Desde o início da trajetória intelectual de Walter Benjamin, sua vida se reflete em sua obra, portanto, quando lemos frases como “ser jovem é menos estar a serviço do espírito do que esperar o espírito”,1 sabe-se que ele está falando de “dentro”, desde uma perspectiva individual, como jovem, mas também a partir de uma perspectiva histórico-social, pensando na juventude como categoria humana. Seu intento, nos escritos sobre educação e formação, compreendidos entre 1911-1919,2 era o de encontrar uma definição filosófico-pedagógica de juventude que pudesse fornecer o sentido da formação (Bildung) humana. Nessa perspectiva, portanto, ser jovem consiste em uma postura de vida, desenhada pela própria juventude, que almeja e “espera o espírito”.
Na época em que era estudante secundarista, Benjamin entrou em contato com concepções de mundo que deixaram marcas profundas em seu pensamento. E foi em um internato, na cidade de Haubinda, que passou a desenvolver muitas de suas ideias relacionadas à vida do espírito, à reforma educacional e à sua concepção geral idealista sobre a formação humana, sobretudo por intermédio e influência de Gustav Wyneken, educador que havia sido diretor da escola rural em que Benjamin permanecera dois anos (WITTE, 2017, p. 19).
O início de sua produção intelectual consistia em textos publicados na revista estudantil O Começo (Der Anfang), “que difundia ideias de Gustav Wyneken”, conforme ilustrava o título. E, a partir desse momento, é possível entrever a trajetória que marcará toda a sua vida, mesmo que “seus primeiros trabalhos, que, ainda não tendo forma ou conteúdo independentes, já permitem pressentir a consciência do seu futuro social como outsider intelectual” (WITTE, 2017, p. 19).
O “Movimento da Juventude Livre Alemã” data do início do século XX, tendo sido fundado, precisamente, em 4 de novembro de 1901, nos subúrbios de Berlim. Os fundamentos teóricos e raízes históricas e culturais da organização remontam a três influências decisivas: ao movimento em que Goethe e Schiller foram os pioneiros, o Sturm und Drang; ao Burschenschaft (forma tradicional de corporação estudantil alemã); e ao romantismo alemão, que fora decisivo para construir os princípios ideológicos do movimento jovem (LAQUEUR, 2011, p. 3).
Situar o momento social que vivia a Europa nesse período pode auxiliar na compreensão dos limites e dos avanços de uma sociedade. E esse pano de fundo histórico revela muitas das críticas e necessidades de Benjamin ao colocar o jovem como elemento principal de seus ideais de vida. Segundo Laqueur, havia um sentimento generalizado no fin- de-siècle, quando as pessoas passaram a se direcionar à esquerda, rumo ao socialismo ou à direita aristocrática. O movimento da juventude surge como uma tentativa apartidária de buscar ideais verdadeiros de vida para uma juventude que se viu abandonada pela sociedade quanto a seus princípios e desejos. Sendo assim, o “movimento juvenil alemão era uma forma apolítica de oposição a uma civilização que tinha pouco a oferecer à geração jovem, um protesto contra a falta de vitalidade, calor, emoção e ideais” (LAQUEUR, 2011, p. 4).3 E mesmo que o movimento não tivesse um vínculo direto com a política, segundo Laqueur - dada a importância que obtivera à época - é possível entender, por meio dele, de maneira geral, as questões mais relevantes da Alemanha do início do século XX (LAQUEUR, 2011, p. XV-XVI).
Segundo Witte, Benjamin pertencia “à ala radical do Movimento da Juventude”, cuja intenção era a de “propagar no ambiente universitário as ideias de uma cultura juvenil independente”, distante das discussões políticas e próxima das ideias propagadas por Wyneken, as quais consistiam na reforma do espírito e em questões relacionadas à vida juvenil (WITTE, 2017, p. 21-22).
Diante disso, sabendo do vínculo do filósofo com a comunidade de jovens estudantes alemães, uma pergunta se coloca como central nos escritos do estudante Benjamin em busca de respostas: Qual é a importância de se analisar a figura do jovem, desde o ponto de vista filosófico-pedagógico, para a área de Educação como um todo?
Essa questão merece destaque porque as críticas realizadas por Benjamin, em seus ensaios, ao discutir e apontar caminhos para a reforma escolar (Schulreform) nos estabelecimentos de Educação, sugere uma importância decisiva ao papel do jovem no interior da cultura escolar. E isso se reflete, também em sua escrita, como um modo de realizar uma crítica acerca das instituições, no intuito de indicar que sua função é fundamental como agente transformador da Educação.
Benjamin, portanto, está tentando descobrir o seu papel de jovem e do jovem em geral na sociedade, ou seja, como potência, energia ou mesmo força plástica,4 que significa “mais do que mera agilidade, é força eficiente, atuando determinantemente para fora, mas força universal, por meio da qual todo homem se forma e age” (SCHLEGEL, 1997, p. 122). Dessa forma, ao expandir sua discussão para além das fronteiras filosóficas, em textos aparentemente curtos, mas com um nível de considerável densidade, Benjamin mostra a necessidade de discutir, pedagogicamente, o papel da cultura escolar (Schulkultur) e da universidade.
Juventude e romantismo
É uma tarefa difícil demarcar o romantismo5 como gênero filosófico-literário, tamanha é a diversidade de poetas, filósofos e artistas em geral identificados com essa concepção de pensamento e de mundo, mas é com o movimento alemão inaugurado pelos irmãos Schlegel no final do século XVIII, que Benjamin está dialogando. O que, sobretudo, “nos interessa no romantismo é que ainda pertencemos ao tempo em que ele começou e que esse pertencimento, que nos define, é justamente o que não deixa de negar o nosso tempo” (LACOUE-LABARTHE; NANCY, 2012, p. 40).
Tanto no início do século XX, lugar específico em que a crítica de Benjamin se realiza, como também nos dias de hoje, existe “um verdadeiro inconsciente romântico,6 identificável na maior parte das grandes razões de nossa ‘modernidade’”. Mais do que isso, “um dos efeitos menores do caráter indefinível do romantismo é que ele permitiu que a dita modernidade o utilizasse como um contraponto sem ver, ou não ver, que não era capaz de muito mais do que retornar às suas descobertas” (LACOUE-LABARTHE; NANCY, 2012, p. 40).
Como forma de pensamento e visão de mundo, o romantismo ainda tem muito a dizer, e, consciente disso, Benjamin fala a partir de um novo romantismo, em um contexto formativo, isto é, desde sua própria realidade escolar necessitada de uma vontade operante (wirkende Wille)7 e transformadora do presente. Os valores estéticos do romantismo, portanto, devem ser pensados sobre um viés pedagógico-crítico, pois, somente desse modo, a juventude saberá que o romantismo de Schiller, Goethe e Hölderlin não deve se transformar em um amontoado de conceitos embriagadores incapazes de despertar as mentalidades humanas; afinal, a escola e as instituições acadêmicas devem promover um despertar da consciência em todos os envolvidos (BENJAMIN, 2010d, p. 47). Isso leva a pensar que Benjamin desenvolve um romantismo muito próprio quando escreve esses ensaios, ainda que faça referência aos românticos alemães, principalmente aos do círculo de Jena,8 que unia juventude e ideais parecidos aos defendidos pelo filósofo.
Pensar no romantismo, a partir das características de sua época, foi o que, provavelmente, levou Ortega y Gasset a afirmar que, ao início do século XX, houve a predominância de uma ideia de juventude oriunda do fin-de-siècle, de modo que o romantismo, por ser uma “uma subversão contra o passado”, foi “um ensaio de se afirmar a si mesma a juventude” (ORTEGA Y GASSET, 2013, p. 205). De forma semelhante, Benjamin, em “Bela adormecida” - ensaio publicado na revista estudantil Der Anfang -, apresenta a defesa segundo a qual a humanidade estaria se encaminhando para o signo da juventude (BENJAMIN, 2010a, p. 9). Portanto, aquele século significou o predomínio de uma era, em que a juventude vigorou como um modo ou forma de pensamento, a partir de um romantismo reformador do espírito.
A tentativa é a de pensar um ser humano em sua plenitude, em que a razão e o sentimento não se tornem um dualismo na concepção de sua formação, pois, justamente, “a sinceridade e a humildade são o conceito moral que promove sua unidade” (BENJAMIN, 2013a, p. 50; cf. G. S. II, 1, p. 34). Ao pensar em um novo modelo de educação apoiado no romantismo, a crítica de Benjamin se direciona à “escola, repleta de falso romantismo, [pois] nada há de verdadeiro no que nos oferecem de dramas ou de heróis da história, de vitórias da técnica e da ciência. Nós o recebemos fora de seu contexto espiritual”. Em consequência disso, as “coisas que dizem servir para formar-nos são eternos fatos isolados, e a cultura é um infeliz acaso” (BENJAMIN, 2013b, p. 54-55; G. S. II, 1, p. 44).
Sua crítica se desenvolve a partir da seguinte linha: a ideia de que a juventude “deve ser romântica” é lembrada apenas quando há a consciência de que ser jovem equivale à participação e divisão dos mesmos anseios e vontades, e tal lembrança - parte constituinte de um mesmo ideal - aparece quando “f[a]zemos um bom trabalho, durante uma escalada, quando construímos algo ou lemos uma narrativa de bravura” (BENJAMIN, 2013b, p. 53; G. S. II, 1, p. 42). O próprio Benjamin, ao se identificar nessa comunidade (Gemeinschaft), percebe, em suas memórias da adolescência, que é “jovem ainda” (BENJAMIN, 2013b, p. 53; G. S. II, 1, p. 42), indicando a necessidade de mostrar a autoconsciência despertada, que não é reconhecida pelas comunidades escolar e acadêmica.
Ao despertar a autoconsciência, se constrói, ao mesmo tempo, o sentido de juventude, dada as circunstâncias e a realidade social inibidoras da construção de uma juventude com a promessa de um futuro libertador. Com uma ideia própria de alguém que é jovem, ele formulou esse ensaio - e os demais que formam esse conjunto de escritos - ao perceber “o falso romantismo” como aquele no qual o presente se tornou conservador e constituído por uma sociedade que não consegue equilibrar as forças do presente com as forças do futuro.
Em seus escritos enquanto era estudante, Benjamin recupera, com sua crítica, a necessidade de olhar a arte, a literatura, a educação, em suma, toda a cultura humana, como um conjunto reunido de vivências históricas. Ao evocar uma juventude “sóbria e romântica”, garante-se uma realidade mais digna, que compreende o que é ter vontade de verdade, de beleza e de ação, com seus fundamentos presentes no mundo vivido e não em categorias de valores “que não são passíveis de fundamentação” (BENJAMIN, 2013b, p. 57; G. S. II, 1, p. 46).
Com uma clara referência a Kant e a suas categorias, que não abarcam a totalidade da realidade humana,9 Benjamin vai propor, no lugar dos imperativos categóricos kantianos despossuídos de correlação com a experiência, o inusitado “imperativo narcotizado ‘vinho, mulher, música’”. No contexto da juventude, essa tríade “não será mais uma frase sensual vazia: ali, vinho pode significar abstinência, mulher pode representar um novo erotismo, música não é canção que exalta a cerveja, mas um novo hino estudantil” (BENJAMIN, 2013b, p. 57; G. S. II, 1, p. 46). Dessa maneira, o filósofo evoca um novo romantismo que se reflete sobre o que está em seu interior - o espírito, dando vida à nova juventude (die neue Jugend).
O romantismo, no pensamento de Benjamin, será, portanto, basilar às discussões pedagógicas, pois muito mais do que um movimento exclusivamente literário do século XIX, para ele, significou “uma das principais formas da cultura moderna desde meados do século XVIII até hoje”.10 O romantismo representa uma espécie de saída para o excesso de pensamento científico herdado do “Século das Luzes”, ao mesmo tempo que tenta resgatar alguns valores do passado. Contudo, o que torna Benjamin um filósofo tão peculiar é que ele se situa entre o passado e o futuro, movimenta-se no limiar entre iluminismo e romantismo, sempre valorizando uma postura de total independência e autonomia do pensamento.
Diante dessa postura como intelectual, pensador, educador e crítico, Benjamin vai situar o jovem no limiar entre o novo e o antigo, entre a tradição e a vanguarda, cuja responsabilidade exige que ele carregue as imagens do passado e a história dos antepassados, mas também que encare o futuro com o olhar do novo, do que acaba de nascer, da vanguarda e da novidade. Em seu pensamento, encontra-se a dupla perspectiva da juventude e da Educação.
O gênio como mote
A relação entre juventude e genialidade romântica é bastante direta e envolve, claramente, criação, pois o gênio é o mote, o parâmetro da formação de ideais estéticos. Apesar de Benjamin saber que não é possível ensinar a ser gênio, ele vai enxergar, nos dirigentes ou líderes estudantis, os formadores, nos sarais literários estudantis, do “caminho de seu condicionamento humano, sua direção moral, para a arte e para o novo gênio” (BENJAMIN, 2010g, p. 72; G. S. II, 1, p. 70). Por sua vez, Spranger afirma (1970, p. 84) que, nos gênios artísticos, há uma predominância maior dos traços de juventude ou puberdade do que nas pessoas comuns.
Talvez a principal distinção entre o gênio e o jovem seja que, enquanto no primeiro a criação tem como fim um objeto específico, para o segundo, o significado da criação reside muito mais em sua própria formação do que em criar uma obra de arte em especial (SPRANGER, 1970, p. 100). Ou seja, a criação de algo é só um pretexto para um processo que tem como único fim a expressão de sua própria singularidade, a expressão de si mesmo. Por isso, Schelling, expressão do pensamento romântico alemão, vai afirmar que
aprender é apenas a condição negativa; a verdadeira intussuscepção não é possível em si mesma sem uma transformação interior. Todas as regras que poderiam ser prescritas ao estudante se resumem em uma: aprenda somente para criar (schaffen) por si mesmo. Somente por esta faculdade divina da produção é-se um verdadeiro homem; sem ela, é-se apenas uma máquina mais ou menos inteligentemente construída
(SCHELLING apudBARBOSA, 2010, p. 91-92).
O jovem e o gênio, na citação de Schelling, são duas categorias muito próximas. Enquanto o primeiro é normalmente visto como aquele que está em uma condição passiva, que recebe conhecimentos transmitidos pelo mestre ou professor, Schelling propõe uma outra perspectiva em que o ato de aprender representa uma primeira etapa para a verdadeira lição da formação institucional, ou seja, a de suscitar, nos jovens, as próprias capacidades criadoras.
A noção de criador, nesse caso, recebe um sentido ampliado, que não busca, necessariamente, a criação de algo externo, uma obra específica, mas a capacidade de criar a si mesmo, de se reinventar, de se descobrir. E esse pensamento, a princípio simples, aponta para um dever bastante complexo: o de se olhar como um ser humano livre que, no exercício de sua liberdade, tem como único modelo (Vorbild) vivo as próprias vivências e errâncias como lugares de aprendizado. Similiar ao jovem,
o gênio é o Kraftmensch, o homem habitado pela força da natureza, que faz dele um demiurgo apto a manifestar todas as suas possibilidades, o infinito da pulsação cósmica que traz consigo e que o anima. Antecipando Nietzsche, é caracterizado como uma espécie de super-homem. A ordem, a virtude, a moral são substituídas pelo caos criativo, pela força do gênio, pelas paixões vitais além de toda medida. O gênio, por isso mesmo, não conhece leis: ele é a sua própria lei, tornando-se um rebelado contra tudo o que tende a reprimir, a subordinar a sua força. Os jovens “gênios apresentam-no frequentemente como um revoltado contra a sociedade, as convenções sociais, o despotismo do Estado ou da religião
(BORNHEIM, 2013, p. 82).
As reflexões benjaminianas parecem corroborar com as asserções de Schelling e com a citação acima, ao identificar o jovem como uma categoria, com vivências exemplares, formas e vida excepcionais. Em Metas e caminhos, Benjamin refere-se à tomada de “consciência juvenil” garantida porque “o pensamento e as vivências ampliam nossa consciência sem cessar” (BENJAMIN, 2010c, p. 65; G. S. II, 1, p. 64).
A noção de vida ou vivência (Leben), conceito igualmente importante para Nietzsche, é o centro de debate da obra de Dilthey,11 que incorporou essa expressão, vida (ou vivência), como fundadora de sua filosofia e pensamento. Na obra que leva o título do tema, Vida e poesia (1905), ele irá se debruçar sobre os principais autores que foram, de algum modo, expoentes do pensamento romântico: Schiller, Goethe, Hölderlin, entre outros, para elaborar o próprio pensamento. Contudo, não se pretende explorar aqui a obra de Dilthey, mas indicar como essa expressão é fruto de uma discussão sobre o pensamento romântico12 aliada à ideia de gênio.
Portanto, vida ou vivência é um conceito central nesse período do movimento da juventude e será um marco do romantismo alemão no final do século XIX e no início do XX, como trata Safranski em seu capítulo dedicado ao tema:
“Vida” se tornou um conceito central, como outrora “ser”, “natureza”, “Deus” ou “eu”, também um grito de guerra direcionado contra duas frentes. Por um lado, contra o idealismo parcial da obrigação, como ele era cultuado nas cadeiras de professores alemães, na retórica política oficial e nas convenções morais burguesas. Por outro lado, contra um materialismo sem alma, portanto, a herança do final do século XIX. “Vida” significava a unidade de corpo e alma, a dinâmica, a criatividade. O protesto do Sturm und Drang e do Romantismo se repetia. Naquela época, a “natureza” ou “espírito” eram as palavras de luta contra o racionalismo e o materialismo. O conceito “vida” tem agora a mesma função. “Vida” é uma proliferação de formas, riqueza criativa, um oceano de possibilidades, tão imprevisível e cheio de aventura que não precisamos mais de um além. O terreno nos oferece o suficiente. Vida é o partir para margens distantes e ao mesmo tempo muito próximas, a própria vida que exige que se crie uma forma. “Vida” se torna a palavra de ordem do movimento jovem, da arte nova, do neorromantismo, da pedagogia reformada. Em 1896 foi fundada a revista Jugend [Juventude]. O manifesto de fundação diz programaticamente: “Juventude é uma forma de existência, capacidade de divertimento, esperança de amor, crença no homem – juventude é vida, juventude é cor, é forma e luz.”
(SAFRANSKI, 2010, p. 274).
No ensaio “Experiência”, Benjamin sugere que ser jovem é sinônimo de vida, contra o conformismo do adulto (Erwachsenen). A juventude, desse modo, consiste na vivência de valores não passíveis de experiência, ou seja, “tudo o que tem sentido, o verdadeiro, o bem, o belo está fundamentado em si mesmo”. Logo, os valores eternos e universais serão reconhecidos por quem buscar um olhar limpo, sem vícios e sem determinações impostas pela sociedade reguladora. A juventude tem a habilidade de identificar esses valores, pois não está, por antecipação, condicionada pela realidade.
Ainda segundo Benjamin, somente o jovem está apto a descobrir a verdade da vida. Mas o que será essa verdade para o filósofo? Não poderia ser outra coisa além da aptidão para revelar o sublime presente nas coisas prosaicas, o espírito de cada coisa contemplada. E, com essa visão ampliada, própria do gênio, o jovem percebe muito além da banalidade dos fatos cotidianos (BENJAMIN, 2009b, p. 22; G. S. II, 1, p. 54-55).
Um elemento muito importante para o romantismo é a nostalgia ou melancolia diante do passado, e Benjamin vai explorar esse tema ao se referir à condição de juventude: a criação. Para ele - e esse é, claramente, o destino igualmente do gênio, o de criar uma obra exemplar definida em seus limites e parâmetros pelo próprio criador - “apenas a nostalgia confessada por uma infância bela e uma juventude digna é a condição do criar. Sem isso, sem o lamento por uma grandeza perdida, não será possível nenhuma renovação de sua vida” (BENJAMIN, 2009a, p. 45-46; G. S. II, 1, p. 85-86). E criar, na condição de jovens, é menos visar a um objeto do que renovar a própria existência.
Outra característica do jovem, presente no gênio, consiste na necessidade de transgredir regras, fundando as suas próprias, sendo puramente fiel à natureza original e não transgredida, influenciada e prescrita pela cultura vigente. Claro que essa separação não é de todo possível, uma vez que se nasce imerso em um mundo já constituído, embora, no gênio, seja possível encontrar uma necessidade de sublimar as necessidades de sua natureza criadora bastante latentes também na juventude.
Talvez a característica mais marcante do gênio seja sua capacidade de criar inspirado pela intuição, fruto da imersão em si próprio, iluminado pela fé no divino ou em uma ordem transcendente ao mundo material. O que importa é, sobretudo, o grau de formação conquistado pelo processo de elaboração da própria singularidade. O cultivo desse eu individual, que transforma o seu meio, ensina a esse último que a voz da natureza, espontânea, livre de regras acadêmicas e institucionais, pode ser um fator de formação coletiva. Os sentidos - em última instância, o corpo em toda sua expressividade - fornecem ao gênio significados que extrapolam as regras, fruto de cálculo e controle.
Isso não significa, contudo, desertar do mundo da cultura e da civilização e dar vazão à natureza sem limites. Os próprios românticos não queriam isso, pois percebiam a necessidade de equilíbrio entre esses dois polos: a natureza de um lado, e a cultura de outro. A verdade é que, devido ao entrelaçamento dessas duas instâncias, a defesa de uma em prejuízo da outra só transformará o espírito humano em pura atrofia. Principalmente o primeiro romantismo alemão, que “não concede à espontaneidade natural do sujeito o privilégio exclusivo na criação, enfatizando que essa precisa aliar-se à cultura e ao que ela já construiu. Se houve uma ‘rebelião do coração’, durante o romantismo, ela não parou aí”. E essa rebelião, longe de execrar as capacidades cognitivas, “buscou fazer do gênio a soma da força natural com a reflexão intelectual” (DUARTE, 2011 p. 77).
Benjamin, similarmente, afirmará que existe uma tarefa no interior das universidades: “conferir unidade, a partir da vida espiritual, àquilo que, na independência natural do criador e no poder indomável da natureza, encontra-se disforme e fragmentado”. A unidade aqui consiste em reunir “criação, eros e juventude” (BENJAMIN, 2009a, p. 43-44, 46; G. S. II, 1, p. 84, 86). O último elemento diz respeito a uma postura, a um olhar novo, e a criação parece ser o componente central do gênio, pois o mesmo - ao mencionar a figura de Sócrates, no ensaio de 1916 com o mesmo nome - é “o testemunho de toda criação verdadeiramente espiritual” (BENJAMIN, 2010e, p. 134; G. S. II, 1, p. 130).
É significativa, também, a compreensão de unidade presente nas Preleções de Schelling, que buscava encontrar e definir o momento histórico do conhecimento, pois, como afirma Barbosa, “essa prioridade do conhecimento do todo em suas conexões sistemáticas não se justifica apenas por motivos pragmáticos e metodológicos, mas também por uma razão histórica”, ou seja, “em que tudo na ciência e na arte” - e a ciência aqui tinha o sentido de filosofia - “parece impelir energicamente para a unidade” (SCHELLING apudBARBOSA, 2010, p. 68). Barbosa afirma que, na concepção de Schelling, ainda nas Preleções, “o sucesso dessa unificação dependia, fundamentalmente, de uma juventude na posse de suas forças e consciente do significado dessa hora histórica do saber” (BARBOSA, 2010, p. 68). A aproximação de Benjamin e Schelling em tal passagem fica muito evidente, na medida em que existe uma tarefa (Aufgabe), destinação necessária à humanidade, que será cumprida pelos jovens.
Como lembra Duarte, Kant elaborou o conceito de gênio debatido pelos românticos alemães até a exaustão, revelando, como característica determinante da genialidade, sua determinação dada pela natureza, ou seja, “gênio é o talento (dom natural) que dá a regra à arte”. Em outras palavras, o “Gênio é a inata disposição de ânimo (ingenium) pela qual a natureza dá a regra à arte”. E, para constituir aquilo que Kant denomina de gênio, é necessário o “princípio vivificante” que ele nomeia de espírito. O filósofo da Crítica da razão pura define espírito como aquilo que “vivifica a alma, o material que ele utiliza para isso”, ou seja, o gênio é aquele que “conforme a fins, põe em movimento as forças do ânimo, isto é, em um jogo tal que se mantém por si mesmo e ainda fortalece as forças para ele”. Kant ainda afirmará que o que constitui o gênio são as faculdades tanto da imaginação quanto do entendimento. Mas o que se busca ressaltar, aqui, é a noção de originalidade de seu caráter. Existe um fator inerente em sua constituição, que remonta à tarefa do jovem, pois “o seu exemplo produz para outros bons cérebros uma escola, isto é, um ensinamento metódico segundo regras, na medida em que se tenha podido extraí-lo daqueles produtos do espírito e de sua peculiaridade”. Contudo, a conclusão não é que ele seja imitado, mas que sirva de exemplo (KANT, 2008, p. 157-164).
Longe de exaustivamente expor a teoria do gênio de Kant com todas as suas implicações, consequências e críticas, o intuito, aqui, consiste em atentar para a concepção romântica de juventude em Benjamin, que exercerá sua tarefa através da crítica, pois é justamente entre os primeiros românticos que se encontra, segundo Duarte, “uma teoria crítica do gênio, já que o submetem ao crivo da reflexão. Friedrich Schlegel, por sua vez, busca a junção de entusiasmo e pensamento” (DUARTE, 2011, p. 80-81). Nos contextos escolar e acadêmico, lugares de atuação do jovem, o que se espera é o cultivo do espírito e da crítica. Portanto, se há uma função pedagógica na figura do gênio, mais importante do que a criação da obra de arte é, como dito anteriormente, ser um exemplo à sua geração, e essa também é a tarefa da juventude. Novamente, isso não significa que ele deva ser imitado, pois isso arruinaria a própria individualidade de cada um, mas seu objetivo é criar novos modelos de vida e suscitar a mesma atitude em cada um.
A ideia de gênio como modelo, segundo a concepção clássica de Schiller, deve ser pensada pela via do signo da ingenuidade.13 Para ele o gênio é, necessariamente, ingênuo porque ele não separa os distintos aspectos que constituem a vida. Portanto, os elementos estéticos, intelectuais e éticos são uma só e única realidade. Tanto no âmbito privado quanto no público, o gênio schilleriano deve mostrar a mesma desenvoltura e apresentar as qualidades requeridas a ele: ser decente, sensato, astuto, fiel, modesto. Contudo, além de ingênuo, ligado ao aspecto da natureza primeira, o gênio também é sentimental, porque representa o ideal buscado, que concilia natureza e cultura. Por essas qualidades, percebe-se o que está envolto em seu coração e em sua mente, manifestando-se em todo o seu espírito (SCHILLER, p. 51-54).
E essa é também a grande pretensão de Benjamin ao pensar no jovem como aquele que é uma espécie de salvaguarda da vida do espírito, que consegue unir todos os âmbitos da vida, comumente representados pela dicotomia “profissão versus vida”. Schiller também pensa que é pela ingenuidade ou “estado de simplicidade natural, onde o homem ainda atua simultaneamente com todas as suas forças como uma unidade harmônica, onde, por conseguinte, o todo de sua natureza se exprime plenamente na realidade”. É somente, então, através da harmonia e da conjunção do sentir com o pensar, pela simplicidade e ingenuidade que o gênio alcançará a unidade de seu ser (SCHILLER, 1991, p. 61).
Como Benjamin menciona diversas vezes, a necessidade de ter espírito para enxergar o novo e a novidade, talvez seja interessante definir a palavra espírito, mesmo que ele não tenha dado uma definição fechada. A esse propósito, Fichte apresenta uma definição em sua Primeira preleção sobre o espírito e o corpo em geral, ao afirmar que “o sentimento, que aqui não posso nem devo esclarecer, é a matéria de tudo o que é representado e o espírito em geral ou a imaginação produtiva podem ser descritos como a faculdade de elevar sentimentos à consciência”. Ou seja, ter espírito, para Fichte, é ter vida. E sua relação com a genialidade e com a juventude talvez se revele quando o filósofo afirma que “o espírito tira a regra do interior de si mesmo”.
Ele não precisa de nenhuma lei, pois ele próprio é uma lei para si mesmo. Quem não tem espírito recebe-a de fora e é capaz apenas de reproduzir”. Isso não significa que os detentores de espírito sejam fora-da-lei, pois é preciso viver e obedecer às regras de uma sociedade civilizada. O ponto que mostra a diferença é que “quem tem espírito age segundo a regra, como se não houvesse nenhuma regra [...], pois para ele a regra é a natureza”.
Logo, “o sem espírito”, por sua vez - e esse fato é determinante para marcar o caráter exemplar da genialidade ou dos indivíduos que têm espírito - “age segundo a mesma regra, mas de modo tal que deixa que se veja a regra continuamente e que sinta, além disso, a ansiedade resultante de não querer desobedecê-la”, ou seja, “em cada traço de sua pena, procura, ao redor de si, o modelo que está copiando” (FICHTE, 2014, p. 237-259).
Além do gênio – como o encarregado de revelar o espírito – na mesma esteira, Benjamin vai afirmar, mediante um tom sagrado e poético, carregado de simbolismos, que “Deus fala no gênio”, sendo que “a própria conversação do gênio é uma oração. Ao falar, as palavras caem dele como abrigos. As palavras do gênio o deixam nu, mas são invólucros em que o ouvinte se sente vestido”. Ao recorrer às instâncias da vida que transcendem os limites do conhecimento institucionalizado e valorizar os ideais que permeiam saberes humanos impalpáveis, porque são da ordem do incomensurável, o berlinense, ainda na mesma profusão de ideias, aludirá à formação de si mesmo, “de dentro”14 na relação com a linguagem, pois dirá que “o gênio que fala é mais silencioso que o ouvinte, assim como quem reza é mais silencioso do que o próprio Deus” (BENJAMIN, 2010b, p. 95; G. S. II, 1, p. 93).
Schlegel também inclui outros elementos importantes em sua teoria do gênio, bastante inspirados em Kant, pois percebe a necessidade de unir entusiasmo e pensamento para a criação da obra de arte (DUARTE, 2011, p. 80-81). Semelhante à ideia do jovem Benjamin - que confere à juventude a capacidade de unir dimensões da vida que não estão reunidas de antemão - o gênio, em Schelling, é aquele que “em todo produzir, mesmo no mais comum e cotidiano, uma atividade não consciente atua junto com a atividade consciente”, e é, justamente nessa “contraposição infinita das duas atividades”, que se realiza “um produzir estético” (SCHELLING, 2012, p. 180).
A poesia, nesse caso, será a grande reveladora dos dons e talentos geniais. Todavia, é importante aclarar a amplitude do significado de poesia que abarcava o pensamento dos românticos. Poesia (Dichtung) para os românticos era sinônimo de criação em geral, aquilo que ultrapassava o sentido do fazer poético, e esse sentido era bastante próximo do uso benjaminiano de criação, analisado anteriormente. Ou seja, seu sentido transcende o gênero literário, pois “não se refere apenas à obra acabada, ao poema, mas sobretudo também ao ato de realização, ao fazer poético em geral, quer se exprima em versos, quer em prosa” (SUZUKI, 1991, p. 12).
Para Kant, por exemplo, a liberdade do sentido da palavra é tal que “a poesia não se apresenta apenas como um campo particular, mas talvez como o campo por excelência da atividade criadora” (SUZUKI, 1991, p. 12). Sobretudo Schiller mostra o sentido formativo da poesia entendida como criação do gênio quando revela que seu significado maior reside em “dar à humanidade a sua expressão mais completa possível” (SCHILLER, 1991, p. 61).
A seguir, eis três exemplos nos quais parece estar implícita a relação entre juventude e genialidade. De alguma forma, essa concepção ampla de poesia está presente nesses modelos.
O primeiro seria Rousseau, pai do romantismo, com seu Emílio (1762). Nesse tratado de Educação15 não há um paralelo entre jovem e gênio, já que seu aluno foi criado segundo as regras da natureza, afastado da sociedade e de toda cultura até então construída e instituída, dando voz às necessidades internas. Longe de criar um protótipo de aluno que representasse as camadas humanas mais populares, Emílio é um indivíduo de exceção, criado para ser o exemplar mais promissor de sua espécie, ou então, um “Prometeu” da história humana, capaz de compor os sentimentos e valores mais naturais e genuínos. Com essa crença na virtude do jovem, não estaria esboçado, em Rousseau, uma reflexão indireta sobre o gênio? Afinal, “a influência de Rousseau sobre os gênios não pode ser compreendida meramente como uma importação”. Conforme indicado, os elementos de sua própria biografia corroboram sua vinculação ao tema, pois “o fato de Rousseau ter sido protestante é altamente significativo, e a valorização que nele encontramos da vida do sentimento casa-se perfeitamente com as mais profundas tendências religiosas alemãs da época” (BORNHEIM, 2013, p. 82-84). Diante disso, sua importância deve-se à tentativa de resgatar o papel da unidade da vida humana.
Em outro clássico romântico, Werther16 (1774), encontra-se a constituição da formação do jovem atravessada pelas andanças e errâncias da vida social, imersa na cultura em vigor. “Assim, os ‘gênios’, como o Werther, de Goethe, também buscam refúgio na natureza, e, inspirados em Rousseau, procuram uma participação que dê primazia ao sentimento” (BORNHEIM, 2013, p. 81). O que predomina, contudo, é o mesmo princípio, isto é, certo rompimento com as regras em direção à imersão na própria interioridade.
Apesar do desfecho trágico do protagonista, o que importa, nessa obra, é o laço inerente da formação do jovem e sua atitude única de autoformar-se a partir de princípios fundados por ele próprio. Goethe, inspirado pela liberdade do gênio, afirma que se formar a si mesmo acentua “a autonomia do sujeito no processo de autodesenvolvimento”, em oposição ao “educar, que pressupõe que alguém conduza a aprendizagem” (BOLLE apud GOETHE, 1997, p. 22). Isso não significa, porém, o abandono das instituições de ensino e dos mestres e professores, mas um acréscimo a essa educação formal, qual seja, a de o jovem ser ativo na promoção de sua formação e também responsável por sua emancipação como indivíduo consciente das próprias ações e desejos nos espaços de atuação, no interior da sociedade humana.
Em Hipérion ou o eremita da Grécia (1799), Hölderlin faz inúmeras alusões à juventude, uma vez que seu protagonista, que dá nome à obra, é o herói romântico do autor na troca de cartas com o amigo Belarmino. Juventude e genialidade são inseparáveis, sem falar que o romance epistolar faz referência a Rousseau que, por sua vez, escreveu um dos mais famosos do século XVIII: Júlia ou a Nova Heloísa (1761). Em uma série de alusões à Hélade perdida, pátria verdadeira da humanidade, as cartas são carregadas de nostalgia, consagrando o sentimento como o plano mais real e verdadeiro da natureza humana. Dessa maneira, “‘esses jovens-gênios’ levam a sério a oposição estabelecida por Rousseau entre natureza e cultura, exagerando-a a ponto de se entregarem a uma rebelião frenética a todos os valores estabelecidos” (BORNHEIM, 2013, p. 81).
Mas é preciso voltar à obra do berlinense.
Nela constam seis alusões à figura do gênio em Veladas literárias estudantis (Studentische Autorenabende). Para chegar a isso, nesse ensaio, o estudante Benjamin faz uma digressão acerca dos saraus estudantis, comparando-os aos saraus literários que aconteciam em Berlim. Faz isso de maneira a mostrar ao leitor que o objeto de ambas as reuniões deve ser a arte em toda sua potência emancipadora, no intuito de alcançar a sensibilidade artística. Por isso, a comparação entre juventude e genialidade não é gratuita, uma vez que é pela arte que, segundo o filósofo, os estudantes reunirão as forças necessárias para buscar o que há de espiritual na comunidade jovem.
Benjamin, brincando com o sentido ambíguo de diletantismo (Dilettantentum), irá criticar a separação existente entre a verdadeira arte - a que está mais próxima do espírito, nos saraus, nos quais predomina uma vontade de arte (Wille zur Kunst), cujo público é receptivo, e o ser artístico pode predominar. Por outro lado, onde sua crítica será contundente, estaria predominando, nos saraus estudantis, reuniões onde se encontram as massas17 que buscam diversão e entretenimento, a “higiene peculiar da pobreza”.
Para Benjamin o que se deve sublinhar é o diletantismo que se aproxima do gênio. Em outras palavras, os líderes estudantis, nos saraus literários, devem “dar uma boa amostra da seriedade e do rigor da criação, ainda que não seja um grande artista, alcançar o conhecimento que é próprio do gênio; a isso está convocado o diletante”.
Dessa forma, a exemplo do gênio, para Benjamin, “o diletante se estabelece assim em um âmbito, e a partir daí já pode se dirigir receptivamente (como pessoa culta) para outros âmbitos. E, consequentemente, vai educar o público na compreensão do que é a laboriosa civilidade do gênio”. Assim, acaba por sugerir o que é ser jovem. O gênio, como dito acima, será seu mote, e “este é o significado que possui uma autoridade estudantil, e isso é também o que caracteriza o público estudantil como tal” (BENJAMIN, 2010g, p. 70-71; G. S. II, 1, p. 68-69).
Desse modo, a formação da juventude, em Benjamin, está marcada pelas noções de espírito, vida e gênio. Esses ideais estéticos almejados por ele agregam, de alguma maneira, valores importantes para a constituição do jovem, uma vez que o filósofo, diante de sua crítica, parece indicar que as instituições responsáveis pela educação, pelo modo como estão configuradas, não conseguem promover a formação humana.18
Segundo Willi Bolle, a juventude para Benjamin consistia em um lugar de discussão que transcendia aos muros institucionais. De alguma forma, ao falar sobre a ideia de jovem, ele colocava em discussão a forma de pensar numa sociedade dominada por uma visão patriarcal das coisas. O autor das teses sobre o conceito de história demonstra uma preocupação com o deterioramento que a burguesia de então realizava com a filosofia idealista, visando à sua ascensão econômica.
As afirmações de Benjamin parecem ser a de um indivíduo atento ao seu momento histórico e preocupado com os rumos da Educação. Para isso, em seus textos, há uma análise que exalta a necessidade de uma formação crítica, pois, quando escreve sobre o excesso de burocratização da instituição em que estuda, mostra a necessidade de combater seu aburguesamento que significou “a falta de espírito de risco e de entrega em busca de um saber desinteressado; eles [os estudantes] estariam mais interessados em uma carreira previsível, em ‘formação profissional’, ‘conquista de título’, ou ainda, meramente, em um ‘emprego’”. Contra isso, ainda segundo Bolle, “para pôr à prova o valor espiritual da comunidade acadêmica, Benjamin se apoia no critério clássico-humanístico da totalidade” (BOLLE, 2000, p. 151-152).
Diante disso, a juventude se constitui como o lugar e a expressão de romper as amarras de um presente opressor. Ela é potência do pensamento, e não, imobilidade, fixidez, rigidez, estagnação, mas relação, descontinuidade, formação, autenticidade de vida, singularidade, espaço em que é possível se enxergar como um indivíduo de exceção. Exceção porque todo indivíduo é formado e conduzido pelas instituições de Educação, é autor de sua própria escola de aprendizagem, ou seja, responsável pelos conteúdos introduzidos em sua própria vida, já que há uma força plástica no espírito juvenil que conduz o caminho de cada um.
O jovem, portanto, pode ser pensado como aquele que é um lampejo, pois ilumina e irradia o espírito de ideais que são caros à formação humana em geral, que é sempre contínua e inesgotável. Não há fim, não há uma data final para deixar de ser jovem. Sua existência e seus valores são pura abertura temporal, ou como esclarece o próprio Benjamin, o jovem é uma imagem que salta porque irradia a trajetória humana de maneira a indicar um modelo de vida em seu mais alto grau, atos que não são modelos para serem imitados, necessariamente, mas que inspiram a encontrar o próprio caminho através da imersão interior.