1. Para início de conversa
O projeto de colonização na América, deixou inúmeras marcas nos povos originários, muitos foram reduzidos e outros completamente dizimados. Os remanescentes desses povos resistiram, mas muitos perderam parcialmente ou completamente suas práticas tradicionais, sociais e também culturais, pois eram proibidos de ser. Importante enfatizar que os acontecimentos envolvendo os indígenas na região do Oeste do Estado de Santa Catarina, sempre foram marcados por intensos e violentos conflitos com posseiros e empresas colonizadoras. Por muito tempo a história permaneceu fiel na perspectiva do colonizador, ocultando, silenciando e até negando a existência da cultura cabocla e indígena que desde muitos séculos habitam esta região. Decorrente deste processo, ainda perpassa uma ideia carregada de mazelas, estereótipos, preconceitos e exclusão, o que torna emergente o desenvolvimento de pesquisas capazes de dar visibilidade e importância a cultura e história indígena.
As pesquisas apontam, segundo Nascimento (2001), que os povos originários da região sul do Brasil habitam estas terras desde o período paleolítico, entre 11.000 ou 12.000 anos a.C. Com a chegada das missões jesuíticas na América do Sul, iniciou-se o processo de redução do Guayra, Uruguai, Tapes (Guarani) e Conceição dos Gualachos (Kaingang), localizados as margens do rio Piquiri, no estado do Paraná. As reduções foram construídas exclusivamente pelos indígenas Guaranis, que foram catequizados e submetidos a participar de um projeto ideológico e cristão que visava a evangelização.
Os Kaingangs, afirma Gaudêncio (2019), receberam muitas denominações pelo não indígena, por exemplo: Wayganna, Goianá, Coronados, Gualachos, Pinares, Coroados, Bugres, Camés, Votorões, Guayanazes, Caingang, Botocudos de Santa Catarina e Paraná. Isso mostra como eram grandes os grupos Kaingangs, mantendo a cultura circular por várias regiões do Brasil. Conforme afirma Veiga (1992) a língua Kaingang é integrante do tronco linguístico Macro-Je, idioma pertencente as comunidades Kaingangs.
Outrora, sabemos que as fronteiras, principalmente as localizadas no Sul do Brasil, carregam marcas de um passado opressivo e dominador, e se atualmente vivem neste território cerca de 40 mil Kaingangs, é devido a resistência e luta para seguirem sendo. É neste sentido que surge a necessidade desta escrita, de mostrar que existem espaços capazes de reafirmar e garantir a importância da cultura e dos saberes tradicionais. A semana cultural indígena é um espaço marcante e importante no oeste de Santa Catarina e no Sul do Brasil, e é por meio deste movimento que o respeito a diversidade e a cultura, mostram o alcance e a potencialidade em defesa dos direitos e valores dos povos originários.
2. Conhecendo a semana cultural indígena
A semana cultural indígena é um espaço instituído no ano de 2000 pelo movimento indígena brasileiro, porém, cada comunidade tem autonomia e liberdade de organizar de acordo com sua realidade e necessidade, no mês em que for mais adequado em relação as estações do ano e ao clima de cada região. Por exemplo, algumas comunidades realizam a semana cultural no mês de abril por ser o mês de lutas pela causa indígena, porém, outras organizam entre os meses de outubro a dezembro, por ser uma época em que acontece a “brota”, tempo em que a alimentação tradicional é encontrada com muita facilidade. No momento em que é celebrado a fartura de alimentos tradicionais, é organizada a semana cultural, a fim de divulgar, sensibilizar, fortalecer e salvaguardar a cultura. Além dos destaques da culinária, danças, cantos e rituais religiosos, o que marca as noites ao redor do fogo, é a contação de histórias pelos anciãos Kaingang relacionados ao “ser Kaingang” e ser indígena, e principalmente sobre o cuidado que é preciso ter com a biodiversidade existente na mata.
Durante a semana cultural, todos da comunidade indígena se mobilizam na organização e preparação dos alimentos, das danças, das apresentações artísticas, do espaço físico, fazendo mutirão para ir até a mata coletar diferentes variedades de plantas que fazem parte da cultura Kaingang. A organização dos espaços de acolhimento social existentes nas comunidades vai desde o salão de múltiplo uso, casa da cultura, escola, campo de futebol e quadras esportivas, todos estes lugares são utilizados para a realização da semana cultural, pois estão relativamente próximos. Estes espaços físicos são utilizados para expor artesanatos, remédios da medicina tradicional, trabalhos dos estudantes, bancas de comercialização de adornos, brincos, colares, remédios do “mato” e tudo que a cultura Kaingang cultiva e produz para que seus valores sejam reconhecidos e valorizados. É um importante espaço para apresentar e fortalecer a cultura para indígenas e não indígenas, sendo um movimento livre, onde todos estão convidados a participar. Também é importante considerar que a comercialização de artesanato nestes espaços, contribui de forma significativa para as famílias e escola. Os estudantes aprendem e confeccionam vários tipos de cestarias, colares, brincos e flechas durantes as aulas, tudo é comercializado na semana cultural, e o recurso recebido é para ajudar a escola a se manter, um verdadeiro exercício de coletividade.
Cabe destacar que, se no Brasil os indígenas seguem produzindo e comercializando artesanatos, e devido a resistência que em espaços proibidos de ser, puderam manter os traçados, a geometria, as cores e as marcas de suas identidades e grupos étnicos. As manifestações culturais dos indígenas retratam uma identidade que resistiu ao tempo, mostram que através das fendas puderam deixar aflorar uma luz e forca para seguir lutando diante das imposições de outros modos culturais. (BATTESTIN; BONATTI; QUINTO, 2019, p. 5).
No oeste de Santa Catarina são realizadas várias semanas culturais nas comunidades, mas quatro acabam sendo mais conhecidas e frequentadas, descritas aqui, como um verdadeiro exemplo de práxis coletiva.
No mapa abaixo é possível ver as comunidades indígenas no oeste de Santa Catarina, bem como, os fragmentos de terra e suas respectivas etnias em cada região, evidenciando o quanto a luta por demarcação de terra, deve permanecer.
Uma das comunidades indígenas destacadas no mapa, é a Aldeia Condá, um exemplo para toda comunidade Kaingang, localizada a 15 km da cidade de Chapecó1, possui aproximadamente 900 moradores. Segundo Renk (2006) os Kaingangs que vivem atualmente na Aldeia Condá, foram os últimos que resistiram. Viviam em barracos de lona no centro de Chapecó, e eram acusados de serem sujos e preguiçosos. A maior parte havia nascido em Chapecó, tendo uma relação com a cosmologia ali construída, que não se restringe aos limites das terras. A luta pela permanência em seu território tradicional se estende até hoje, não estando consolidada perante a lei o direito as terras que habitam.
No Condá, preserva-se muito da cultura Kaingang, por exemplo, para residir na comunidade é preciso saber falar o idioma Kaingang, não sendo aceito moradores e casamentos que não sejam desta etnia. Também são conhecidos pela comercialização de artesanato, sendo que 90% da população sobrevive deste trabalho, confeccionando cestarias e indumentárias com destaque na presença das cores e dos detalhes étnicos. A comunidade preserva e mantém o uso de ervas do “mato” para a cura, utiliza também para os rituais de reza e danças, geralmente realizados em eventos festivos importantes da comunidade.
A semana cultural é realizada na escola Sãpe ty Kó, local referência para a comunidade. Além das apresentações culturais, artísticas, danças, realização do ritual do batismo e rezas de cura, tem a conhecida e esperada exposição de artesanatos, que são comercializados durante a semana. Muitas escolas visitam a semana cultural na aldeia Condá pelo fato de ser mais próxima da cidade de Chapecó e por possuir uma imersão de sabedoria e sentidos.
Outra semana cultural importante ocorre na comunidade Toldo Chimbangue, muito próximo ao rio Irani, com aproximadamente 500 habitantes, ficando cerca de 17 km da cidade de Chapecó. A semana cultural é realizada na escola Fen´nó, tendo a participação efetiva de grande parte da comunidade, desde a organização até a realização. Um dos momentos mais esperados é a apresentação do grupo de dança das crianças e o batismo. O ritual do batismo é um momento especial para todos da comunidade e para os não indígenas, pois os mesmos podem participar, recebendo o nome em Kaingang.
Nesta semana também são realizadas degustações de alimentos típicos, jogos, comercialização de artesanato e exposição de materiais produzidos pelas crianças na escola. Atualmente grande parte da população da comunidade trabalha na agroindústria, e devido ao impacto da colonização, são poucos os que falam a língua Kaingang.
A terceira semana cultural apresentada é realizada anualmente na Terra indígena Toldo Pinhal, comunidade com aproximadamente 100 moradores Kaingang pertencente ao município de Seara-SC, 40 km de Chapecó. A semana cultural desta comunidade apresenta uma proposta intercultural chamada Troca de Saberes e Sabores, acontece no mês de outubro devido ao fato de ser uma época em que se tem abundância de brotos, larvas e frutas. É o momento mais esperado do ano pela comunidade, e todos tem uma participação efetiva na organização e divulgação da cultura, das danças, cantos, rituais de cura e do batismo.
Nessa época do ano, a comunidade conta com a participação de visitantes da região, ampliando a possibilidade de troca de alimentos e experiências culturais, ou seja, cada cultura que visita a semana cultural, tem enquanto recomendação a partilha de alguma vivência, experiência e principalmente de algum alimento típico da cultura proveniente. Por exemplo, as culturas alemãs e italianas participam desde o ano de 2011, realizando sempre a apresentação de uma dança típica e partilhando um alimento proveniente de sua cultura, proporcionando uma experiência gratificante e cultural para todos. Diante desta experiência, a comunidade do Toldo Pinhal tem buscado mostrar a importância da cosmovisão indígena, dos saberes, da educação, da língua, das comidas típicas, das danças, afim de fortalecer e dar visibilidade ao povo kaingang.
Por fim, uma das maiores semanas culturais do oeste catarinense, bem como do maior espaço territorial do oeste conforme exposto no mapa acima, ocorre em uma das maiores comunidades Kaingang do Sul do Brasil, a Terra indígena Xapecó. A comunidade está localizada a 85 km de Chapecó, e conta segundo lideranças, com aproximadamente 6.500 moradores. A semana cultural é esperada com muita expectativa por toda comunidade, pois é neste espaço que ocorrem diversas atividades.
Durante a semana cultural da Terra Indígena Xapeço, além da comercialização dos artesanatos da comunidade, e alimentos típicos, também ocorre a venda de outros produtos comerciais, especialmente brinquedos para as crianças e alimentos industrializados. É nesta semana do ano que a comunidade se reúne para prestigiar as apresentações artísticas, desfiles da indígena mais bela, apresentações de grupos de danças e festival de canto.
Nesta semana cultural, ocorrem importantes espaços de falas e reuniões das lideranças com a comunidade. Tem um caráter diferente das outras, mas tem enquanto espaço, uma possibilidade de fortalecer e apresentar a importância da cultura para os povos indígenas e não indígenas.
Enfim, o que queremos evidenciar é que muito próximo aos centros urbanos, existem formas de vida e experiências culturais que resistem as mazelas do processo violento da colonização no Sul do Brasil. E é sabendo da importância desses espaços, que pretendemos demonstrar como as semanas culturais podem ser espaços de formação e fortalecimento da cultura indígena, justamente por serem espaços plurais, livres e abertos a todas as culturas.
É notório observar e sentir que muitas das crianças não indígenas chegam até as semanas culturais com um imaginário plenamente estereotipado, perguntando por exemplo, “onde estão os índios nus, eles não vivem em Ocas?”. Esses desconfortos verbais são comuns em todas semanas culturais, por mais que a orientação repassada as escolas e professores seja de preparação e sensibilização, o estranhamento em ver indígenas vivendo em casas de alvenaria, com energia elétrica e água encanada, geram o desencanto das crianças ao perguntarem, cadê os “índios”?
É importante rememorar que o povo indígena, na maioria das vezes, é lembrado ou associado como na época da invasão, colonização ou do “descobrimento do Brasil” em meados de 1500. Neste período, se vivia da caça, da pesca, da coleta, da agricultura tradicional, se vivia nu ou com poucas vestimentas, alheios a qualquer movimento cultural que existisse fora da Natureza (NARSIZO, BATTESTIN; SANTOS, 2019, p. 46).
Infelizmente a cultura indígena ainda é vista de forma mitológica, folclórica e comemorada na data 19 de abril no calendário brasileiro. Essa data, nem se quer foi escolhida pelos indígenas, sendo mais utilizada para criar estereótipos nas escolas do que para sensibilizar pela causa e luta dos povos originários.
3 . A origem do Kamé e Kanhru: Marcas presentes na semana cultural indígena
Um dos exemplos centrais desta escrita, é o reconhecimento e identificação das metades ou marcas clânicas Kamé e Kanhru durante as semanas culturais. As mesmas são presença e movimento, tanto nos rituais e danças, como na coleta dos alimentos e na organização familiar, as marcas pertencem a cultura Kaingang, e muito pouco se tem registrado sobre ela.
Através da metodologia autoetnografica, Getúlio Narsizo2, Kaingang, sábio e professor, registra que, os Kaingang mais velhos, anciãos, sábios, guardiões da sabedoria, gostam de contar para os mais jovens que: Quando os Kanhkó Tãn (nossos parentes superiores) fizeram todas as “coisas” na terra, não fez nenhum ser igual e nem com conhecimento e habilidade superior, criou animais e vegetais de inumeras espécies, mas, todas essas criações tinham o mesmo comportamento e não obedeciam um ao outro, apenas lutavam pela comida e sobrevivência da espécie. Foi aí que Kanhkó Tãn viu que algo faltava para a terra ficar completa e começou a fazer outro tipo de ser vivente. Depois de muito pensar, criou quase no fim do dia, um homem e uma mulher, chamandos de Kamẽ, pois estava sumindo o sol no horizonte e seus raios reprentavam linhas retas (rátéj), dando a definição da marca através dos riscos.
Mas ainda não ficou satisfeito pois como era noite os Kamẽ não podia fazer nada pois seus olhos tinham sido abertos durante o dia e nada podia ver na escuridão da noite, uma vez que o sol era o seu protetor, sendo a noite muito perigosa para Ele. Diante desta necessdiade, teve que criar outro casal Kaingang para caminhar durante a noite e dar proteção para os Kamẽ, que sentiam muito medo e não tinham direção alguma. Assim, surgiu a marca Kanhru, criado na luz do luar, e sendo a lua de forma arredondada (ráror), suas marcas ficaram circulares, sendo adorado principalmente pelos animais da noite. As duas marcas Kaingang deram nomes a todos os animais e plantas que existiam na terra (Ga), o Kamẽ ensininou os animais a se protegerem e caçarem durante o dia e o Kanhru durante a noite.
Com o passar do tempo e a velhice chegando, observavam os animais com muitos filhos, e perceberam que a procriação era necessária para preservar a espécie. Pensando sobre isso, o Kamẽ trocou sua irmã com o Kanhru para que o Kanhru tivesse filhos e aumentasse o povo da noite e assim sucessivamente aconteceu para aumentar o povo do dia.
Após isso, ficou decidido que Kamẽ só pode casar com Kanhru e Kanhru só pode casar com Kamẽ, pois se um dia houver um casamento de Kamẽ com Kamẽ a lua (kysã) que protege o Kanhru transformará todos os filhos desse casal em bicho (miso) e se um Kanhru casar com uma Kanhru o sol (rã) também transformará todos os filhos desse casal em bicho (miso). Os casamentos dos primeiros Kamẽ e do Kanhru, só poderiam acontecer na transição do dia para a noite ou da noite para o dia, era o único momento em que os dois poderiam estar juntos no mesmo espaço de tempo, ou seja, não era noite e nem era dia.
Esta história ou mitologia, é o que rege a comunidade Kaingang até o século XXI, os grupos seguem tentando e mantendo a organização nas duas metades: Kamé e Kanhru. Estas são diferentes uma da outra, mas se complementam.
Apesar do longo processo de pacificação e integração com que o povo Kaingang foi obrigado a passar, é falso afirmar que a cultura se manteve inalterada, pois muitos dos costumes dos colonizadores foram integrados aos costumes indígenas através da aculturação. Xavier Albó nos ajuda a pensar esse processo ao definir que:
La aculturación, que es la adopción de algún rasgo proveniente de otra cultura. Esta palabra proviene de ad-culturación, que significa la adhesión a algo de alguna [otra] cultura. (No viene de a-culturación, que significaría la negación de cultura, como a-nónimo, significa ‘sin nombre’) (2003, p. 32).
Importante enfatizar que, mesmo passando por um longo processo de aculturação, a maioria dos Kaingang conseguiu manter muitos dos costumes, das crenças, e dos rituais que fazem parte da cosmologia desta cultura. A continuidade e remanescência do povo depende muito do respeito aos costumes antigos, pois desde a antiguidade os velhos ensinam que um dos pilares culturais que garantem a continuidade do povo, é o casamento. Os Kaingangs, são uma sociedade dualista e patrilinear, ou seja, se casam com as metades opostas, uma regra indiscutível. Por exemplo, o Kamé e o Kanhru são os clãs originários, acontecendo casamento entre duas metades Kamés ou outro grupo étnico, surge um terceiro clã, considerado fraco, escravo ou filho do erro, denominados de Vãjenky ou Jenkymág. Da mesma forma, quando ocorre o casamento entre duas metades do clã Kanhru ou de outro grupo étnico, nasce um clã fraco, chamado de Votor ou Votoro.
Veiga (2018) conviveu muito tempo com os povos indígenas e afirma que cada metade e seção que vai para os filhos e filhas, está ligada ao pai, portanto, é somente o pai que carrega a herança das metades, identificada em eventos festivos com pinturas no rosto e corpo. A nominação tem um papel fundamental na organização social Kaingang até os dias de hoje. Por exemplo, em uma apresentação cultural, cada pessoa será pintada com a sua marca, é possível observar no registro abaixo, a pintura facial e as marcas no adorno usado na cabeça.
Outro exemplo importante, é a forte ligação Cosmológica que o povo Kaingang tem com as plantas e animais, pois todas fazem parte de um clã, ou seja, vem de uma metade clãnica. A árvore pinheiro, por exemplo, é marca comprida, pois é uma árvore alta, logo então carrega a marca de Kamé, esta planta servirá somente para extrair pigmentos na cor preta e realizar pinturas corporais para os Kamés, sendo a cor desta marca, preta. Enquanto a árvore sete sangria é Kanhru, formato arredondado e servirá somente para o seu grupo clânico utilizar a pigmentação vermelha extraída, logo então, a cor desta metade clânica é vermelha. Assim foram definidas as cores das duas metades clânicas. Em relação aos animais, por exemplo, o tatu, macaco, serelepe, são Kanhru, a cobra e lagarto são Kamé, por serem compridos. Por muito tempo a caça era consumida conforme suas metades clânicas, agora, com a escassez, tem sido abandonado esse critério.
Importante observar que povo Kaingang é um povo de continuidade patrilinear, sendo inaceitável o comando do grupo por alguém de origem fraca ou “impura”. Mesmo sendo uma sociedade patrilinear a mulher tem um importante papel na organização da comunidade, pois além de ser a conselheira do homem é a responsável pela educação dos meninos até os 12 anos, posterior a isso, os meninos já são considerados adultos, quanto as meninas, a mãe fica responsável pela educação até o casamento, posterior a isso, a mulher herda a marca do seu marido.
É importante enfatizar que a prática cultural Kaingang vivida pelos antigos já não é mais como era. Nascimento (2001) comenta que a destruição das matas nas terras indígenas, assim como a poluição dos rios impediu o modo de vida tradicional do Kaingang, o que ocasionou uma alteração do funcionamento social desses grupos que antes conseguiam viver inteiramente a partir do plantio, caça e pesca. Com os impactos e a influência da colonização, outras formas de subsistência passaram a fazer parte da cultura Kaingang, e muitos jovens acabaram se deslocam para as cidades em busca de trabalho, distanciando aos poucos o interesse pela ancestralidade e cosmologia.
4 . Uma pausa na conversa
A semana cultural indígena tem uma contribuição expressiva para o conhecimento da história regional e principalmente para uma educação voltada a valorização cultural dos povos indígenas. Espaços como esses, são fundamentais para que a comunidade reafirme o seu protagonismo e fortaleça as lutas e causas sociais. Sendo por qualquer motivo que seja essa “ignorância” primária, usamos esses momentos para nos colocarmos a disposição da sociedade envolvente, afim de buscarmos parceiros na divulgação da cultura e existência dos povos indígenas desta região.
É preciso deixar claro que os impactos causados pelo processo de colonização aos povos originários na região oeste de SC ainda são visíveis, talvez seja esse um dos motivos e necessidade de estar em constantes manifestações, reafirmando o quanto a cultura indígena é única e singular, pois resistente aos efeitos causados repentinamente pela interferência da cultura não-indígena. A confidencialidade com a herança deixada pelos nossos antepassados, nos instiga a ser multiplicadores dos saberes culturais, transmitindo a partir da oralidade, dos cantos, da dança, dos mitos, das crenças, da alimentação tradicional, dos hábitos alimentares, afirmar e reafirmar o que identifica e define o povo indígena Kaingang.
Diante de tantas dificuldades e resistência, muitos elementos continuam sendo preservados e cultivados pelas comunidades originárias, e um aspecto que ainda chama atenção é a organização das metades clânicas, se elas existem, é porque o povo resiste!