Introdução
Enquanto vislumbra uma reforma linguística na Pansophiae Christianae liber III, Comenius convida a fixar claramente o significado das palavras usando um único nome para cada coisa, de modo a restaurar o significado próprio das coisas. As pessoas expressam melhor seu poder de representação (descrição, definição...) quando sabem nomear seres e objetos vivos, denominar eventos, designar atividades e produtos com seu nome, o termo preciso e a palavra certa. Este poder não deve ser exercido para acrescentar uma palavra a uma lista de signos artificiais, mas para elevar-se ao nível do mundo objetivo, o representativo (designativo, denotativo...).
As linguagens características são independentes de qualquer relação com a imagem, de qualquer elemento significado pela conotação e da sobredeterminação contextual de significados que domina as linguagens comuns: são linguagens sintáticas, construídas, como uma arquitetura de elementos modulares que fornecem uma estrutura computacional.
O termo-palavra é constituído pelo descarte de procedimentos genéricos e muitas vezes resulta da adoção da regra econômica de simbolismos "característicos" (é a palavra usada por Leibniz para indicar a estrutura moderna dos sistemas linguísticos das ciências: charactera universalis) .
No entanto, não é verdade (ou nem sempre) que apenas os termos-palavra, decantados da escória da imprecisão, nos permitem articular a realidade e, portanto, chegar ao mundo do conhecimento e da cultura, da história e da comunidade científica.
Uma palavra não é apenas um signo para comunicar, mas também outra coisa: é um amontoado de ambiguidades devido às evocações escondidas em seu núcleo. A palavra (especialmente um nome) nunca é um rótulo, mas também não é uma definição: é uma espécie de simulacro, muitas vezes aproximado, que usamos para nos comunicar.
Escrevemos (e falamos) referindo-nos a signos muitas vezes ambíguos para nós, mas a ambiguidade e a imprecisão permitem que nos entendamos de qualquer maneira.
O termo é apenas a sombra da palavra: se identificamos a palavra com o termo, nós a pregamos a um significado específico e relativo; quebramos suas asas, impedindo-o de voar livre no céu da consciência humana ou da própria significação.
O uso de metáforas: poder de significação
Segundo Aristóteles, a transposição metafórica deve ser pensada em termos de adequação, de pertinência; e deve ser tomada como prova do vínculo profundo e inalienável que os nomes e as expressões têm com as coisas, mesmo quando transgridem seu uso próprio. A bondade de uma metáfora é estimada, precisamente, na pertinência dessa transgressão, em ser regulada ou não. Como qualquer outro dispositivo linguístico, deve responder à clareza que indica como virtude da enunciação (Rhet., 1404b 1-3). Ele explica como prerrogativa do enunciado colocar as coisas "diante dos olhos" (Rhet., 1410b 33; ver também Poet.55a 22-34). Colocar as coisas diante dos olhos significa mostrar de repente que "isto é aquilo" (Rhet., 1371 8-9), posando como "aqueles que estão nos próprios fatos como eles acontecem" (Poet.55a 25). No entanto, ele o faz de maneira diferente de como onomata kyria o faz - de maneira direta; a metáfora, como onomata allotria, "vai contra seu próprio uso" (Poet.58a 24-5), de forma inusitada: de forma menos direta e, de certa forma, ainda mais importante e eficaz" (Poet.59a 5-6).Therefore, another mode of discourse (indeed, other modes) exists, that is by no means poorer in meaning than scientific utterances.
Pelo contrário, ser capaz de produzir metáforas é, segundo Aristóteles, "muito mais importante" (Poeta 59a 5-6). É mais importante porque poder colocar as coisas diante dos olhos em certos domínios (aqueles tratados em particular pela arte poética) exige um esforço maior do que o exigido pelo conhecimento obtido através dos nomes próprios. De fato, a metáfora ativa uma capacidade cognitiva adicional além daquela de simplesmente definir as coisas. Melhora a função heurística; constitui o horizonte de inteligibilidade de novos problemas. As formas mais abstratas de conhecimento encontram suas raízes na "pré-categoria" que prescreve um projeto, um campo de projeções possíveis.
A metáfora antecipa a clarificação racional, que, pelo contrário, a legitima passo a passo: favorece, impulsiona, a relação imediata entre as coisas mais distantes, conduz ao conhecimento sem recorrer a premissas já dadas. Pela relação inesperada em que são colocadas, as palavras (usuais ou não) adquirem subitamente significados inesperados: emergem da unidade da frase com autonomia própria e em toda a sua dinâmica expressiva, tornam-se parte viva de um todo.
A importância da metáfora reside na sua capacidade de adaptação à multiplicidade do ser, aos sentidos plurais segundo os quais pode ser articulada e sobretudo escrita.
Entendida dessa forma, ela se mostra um instrumento insubstituível do conhecimento humano.
Um conhecimento em que o universal só pode ser alcançado ao preço de uma abstração cognitiva, cujo dispositivo é justamente esse analogon. A metáfora é uma espécie linguística fundamental desta última.
A unidade e síntese das diferentes “imagens” não se dão por explicação, mas por associação, numa súbita visão de semelhanças. Uma atitude que é assumida antes mesmo de qualquer postura reflexiva ser tomada. As metáforas surgem de associações que não são apenas um fator de mudança de sentido, mas um mecanismo universal que enriquece as linguagens do mundo Três.
A metáfora faz-nos reconhecer subitamente a semelhança entre coisas muito distantes umas das outras e assim permite-nos "revalorizar" a nossa própria familiaridade com as coisas, nunca as deserdando, mas antes alargando-as e aprofundando-as. Uma série de relações, de "atributos reais" da entidade que já existem em nível ontológico, são colocadas diante de nossos olhos. No entanto, sem a capacidade que a metáfora possui de transpor, de passar de um nível a outro, não teria sido possível identificá-los.
É outra forma dessa capacidade geral do homem de se aproximar de alguma forma da verdade. Essa verdade que - parafraseando a Metafísica (993a) - é impossível de apreender inteiramente.
A metáfora constitui-se como alternativa cognitiva à natureza analítica da episteme, naquele campo em que a universalização - segundo procedimentos epistêmicos - pagaria o preço de uma abstração muito alta e, portanto, inaplicável. É um conhecimento incoativo, poiético, aproximativo e, no entanto, por isso mesmo, resulta fundamental na medida em que é capaz de se adaptar bem ao pollachos, à multiplicidade dos sentidos do ser.
É uma forma original de dirigir-se ao mundo, de se orientar e de se dirigir à realidade.
É por isso que a metáfora não deve ser confundida com uma figuratividade, presa no raso de uma teoria da ornamentação, reduzida a sinônimo de atraso exorbitante, de excedente linguístico, de magniloquência externa. As metáforas não são meros embelezamentos adicionais, acréscimos inessenciais, revestimentos externos que acabam por sobrecarregar a escrita, mas constituem verdadeiros recursos de significação: são imagens engenhosas capazes de comunicar de maneira linguísticamente eficaz. Isso é verdade não apenas no campo mais conhecido do discurso literário e poético, mas também na experiência cotidiana e na própria linguagem científica.
Trata-se da figuratividade linguística, ou seja, da capacidade que o homem tem de construir por analogia com imagens concretas, palavras e textos originais, agradáveis, sugestivos, ativando aquelas potencialidades combinatórias e criativas da linguagem que desempenham um papel corretivo em relação às linguagem padrão, normativa, rígida, muitas vezes esterilizando a generatividade inovadora da expressão-comunicação do indivíduo.
Conclusão
De fato, as figuras oferecem a possibilidade de enriquecer o significado e a expressividade da linguagem por meio de um reequilíbrio contínuo entre elementos de novidade, originalidade e elementos de repetição, reprodução. O sentido de cada palavra pode ser continuamente enriquecido em um processo em que a concepção de uma figura produz uma abertura do "espaço" da palavra-sinal, gera uma ampliação de sentido, tende a uma expansão da palavra-signo, uma ampliação do sentido, tendendo à plenitude semântica e às vezes até à evocação.
A figura torna possível a relação imediata entre as coisas mais distantes, conduz ao conhecimento sem recorrer a premissas já dadas. Através da relação inesperada, as palavras adquirem subitamente significados e referências inesperados e imprevisíveis. O som também faz parte disso, como um ritmo modulado que determina a ordem fonética e delineia um arranjo geral.
No nível didático, além da afirmação clara de Aristóteles de que a metáfora não pode ser ensinada, como afirma a Poética ("é a única coisa que não se aprende com os outros, e é sinal de uma disposição natural de gênio [...] poder apreender as semelhanças das coisas entre si" (59b) e na Retórica ("seu uso não pode ser aprendido de mais ninguém" (1374, 33)), à qual se pode acrescentar a convicção de Vico da espontaneidade original do processo metafórico, um ensino da metáfora pode ser considerado muito válido: De Ivor Amstrong Richards a Howard Gardner, emerge claramente que a produção espontânea de metáforas é um processo primário, seguido pela compreensão e, finalmente, a capacidade de explicar o mecanismo.
Portanto, é preciso ensinar não tanto ou apenas brincar com as metáforas, construindo imagens estranhas, poéticas, ousadas, mas também descobrir o poder da significação, por exemplo: substituir uma palavra por outra cujo sentido literal tenha alguma semelhança com o sentido literal da palavra substituído; delineando um objeto a partir de outro; "saber ver e apreender as semelhanças das coisas entre eles" (Poet.1459); aprender a ler detalhes, e assim se aprende a ler a vida; e assim por diante), e assim realizar um conhecimento "que não existia antes" (Rhet.1410b).
A didática da criatividade e a disposição para assumir riscos intelectuais são, portanto, de extrema importância. Ao estabelecer um olhar diferente para ler o que se esconde por trás do óbvio e do banal, o primeiro privilegia o pluralismo hermenêutico, renova o real, redesenha as expressões escritas. Embora sempre carregado de dúvidas e incertezas de se desvencilhar da imobilidade estagnada de ideias e convicções, o risco proporciona um misto de alegria pela liberdade que oferece.