Introdução
São cada vez mais relevantes, no campo educacional, buscas por metodologias, procedimentos e práticas que possam ser de fácil acesso, adaptabilidade e praticadas em sala de aula, que também sejam aplicadas a diferentes contextos educacionais, de forma a produzir mais aprofundamento, engajamento colaborativo, valorizando as diferentes opiniões, a auto-crítica dos estudantes, além de alinhar interesses comuns, abrindo-se para a participação criativa com foco em metas pedagógicas.
Isso ocorre, seguramente, pois as demandas e necessidades emergentes no campo educacional são de interesse social e coletivo, de forma a otimizar as participações colaborativas na solução de problemas. Para que isso ocorra, devem existir procedimentos, técnicas e orientações metodológicas que sejam mais adequadas e adaptáveis a tais objetivos.
Para Valente (2005) a questão principal dentro do processo de ensino-aprendizagem é como prover as informações e quais ações a serem tomadas para que estas sejam interpretadas e convertidas em conhecimento. “A Criação de contextos de aprendizagem é extremamente importante para guiar ações que os estudantes realizam” (Valente & Almeida, 2014, p. 47). Cabe ao professor o desenvolvimento de estratégias pedagógicas que promovam essa forma de engajamento dos estudantes para a coautoria do processo de aprendizagem.
Busca-se, nesse sentido, o aprimoramento metodológico em que possa harmonizar, com as novas tecnologias de comunicação e informação, conhecimentos teóricos sobre como se processa a aprendizagem, bem como formas de curadoria com foco nos aprendizes, com um diferencial dialógico do fazer dos professores (Garcia & Czeszak, 2019).
Os estudantes, imersos em uma sociedade digital, passam a ser polos de emissão de opinião ao mesmo tempo em que vivem e são co-autores de informação com base nas suas observações e experiências. A escola assume-se como espaço para a confluência destes novos polos, ao mesmo tempo em que ainda enfrenta obstáculos frente à inovação de seus métodos nesse contexto digital.
Nesses casos, por exemplo, são valorizados a cultura empreendedora nas escolas e o potencial gerado por sua comunidade para o enfrentamento de dificuldades que, muitas vezes, ultrapassam a sala de aula, bem como os muros da escola, chegando às necessidades da vida cotidiana. “Na atualidade, quando nos referimos à escola, professores e estudantes, temos que considerar que estes estão inseridos na cibercultura, que é definida como sendo a cultura contemporânea marcada pelas tecnologias digitais e que vivemos já a Cibercultura” (Brito & Simonian, 2016, p. 181).
Os atores do processo educacional estão imersos em uma sociedade digital em que o acesso à informação está amplamente disseminado. Nesse contexto, estudantes podem se tornar polos de emissão de opinião ao mesmo tempo em que vivem e constroem a informação com base nas suas observações e experiências. A escola assume-se como espaço para a confluência destes novos polos, ao mesmo tempo em que ainda têm métodos e meios analógicos frente a uma sociedade digital.
Assim, Lévy (1999, p. 172) assevera:
Como manter as práticas pedagógicas atualizadas com esses novos processos de transação do conhecimento? Não se trata aqui de usar as tecnologias a qualquer custo, mas sim de acompanhar consciente e deliberadamente uma mudança de civilização que questiona profundamente as formas institucionais, as mentalidades e a cultura dos sistemas educacionais tradicionais e, sobretudo os papéis do professor e estudante.
Desse modo, pode-se constatar que a inovação no contexto educacional persegue constantemente a ampliação das possibilidades didáticas e metodológicas. Verifica-se, a partir dos inúmeros problemas vigentes no campo da educação, que estes requerem soluções imediatas, principalmente aquelas que possam assegurar inclusão, equidade e qualidade, bem como aprendizagens ao longo da vida (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [Unesco], 2015), propostas educacionais que possam se mesclar com tecnologias cada vez mais acessíveis e que atendam a demandas que levem a produzir altas fluências e letramentos para esses estudantes.
Esses movimentos são marcados irreversivelmente pelas tecnologias digitais de comunicação e informação e que também necessitam de abordagens criativas. Segundo Valente e Almeida (2014), a possibilidade de aprender em qualquer momento e lugar tem despertado o interesse de profissionais da educação e outros profissionais envolvidos com esse contexto, sendo assim necessário entender como relacionar o que tem sido criado ao ambiente educacional formal e a melhoria dos resultados com tais ações. Concordamos Gilberto e Franco (2011), quando afirmam que somente na prática docente, como práxis, sujeitos e realidade dialogam e se transformam, e por ela são transformados.
Presencia-se a alteração de perfis de estudantes que dispõem de mobilidade tecnológica, praticam cotidianamente jogos digitais, trabalham conjuntamente com atividades gamificadas, usam redes sociais, participam da dinâmica tecnológica contínua no contexto social, de forma que são afetados por tais contextos e práticas. Consequentemente, estes ainda devem ser mais bem preparados, ou ‘curados’, para enfrentar um mundo em transformação (Garcia & Czeszak, 2019).
Esses aspectos, quando alinhados no contexto educacional, produzem diferentes expectativas, pois os atores dos processos de ensino e de aprendizagem precisam construir um ambiente para o uso das tecnologias aplicando diferentes métodos, atentando-se a ritmos e formas personalizadas de ensino, promovendo o domínio de metodologias e/ou procedimentos, dentro de uma dinâmica possível de troca de experiência e de novas combinações, porém aprofundando-se em diferencial que valorize tais atores. “Para que uma prática docente seja pedagógica, necessita ir à fonte, pautar-se na Pedagogia, constituir-se como práxis, ação-reflexão-ação, ação intencional, crítica, e contextualizada na sociedade que a faz imergir” (Araújo, 2019, p. 282). Nesse caso, a questão dialógica nas formas de ensinar e aprender nunca foram tão requisitadas como na contemporaneidade.
Os desafios globais que jovens cidadãos terão de enfrentar em futuro próximo ainda não são claros, contudo, sabe-se que estes deverão ser preparados para lidar com incertezas e demonstrar alto uso de tecnologia, além de passar por desafios do intelecto, incluindo abordagens que lhes tragam prazer e competências socioemocionais para o alcance de metas pessoais. Há inúmeros novos desafios de vida, os quais não se pode ainda prever (Morin, 2011; Filatro, 2019).
Entretanto, os aprendizes da atualidade estão, por um lado, inseridos em um mundo altamente tecnológico e, por outro, no ambiente escolar de formação, estão carentes de incentivos, prescindem de práticas que desencadeiem suas produções, contribuições para enfrentamento de incertezas contínuas, a imprevisibilidade, a perda da consistência do porvir, a necessidade de aprender a viver e a conviver (Morin, 2011)1. Uma das saídas é trabalhar o seu diferencial de criatividade, para atender a tais demandas, tanto relacionadas a um mundo real e em frequentes mudanças, quanto àquelas que ainda se desconhece.
Há técnicas e procedimentos já disseminados para explorar a criatividade das pessoas, praticados no ambiente corporativo e que, por suas características, produzem bons resultados em termos de mobilizar aprendizes frente a um desafio (Cavalcanti & Filatro, 2017; Knapp, Zeratsky, & Kowitz, 2017).
Nesse estudo, são discutidos procedimentos que demandam contribuições mais criativas dos estudantes, harmonizando-se com abordagens metodológicas que os consideram mais participativos e interativos no processo de aprendizagem. O foco é produzir uma resposta concreta em termos de formação que desperte a coparticipação, coautoria, o aspecto coletivo e, principalmente, o respeito ao que é diverso e diferente em termos de opiniões, quando se constrói um projeto. Portanto, o assunto criatividade, nos seus diferenciais de abordagem pedagógica, científica e prática de projetos, é resgatado nesse artigo, buscando reconhecer diálogos pedagógicos renovados para vislumbrar caminhos que possam articular novas ideias produzidas pelos aprendizes.
Inovar no ambiente escolar
Inovar no ambiente escolar deve significar mudanças positivas que possam satisfazer tanto docentes quanto discentes, nos diferentes níveis de formação, visando à formação do cidadão consciente que se relaciona não só com sua realidade, mas também com suas potencialidades intelectuais para realizar proposições adequadas e sustentáveis.
Contudo, inovar na educação trata-se de uma tarefa que ainda exige esforços contínuos, apoiando-se no interesse em desenvolver novas aplicações, competências, expansões, reconhecendo-se os contextos e necessidades, além do uso de tecnologias adequadas, personalizadas e adaptáveis à diversidade dos contextos atuais (Morán, 2017).
O engajamento dos estudantes, que tanto se almeja, depende de vários fatores, entre eles estão aqueles relacionados às metodologias aplicadas em atividades na escola que exigem atenção, orientação, curadoria, trocas dialógicas, pois cada vez mais a escola é levada a se sintonizar com os projetos educacionais, os quais tornaram-se mais solidários, mais comunitários, mais experimentais e conectados com a realidade, de forma que exigem comportamentos criativos.
Para Garcia e Czeszak (2019, p. 87):
Estudos teóricos desenvolvidos nas últimas décadas já destacavam as capacidades relacionadas à reflexão, práticas de diálogo e valorização da negociação, buscando constituir ambiências para as melhores aprendizagens. Disso decorre o valor intelectual e humano do sujeito aprendiz, criando vozes e possibilidades de atuação.
Dessa maneira, o discurso pedagógico renovado foca-se nas possibilidades de o estudante constituir-se em um ser mais participante, sendo orientado a utilizar e a ampliar seu repertório de competências e habilidades, trabalhando seus diferentes níveis de protagonismos, com exposição e respeito a opiniões divergentes. Assim, é preciso ampliar os horizontes quanto ao uso das metodologias ativas por meio das tecnologias digitais e não se ater ao que está em ‘moda’ na atualidade (Valente, Almeida, & Geraldini, 2017)
Diferentes estudos contemporâneos sinalizam que os desafios do mundo moderno poderão ser encarados no futuro próximo, se a escola atual trabalhar habilidades que possam promover mais possibilidades adaptativas a renovadas situações e à solução de novos problemas (Alencar & Fleith, 2010; Zabala & Arnau, 2014; Abed, 2016).
Para Abed (2016, p. 9)
Defendo que cabe à instituição escolar não só a manutenção do arcabouço de conhecimentos acumulados na história da civilização, como também o desenvolvimento de seres pensantes, criativos, construtores de conhecimento, que saibam se relacionar consigo mesmos e com os outros, comprometidos na construção de um mundo melhor.
Constata-se, desse modo, que ainda há dificuldades de se estabelecer processos de organização em que se equilibrem vertentes teóricas que conduzam à aprendizagem, com uso de metodologias ativas, ao mesmo tempo em que os estudantes possam profundar suas ideias e contribuições para conquistar mais motivação para aprender.
Uma das alternativas metodológicas é trabalhar projetos educacionais, na medida em que seus atores estejam focados em possibilidades de criatividade para resolução de novos e velhos problemas, bem como possam atender a seus próprios interesses de aprendizagem.
A convivência nos espaços híbridos multimodais da hiperconexão provoca mudanças nos modos de interagir, representar o pensamento, expressar emoções, produzir e compartilhar informações e conhecimentos, assim como aporta novos elementos à aprendizagem, podendo trazer novas contribuições e desafios aos processos educativos (Valente et al., 2017).
Araújo, Ribeiro, e Pinheiro (2016, p. 98) apontam que, para alguns estudiosos, define-se a sociedade contemporânea como era “[…] da aprendizagem [...]” e/ou “[…] do conhecimento [...]”, principalmente em decorrência da velocidade e intensificação, graças ao uso das tecnologias digitais de informação e comunicação, enquanto instrumentos de socialização do saber. Os estudantes, mesmo quando mais cientes de suas responsabilidades, com mais fluências em termos de uso diferentes tecnologias digitais, ainda prescindem de orientações e curadorias para que extraiam de si propostas criativas, para que possam se aliar com demandas de seus grupos, trabalhando de forma mais direcionada à colaboração e à inteligência coletiva.
Nesse sentido, segundo o resultado de práticas apoiadas pelo referido grupo de pesquisa, pode-se aplicar diferentes técnicas e procedimentos para que propostas criativas possam emergir, respeitando-se opiniões, a construção de argumentos, com ponderações pautadas em pesquisa, representando participação ativa. Esses processos poderão garantir mais sustentabilidade em termos de enfrentamento do mundo, pois também se baseiam em habilidades e, em competências socioemocionais para a vida.
Se queremos que os estudantes sejam proativos, precisamos adotar metodologias em que os estudantes se envolvam em atividades cada vez mais complexas em que tenham que tomar decisões e avaliar os resultados, com apoio de materiais relevantes. Se queremos que sejam criativos, eles precisam experimentar novas possibilidades de mostrar a sua iniciativa (Morán, 2015, p. 17).
Assim, justifica-se trazer para o âmbito educacional possibilidades colaborativas, que trabalhem diferentes visões em busca de uma meta comum, abarcando, por exemplo, procedimentos como o Design Thinking2, o Sprint3 e o Brainstorming4.
O foco ora abordado diz respeito aos diferenciais de construção de projetos, em que se pode explorar tanto a escolha da temática, da definição da questão que poderá ancorar as pesquisas dos estudantes, como também estimular propostas de soluções a problemas, ou qualquer outra forma de atividade educacional que demande a voz criativa dos estudantes, escolhas, tomadas de decisões e construção de um percurso de aprendizagem.
Criatividade
A criatividade tem sido estudada há mais de meio século e seus estudos têm se intensificado de uma década para cá (Fleith, 2001). Nesse trajeto, pode-se destacar atualmente a necessidade de dotar seres humanos com competências criativas para irem além das máquinas, programar a inteligência artificial, enfim, desafiando-se em suas formas de produzir, e de propor soluções arrojadas.
O interesse pela criatividade como área científica torna-se mais relevante principalmente a partir dos anos de 1950. A Tabela 1, baseada em Feith (2001; 2006), bem como em Giglio, Wechslere, e Bragatto (2009), ilustra como os estudos sobre criatividade foram realizados na área científica.
Para Alencar e Fleith (2010, p. 3, grifos dos autores): “[…] criatividade deve ser compreendida não como um fenômeno individual, mas como um processo sistêmico. O mais importante, então, é investigar ‘onde está a criatividade’ e não ‘o que é criatividade’”. As referidas autoras baseiam-se nas formulações de Csikszentmihalyi (1999 apud Alencar & Fleith, 2010, p. 3): “[…] criatividade não ocorre dentro dos indivíduos, mas é resultado da interação”.
Tais aspectos levam às seguintes reflexões sobre a criatividade para o contexto da escola:
1) Criatividade pode ser incentivada e construída em determinados contextos e condições;
2) Criatividade depende não só de condições individuais, mas também de questões colaborativas e coletivas.
3) Criatividade pode se tornar uma prática comum, incorporada a fazeres educacionais, desde que embasada em uma abordagem pedagógica que passa valorizá-la entre os estudantes.
4) Criatividade pode ser entendida como um potencial humano para vencer novos desafios e demandas da sociedade atual.
5) Criatividade é um rearranjo do que já sabemos para definir o que não sabemos.
A criatividade, finalmente, compreendida em si mesma, é a capacidade de formar mentalmente ideias, imagens e coisas não presentes ou dar existência a algo novo, único e original, porém com um objetivo. A criação em si, portanto, é diferente da criatividade. Isso equivale a dizer que, quando se é propositadamente criativo, a busca de soluções não está baseada nem na fragilidade da fantasia (que não tem restrições) nem somente na facilidade da imaginação (que funciona reprodutivamente mesmo não se lhe dando objetivo) (Duailibi & Simonsen Jr., 1990, p. 15).
Nesse sentido, defendemos que, metodologicamente, pode-se aplicar técnicas ou procedimentos para que os estudantes adquiram competências criativas.
Período dos estudos sobre criatividade | Objetivos dos estudos | Principais estudiosos |
De 1950 a 1960 | Identificar habilidades do pensamento criativo e traços da personalidade relacionados à criatividade | Barron, 1995; Guilford, 1967 apud Fleith, 2001; |
De 1960 a 1970 | Aprofundar ideias sobre o potencial criativo dos indivíduos, também voltado ao contexto da escola, com críticas ao que poderia inibir a criatividade dos estudantes. Assim, o ponto central é trabalhar o desenvolvimento de estratégias para a produção e expressão individual criativa. | Maslow, 1968; Rogers, 1961; Torrance, 1966; Wallanch e Kogan, 1965 apud Fleith, 2001 |
de 1970 e 1980 | Pesquisas que buscavam investigar processos cognitivos, bem como de que forma estes influenciavam o contexto social, no desenvolvimento humano. Também era foco de pesquisa nesse período o processo e o desenvolvimento do pensamento criativo e de que forma as variáveis do contexto social poderiam afetar esse processo. Os estudos focavam também como se manifestava o ato criativo. | Fleith, 2006 |
De 1980 a 1990 | Estudos de criatividade partem de uma visão não só como um fenômeno individual, mas como um processo sistêmico. Neste sentido, para valorizar a criatividade, é relevante considerar a influência não apenas do ambiente familiar e escolar, como também do ambiente social e cultural e do momento histórico. | Amabile, 1996; Feldman, 1994; Gardner, 1993; Gruber e Davis, 1988; Simonton, 1994; Csikszentmihalyi, 1996 apud Fleith, 2001 |
De 1990 até atualmente | Os estudos sobre a criatividade ganham um espaço de problemática relacionado à aprendizagem em diferentes níveis e ambientes. Pode-se citar a obra “Da criatividade à inovação”, que abrange temáticas como: estilos de pensar e criar; implicações da criatividade na liderança; criatividade para a mediação de conflitos; entre outros assuntos. | Giglio et al. (2009) |
Fonte: baseado em Fleith (2001) e Fleith (2006); Giglio et al. (2009) e adaptado pelos próprios autores.
O coletivo, as interações e o cérebro social
Dentre vários outros aspectos relacionados à criatividade, cabe mencionar a sua relação com o coletivo, com as diferentes formas de interações, com pessoas e com o mundo, dando suporte a atividades colaborativas. Nesse trajeto cabe enfatizar o conceito de cérebro social.
Segundo Goleman (2019), o cérebro social relaciona-se ao que se entende por ‘neurociência social’. O autor se baseia nos estudos de Cacciopo e Berntson, realizados no final do século XX, que afirmaram que o comportamento social era muito complexo e que por isso havia dificuldade de incorporá-lo aos seus estudos. Entretanto, após outras pesquisas estes mesmos autores conseguiram fazer uma revisão desses princípios e chegaram a aceitar o fato de que o mundo social pode influenciar no cérebro, bem como na biologia humana. Assim, remanescendo-se dos aspectos do coletivo e das interações, o cérebro social enquadra-se como:
[...] uma soma dos mecanismos neurais que orquestram nossas interações, bem como nossos pensamentos e sentimentos a respeito das pessoas e dos nossos relacionamentos [...] o cérebro social representa o único sistema biológico do nosso organismo que nos mantém em contínua sintonia com o estado interno das pessoas com as quais convivemos, e, por sua vez, é influenciado por ele (Goleman, 2019, p. 18).
Isso se ajusta ao reconhecimento das demandas cognitivas relacionadas ao sujeito criativo, o que envolve, segundo outros estudos, concentração no problema, raciocínio rápido e objetivo, interesse pelo assunto, expressão de posições, entre outros aspectos (Alencar & Fleith, 2010).
Contudo, o ambiente escolar pode ser, por um lado, tanto estimulador, quando os professores e as abordagens educacionais dão espaços para o exercício criativo, por outro lado, quanto inibidor, quando a participação com ideias novas não é requisitada aos estudantes para a construção de atividades, faltando incentivo à voz do estudante.
Desse modo, o exercício da criatividade pode ser também visto como um processo que se abre para ‘Modelo de Produtividade Criativa’, idealizado por Renzulli (1992 apud Fleith, 2001). Assim, a autora sugere:
[...] estratégias de intervenção no ambiente escolar, que levarão o estudante a explorar novas áreas de conhecimento, a desenvolver habilidades cognitivas, a um autoconceito positivo, a participar mais efetivamente das atividades em sala de aula e a descobrir novos interesses e potencialidades. Ao invés de simplesmente reproduzir conhecimento, o estudante é encorajado a produzir conhecimento de forma criativa. Esse modelo fornece, ainda, ao professor, sugestões de práticas pedagógicas e exemplos de atitudes em sala de aula que podem contribuir para o desenvolvimento e expressão de comportamentos criativos de seus estudantes (Fleith, 2001, p. 25).
A promoção de atividades, a partir de um plano pedagógico que estimule as potencialidades criativas do estudante, deve ser entendida como um pressuposto importante para o acesso e a produção do conhecimento.
Metodologia: procedimentos para estimular a criatividade na participação em projetos
Como metodologia desse estudo, foram destacados e aplicados três procedimentos que podem ser utilizados a fim de estimular ações mais criativas nos aprendizes em sala de aula. Esses procedimentos estão amparados por pressupostos das metodologias ativas, as quais demandam posicionamentos, tomadas de decisão, intercambio de opiniões, pensamento crítico, participação em outras atividades intelectuais mais colaborativas, entre outros. Isso tanto relacionado à contribuição com novas ideias relacionadas tratando problemas recentes, quanto a problemas antigos, segundo ilustram as Tabelas 2, 3 e 4.
O Brainstorming consiste em uma metodologia que leva o estudante a explorar seu repertório de palavras, opiniões, experiências ou ideias levando-se em conta a sua agilidade. O professor atua como moderador e abre espaço na sala para que os participantes contribuam à medida que as ideias a partir de um problema definido surjam. O Design thinking está associado à resolução de problemas, ou seja, o professor lança um problema gerador de ideia, os estudantes devem pensar nas causas deste, buscam novos referenciais, conversam com os envolvidos, se possível, para levantar mais informações e, após elencarem o que é essencial e focado, devem trazer tais ideias para que o solucionem. No Sprint o desafio é lançado e os estudantes passam a negociar possíveis soluções. Assim, devem trazer, com base em seu conhecimento e também pesquisas de aprofundamento, propostas que possam contribuir para a resolução do problema ao mesmo tempo em que todos possam, naturalmente, interferir na proposta de seu colega. O professor atua como moderador, promovendo a negociação de partes ou da integralidade destas opções.
Nome do procedimento | Brainstorming |
Descritivo | Pode ser vista como uma estratégia pedagógica e aplicada na medida em que novos assuntos são tratados na escola e necessitam de contextualizações, novas ideias e definição de caminhos não convencionais para concretizar necessidades claras. |
Finalidade | Explorar novas habilidades, contribuições criativas, a partir de um foco que carece de soluções arrojadas, ao mesmo tempo em que os estudantes são preparados a respeitar a diversidade, a opinião do outro e expor opiniões, considerando suas experiências e seus próprios conhecimentos. Nesse procedimento, num primeiro momento, deve-se trabalhar a abertura divergente de ideias. Num segundo momento, deve-se filtrar, selecionar e trabalhar estratégias de convergência, para se chegar à solução conjunta. |
Passos para aplicação | 1) O professor vai agir como moderador e alguém que explica aos estudantes como esta técnica funciona e qual objetivo espera-se alcançar. 2) Deve reunir os estudantes em um ambiente em que todos possam estar bem distribuídos e possam se ver as contribuições próprias e dos demais participantes. 3) Os estudantes devem se sentir à vontade, não se sentindo pressionados para serem criativos nas respostas, mas sim estimulados na imaginação e conquistar o prazer para pensar. 4) Os estudantes devem ter iguais oportunidades para se manifestarem. 5) Apresentação de um problema ou definição conjunto de um problema, por meio de questionamentos dirigidos aos estudantes. 6) As constribuições devem ser anotadas e visualmente acessíveis aos presentes. 7) Deve-se dar voz para que todos participem, bem como a todas as ideias devem ser anotadas, para que sejam consideradas e avaliadas conjuntamente. |
Fonte: próprios autores.
Nome do procedimento | Design Thinking |
Descritivo | Técnica de levantamento coletivo de ideias, buscando a criação de um produto, de um objeto, solução de um problema, concretizando uma ideia, por exemplo, a partir da ‘cultura maker5’, ou do empreendedorismo, ou mesmo um problema que afeta além dos muros da escola, como ruas esburacadas, falta de segurança, desenvolvimento de um cardápio de alimentação mais saudável. |
Finalidade | Explorar possibilidades reais para concretizar uma ideia, fazer um protótipo, testá-lo e colocá-lo no mundo para ser utilizado e aprimorado. |
Passos para aplicação | O professor deve orientar para os seguintes passos: 1) Entender o problema, e para tanto buscar um processo de empatia com os estudantes sobre ele; 2) Observar as contextualizações do problema, trazer referências, trazer exemplos e fontes de pesquisa; 3) Definir o que irá ser feito de fato, como resultado dessa observação; 4) Criar, idear, rascunhar uma ideia, colocando-a no papel, comparando, buscando aprimoramentos para que se chegue aos protótipos; 5) Prototipar - fundamentar a ‘cultura maker’, em processos de construção concreta das ideias; 6) Testar - fazer com que o protótipo seja experimentado, criticado, analisado nos seus pontos positivos e negativos e se atinge seu objetivo; 7) Tirar lições e aprimorar o que não estava bom; 8) Conceituar as aprendizagens atingidas; 9) Validar os aprimoramentos e concluir o projeto; 10) Disseminar o produto - fazer com que mais pessoas acessem e experimentem o produto, resultado do que fora concretizado pelas ideias originais e colaborativas. |
Fonte: os próprios autores, baseados em Cavalcanti e Filatro (2017); Torquarto, Lapolli, e Willerding (2015).
Nome do procedimento | Sprint |
Descritivo | Procedimento para utilizar a inteligência coletiva para levantar novas ideias, desenvolvida no âmbito corporativo (Knapp et al., 2017). Também está direcionado para dar soluções criativas em curto prazo, utilizando levantamentos de ideias. |
Finalidade | Explorar novas habilidades, contribuições criativas, a partir de um foco que necessita de soluções concretas. |
Passos para aplicação | 1) O professor deve conduzir a interação com os estudantes. Esta prática é interativa e tem um fator de organização e negociação. Pode-se negociar o problema a ser resolvido com as soluções geradas conjuntamente. 2) Importante trabalhar um instrumento visual para que todos possam participar e acompanhar as contribuições de cada um. O uso de post-its pode ser indicado, sendo estes coloridos, em que os estudantes escrevem as ideias e colam na lousa, por exemplo, para que todos visualizem. 3) As ideias apresentadas serão organizadas pelo professor em âmbitos similares, de forma que muitas serão descartadas. 4) O professor pode funcionar como um moderador, e outros estudantes podem também dar a opinião posicionando-se como um filtro, ajudando a escolher um caminho mais adequado. 5) Assim, escolhida a ideia, passa-se a pensar na fase de protótipo, a partir também de um planejamento, realizado também coletivamente. 6) Desenvolvido o protótipo, os potenciais usuários vão ser solicitados a dar um feedback imediato para ver se a ideia tem possibilidade de vingar ou não para um número maior de pessoas. |
Fonte: os próprios autores, baseados em Knapp et al. (2017).
As metodologias ativas, os projetos e a criatividade
As metodologias ativas são propostas pedagógicas, desenvolvidas a partir de pressupostos teóricos que colocam o sujeito da aprendizagem como ativo, que trabalha processos cognitivos, sentindo-se capaz de dar sua opinião sobre diferentes questões que emergem na sua aprendizagem, como uma metacognição. Elas são inspiradas em estudos desenvolvidos por Piaget, John Dewey, Carl Rogers entre outros teóricos da aprendizagem.
Para Mill (2018, p. 441):
A adoção das metodologias ativas objetiva envolver ativamente o aprendiz em atividades que auxiliem a se relacionar com o contexto em que se insere, a desenvolver estratégias cognitivas e a alavancar o processo de construção do conhecimento, tornando o processo de ensino-aprendizagem mais personalizado.
Moran (2015) entende que a função do professor, na perspectiva das metodologias ativas, é orientar os estudantes, a fim de que os objetivos de aprendizagem sejam mais claramente atingidos. Sugere-se que o professor, nesse caso, proponha ações pedagógicas, as quais possam garantir que os estudantes se tornem ativos na construção do conhecimento. Assim, este estudante poderá ser levado a se tornar mais consciente sobre o que e como aprende, de que forma produza conexões, a respeito de como superar desafios, como utilizar recursos, habilidades próprias, entre outros aspectos.
Para que tais processos possam ser desencadeados, a criatividade é um caminho pertinente, na medida em que os estudantes são solicitados a participar de projetos, propondo novas soluções, perspectivas, de modo colaborativo. Nesse aspecto também se eleva a sua autoestima como participante ativo.
Bender (2015) entende o projeto educacional em ambiente escolar como uma metodologia orientada à aprendizagem voltada à solução de problemas (ABP - Aprendizagem Baseada em Problemas), ancorados em situações a serem vivenciadas com os estudantes, trazendo ensinamentos pela reflexão e ações práticas. Nesse sentido, abre-se um espaço para proposições criativas. “Pela utilização de projetos autênticos e realistas, baseados em uma questão, tarefa ou problema altamente motivador e envolvente, para ensinar conteúdos acadêmicos aos estudantes no contexto do trabalho cooperativo para a resolução de problemas” (Bender, 2015, p. 15). Desse modo, o referido autor enumera alguns passos que podem fazer parte dos projetos educacionais, conforme mostra a Tabela 5.
Passo do projeto | Descrito |
Âncora | Fornecer informações básicas fornecidas pelo professor para gerar interesse dos estudantes. |
Trabalho cooperativo | Orientar os estudantes a trabalharem em grupo, verificando as habilidades de cada um. |
Questão motriz | Trazer um fato ou situação que é trabalhado para chamar a atenção dos estudantes, em termos de procurar saber mais. |
Investigação e inovação | Orientar os estudantes a fazerem investigação, a partir dos assuntos anteriormente levantados. |
Avaliação | Promover oportunidades para que os estudantes possam fazer reflexões sobre o processo de aprendizagem, o que achou bom, ou que poderia melhorar no decorrer e após o projeto. |
Apresentação de resultados | Solicitar aos estudantes a apresentação de resultados gerados e procurar o melhor meio e a melhor linguagem para poder apresentá-los. |
Fonte: os próprios autores, baseados em Bender (2015).
Discussão dos elementos criativos demandados por projetos
Observando-se cada um desses passos, seguramente, identifica-se um elemento criativo, que garantirá o sucesso do projeto educacional. Para tanto, Behrens (2014) também destaca alguns elementos essenciais dos projetos trabalhados em sala de aula. Nesse caso, sugere-se que o professor prepare um plano de trabalho e apresente aos estudantes, em propósito negociativo e orientador. Algumas sugestões de passos a serem realizados: i) como será o processo de aprendizagem com projetos; ii) como definir a problematização e a contextualização; iii) como deverão ser realizados os levantamentos dos temas e sua escolha; iv) como e quais serão os recursos disponíveis envolvidos; v) quais serão os critérios de avaliação escolhidos; vi) a indicação de percursos de investigação, com recursos, bibliografia e links.
A partir da implantação desses passos para o desenvolvimento de projetos, podem ser identificadas algumas demandas criativas para as ações dos estudantes. Nesse momento, pode-se aplicar um dos procedimentos em sala de aula, como Design Thinking, Sprint e Brainstorming.
1) Primeira demanda criativa: escolha do tema, cujas contribuições devem ter alguma forma de negociação, um diálogo entre professor e estudantes, visando à definição do tema a ser trabalhado no projeto. Deve-se explorar as experiências anteriores dos estudantes com determinados temas, bem como discutir o aprofundamento com referências de buscas, bibliografia, sites, etc.
2) Segunda demanda criativa: problematização - nesse momento são trabalhados os desafios da condução do projeto, nesse caso o professor deve assumir o papel de mediador e atuar com os estudantes na filtragem das ideias. A definição da problematização é que irá dar o diferencial do projeto a ser trabalhado colaborativamente. O problema é que impulsiona a busca de solução sobre a pesquisa.
3) Terceira demanda criativa: contextualização - nessa fase os estudantes devem localizar o problema de pesquisa historicamente, conectando-se ao mundo atual. Essa contextualização deve ser feita por meio de vivências, experiências e compartilhadas entre os participantes.
4) Quarta demanda criativa: pesquisa individual - o estudante irá apresentar resultados efetivos de sua pesquisa individual, demonstrando as escolhas criativas que realizou para atingir seus resultados. Nesse momento, o professor deve orientar os estudantes para que não façam cópias de notícias, mas que ponderem sobre as informações encontradas. Importante também educar para os discernimentos quanto a fake news (Garcia & Czezark, 2019).
5) Quinta demanda criativa: produção individual e coletiva - visando ao produto final - aqui os estudantes são incentivados a produzir seus conteúdos que serão agregados com outros de seus colegas de equipe, e tomar a decisão sobre o que poderá ser aproveitado e descartado, entendendo os objetivos a serem alcançados. Nesse caso, dependendo do projeto, pode-se trabalhar requisitos para a prototipagem, como, por exemplo, a cultura maker, com uso de impressora 3 D, programas de editores de aplicativos, entre outros.
6) Apresentação da produção: a produção, podendo ser um protótipo, deve valorizar os resultados, buscando qualidade informacional, bons recursos e linguagem adequada. Abre-se um novo espaço criativo de escolhas, sobre as melhores linguagens e recursos em busca do alcance do objetivo.
7) Avaliação: essa deve ser tanto relativa à produção em si, quanto ao processo, englobando suas experiências, conquistas, obstáculos e vivências na sua condução. Esse processo também pode receber influências criativas dos estudantes, em que se pode operar com rubricas avaliativas (Garcia & Trujillo, 2018), bem como a observação da profundidade da pesquisa, qualidade dos resultados, entre outros aspectos.
8) Aprimoramentos - ocorrerá a partir da avaliação, com absorção das visões críticas e aperfeiçoamentos para as próximas etapas.
Considerações finais
Este estudo, extraído de uma pesquisa mais ampla, qual nesse foco testou e analisou alguns procedimentos metodológicos, já praticados e reconhecidos no âmbito das organizações, como o Brainstorming, Design Thinking e Sprint, constatou que estes também podem ser praticados em ambiente escolar, na medida em que promovam abrir espaços criativos para os estudantes, em atividades de construção de projetos, desde que haja apropriação clara dos sentidos e das finalidades que levam a praticar tais procedimentos.
Destaca-se como ponto positivo desses procedimentos o estímulo à participação em projetos, ampliando a visão de que se tem sobre as finalidades das atividades propostas dentro do cotidiano escolar, tornando-as claras para todos. Daí pode-se reconhecer o valor do pressuposto dialógico, que envolve atribuir espaços para opinar, interagir e assumir responsabilidades de participação, a partir de um ambiente acolhedor e ao mesmo tempo crítico, elevando o senso participativo dos aprendizes.
Profissionais da educação, ao optarem pelo uso das metodologias ativas, possibilitam a participação criativa por parte dos estudantes, oportunizam a efetivação de movimentos de troca de conhecimento do processo de ensino e aprendizagem. Abrem espaço para diferentes fontes de informação e dialogam com os novos anseios e necessidades da educação contemporânea.
Os referidos procedimentos nas dimensões trabalhadas requerem diferentes desdobramentos, no que tange ao produto, sua prototipagem, sua testagem, sua validação, dependendo sempre da extensão do projeto vigente. Também podem possibilitar um exercício claro de comunicação com grupos, com pares, no acompanhamento do processo, na melhoria da comunicação interpessoal.
Contudo, o ambiente escolar, em que essas ações acontecem, deve construir um projeto educacional harmônico, que ampare abordagens, formas de diálogo, feedbacks, avaliações e mentalidades que se abram para a voz e participação dos estudantes, visando a prepará-los, com autoestima para a criticidade, pesquisa, argumentação e sentido de participação.
Da mesma forma, os resultados de pesquisa nos sinalizam sobre quais atitudes e mentalidades devem ser mudadas para que a criatividade possa passar da condição de um diferencial metodológico, para uma prática de qualidade pedagógica, comum às atividades propostas, o que significa dar voz ao estudante, entender seus limites e aberturas na aplicação.
Esses processos podem produzir uma ponte entre a realidade futura, incerta, plena de dúvidas, e a formação de indivíduos na contemporaneidade. Um dos aspectos importantes a salientar ainda é fazer com que o professor acredite no seu poder de promover ações conjuntas com seus estudantes, mantendo-se na posição de liderança, de orientação, movendo aprendizagem significativas, que colocam os estudantes como sujeitos ativos, coautores na construção de sua aprendizagem.