É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo. (Freire, 1992).
Nas últimas apresentações que escrevemos, transitamos entre as tensões coletivas que caracterizam os anos difíceis que estamos vivendo e nossas angústias pessoais acerca da Educação no contexto da pandemia. Partindo disto, podemos pensar que ambas as situações são marcadas, para além da doença, ou seja, pelas convergências de crises - econômicas, ambientais e climáticas, alimentares, representações políticas, em particular, pelas insinuações proto-fascistas que insistem em ameaçar nossa democracia e, principalmente, pela constante necessidade de (re)existirmos por meio de perspectivas educacionais alternativas.
Entendemos que as ações de resistir e existir, frente aos ataques que visam desestruturar o campo da Educação, é o que nos coloca em situação de privilégio para a formação de alianças, seguindo a ideia de Butler (2018), com demais colegas implicados na defesa de práticas e reflexões responsáveis e produtivas, ao mesmo tempo em que ajuda a fortalecer nossas caminhadas laborais e nossas esperanças em relação ao fim destes tempos “estranhos”. Precisamos destacar: a Educação vem sendo ameaçada por argumentos que, há poucos anos, imaginávamos incapazes de serem levados à sério.
levados à sério. Neste contexto, destacamos que algumas pistas dos modos como operam as tentativas de depreciação da área da Educação, e de tudo aquilo que lhe envolve, possam ser identificadas, por exemplo, em recente fala de docentes do Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade de Santa Cruz do Sul, nossos colegas próximos. Ao discorrerem sobre o lugar da “Ciência na pós-verdade”, na última Jornada Acadêmica dos cursos de Mestrado e Doutorado da instituição, Betina Hillesheim e Mozart Linhares da Silva (2020) argumentaram que vivemos em tempos marcados por um ethos neoliberal, a partir do qual questões complexas e relevantes passam a ser pensadas e explicadas por meio de raciocínio e argumentos simplistas e imediatistas.
Certamente, conforme, mencionaram, não se trata de uma ação unilateral, mas, também, e principalmente, de práticas coletivas e de demandas emergentes de sujeitos que a cada dia se tornam mais fascinados pelas repostas “rápidas” e “certeiras” para quaisquer problemas, desafios e, até mesmo, resoluções. Talvez, seja o otimismo e a dramaticidade com que apresentam suas ideias, por vezes estapafúrdias, que motivam milhares - ou milhões - de pessoas a acreditarem que a meritocracia e o individualismo são as melhores opções para um futuro melhor e o “fim das crises”. Um grande equívoco.
Dito isto, percebemos que, até pouco tempo, pensávamos que o ano de 2021 seria de desafios, porém de recomeços, visto que a previsão de vacinas e diminuição da força da pandemia se aproximavam. Porém, a cada movimento de organização de um novo volume da Revista Reflexão e Ação, desde que a parceria Moretti e Darsie se iniciou, percebemos que nossas intenções relacionadas à escrita de um texto mais alegre, acerca da volta da livre circulação, dos sentimentos e dos afetos dos abraços, das brincadeiras nos pátios das escolas e dos “cafés” das universidades permanecem sendo um tema que “empurramos para a próxima edição”.
No entanto, conforme sugere o título deste editorial, 2021 é um ano de celebração, mesmo em meio aos desafios que nos cercam. Comemoramos o Centenário do nascimento de Paulo Freire, e, portanto, a atual edição é dedicada à educação por meio de uma homenagem a este importante educador brasileiro. Neste sentido, contamos com o Dossiê Temático: Paulo Freire e Educação Popular: cultura, metodologias, lugares e sujeitos organizados por Sandro de Castro Pitano, Universidade de Caxias do Sul - UCS e Maria Tereza Goudard Tavares, Universidade do estado do Rio de Janeiro - UERJ, colegas de Grupo de Trabalho na Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd. E, no qual são disponibilizados 09 artigos que discutem questões educacionais por meio do pensamento freireano. Essa iniciativa surge do IV Seminário Nacional do Grupo de Trabalho Educação Popular/ANPed: prospectivas em tempos de pandemia(s), realizada em setembro de 2020. Os textos selecionados para esse dossiê refletem os interesses de debates em três eixos que fomentaram o referido seminário que possui características itinerantes e colaborativas, no sentido freireano. Por isso, a comissão foi ampla e diversa: Telmo Adams, Danilo R. Streck e Isabel Bilhão pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Edla Eggert pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Sandro de Castro Pitano e Nilda Stecanela pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Cheron Zanini Moretti pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Thiago Ingrassia Pereira pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS/Erechim, RS) e Fernanda dos Santos Paulo Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc).
Com isso, convidamos a que todos/as leiam o editorial escrito pelo organizador e pela organizadora, além, obviamente, aos artigos publicados nesse número tão especial. O leitor e a leitora podem, ainda, apreciar a entrevista que ambos realizaram com Danilo R. Streck, atualmente, pesquisador da Universidade de Caxias do Sul (UCS) reconhecido pelo diálogo aberto, curioso e generoso com/sobre a obra de Paulo Freire. E, além disso, apresenta-se uma “resenha autobiográfica”, se é que essa modalidade de escrita existe (!), de Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1992) escrita a partir das memórias e dos encontros da pesquisadora Nize Maria Campos Pellanda da Universidade Federal do Semi-Árido (UFERSA), com Paulo Freire no Rio Grande do Sul.
Além disso, em articulação, destacamos a idealização e a realização do Ciclo de Diálogos: Centenário de Paulo Freire, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado e Doutorado, da Universidade de Santa Cruz do Sul, pelo Conselho de Educação Popular da América Latina e do Caribe - CEAAL e pela Revista Reflexão e Ação que, de junho a setembro de 2021, celebra natalício do patrono da educação brasileira com três grandes círculos dialógicos virtuais, com transmissão pelo Canal UNISC AO VIVO, no YouTube. Assim, buscamos abarcar sua trajetória e suas contribuições em três encontros. No primeiro deles, contamos com a participação de Carlos Rodrigues Brandão da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Adriane R. S. de Lima da Universidade Federal do Pará (UFPA) para tratar sobre o tema: “Paulo Freire tantos anos depois: memórias e andarilhagens latino-americanas”; no segundo ciclo, contamos com as reflexões de Walter Omar Kohan da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e de Franciele Clara Peloso da Universidade Técnica Federal do Paraná (UTFPR) sobre “Paulo Freire: infâncias e errâncias de um menino conectivo”. E, por fim, Peter McLaren da Chapman University (USA) e do Instituto McLaren de Pedagogía Crítica (México) e Rosa" Rosy" Elva Zúñiga Lopez do Instituto Mexicano para el Desarrollo Comunitario (México)/CEAAL sobre “Paulo Freire: educação popular, pedagogia crítica e libertação”, fechando as nossas festividades e abrindo, ainda mais, as possibilidades para a melhor compreensão do legado e da universalidade desse incrível educador.
Nessa edição, os/as leitores/as da Reflexão e Ação vão tomar conhecimento de outros 06 artigos que se destacaram pela temática e excelência, à saber: “Para além dos manuais: reflexões sobre o ensino de psicologia do desenvolvimento nas ciências da saúde” de Fabio Scorsolini Comin, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP); seguido de “O estado do conhecimento sobre as salas de recursos multifuncionais: as produções acadêmicas dos Programas de Pós graduação stricto sensu no Brasil” de Jaqueline Santos Vargas Plaça e Shirley Takeco Gobara, ambas pesquisadoras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS); “Os manuais e a pedagogização da docência na Educação Infantil” de Marcelo Oliveira da Silva, Rodrigo Saballa de Carvalho e Amanda de Oliveira Lopes, todos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); “Os sentidos da escola contemporânea: deslocamentos a partir das narrativas de jovens alunos e alunas”de Rita Cristine Basso Soares Severo e Franciele Thais Scheuer, pesquisadoras da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS); “A política pública de saúde e os migrantes: desafios da Educação em Saúde” de Daniela Da Rosa Molinari, Luciana Turatti, Ioná Carreno, pesquisadoras da Universidade do Vale do Taquari (Univates); e, para encerrar, o artigo intitulado “Docências escrava e nobre: filosofia e educação” de Gilberto Silva dos Santos e Samuel Edmundo Lopez Bello, também pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
É com muita satisfação, portanto, que convidados a todos/as para realizarem uma boa leitura e a “esperançar” na perspectiva freireana. Pois, 2021 também é um ano de celebração da criticidade, criatividade e eticidade presentes em cada um de nós que reinventa Paulo Freire na promoção de alternativas educacionais críveis e possíveis.