Introdução1
Historicamente, o ensino de filosofia no Brasil caminha sempre no risco de passos em falso e pode ser estudado de variados ângulos. Dentre estes, um que pode ser ainda mais explorado é o do livro didático de filosofia. A partir dessa perspectiva, este artigo apresenta uma pesquisa realizada com professores dessa área do conhecimento da rede estadual em Rio Branco, AC. O objeto da pesquisa é o livro didático de filosofia e o problema consiste em saber ‘Quais conhecimentos didático-pedagógicos o professor de filosofia pode mobilizar para organizar seu trabalho com o livro didático de filosofia?’. O objetivo geral é analisar o lugar que o livro didático assume no trabalho do professor dessa disciplina do Ensino Médio. Assim, buscamos conceituar os conhecimentos didático-pedagógicos a partir da visão dos pensadores contemporâneos da didática, compreender a relação que o professor estabelece com os livros didáticos no desenvolvimento da aula e apresentar possíveis indicações para o desenvolvimento de uma relação crítico/reflexiva dos docentes em relação a essa ferramenta.
Dessa forma, optamos, num primeiro momento, por descrever os procedimentos de pesquisa e o perfil profissional dos professores, para compreendermos melhor o relato que eles mesmos tecem sobre o uso do livro didático. O referencial teórico foi focado nos conceitos de educação e de didático-pedagógico. Os autores que embasam as reflexões sobre o conceito de educação são Saviani (2005) e Vieira Pinto (2010). Para as questões relacionadas ao didático-pedagógico, as referências são Pimenta (2015), Libâneo (2015) e Rodrigo (2009). Assim embasados, analisamos, por fim, os conhecimentos didático-pedagógicos dos professores em relação aos livros didáticos de filosofia.
O estudo tem seus fundamentos na teoria do materialismo e no método histórico-dialético. A categoria que guiará as reflexões é a mediação. A educação, a escola, a didática são entendidos como estruturas mediadoras no processo de formação humana dos estudantes. No materialismo histórico-dialético, o homem não é apenas produto de materiais, ele modifica tais forças; é produto da natureza e também a modifica pelo trabalho, ao qual vem incorporada uma nova técnica. Dessa forma, comenta Araújo (2010), conhecer algo objetivamente é questão de prática, e não só de teoria, e, à filosofia, cabe a dupla tarefa de oferecer cabedal teórico e de, via conhecimento, iluminar a ação que muda o mundo. O objeto é apreendido pelos sentidos, não por um ajustamento mecânico entre o sujeito e o objeto. Nessa relação, os objetos recebem a marca da força humana.
Cabe refletir, antes de descrever os procedimentos da pesquisa, que, no caminho entre a aparência e a essência dos fenômenos, um conjunto de mediações (con)formam um complexo e rico processo investigativo ligado às questões histórico-sociais do pesquisador, da própria pesquisa e das condições de sua realização em seus vários contextos. Vivenciamos as idas e vindas reflexivas, os abandonos, os novos caminhos, as incorporações e as sínteses possíveis, em face das condições objetivas com as quais lidamos no esforço de compreender concretamente como se manifesta um fenômeno, como este é. Contudo, indispensavelmente, conhecer as possibilidades e os caminhos de como pode deixar de ‘ser como é’, compreendendo sua gênese, seu desenvolvimento e sua transformação.
Para essa tarefa, procuramos apoiar-nos no que tem de mais avançado em termos da teoria do conhecimento, da ciência pedagógica, da didática e do ensino de filosofia. Mas, como a realidade ‘é’, ‘em si’, muito mais ampla e rica do que nossos esforços intelectivos, e, por isso mesmo, o avanço do conhecimento exige que seja uma tarefa coletiva, os resultados da pesquisa podem se traduzir em novos pontos de partida e de crítica.
Os procedimentos da pesquisa
O primeiro passo na realização do estudo foi saber em que escolas encontrar os professores. O critério foi encontrar na Secretaria de Educação a lista das três maiores escolas regulares de Rio Branco em número de estudantes. Essa informação nos foi dada. A pesquisa foi, então, iniciada em 2018, tendo como referência a lista de 2017 (Tabela 1).
No total, foram cinco docentes entrevistados. Trata-se de um número limitado, porém, há razões objetivas para isso. Inicialmente, a previsão era de nove professores. Contudo, o ano letivo de 2019, em que foram feitas as entrevistas, foi muito conturbado. Começou quase em abril e houve muita demora na lotação de professores de todas as áreas. Três docentes, manifestaram verbalmente que não gostariam mais de participar da pesquisa. O primeiro em razão da revisão de convênios entre a Prefeitura e o Estado, o que o levou a deixar o Ensino Médio. Outros dois apresentaram problemas de agenda. Houve outra contribuição que optamos por não usar devido às notáveis limitações nas respostas dadas pelo entrevistado.
Isso não causou impactos nos resultados obtidos pela pesquisa, na medida em que as contribuições dos professores entrevistados se mostraram, como veremos mais à frente, carregadas de significados e intuições que ampliam o debate sobre o tema. Por outro lado, se mais contribuições tivéssemos tido, mais ângulos e alternativas para o entendimento do problema poderiam, possivelmente, ter se apresentado. Poderíamos ter buscado mais professores, mas os prazos não permitiram.
Para traçar um perfil dos docentes que ouvimos, foi distribuído para cada indivíduo um questionário socioprofissional composto por 11 questões, com 05 alternativas de respostas para cada uma. As categorias que serviram de base para a formulação das perguntas foram: a formação inicial do professor, as pós-graduações, a faixa salarial, o tempo de docência no ensino de filosofia, outras disciplinas ministradas e o número de turnos, de escolas, de alunos e de turmas em que trabalha.
A formação inicial de alguns professores não é em filosofia. Isso pode ter alguma influência no trabalho docente, pois a aproximação aos conceitos filosóficos pelo docente formado em outra área pode acontecer desvinculada das tradições interpretativas que o Ensino Superior tem ao estudar os filósofos como Hegel ou Marx, por exemplo.
A maioria dos professores possui especialização na área em que ensinam. Notamos, pois, preocupação com a qualificação profissional. Eles recebem um salário acima dos R$ 3.000,00. É sinal de que trabalham em dois ou três turnos e, em alguns casos, em duas escolas. Quase todos possuem contratos efetivos, mas, geralmente, assumem outras disciplinas para completar a carga horária mínima (20 hora/a). O número de turmas é expressivo. Para os docentes que têm mais de 20 turmas (ou dois contratos), considerando que, em média, cada uma tem 40 alunos, o número de estudantes aproxima-se de 1000. São trabalhadores acostumados com o ritmo da sala de aula e sujeitos de uma vida profissional intensa. Essas características são comuns no contexto escolar urbano da capital acreana.
No Estado do Acre, as ‘Orientações curriculares para o Ensino Médio’ (Acre, 2010) prescrevem que o trabalho com a filosofia em sala de aula possibilite aos alunos o exercício autônomo da razão. Segundo o documento, duas são as acepções filosóficas para isso: o imperativo do templo de Delfos - ‘Conhece-te a ti mesmo’ - e o projeto kantiano de esclarecimento.
Instituição | Número de alunos |
Escola Estadual Ensino Médio 1 | 948 |
Escola Estadual Ensino Médio 2 | 1509 |
Escola Estadual Ensino Médio 3 | 1842 |
Fonte: SEE/AC.
Nessas acepções, o desenrolar do ensino deve se dar, fundamentalmente, pela leitura dos textos filosóficos. Essa proposta é alicerçada na ideia de Severino (2013), de que, por meio de um texto, o mundo só se revela se ele estiver num contexto, que deve ser considerado de três formas. De início, existe um contexto histórico no qual quem escreveu o texto viveu. O segundo é o contexto da obra, da qual foi retirado um fragmento que se estuda, e o terceiro contexto está na tradição filosófica do pensamento e do problema tratado pelo filósofo no referido texto.
Não basta uma única leitura para a compreensão de um texto filosófico. O recomendável é que se inicie com uma leitura de aproximação. A partir de uma segunda leitura é que se deve começar a compreensão do texto, sublinhando-se termos, expressões nomes etc. Explicados esses destaques que vão aparecendo, executa-se uma terceira leitura, na qual se apresenta o problema levantado pelo autor, seus argumentos para defender sua tese, sua coerência etc. Outro passo dessa metodologia é a objetivação do que foi estudado, através da elaboração de sínteses, cujo objetivo é verificar o nível de compreensão obtido sobre o texto lido. O último passo é a reflexão sobre o tema, a partir dos elementos indicados no texto e relacionando-os com questões do cotidiano dos estudantes.
Essa proposta metodológica é para ser desenvolvida em um conteúdo organizado da seguinte forma: no 1º. Ano: a) O que é Filosofia? b) Natureza e trabalho; c) Ser humano como animal social. No 2º Ano: a) Conhecimento como problema filosófico; b) Lógica formal e dialética; c) Filosofia da Ciência; 3º. Ano: a) Estética; b) Ética; c) Filosofia Política.
Essas orientações certamente serão revistas, pois a implantação do Novo Ensino Médio e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) devem requerer adaptações. No que se refere ao ensino de filosofia, temos muitas incertezas, que se acentuam ainda mais, não só pelo aparecimento dos itinerários formativos previstos na BNCC, mas, também, quanto ao entendimento de que a filosofia figura como conteúdo obrigatório, mas não como disciplina. Num contexto de mudanças de notoriedades tão realçadas na forma de educar, é imperativo pensar numa concepção de educação e de didático-pedagógico que auxiliem na análise dos relatos dos docentes de filosofia que ouvimos.
Educação e didática: a fundamentação teórica da pesquisa
Organizamos o conteúdo desta seção em três eixos. No primeiro, o foco foi apresentar uma concepção de educação; o segundo foi centrado na definição de didático-pedagógico e, por fim, buscamos uma aproximação entre a didática e a filosofia. Todos esses momentos serão apresentados de forma não seccionada e se conectam na ideia de fornecer ao estudante, imerso numa cultura exacerbadamente técnica, uma formação humana.
Para forjar uma concepção de educação, embasamo-nos nas contribuições de autores que se movem pelo materialismo histórico-dialético. Podemos aprofundar duas dimensões que mais se acentuaram nas revisões bibliográficas: a dimensão da educação como instrumento de transmissão da ciência e a dimensão da autoconservação da sociedade amalgamada à significação da existência individual.
Quanto à primeira dimensão, Saviani (2005) entende a educação como um fenômeno próprio dos seres humanos. Para o autor, o que diferencia os seres humanos dos demais seres animados é a característica de ter de produzir continuamente a sua existência. Para tanto, em vez de se adaptar à natureza, ele precisa adaptar a natureza a si através do trabalho. Este, por sua vez, possui dois registros básicos: o material e o não material. O trabalho material é aquele que implica na subsistência material numa produção em escala sempre mais crescente e complexa.
O ‘não-material’, continua Saviani (2005), refere-se à produção de ideias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, habilidades e atitudes. Trata-se, portanto, da produção do saber, tanto aquele sobre a natureza quanto aquele sobre a cultura. É aqui, nessa categoria, que se situa a educação. Conforme Saviani, “[…] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida historicamente e coletivamente pelo conjunto dos homens” (Saviani, 2005, p. 13). Assim, o objeto da educação diz respeito tanto à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana, para que eles se tornem humanos, quanto, concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo. Nisso, o clássico tem lugar preponderante. Clássico é o que resiste ao tempo na capacidade de comunicar ideias, como um bom livro de filosofia, por exemplo.
Dessa forma, a escola, lugar onde a educação é institucionalizada, diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado e não ao conhecimento fragmentado; à cultura erudita e não à popular. Ou seja, a escola na sua contribuição na formação do humano, se atém ao conhecimento científico. A baliza para o conhecimento científico, em nossa cultura, é grega. Há três maneiras de se referir ao conhecimento em grego, segundo Saviani (2005). A primeira é a doxa, opinião, como quando alguém diz ‘eu acho que’; conhecimento, por sua vez, acrítico e/ou afetivo. A sofia, sabedoria, que, na verdade, é mais o predicado de alguém que é sábio; e, por fim, a episteme, que indica mais propriamente o saber metódico e sistematizado. A conclusão de Saviani (2005) é a de que na sofia um jovem dificilmente será mais sábio que um velho e, já na episteme, um jovem pode saber mais que um velho.
Respeitando a ideia base de formação humana ou de produção do humano, Pinto (2010) tece suas considerações sobre o conceito de educação, focando na relação educação-sociedade. Conforme Vieira Pinto (2010, p. 31), “[…] a educação é o processo pelo qual a sociedade forma seus membros à sua imagem e em função de seus interesses”. Portanto, não há uma neutralidade na educação. Há um jogo de forças e interesses que nascem no seio da própria sociedade. Consequentemente, a educação é ‘formação’ do homem pela sociedade; é o processo pelo qual ela atua sobre o desenvolvimento do ser humano no intento de integrá-lo no modo de ser social vigente e de conduzi-lo a aceitar e buscar os fins que são tidos como coletivos.
Estruturando o conceito de Vieira Pinto, podemos expô-lo em duas colunas: uma existencial e outra histórica. A educação como fato existencial refere-se ao modo como “[...] o homem se faz ser homem” (Pinto, 2010, p. 32). Assim, a educação configura o homem em toda a sua realidade. Trata-se do processo pelo qual o homem adquire sua essência, não em um sentido metafísico, mas real ou social. Nesse processo, há uma dependência do conceito de ‘homem’ ou de ‘ser humano’.
A segunda coluna, a histórica, refere-se ao entendimento de que todo programa de educação é, por natureza, inconcluso, irrealizável, porque sua própria execução altera a qualidade dos elementos que o compõem (o aluno, o professor, os métodos, as finalidades etc.). A educação, segundo Vieira Pinto (2010), é histórica porque é um processo de formação do homem para o novo da cultura, do trabalho, de sua autoconsciência.
A sociedade condiciona e dispõe todas as experiências individuais do homem, transmite-lhe resumidamente todos os conhecimentos adquiridos no passado do grupo e recolhe as contribuições que o poder criador de cada indivíduo engendra e oferece à sua comunidade. Nesse sentido, a sociedade cria o homem para si, vai dando insumos para a construção de sua existência. O lugar por excelência dessa educação institucionalizada para a ciência e para a formação do indivíduo como o pensa a sociedade, além de significação de sua própria existência, é a escola. A institucionalização ocorre ao interno do processo didático-pedagógico.
Nesse sentido, Pimenta (2015) explica que a didática é a área epistemológica, com estatuto e objetos próprios, que tem por finalidade fundamentar os processos de ensino e de aprendizagem, compreendendo-os como práxis de inclusão social e de emancipação humana e política. Por isso, constitui área disciplinar por excelência na formação de professores com potencial para ressignificar o processo de formação docente, concebendo-a como área da Pedagogia, que possui o ensino e a aprendizagem, historicamente situados, como objeto.
É possível, certamente, interpretar as palavras de Franco (2013) nessa perspectiva. Para a autora, a didática, quer como campo teórico, quer como prática social, funciona como caixa de ressonância dos desafios que o contexto socioeconômico e político propõe à tarefa educativa. Isso desde o século XVII, quando Comenius, ao criar a didática, buscando um método de ensinar tudo a todos, respondia aos desafios da então recente reforma protestante, que propunha a universalização do saber com vistas à supressão dos conflitos religiosos e políticos da época.
Assim, Santoro Franco (2013) entende que a didática convida o docente a refletir sobre sua atitude frente à realidade, a pensar no significado do ato de ensinar nas circunstâncias dadas. Ela indica pensar naquele aluno que receberá o ensino, passiva ou ativamente, como sujeito que deverá referenciar as práticas adotadas e a dignidade que se imprimirá ou não a tais práticas, o que, segundo a autora, é algo fundamental à prática docente.
Por sua vez, a Pedagogia, explica Pimenta (2015), é a ciência que tem o papel de estudar a práxis educativa com vistas a capacitar os profissionais da educação, dentre os quais o professor, para promover as condições de uma educação humanizadora. Seu objeto de estudo é a educação humana nas várias modalidades em que se manifesta na prática social. A Pedagogia investiga, mais especificamente, a natureza do fenômeno educativo, os conteúdos e os métodos da educação, os procedimentos investigativos.
Podemos, ainda, arrolar a contribuição de Libâneo (2015), para quem a didática e a didática das disciplinas consistem na sistematização de conhecimentos e práticas que sejam referidas aos fundamentos, condições e modos de realização do ensino e da aprendizagem dos conteúdos, habilidades, valores, visando ao desenvolvimento das capacidades mentais e formação da personalidade dos alunos. Como vemos, Libâneo indica que a formação de um sujeito é o que está em pauta no momento em que a didática é entendida como um processo que garante unidade, coerência e lógica entre o aprender e o ensinar. Esse cuidado com a pessoa humana é também o horizonte da Filosofia. Daí, compreende-se a finalidade de, no Ensino Médio, se ensinar filosofia e de relacioná-la com a didática.
De acordo com Severino (2014), quando se ensina filosofia no Ensino Médio, o objetivo não é fornecer aos alunos uma erudição acadêmica, mas ajudá-los a desenvolver uma maneira de apreensão e de vivência da própria condição humana, o amadurecimento de uma experiência à altura da dignidade dessa condição; experiência a partir da qual possam conduzir sua existência histórica. Segundo o autor, para se alcançar essa finalidade é necessária a mediação do ato docente. A razão de ser da docência, afirma o autor, é articular os sentidos da experiência humana, conceituais e valorativos, acumulados na cultura, com aqueles que devem ser suscitados e assumidos pelos jovens no seu dia a dia. O desafio que os jovens enfrentam em sua existência concreta é o de interpretar as condições históricas em que se encontram e que se desenvolvem no seu quotidiano para que possam nortear a sua prática social (Severino, 2014).
Para complementar essa reflexão de Severino (2014), podemos nos referir a Ghedin (2009), para quem será por meio da meditação, um fundamento da reflexão filosófica e do ensino de filosofia, que um entendimento sobre os sentidos da experiência humana poderá ser alcançado. Para o autor, a meditação filosófica é construtora de sentidos em um mundo sem significados. Trata-se de uma proposição de compreensão para construir um horizonte significativo para a vida. O que verificamos, na perspectiva do autor, é que os indivíduos já não concebem sua identidade como uma construção histórica da humanidade. Esse modo de conceber uma identidade, além de contraditório, “[…] marca a barbárie da qual somos vítimas” (Ghedin, 2009, p. 39). À sombra disso estão instaladas todas as ideologias que massacram o ser humano, fazendo-o um refém da falta de horizonte que o conduza para a compreensão de si diante do outro, complementa o autor.
Essas reflexões de Severino (2014) e Ghedin (2009) podem se realizar por meio da ação docente. O docente propicia um encontro do estudante com um pensador ou corrente filosófica que, possivelmente, o ajudará a interpretar os sentidos de sua prática social. Contudo, o diálogo com os filósofos para essa interpretação não acontece serenamente. É preciso levar em consideração uma questão crucial: a motivação do estudante. Segundo Rodrigo (2009), o primeiro passo para um professor seria aceitar a situação de fato. Aceitar que
[...] a nossa tarefa navega contracorrente das necessidades culturais dos nossos alunos. Nada neles ou, pelo menos, no comum deles, pede Filosofia. Damos-lhes o que não querem, o que não podem querer já (é cedo demais), e ensinar Filosofia, seja qual for a concepção que desse ensino se tenha, é tentar criar um apetite que não existe (Grácio & Dias, 2004, p. 6).
A metáfora, por mais empírica e desconcertante que seja, deve ceder o espaço a outra: a de que mesmo o apetite ainda não existindo, o organismo precisa dos nutrientes, porque o que está em andamento é a formação humana do aluno2. Afinal, ninguém nasce humano, torna-se tal. Para vencer a barreira constatada por Grácio e Dias (2004), Rodrigo (2009) entende que o caminho é o de conceber estratégias didáticas capazes de estabelecer algumas formas de relação entre esse saber e as referências culturais, valores, representações e interesses dos estudantes.
Na aproximação ao pensamento filosófico, o estudante do Ensino Médio enfrenta consideráveis dificuldades. Rodrigo (2009) observa que eles, especialmente os mais pobres, muitas vezes nem mesmo entendem o que leem. Assim, o professor não pode esperar que se possa usar o texto do filósofo. Daí a importância do livro didático. Todavia, Rodrigo (2009) ressalta que o caráter de ‘texto segundo’ do livro didático é problemático, pois trabalha, fatalmente, com certa interpretação filosófica que pode ser questionável e contribuir mais para distanciar do que aproximar o aluno do pensador ou tema tratado. Apesar do risco, o texto didático constitui um dispositivo valioso para que o professor, mobilizando conhecimentos didático-pedagógicos, torne mais acessível ao aluno a complexidade conceitual e teórica da filosofia.
Os conhecimentos didático-pedagógicos dos professores no uso dos livros didáticos de filosofia no Ensino Médio
Esta última seção está organizada em três tópicos que trazem as contribuições de alguns dos professores entrevistados a respeito do livro didático de filosofia. Elas dizem respeito aos critérios para a escolha de um determinado livro pelo docente, ao espaço que o livro ocupa na aula e, por fim, à questão da mediação docente entre o livro e o estudante. Zelando pelo anonimato dos professores, optamos por dar a cada um o nome de um filósofo/filósofa antigo/antiga.
O essencial na escolha de um livro didático
Conforme Lajolo (1996), optar por um livro precisa resultar de um exercício consciente da liberdade do professor no planejamento cuidadoso das atividades escolares, o que reforçará a posição de sujeito do professor nas práticas todas que constituem sua tarefa docente. No dia a dia delas, ainda segundo Lajolo (1996), o professor reescreve o livro, assim, ele vai se reafirmando na sua prática pedagógica e constituindo-se um quase coautor do livro.
A primeira questão a que os entrevistados foram submetidos foi, portanto, a que diz respeito à escolha do material, do livro que acompanhará o trabalho na sala de aula por, no mínimo, três anos letivos. A intenção dessa pergunta era entender se o professor participa da escolha do material e de quais critérios ele lança mão ao se posicionar por um ou outro manual didático.
A professora Sapho, que amalgamou critérios de escolha e propostas de superação das dificuldades de leitura que boa parte dos estudantes do Ensino Médio tem, afirmou que
[...] as imagens contam bastante; hoje em dia se está tendo uma visão pouco mais progressista, onde o aluno consiga fazer uma leitura adequada [...], ou seja, consegue encontrar as informações no texto adequadamente, o nível 1, o básico. Mas tem alunos que chegam ao Ensino Médio mesmo sem o nível 1. Localizar as informações às vezes até o tema [...] ele tem dificuldade de conversar com você e identificar. Ter uma visão global, nível 2, ler o texto e compreender globalmente as informações, ideia central que está nesse texto. Nível 3: relacionar as informações intertexto e fora do texto. Ou seja, pesquisas, problemas fora do que está escrito pelo autor. Não consegue levantar hipóteses, nível 4. [...] Depois fazer uma avaliação crítica do que leu. Se o autor expôs bem, se está coerente com as necessidades atuais do Brasil e do estado Acre. Então, o aluno tem que ser um leitor competente. Aí tem que ver se o livro vai fazer isso. Progressista é isso: leitura visual (as imagens), e leitura de texto mesmo (Sapho, q. 1).
Podemos, aqui, priorizar o critério da linguagem utilizado pela professora. Seguindo o entendimento dela, os aspectos de grafismo e imagens constituem uma maneira de atrair a atenção do estudante ou, quando for o caso, uma forma de atenuar e iniciar a superação da sua dificuldade de leitura. Para que se possa melhor compreender essa questão do uso das imagens em um livro, Lajolo (1996) reforça que este não se constitui apenas de linguagem verbal. É preciso, conforme a autora, que todas as linguagens de que ele se vale sejam igualmente suficientes. Assim, a impressão do livro didático deve ter nitidez, a encadernação tem que ser resistente e as suas ilustrações, diagramas e tabelas devem intensificar, maximizar, requintar o significado dos conteúdos e atitudes que essas linguagens ilustram, diagramam ou tabelam.
Nessa harmonia linguística do livro didático, podemos identificar exatamente a função que ele cumpre. Ainda na década de 1960, Renato Sêneca Fleury afirmava que livro didático é, “[…] em última análise uma sugestão e não uma receita” (Fleury, 1961, p. 176)3. Assim, ele não substitui o professor e suas funções principais consistem em padronizar e delimitar a matéria, apresentar aos docentes métodos e processos julgados como eficientes pelos seus autores para melhorar os resultados do ensino e colocar à disposição de seus leitores desenhos, estampas, textos de difícil acesso ou muito raros4.
Outro critério levado em consideração pelos professores e que se liga a este da linguagem diz respeito aos exercícios/atividades. Segundo a professora Sapho,
Nós olhamos [...] como estão as atividades no final dos capítulos: se são interessantes, se são possíveis de os alunos alcançarem. Porque, às vezes, as atividades não estão muito coerentes com a nossa realidade, aqui da comunidade e da escola. Então, a gente tem que fazer um proximal. Existe o ideal e existe o real. Não podemos ficar só no real, porque a realidade é muito dura; [...] e também a gente não pode ir para uma linguagem muito profunda, muito ideal. A gente tem que encontrar um meio termo. Então, o livro que tem essas características mais proximais, geralmente a gente o escolhe (Sapho, q. 1).
Observar atentamente esse aspecto dos exercícios é importante. Lajolo (1996) afirma que um livro pode se apresentar inadequado precisamente pela monotonia dos exercícios e pela falta de sentido das atividades que propõe. Essa falta de sentido é uma linguagem que não comunica. A coerência, como frisa a professora na citação acima, diz respeito sempre à linguagem. O que está em discussão não chega a ser exatamente o linguajar filosófico. Por mais que este possa ser incompreendido ou compreendido com notáveis dificuldades, ele não sofrerá danos, pois está no patamar de um linguajar clássico, para usar a ideia de Saviani (2005). A questão problemática que essa linguagem levanta está relacionada ao objetivo de se estudar filosofia no Ensino Médio. Esse objetivo parece ter sido bem formulado por Severino (2001): propiciar aos estudantes do Ensino Médio uma formação digna da condição humana deles. Se a mensagem não chegar, se a linguagem não ajudar, essa formação passará de potência a ato? Possivelmente, mas com frágeis premissas filosóficas. Tendo observado esses elementos essenciais na escolha de uma coleção, vem a questão de saber como lidar com esse material.
O lugar do livro didático na construção e no desenvolvimento da aula
Para entender como os docentes utilizam o livro didático, procuramos saber deles o espaço que o livro ocupa na organização das aulas. Ao formular esta questão, nossa intenção foi compreender como eles planejavam o uso do livro, em que momentos da aula, e, sobretudo, qual a intencionalidade deles ao aplicarem uma atividade do material. De forma geral, o livro é tido como um ‘suporte’. O professor Aristóteles afirma que não usa
[...] o livro como manual. Na escolha do livro didático você não encontra aquele que é completo, por isso, para segui-lo como manual, é impossível. Utilizo o livro mais como um suporte para trabalhar os conteúdos do planejamento, do plano de curso e da sequência didática. O livro é apenas um suporte. Não é o único. A gente elabora a exploração desse material que tem no livro selecionando melhores questões, melhores textos, aquilo que mais atende. Bom, eu acho que o planejamento em si, a alma do planejamento é a intencionalidade. Para que eu estou planejando? Com essa compreensão, eu vejo que o livro didático não é um manual, na expressão comum, ele não é uma Bíblia. [...] Então, eu tenho um planejamento que nasceu de um direcionamento mais amplo, institucionalizado, e o livro didático no qual eu vou encontrar aquilo que o planejamento necessita... que está previsto como intencionalidade, que eu necessito para executar nesse planejamento e, portanto, o livro didático não basta em si. Ele é um referencial gerador de questionamento para que o aluno amplie seu conhecimento a partir de alguns textos do livro didático, que pode ser um ponto de partida. Desse, o aluno vai ampliar para outras leituras, para interdisciplinaridade, inclusive, e isso cria um leque mais satisfatório para o aluno (Aristóteles, q. 2).
Essa contribuição pode ser organizada em duas partes. Inicialmente, podemos refletir sobre o livro como manual/suporte e depois sobre a questão do planejamento. Quanto à primeira, a observação do professor Aristóteles assume uma importância mais refinada no momento em que ele constata que, na escolha do livro didático, não se encontra um que seja completo, que seja um manual, com o qual se poderá sempre contar. Enquanto suporte, serve de apoio, segundo a sua fala, base para um impulso na compreensão de um determinado tema. Se o livro atende mais à compreensão desse tema, ele será utilizado.
Não é comum essa diferenciação. Rodrigo (2009) afirma que a etimologia do termo ‘manual’ exprime bem a sua natureza didática. Em latim, manualis, traduz o grego enkeiridion, designando livros de formato pequeno, manuseáveis, de uso frequente, ‘para trazer consigo’. Basicamente, designa, continua Rodrigo (2009), um agregado de noções ou resumo dos conteúdos de ensino, cuja sistematização frequentemente é apresentada de forma esquemática, empregando recursos como títulos e subtítulos, parágrafos numerados, esquemas, gráficos, com o objetivo de servir de suporte à memória e facilitar certa organização mental. A autora se refere de modo preciso aos antigos manuais, mas estende as reflexões aos livros didáticos de hoje.
No que se refere ao planejamento, o professor Aristóteles afirma que a alma deste é exatamente a intencionalidade. Essa intencionalidade foi posta em palavras através da interrogação “Para que eu estou planejando?” (Aristóteles, q. 2). Nessa intencionalidade, o livro não está, conforme afirma o professor, no centro. Ele é um referencial que gera questionamentos para o estudante. Libâneo (1990), em ‘Didática’, afirma que há três modalidades de planejamento, articuladas entre si: o plano da escola, o plano de ensino e plano de aula. O planejamento, de forma genérica, pode ser compreendido como “[…] um processo de racionalização e coordenação da ação docente, articulando a atividade escolar e a problemática do contexto social” (Libâneo, 1990, p. 222).
Esse contexto social, tocado pelo planejamento, acaba sendo problematizado e tomando contornos genuinamente políticos. É maneira pela qual o docente não deixa que outros decidam os rumos que seu trabalho deve tomar (Libâneo, 1990). Há pouco o professor Aristóteles explicava que o planejamento nasce de um direcionamento institucionalizado, mais amplo, e o livro didático contém aquilo de que esse planejamento necessita. Nesse sentido, Libâneo (1990) afirma que, tendo em mente sua concepção de educação e escola, seu posicionamento sobre os objetivos sociais e pedagógicos do processo de ensino, bem como seu posicionamento e conhecimento em relação à disciplina que leciona, o professor elabora seu planejamento. Para tal, ele consulta o programa oficial da matéria, recomendado pelo Estado, o livro didático e outros materiais que podem funcionar também como geradores de questionamentos para o estudante.
O livro didático aparece, pois, como um gerador de questionamentos dentro de uma organização de situações didáticas. Para Theodoro da Silva (1996), se há um perigo na utilização de um livro didático, trata-se do vigor dele que, por vezes, advém de uma “[…] anemia cognitiva do professor” (Silva, 1996, p. 12). Porque, enquanto este pode perder peso e importância no processo de ensino, aquele pode ir ganhando proeminência e atingir a esfera da imprescindibilidade. De meio que deveria ser, pode passar a fim em si mesmo. Também Lajolo (1996), refletindo sobre o protagonismo que o professor deve ter, observa que não há livro que seja à prova de professor, pois o pior livro pode ficar bom na sala de um bom professor e o melhor livro desanda na mão de um professor limitado. Seja o livro que for, continua Lajolo (1996), é sempre e apenas um livro. Com todos os riscos, a relação com os pensamentos filosóficos inicia-se, na escola, com os livros didáticos. Qual a reação dos alunos ao livro?
O estudante, o livro didático e a mediação docente
Sobre este tema, a pergunta que foi lançada na entrevista aos docentes era como eles poderiam sintetizar a reação dos estudantes ao livro didático, de gestos a expressões. As respostas obtidas giram em torno de uma mesma característica: o estranhamento, entendido como resistência, embora outros aspectos tenham aparecido aqui e ali. Para o professor Sêneca,
Essa experiência [...] é muito negativa. Hoje se fala tanto [...] da Escola sem partido, não existe escola sem ideologia, mas a coisa mais difícil que tem é um professor conseguir fazer com que o aluno leia duas páginas do livro de Filosofia, [...] acredita-se que o professor pode fazer a cabeça de um aluno para ser marxista ou capitalista, quando, na verdade, a gente tem dificuldade de fazer o aluno ler duas páginas de uma apostila ou de um livro para fazer um trabalho. [...]. Por isso que muitas vezes a gente não atinge o objetivo. Eu passo seis meses trabalhando ética no 2º. ano do Ensino Médio. Chega no final do ano, o aluno tá do mesmo jeito em relação à postura moral, [...] pensa as mesmas coisas sobre a natureza, sobre o meio ambiente, não muda de atitude, acho que justamente porque aquilo que a gente fala passa, aquilo que está escrito é mais fácil da gente recorrer, mas não existe ainda uma cultura de [...] dedicação à leitura [...] de um livro (Sêneca, q. 4).
Um ponto que podemos destacar na fala do professor, que ele conecta à dificuldade leitora, é a maleabilidade difícil no pensamento dos alunos. Posto que seja essa a situação, há que se observar que o estudante é um ser concreto, real, síntese de múltiplas determinações e situações objetivas que determinam sua consciência. Isso nos impede de tomá-los apenas na sua aparência fenomênica ou na sua pseudoconcreticidade, para usar o conceito de Kosík (1995). O professor que tem consciência dessa condição e que age de modo intencional não esperará que o estudante espontaneamente desenvolva amor pela filosofia. Cabe ao trabalho docente retirá-lo da inércia, mobilizá-lo para o conhecimento.
Aproximando-nos das considerações finais, podemos notar que as falas dos professores quase sempre foram corroboradas pelos estudos de pesquisadores renomados no campo da educação. Isso pode servir como índice de que o comprometimento dos professores com a escolha dos livros didáticos é acentuado. Há sempre a preocupação de fazer uma aproximação entre a disciplina que estuda e a vida real que se tem. Deve haver essa afinidade, já que a vida condiciona o entendimento das coisas.
Considerações finais
Ao observar o caminho que a pesquisa foi traçando, identificamos alguns de seus momentos mais relevantes. De início, o movimento dela foi encontrar um público alvo e ouvi-lo. Isso nos ajudou a ter um perfil desse público de professores. Entre outras coisas, tivemos de apresentar resumidamente as ‘Orientações curriculares para o Ensino Médio no Acre’ e identificar as acepções de filosofia e metodologias propostas para o contexto do estado do Acre.
Para podermos pensar questões didático-pedagógicas no ensino de filosofia no Ensino Médio, era necessário traçar um conceito de educação e de didático-pedagógico. Essencialmente, a pesquisa revelou que o conceito de educação deve ser entendido pela categoria da mediação. De fato, a educação foi vista como uma mediação entre o ser humano e a ciência (Saviani, 2005) e entre o ser humano e a sociedade (Pinto, 2010). Depois, quando foi preciso explicar o didático-pedagógico, o estudo apontou que a didática está para a humanização da pessoa, já que ninguém nasce humano, mas é formado tal pela educação.
Os resultados mais afinados aos objetivos da pesquisa foram descritos no último tópico deste texto. Na escolha que os professores fazem do livro que vão utilizar na escola onde trabalham se manifestam os seus conhecimentos didático-pedagógicos. Nas entrevistas, os professores - que têm entre 5 e 30 anos de experiência na docência em filosofia - foram descrevendo como necessário para bem manusear um livro didático observar qual deles possui uma linguagem que seja a mais próxima de seu estudante.
Sobre esse aspecto da linguagem é difícil de encontrar um equilíbrio, porque um livro possui muitas linguagens. No que se refere à linguagem escrita, o problema toma proporções mais avolumadas, visto haver alunos no Ensino Médio com déficit de leitura notório e os textos de filosofia, mesmo didáticos, sempre conservarem traços de aridez conceitual, típicos do estudo filosófico. Um ponto positivo para superar esse déficit é a utilização, por parte dos professores, das demais linguagens, especialmente as pictográficas.
Depois os docentes realçaram que as atividades que o livro contém devem levar o aluno a pensar o seu contexto de vida, para que elas tenham sentido para eles. Elas devem, portanto, atravessar a realidade deles. Trata-se de uma observação simples, mas profunda. Parafraseando Marx, poderíamos afirmar que o entendimento sobre a vida determinará as consciências deles para agir nela. Ainda sobre os resultados da pesquisa, para os professores o livro didático tem uma função de coadjuvante no processo de ensino e aprendizagem, o que o torna muito importante em uma sala de aula, mas como um suporte. Ele, além de tudo, é, teoricamente, o material mais adequado para orientar uma aula, mas não o material suficiente.
Assim, quando necessário, o professor pode buscar outros meios que o ajudem a tratar do tema estudado. Isso tudo acaba revelando uma postura crítica e independente do professor ao modo como o livro aborda este ou aquele tema. Por outro lado, a função de coadjuvante parece ser demasiada em alguns momentos, visto que os professores entrevistados disseram que a reação ao livro costuma ser de resistência.
A pesquisa contribui no sentido de enfatizar, ao professor que deve escolher um livro, que há vários aspectos que devem ser considerados para uma escolha mais aperfeiçoada, além dos que se referem à organização dos conteúdos. São aspectos escolares, sociais, comunitários e etc. Quanto aos aspectos escolares, é comum ouvir de professores de filosofia que um ou outro livro não é bom, é inadequado, é falho, etc. É possível que alguns livros realmente deixem a desejar em alguns quesitos, mas o livro é sempre um livro que tem seus objetivos que podem ou não ser adequados ao modo de trabalho de uma escola. Quando reforçamos os aspectos comunitários e sociais, referimo-nos ao fato de que os professores indicaram que o linguajar de um livro tem de atingir o real, a vida concreta do estudante, ou seja, o material precisa ajudá-lo a pensar seus problemas mais imediatos.
O estudo pode contribuir, também, para investigações de outros pesquisadores, pois a temática abordada ainda é pouco explorada, pelo que pudemos notar em buscas pelos indexadores mais conhecidos no país. A pesquisa ainda se inscreve em um momento de transição do modo de se ensinar filosofia no Ensino Médio, devido às modificações da reforma de 2017. Além disso, e aqui terminamos, na disposição atual das coisas, a formação humana tem sido um aspecto da educação nacional coadjuvado. De modo que nós achamos, para usar uma expressão de Fernando de Azevedo, em uma batalha do humanismo.