto ele estava na Teachers College, Columbia University, sua disciplina intitulada “A História da Educação nos Estados Unidos” preparou alunos para a coleta e análise de materiais-fonte nos Estados Unidos para suas dissertações e estudos futuros. O próprio Monroe foi um acadêmico ávido que publicou estudos sobre a educação na Grécia, em Roma e no Renascimento de 1901 a 1904, livros de ensino sobre a História da Educação em 1905 e 1907, bem como uma análise profunda sobre a fundação do sistema educacional público estadunidense, em 1940. Também foi amplamente atuante na educação internacional.
A percepção das necessidades de um estudante de História da Educação permeia as obras de Monroe e encontra-se sintetizada no prefácio de seu Textbook in the History of Education (1904):
obter um conjunto suficiente de fatos sobre as práticas educacionais do passado; desenvolver habilidade de interpretar essa experiência para guiar a própria prática; exercitar o julgamento ao se estimar a relação existente entre várias teorias e as práticas correspondentes; e, sobretudo, obter a concepção do significado, natureza, processo e propósito da educação que vai extirpá-lo dos preconceitos, da perspectiva restrita, dos pontos fracos e dos julgamentos ordinários de um acadêmico comum30.
Monroe também é muito conhecido pelo seu cargo como editor de A Cyclopedia of Education. Com a ajuda de editores departamentais estadunidenses e europeus e mais de mil contribuintes individuais, Monroe publicou os cinco volumes da enciclopédia de 1911 a 1913. Eles foram republicados várias vezes, sendo a última entre 1926 e 1928. A enciclopédia contém 3.694 páginas e inclui 7.000 tópicos em quinze áreas, sendo a “História da Educação” uma das principais. Outras áreas inclusas foram a filosofia da educação, sociologia da educação, psicologia da educação e ensino primário, secundário e superior. Em sua totalidade, a enciclopédia representou os conceitos, argumentos e posições vigentes sobre educação naquele período.
A contribuição da enciclopédia de Monroe para a pesquisa e o conhecimento é resumida por Brickman e Cordasco (1970), segundo os quais a publicação foi e continua sendo
uma fonte histórica valiosa, já que seus artigos e bibliografias contêm informações que não são facilmente acessíveis em nenhum outro lugar. Quando se relembra que estudiosos e pensadores como John Dewey escreveram muitos artigos claros sobre conceitos educacionais básicos, então se torna patente que a Cyclopedia é - e vai continuar sendo por muito tempo - de interesse como referência31.
Assim como o American Journal of Education de Barnard, a coleção de publicações de Monroe e sua Cyclopedia of Education contribuíram para definir tendências e problemas na História da Educação - tanto nos Estados Unidos como no resto do mundo - os quais poderiam ser tópicos de interesse para pesquisadores.
2.3 NSCTE e HES
Durante o século XIX e no início do século XX, a História da Educação foi uma das matérias mais ensinadas em programas de formação de educadores e faculdades e universidades. A disciplina era, caracteristicamente, “estritamente preocupada com os fatos, com o passado distante e com a celebração de sua missão”. Ou seja, não era conhecida por gerar concepções teóricas e práticas inovadoras para aspirantes a educadores32.
Ao longo do século XX, houve um consenso crescente de que a História da Educação era de relevância limitada para professores em formação. Houve uma divergência em relação ao papel da disciplina em programas de formação de educadores e se ela deveria continuar como uma disciplina autônoma no currículo. Em muitas instituições, a História da Educação já havia sido incorporada a disciplinas que pretendiam fornecer uma base para carreiras profissionais futuras.
O debate sobre a utilidade da História da Educação foi exacerbado por dúvidas sobre o papel de especialistas na área. Poucos programas de profissionalização em educação se beneficiaram dos serviços de historiadores bem formados. Muitos docentes que ensinavam História da Educação tinham pouca compreensão ou domínio dos rigorosos métodos da pesquisa histórica. Outros não consideravam a História da Educação sua principal área de interesse. Como exemplo, Ellwood P. Cubberly, um dos escritores mais influentes naquele período, estava interessado principalmente na administração escolar; e, apesar de ter sido um pioneiro em textos sobre a história estadunidense, somente uma dúzia de doutorandos tiveram-no como orientador.
Na Primeira Guerra Mundial, a escassez de materiais escritos sobre a História da Educação estadunidense tinha ficado bastante evidente. Durante o período pré-guerra, foram escritos poucos livros inovadores sobre a História da Educação estadunidense. A maioria deles lidava com a educação na Antiguidade e na Europa e constituía majoritariamente cronologias e compilações de fatos sobre instituições educacionais, leis e códigos administrativos. Textos dignos de atenção como Education in the United States (1889), de Richard G. Boone, e A History of Education in the United States (1904), de Grant Dexter, se aproximaram da história educacional dessa maneira33. Foi a escassez de textos que levou Ellwood Patterson Cubberley a publicar Public Education in the United States em 1919. Obras de destaque sobre a História da Educação apareceram posteriormente com a publicação de: Education in the United States, de Edgar Knight, em 1929; a History of American Education, de Stuart Noble, em 1938; e The Founding of the American Public School System, de Paul Monroe, em 1940. Tanto essas como publicações posteriores foram produtos de uma nova geração de historiadores, representados por pessoas como Lawrence Cremin (1925-199) e Merle Borrowman (1920-1993). Esses e outros estudiosos com pensamentos similares se empenharam em buscar o conhecimento histórico por ele próprio.
A percepção de que a História da Educação era um campo de investigação legítimo ganhou força ao longo dos anos subsequentes. No fim da década de 1940 e no começo da década de 1950, várias organizações foram fundadas para promover a teoria e as práticas associadas à Educação Progressiva. Dentre elas estavam a Progressive Education Association, a Philosophy of Education Society, a John Dewey Society e, principalmente, a National Society for College Teachers of Education (NSCTE). Essa última organização teve o importante papel de ressaltar a História da Educação como tema de pesquisa. Em 1948, um pequeno grupo de historiadores influentes liderados por R. Freeman Butts (1910-2010) - coautor (com Lawrence Cremin) de A History of Education in American Culture (1953) e autor de A Cultural History of Western Education (1955) - e Archibald Anderson (1905-1965), um professor renomado de filosofia e de História da Educação, foram fundamentais na criação da Seção de História da Educação (History of Education Section) (HES) na NSCTE. A HES posteriormente designou um Comitê de Fundamentos Históricos da NSCTE. Os membros desse comitê acabaram fazendo parte do quadro editorial da History of Education Journal (HEJ).
No meio do século, os educadores estavam expandindo suas atividades para incluir pesquisas sobre a História da Educação. A partir de 1951, a Fundação Ford promoveu pesquisas históricas para descobrir o papel que a educação desempenhava no desenvolvimento da sociedade estadunidense. Durante os dez anos seguintes, a Fundação financiou esforços de redefinição do status da História da Educação estadunidense, a qual tinha se tornado “vergonhosamente negligenciada por historiadores estadunidenses”. Isso foi conseguido pelo apoio aos esforços de ampliação da base de conhecimentos que adotavam os rigorosos métodos utilizados pelos historiadores nas suas pesquisas sobre os acontecimentos políticos, econômicos e sociais do passado.
Uma das iniciativas da Fundação Ford foi a criação do Fundo para o Avanço da Educação, que prestou assistência a projetos que clarificavam os objetivos e processos educacionais nos Estados Unidos. Em 1957, foi organizado o Comitê sobre o Papel da Educação na História Estadunidense (Committee on the Role of Education in American History) com recursos fornecidos pela Fundação. O Comitê procurou envolver historiadores na pesquisa ativa da educação estadunidense. A NSCTE também refletiu a tendência de maior investigação na História da Educação. Em 1957, o principal veículo de publicação da NSCTE, o History of Education Journal, publicou artigos de Lawrence Cremin e Archibald Anderson que definiam claramente o papel da pesquisa na História da Educação. Os dois estudiosos argumentavam essencialmente que não deveria haver relaxamento nos rigorosos requisitos do conhecimento histórico para a sua aplicação à educação.
Lawrence Cremin (1925-1990) foi nomeado presidente da NSCTE em 1960. Nos anos que se seguiram, Cremin viria a ter uma longa e ilustre carreira. Foi autor de uma dezena de livros, incluindo The Transformation of the School: Progressivism in American Education, 1876-1957, que ganhou o Prêmio Bancroft em História Estadunidense em 1962; e American Education: The National Experience, 1783-1876, que ganhou um Prêmio Pulitzer em 1981. Além de suas publicações, Cremin foi membro fundador e presidente da Academia Nacional de Educação e presidente da Sociedade Nacional de Professores Universitários de Educação (National Society of College Teachers of Education) e da Sociedade da História da Educação (History of Education Society). Em 1974, foi nomeado presidente da Teachers College, Columbia University. Foi também presidente do Comitê de Melhoria Curricular do Gabinete de Educação dos Estados Unidos e da Comissão Carnegie para a Educação de Educadores.
Pouco depois de ter sido nomeado presidente da NSCTE, Cremin substituiu o History of Education Journal (HEJ) pelo History of Education Quarterly (HEQ). O novo periódico adotou uma política de contribuições editoriais que demonstravam as características de uma sólida pesquisa histórica. Em conjunto com a sua ênfase na investigação histórica no assunto, Bernard Bailyn (1922-2020) - professor na Harvard University e duas vezes vencedor do Prêmio Pulitzer de História - defendeu o conhecimento sistematizado em História da Educação na sua obra Education in the Forming of American Society, de 1960; e, em 1965, Cremin publicou a sua obra seminal, The Wonderful World of Ellwood Cubberly, que demonstrava o valor do compromisso com os rigores da pesquisa histórica.
Em 1968, foi fundada a Division F (History and Historiography of Education) da American Educational Research Association (AERA). A Division F promoveu o conhecimento da História da Educação, aliando-o às atividades do “mais influente e prestigioso grupo de pesquisa em Educação"34. A legitimação da pesquisa histórica em educação pela AERA foi, até então, o ápice do movimento dos anos 1960 que procurava validar os métodos de investigação histórica em educação. Como observa Cohen, "Quando a História da Educação começou a atrair historiadores departamentais, tivemos a oportunidade de nos associarmos com os rigorosos cânones do conhecimento histórico. A aliança com a história significou a emancipação em relação às garras das disciplinas de fundamentos" 35.
Na década seguinte, houve um grande aumento nos campos da história social e intelectual. O conhecimento se intensificou nos anos 1970 e posteriormente. A History of Education Quarterly atraiu trabalhos de estudiosos de renome, tanto nos EUA como no mundo. As reuniões da Seção de da Sociedade de História da Educação (HES) da NSCTE, da Divisão F da AERA e de outras seções similares das Associações de História Estadunidense (American Historical Associations) eram bem frequentadas. As seções da HES floresceram, resultando num "enriquecimento sem precedentes da historiografia educacional"36.
2.4 A expansão da pesquisa em História da Educação
A extensão do desenvolvimento bem-sucedido da História da Educação como tema de investigação é exemplificada pelo vasto número de estudos publicados na área. O aumento da quantidade de publicações em História da Educação deu a vários estudiosos a oportunidade de identificar os tipos de problemas pesquisados, tendências contemporâneas e possíveis caminhos para futuras pesquisas sobre a História da Educação. Um exemplo ilustrativo desse tipo de análise é a obra de John Hardin Best, Historical Inquiry in Education, publicada em 1983 e reeditada em 1992. Essa obra informativa se desenvolveu a partir de um plano, aprovado em 1980, submetido à Divisão de História e Historiografia da AERA.
Best e o comitê editorial convidaram especialistas para abordarem, dentro de 15 temas, os principais aspectos disciplinares, metodologias e tópicos que eram centrais para a História da Educação, a saber: (a) filosofia da história, (b) biografia, (c) história quantitativa, (d) história oral, (e) história institucional, (f) história intelectual, (g) escola e desenvolvimento da personalidade), (h) história do currículo, (i) política educacional, (j) estudos comparativos e transnacionais, (k) estudos regionais nos Estados Unidos, (l) comunidades urbanas, (m) grupos étnicos e minoritários, (n) educação das mulheres, (o) história da criança e da família e (p) história social. As áreas listadas por Best e a sua equipe dão uma ideia da vasta gama de tópicos que foram pesquisados nos anos 1990.
Pouco tempo depois, Wayne Urban desenvolveu o seu próprio sistema de classificação da historiografia da educação, anterior aos anos 1980 (inclusive), consolidando os temas de Best em seis categorias de pesquisa. Os resultados foram publicados na Encyclopedia of Educational Research da seguinte forma: Estudos Revisionistas e Antirevisionistas, que argumentavam se o ensino estadunidense servia interesses econômicos dominantes e aspirações democráticas frustradas: Estudos sobre Minorias de Educação de Negros, Nativos Norte-Americanos e Chicanos (hispânicos do México); Estudos de Educação de Mulheres, principalmente sobre questões relacionadas ao ensino superior; Estudos do Ensino Superior em faculdades e universidades estadunidense; Estudos de Professores e de Educação de Professores, sobre as características e a formação de professores; e Estudos Quantitativos.
As sínteses de Best e Urban resumiram e revelaram o vasto âmbito da pesquisa em História da Educação realizada dos anos 1960 aos anos 1990. Aos seus resultados podemos acrescentar uma nota final da conclusão de R.A. Levin sobre a perspectiva animadora da pesquisa em História da Educação em 2000:
Grandes mudanças sociais e políticas estimularam mudanças no campo de conhecimento histórico, em geral. Nosso conhecimento tornou-se mais variado e, para a maioria de nós, muito mais interessante, desde que, na perspectiva dos Estados Unidos, Lawrence Cremin e Bernard Baylin deslocaram a História da Educação para a história social nas décadas de 1960 e 1970. Ao longo de várias décadas, mas especialmente nos últimos quinze anos, o conhecimento em História da Educação floresceu com a chegada de novos estudiosos e novas abordagens. Alguns textos de pesquisa de base ampla e o recente Historical Dictionary of American Education oferecem atualmente aos estudantes uma vasta gama de material interessante para ser examinado37.
3. Considerações finais
Este artigo relatou brevemente as contribuições de um grupo de estudiosos renomados que influenciaram o desenvolvimento da História da Educação nos Estados Unidos. Os seus efeitos na teoria e na prática educacional variaram, e a sua influência foi exercida em diferentes momentos do passado do país. Embora a literatura cite habitualmente essas personalidades nas suas narrativas, inúmeros outros estudiosos e instituições deixaram também a sua marca na área. Como representantes de uma comunidade maior que tem estado ativa desde meados do século XIX, os estudiosos identificados nesta narrativa e os estudiosos anônimos cujas realizações ainda não foram lembradas estabeleceram a História da Educação como um importante campo de estudo e investigação, um campo que foi e, para muitos, ainda é parte integrante dos programas de formação de educadores.