NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE OS NÚCLEOS DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS (NEABs)
Conceituado por Fernandes (2014, p. 200) como um lócus privilegiado de formação, de articulação, de debates e de elaboração de propostas de estudos de intelectuais negros (as) e não negros que atuam academicamente com a temática das relações raciais, os Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (NEABs) constituíram-se (e constituem-se) polos de formação política na luta contra discriminação e racismo no campo educacional. De acordo com Ghiggi (2016, p.68) estes núcleos representam o Movimento Negro interno à academia, já que a sua composição e organização são em grande parte liderada por ativistas do Movimento Negro.
Registra-se que os primeiros NEABs foram criados na década de 1980 e 19901 por militantes do Movimento Negro que passaram a integrar o quadro de docentes de Universidades de várias regiões do Brasil (FERNANDES, 2014, p.201). Pesquisadores do campo das relações raciais, entre eles, Ratts (2011, p.36); Siss, Barreto e Oliveira (2013, p.08) pontuam que o surgimento dos NEABs ocorreu por intermédio da articulação dos ativistas do Movimento Negro e de intelectuais em sua maioria negros e negras, os quais atuaram na defesa da criação de grupos, centro de estudos e pesquisas com vistas à ampliação do debate sobre relações raciais no país.
Neste contexto, vale ressaltar, ainda, que essa iniciativa do Movimento Negro de criação dos NEABs se concretiza num período no qual as reivindicações pela adoção de ações afirmativas no tocante ao combate ao racismo, preconceito, discriminação e desigualdades raciais se faziam presentes como uma das pautas de debate em eventos (SISS; BARRETO; OLIVEIRA 2013, p.10), entre eles, a “Marcha do Zumbi dos Palmares contra o Racismo pela Igualdade e pela Vida” realizada no ano de 1995 em Brasília-DF. Nesse evento, a partir de robusta articulação discutiram-se disparidades em diversas dimensões entre brancos e negros no Brasil com objetivo de sanar tais desigualdades, por meio da adoção de modalidades de ações afirmativas como política de Estado (SISS; BARRETO; OLIVEIRA 2013; NEGREIROS, 2013, p.07). Entre os diversos desdobramentos desse evento, podemos elencar a constituição do Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra (GTI) 2.
Destacamos como uma ação relevante nesse cenário de reivindicações brevemente descrito, a aprovação no ano de 1996 do I Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) 3 no qual se estabeleciam entre as metas previstas, o apoio as ações do GTI e o desenvolvimento de ações afirmativas em prol do acesso dos indivíduos negros a cursos profissionalizantes, a Universidade e as áreas de tecnologias de ponta (BRASIL, 1996, p.27).
Posteriormente, os anos de 1997 a 2000 que se aproximam da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em 2001, em Durban na África do Sul, são marcados pela realização de reuniões, encontros nacionais e pela criação de um Comitê em preparação ao evento (ALVES, 2002; PEREIRA; SILVA, 2013; HERINGER; 2001; 2003; 2014 p.19). Durante as discussões realizadas no evento, reconheceram-se as dificuldades que enfrentam os africanos e seus descendentes, bem como foi evidenciada a quantidade expressiva de produções científicas elaboradas com ênfase nas disparidades existentes entre negros e brancos nas várias esferas da sociedade, entre elas no campo educacional (ALVES, 2002, p.216).
Ademais, essa intensa mobilização por parte das organizações do Movimento Negro impulsionara, posteriormente, os debates na sociedade sobre o racismo no Brasil e a efetivação de ações por parte do governo4 no que tange a adoção de Políticas de Promoção da Igualdade Racial5.
Com o advento da Lei n. 10.639/2003 e documentos normativos, especialmente, o Parecer do CNE N. 03/20046, a Resolução do CNE/CP N. 01/20047 e o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER) e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana (BRASIL, 2009, p. 26), consubstanciam a relevância dos NEABS e o lugar dos mesmos nos debates com vista à elaboração, implantação e implementação de propostas nas instituições de ensino que contemplem uma educação antirracista.
A menção aos NEABs nos documentos normativos citados nos permite asseverar que tais núcleos assumem lugar estratégico para o fortalecimento das ações afirmativas no âmbito educacional, ao lado de outras instâncias sociais. Desta forma, os NEABs em parceria com o Ministério da Educação (MEC), Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) 8, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) 9 e Comissão Técnica Nacional de Diversidade para assuntos relacionados à Educação dos Afro-brasileiros (CADARA) constituíram-se no decorrer dos anos, pós-aprovação da Lei n.10.639/2003, como órgãos partícipes nos processos de formulação, implantação e implementação de ações10 de promoção da igualdade racial.
A interlocução entre sociedade civil organizada e todos os organismos mencionados acima impulsionou, entre outros fatores, a criação do Consórcio Nacional dos NEABs (CONNEABs) 11 no ano de 200412 e a assinatura do Acordo de Cooperação13 entre MEC e NEABs no ano de 2005. No acordo estabelecia-se a criação de novos NEABs e/ou grupos correlatos, bem como a institucionalização destes núcleos nas instituições de ensino. De tal articulação, houve diversos frutos entre esses, o surgimento de alguns NEABs, bem como o fortalecimento dos já existentes.
No ano de 2006 vários NEABS foram criados, entre os quais, o NEAB/GERA da Universidade Federal do Pará (UFPA), do NEAB/LEAFRO da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e o do LAESER da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (SISS; BARRETO 2013; SANTANA, COELHO; CARDOSO 2014; MARQUES; SILVA 2016; COELHO, SILVA; SOARES 2016, p.15) 14. Outros foram institucionalizados em 2006, mas criados em 1998, como o caso da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Outros criados em 2000 e institucionalizados quatro anos mais tarde (SISS; BARRETO, 2013, p.06; GHIGGI, 2017, p.51) 15.
Em 201016 já se registrava o total de 2417 NEABs, cujo maior quantitativo esteve centrado na região Sudeste com 9 núcleos e do Nordeste com 7 18 (ABPN, 2010, p. 9-18). Desse total, 13 núcleos foram criados após o Acordo firmado entre MEC e os NEABs, no ano de 2005.
Duas obras publicadas sobre NEABs, uma no ano de 201419, e a outra em 2016,20 possibilitaram atualizar as informações relacionadas ao quantitativo de núcleos existentes. Na primeira publicação21, registra-se no período de 2012 a 2014 a existência de 95 NEABs em todo o Brasil, sendo a região Sudeste a que possui o maior número, com 32 núcleos. Na sequência está à região Nordeste com 25 e a região Sul com 21. E com menor quantitativo inserem-se a região Centro-Oeste com 9 e a Norte com 8 núcleos (SANTANA; COELHO; CARDOSO, 2014, p.08) 22. Estabelecendo uma comparação com os dados mencionados no I Catálogo dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (2010, p. 05-31) com os publicados, em 2014 por Santana; Coelho e Cardoso podemos afirmar que continua a preponderância de NEABs na região Sudeste23.
No que concerne aos NEABs existentes na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, no ano de 2010, os Núcleos do IFPA; do IFES e o do CEFET-MG, já existiam. Em 2014 quatro núcleos integravam essa lista: o do IFMT do IFMA; do CEFET-RJ e do IFRJ (SANTANA; COELHO, CARDOSO, 2014). Em 2016 contabilizavam-se 16 NEABs (MARQUES; SILVA, 2016, p.06-13) 24.
Tais dados nos permitem inferir que houve um crescimento significativo de NEABs na Rede, sobretudo, nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs). Segundo o I Catálogo da ABPN, em 2010, os institutos contavam com 2 NEABs, quatro anos depois foram registrados 5 núcleos (SANTANA; COELHO; CARDOSO, 2014, p.178-182) e em 2016, ampliaram para 13 (MARQUES; SILVA, 2016, p.06-13).
Em 201625, na região Sul concentra o maior número de NEABs com 22, a região Sudeste com 14 e a Nordeste com 13 núcleos. As regiões Norte com 10 núcleos e o Centro-Oeste com 11. Ressalta-se ainda que a maior parte dos núcleos se concentra em Universidades (MARQUES; SILVA, 2016, p.13).
Logo, os dados mencionados nos permitem afirmar que, no decorrer dos anos, houve o surgimento de novos NEABs em várias regiões do país. Além disso, cabe destacar que, estes núcleos se constituem em objeto de estudos e de publicações (SISS; BARRETO 2013; SISS 2014; FERNANDES 2014; SANTANA; COELHO; CARDOSO 2014; REZENDE; 2015; MARQUES; SILVA 2016; COELHO; SILVA; SOARES 2016; GIHI, 2017, p.22).
Conforme explicita Botelho (2014, p. 159), os NEABs constituem-se “[...] em instrumentos [...] estratégicos para a discussão, reflexão e proposição de ações de caráter científico, objetivando fomentar nos diferentes espaços socioeducativos o interesse pela pesquisa e pela promoção dos valores sócio-históricos-culturais e pedagógicos das populações afro-brasileiras [.]”. Com base nesta formulação de Botelho (2014) reiteramos nosso objetivo de mapear as ações desenvolvidas pelos NEABs institucionalizados dos IFET.
Dessa maneira, tal proposta de discussão assume relevância nesse cenário por dois motivos: o primeiro pelo fato de, no período de 2010 a 2016 ter havido um expressivo aumento dos NEABs nos IFET26. E o segundo em virtude de que, em face da especificidade dos institutos ofertarem Cursos Técnicos de Nível Médio, Cursos Subsequentes ao Ensino Médio e Cursos Superiores as ações desenvolvidas pelos NEABs perpassarão os diferentes níveis de ensino. Tais aspectos consubstanciam a relevância dos núcleos em âmbito institucional, uma vez que, confere aos mesmos instâncias estratégicas nos processos de implementação de política de ações afirmativas, uma vez que, por meio da institucionalização garante-se aos NEABs existência jurídica, bem como o reconhecimento por parte das instituições às demandas incorporadas pelos núcleos, entre elas, as solicitações por espaço físico, equipamentos e pessoal especializado (SANTANA; COELHO; CARDOSO, 2014).
OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA (IFETs) E OS NÚCLEOS DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS (NEABs): aspectos da institucionalização
Inicialmente, pontuamos informações sobre os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs), em seguida, nos reportaremos à institucionalização dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (NEABs). Os IFETs encontram-se vinculados a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica27, por meio da Lei N. 11.892/2008, composta por 66 instituições, sendo 25 Escolas Técnicas ligadas às Universidades Federais; 1 Universidade Tecnológica Federal, 2 Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) e 38 IFET28. Desses, 644 campi29 localizados nas regiões Centro-Oeste, Sul, Sudeste, Norte e Nordeste. Ademais, ofertam em sua estrutura multicampi30 Educação Profissional e Tecnológica em Nível Médio e Superior, cujo maior compromisso é a oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino no atendimento às demandas sociais, peculiaridades regionais e a inclusão social.
Com base neste preceito - de inclusão social - expresso na Lei n. 11.892/2008 que dispõe sobre criação dos IFETs, e nas formulações teóricas já mencionadas anteriormente, sobre a constituição dos NEABs como espaços nos quais são impulsionadas discussões com vista à elaboração de propostas, implantação e implementação de ações afirmativas no campo educacional propomo-nos mapear as ações desenvolvidas, no período de 2006 a 2017, pelos NEABs institucionalizados dos Institutos Federais.
Contudo, embora, a discussão proposta neste artigo sinalize especificamente para o mapeamento das ações desenvolvidas pelos NEABs nos IFET optamos por manter em algumas partes do texto a nomenclatura utilizada no documento que o institucionaliza na instituição. Tal ação justifica-se as menções no texto aos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABIs) 31.
Sobre a utilização do termo institucionalizado neste artigo consideramos que ele expressa com maior precisão a pertença dos NEABs à estrutura organizacional da instituição. Dessa maneira, selecionamos nessa amostra para o mapeamento das ações os NEABs que se encontram institucionalizados, seja por meio de Resolução/Portaria/Decreto e/o Regulamento32.
Para procedermos com esta seleção realizamos consulta via internet no Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-Sic)33. Tal consulta foi realizada para atender a duas solicitações: a identificação dos 38 IFET, os quais possuem NEABs institucionalizados34 e o mapeamento das ações desenvolvidas no período de 2006 a 2017 pelos núcleos regulamentados. As solicitações35 foram realizadas para cada instituto via abertura de processo no Sistema e-SIC36.
Em seguida, para identificação dos objetivos dos NEABs dispostos nos regulamentos consultados, procedemos de acordo com as orientações de Bardin (2016) com a leitura dos documentos e organização dos dados, mediante a pré-análise; exploração do material e tratamento das informações, ou seja, a definição de categorias temáticas.
Os dados no tocante à institucionalização revelaram que do quantitativo de 38 IFET, 27 possuem NEABs institucionalizados37. Tais núcleos encontram-se localizados em maior proporção na região Nordeste, conforme podemos visualizar nos Quadros I, II, III, IV e V a seguir.
Instituto | Sigla | Criação | Forma de Institucionalização |
---|---|---|---|
IFMT38 | NEABI | 2011 | Regulamento39 |
IFGOIANO40 | NEABI | 2015 | Resolução41 |
IFMS42 | NEABI | 2016 | Resolução43 |
IFB44 | NEABI | 2016 | Portaria45 |
TOTAL 04 |
Fonte: Levantamento realizado pelas autoras no Sistema e-SIC em maio a set/2017.
Instituto | Sigla | Criação | Forma de Institucionalização |
---|---|---|---|
IFFARR46 | NEABI | 2014 | Resolução47 |
IFRS48 | NEABI | 2014 | Resolução49 |
IFSC50 | NEABI | 2015 | Resolução51 |
IFSUL52 | NEABI | 2016 | Regulamento53 |
TOTAL 04 |
Fonte: Levantamento realizado pelas autoras no Sistema e-SIC em maio a set/2017.
Instituto | Sigla | Criação | Forma de Institucionalização |
---|---|---|---|
IFTM54 | NEABI | 2012 | Resolução55 |
IFF56 | NEABI | 2013 | Editais Anuais57 |
IFRJ58 | NEABI | 2013 | Portaria59 |
IFSP60 | NEABI | 2015 | Portaria61 |
IFNMG62 | NEABI | 2016 | Regulamento63 |
IFRJ64 | NEABI | 2016 | Regulamento65 |
TOTAL 06 |
Fonte: Levantamento realizado pelas autoras no Sistema e-SIC em maio a set/2017.
Instituto | Sigla | Criação | Forma de Institucionalização |
---|---|---|---|
IFPA66 | NEAB | 2006 | Portaria67 |
IFRO68 | NEABI | 2013 | Portaria69 |
IFAC70 | NEABI | 2015 | Resolução71 |
TOTAL 03 |
Fonte: Levantamento realizado pelas autoras no Sistema e-SIC em maio a set/2017.
Instituto | Sigla | Criação | Forma de Institucionalização |
---|---|---|---|
IFMA72 | NEABI | 2010 | Resolução73 |
IFRN74 | NEABI | 2011 | Portaria75 |
IFS76 | NEABI | 2012 | Portaria77 |
IFBAIANO78 | NEABI | 2012 | Resolução79 |
IFPI80 | NEABI | 2013 | Resolução81 |
IFPE82 | NEABI | 2015 | Resolução83 |
IFAL84 | NEABI | 2015 | Resolução85 |
IFPB86 | NEABI | 2016 | Resolução87 |
IFCE88 | NEABI | 2017 | Resolução89 |
IFSPE90 | NEABI | 2017 | Regulamento91 |
TOTAL 10 |
Fonte: Levantamento realizado pelas autoras no Sistema e-SIC em maio a set/2017.
De acordo com os dados expostos nos quadros I, II, III, IV, V observamos que, 15 dos 27 IFET institucionalizaram seus NEABs, entre os anos de 2015 a 201792. Cabe inferir ainda, que nenhum NEABI foi institucionalizado no ano de aprovação da Lei N.10.639/2003 e Lei N.11.645/2008, bem como nos anos de 200493 e 2009,94 período que demarcou o surgimento de regulamentações para a implementação da lei nas instituições de ensino e o fomento à criação de Núcleos “destinados ao acompanhamento, estudo e desenvolvimento da educação das relações étnicorraciais e políticas de ação afirmativa (BRASIL, 2009, p.56)”.
Em 2012, merece destaque, 3 NEABIs foram institucionalizados e no ano de 2013 mais 4 núcleos foram constituídos. Sublinhamos estes períodos, em especial, pois em 2012 aprovou-se a Lei N.12.71195 a qual institui a política de ação afirmativa na modalidade de cotas raciais nos IFETs e em 2013 por completar um ano em que a legislação foi sancionada. Logo, de acordo com a legislação vigente, neste percurso de um ano entre 2012 a 2013 os IFTEs implementariam no mínimo 25% da reserva de vagas, previstas de 50%96 para quatro anos, por curso e turno para os estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas97.
Detectamos que, dos 27 NEABs consultados, 14 foram institucionalizados via Resolução, 7 por meio de Portaria e 5 por Regulamento. E com uma característica peculiar de institucionalização, localizamos um NEABI que realiza, por meio, de Editais Anuais à seleção dos projetos que serão desenvolvidos no decorrer do ano letivo pelo “Programa Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e indígenas98”. Dos 27 NEABIs institucionalizados, 19 possuem regulamento99. Ou seja, em menor proporção 8 núcleos que, embora, estejam regulamentados via Resolução, Portaria100 e/ou Edital não possui um documento que defina os objetivos, as normas e o seu funcionamento na instituição.
Com base nesses dados foi possível identificarmos o quantitativo expressivo de NEABIs que estão institucionalizados e regulamentados (via Regulamento, Resolução, Portaria e Decreto) e ao mesmo tempo reiterarmos o argumento de que “[...] a institucionalização garante existência jurídica a estes núcleos [...] nos espaços nos quais estão inseridos (SANTANA; COELHO; CARDOSO 2014, p. 07)”. Uma vez que por meio dos regulamentos se normatizam as finalidades dos NEABs, suas propostas de ações tanto em âmbito institucional como nacional, ou seja, este documento constitui-se relevante para a definição das ações que serão desenvolvidas pelos núcleos. Na seção a seguir apresentaremos os objetivos dos NEABs nos IFTE de acordo com os seus regulamentos.
APONTAMENTOS SOBRE OS OBJETIVOS DOS NEABs DOS IFET: O QUE DIZEM OS REGULAMENTOS?
Para a identificação dos objetivos dos NEABs dispostos nos 19 regulamentos consultados, procedemos com o processo de categorização, por meio das seguintes palavras-chave: Política de Ações Afirmativas e Implementação das Leis N. 10.639/2003; Lei N.11.645/2008 e Lei N. 12.711/2012. Diante de tal análise, identificamos 17 menções aos objetivos dos NEABs como responsável pela ampliação de discussões no tocante a temática racial e atuação no desenvolvimento de política de ações afirmativas.
Em 7 dos 19 regulamentos consultados fazem menção como um dos objetivos dos NEABs a implantação das Leis N. 10.639/2003; Lei N.11.645/2008 e Lei N.12.711/2012. A respeito deste aspecto, consideramos que, esta finalidade não deveria constar no documento como um dos objetivos dos NEABs, posto que, todos os 7 núcleos que fazem essa menção foram criados pós-aprovação das Leis N.10.639/2003; Lei N.11.645/2008 e Lei N.12.711/2012.
Desta maneira, podemos inferir que no período supracitado de criação dos NEABs, que fazem menção ao termo implantação, a lei já estava em vigor, o que demandaria propostas de atuações “[...] que contemplariam medidas que visassem à resolução de problemas identificados no decorrer das ações (MÜLLER; COELHO, 2013, pg. 39)”.
No que concerne aos aspectos relacionados à implementação das Leis N. 10.639/2003; Lei N.11.645/2008 e Lei N. 12.711/2012, cabe inferirmos que a partir dos 19 regulamentos consultados, que 10 referenciam um dos objetivos dos NEABs a implementação da Lei N.10.639/2003; Lei N.11.645/2008. Cabe mencionarmos, ainda, que não identificamos menção especificamente à implementação da Lei N.12.711/2012.
Em relação à Lei N.12.711/2012 foi possível identificarmos a recorrência em 5 documentos a definição da atuação dos NEABs como um órgão proponente e consultivo nos assuntos acerca desta modalidade de ação afirmativa.
Ainda com base nesse cenário de discussão destacam-se a menção em 4 regulamentos as seguintes atribuições dos NEABs: registro sistemático e acompanhamento dos estudantes cotistas101; garantia da implementação de políticas de acesso, permanência e êxito para os cotistas102; reivindicação da reserva de vagas para negros e indígenas nos processos seletivos e concursos públicos; monitoramento das mesmas103. Consideramos a proposta de acompanhamento dos estudantes cotistas de extrema importância, uma vez que, na Lei N.12.711/2012 e no Decreto N. 7.824/2012 que a regulamenta não se estabelece a obrigatoriedade, por parte das instituições de ensino104, de acompanhamento destes cotistas com vista a sua permanência no âmbito escolar e êxito na sua trajetória de estudos.
Ademais, localizamos em 17 regulamentos como um dos objetivos dos NEABs o desenvolvimento de ações de Ensino, Pesquisa e Extensão de forma articulada105. Acerca deste aspecto, consideramos relevante ressaltar que, em nosso entendimento, a articulação das ações destes núcleos ao Ensino, Pesquisa e Extensão favorece a aproximação dos IFET e da sociedade com estes núcleos e ao mesmo tempo contribui para o fortalecimento da política de ação afirmativa tanto em âmbito institucional como nacional.
Em suma, mediante, a identificação dos objetivos dos NEABs foi possível também detectarmos as propostas de ações destes núcleos nos IFET. Sobre este aspecto consideramos com base na legislação vigente que, bem como o planejamento das ações a materialização das mesmas, torna-se fundamental para o fortalecimento da política de ação afirmativa tanto em âmbito institucional como nacional. Nesse sentido apresentaremos na seção a seguir as ações desenvolvidas pelos 27 NEABs institucionalizados.
AÇÕES DOS NEABs DOS IFETs
Nesta seção nos ocuparemos em apresentar o mapeamento das ações desenvolvidas pelos NEABs institucionalizados desde o período da sua criação ao ano de 2017106. Para tanto, foram definidas categorias com vista à identificação das ações dos NEABs no tocante a implementação de duas modalidades de ação afirmativa a Lei N.10.639/2003; Lei N.11.645/2008 e Lei N.12.711/2012. Visualizaremos no Quadro VI a seguir o agrupamento das ações por região de localização destes núcleos.
Categorias | Ocorrências por Região | ||||
---|---|---|---|---|---|
Norte107 | Nordeste108 | Centro-Oeste109 | Sul110 | Sudeste111 | |
Formação de Professores | 20 | 15 | 6 | 5 | 10 |
Inserção da ERER no Currículo Escolar | 4 | 1 | 2 | 2 | 1 |
Monitoramento da Lei N. 12.711/2012 | 1 | 1 | 2 | 3 | 3 |
Acompanhamento dos Estudantes Cotistas Negros | 1 | 4 | 1 | 1 | 1 |
Fonte: Levantamento realizado no Sistema e-SIC no período de out/ a dez/2017.
A partir da apresentação das categorias que demarcam as principais ações desenvolvidas pelos NEABs nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste, foi possível identificamos a recorrência por unanimidade da categoria formação de professores como uma das principais ações dos núcleos112 para a implementação das Leis N.10.639/2003; Lei N.11.645/2008. Nesse cenário, foram elencados os Cursos de Aperfeiçoamento e os Cursos de Stricto-Sensu financiados pelo Programa de Ações Afirmativas para a População Negra nas Instituições Públicas de Educação Superior (UNIAFRO), por intermédio da SESU e SECADI/MEC.
Assim, podemos inferir que esta demanda no tocante à obrigatoriedade da oferta de Cursos de Formação para Professores que contemple a Educação para as Relações Étnico-raciais (ERER), tem sido frequentemente reiterada na legislação vigente113, mas, não somente. Esta também se evidencia na Literatura Especializada114 como uma das estratégias de enfrentamento e subversão das práticas discriminatórias no campo educacional.
Por outro lado, não podemos desconsiderar que, embora, práticas voltadas para a formação dos docentes tenham sido implementadas pelos NEABs dos IFET a pouca incidência de ações com vista à inclusão de conteúdos que abordem a temática Educação para as Relações Étnico-raciais (ERER) no currículo escolar revela em caráter de urgência115 a necessidade de “incluir nas ações de revisão dos currículos, discussão da questão racial e da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena como parte integrante da matriz curricular (BRASIL, 2009, p. 53)”.
Este aspecto assume relevância neste contexto de discussão, pois, em nosso entendimento os processos de formação de professores não podem ser desconectados de outras ações relevantes como a inserção no currículo escolar da temática Educação para as Relações Étnico-raciais (ERER); a produção de material didático que contemple a valorização da história e da cultura afro-brasileira e africana, bem como da seleção de livros didáticos e paradidáticos a ser utilizado em sala de aula.
Há uma unanimidade na literatura especializada a imperiosidade de trabalhar a ERER nos currículos, e para que essa ação se materialize como uma medida de enfrentamento ao racismo e á discriminação faz-se necessário à mobilização de todos os agentes inseridos nos processos educativos (SANTOS; SILVA; COELHO, 2014, p.07).
Reiterando como outros e outros autores, Santos, Silva e Coelho (2014), afirmam que, por meio desta ação de inserção, torna-se possível o professor subverter as concepções eurocêntricas e hegemônicas veiculadas nos livros didáticos com vista à promoção de práticas antirracistas, já que a inclusão da temática ERER no currículo escolar “[..] encaminha a formulação de outra trama do processo de formação da nacionalidade, por meio da qual todos os agentes possam identificar-se e orientar-se [..]” (COELHO; COELHO, 2014, p.99-100).
Outra ação elencada, mesmo que não se figure nas categorias enumeradas, foi à menção da realização de eventos em datas comemorativas, em especial, ao dia “20 de novembro”. Isso porque as ações116 advindas dos eventos são utilizadas no campo educacional como uma das estratégias pontuais para a implementação da Lei N.10.639/2003 e da Lei N.12.711/2012.
Ademais, no tocante as ações desenvolvidas pelos NEABs com vista à implementação da Lei N.12.711/2012, localizamos com maior incidência as voltadas para o monitoramento da Lei, levantamento dos estudantes cotistas negros e formação de comissão para averiguação da autodeclararão de raça/cor dos candidatos ao sistema de cotas raciais. Com menor ênfase identificamos as ações de acompanhamento pedagógico dos estudantes cotistas negros, sobre este aspecto foi mencionada a elaboração de programas que contribuam para a permanência e para a trajetória exitosa dos estudantes negros na instituição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados apresentados no tocante às ações desenvolvidas pelos 27 NEABs institucionalizados nos IFET indicam que, a atuação destes núcleos tem contribuído para o fortalecimento da política de ação afirmativa, especificamente da Lei N.10.639/2003; Lei N.11.645/2008 e Lei N.12.711/2012, institucionalmente e nacionalmente. Isso se coloca, uma vez que a atuação desses núcleos, por meio da oferta de cursos de formação de professores, da realização de eventos, tem possibilitado discussões no tocante à política de ação afirmativa, o enfrentamento do preconceito, da discriminação e das desigualdades raciais em todas as esferas da sociedade.
Ademais, o quantitativo de NEABs já institucionalizados nos IFET denotam a possibilidade117 de desenvolvimento mais acentuado de ações voltadas para a implementação da política de ação afirmativa, bem como contribui para que, esta discussão seja incorporada nas políticas institucionais a fim de preencher a lacuna no tocante a elaboração de propostas de atuação para o acompanhamento social e pedagógico dos estudantes cotistas negros durante a sua trajetória escolar.
Outra ação dos NEABs que, representa em nosso entendimento, o fortalecimento da política de ação afirmativa diz respeito à realização de projetos de extensão e de pesquisas voltadas para a temática racial, uma vez que, por meio destes projetos, torna-se possível divulgar as experiências exitosas acerca da temática ao mesmo tempo em que se contribui para a produção do conhecimento no campo científico. Desta forma, concluímos que as ações desenvolvidas pelos NEABs nos institutos consultados estão para além de ações institucionais.
Todavia, há que se situar nos avanços mencionados acerca dos NEABs os desafios que ainda se apresentam de superar um deles refere-se à necessidade de inserção da temática ERER no currículo escolar de forma circunstanciada. O outro diz respeito aos processos de aprovação dos regimentos dos núcleos, haja vista que, um quantitativo de 8 NEABs ainda não possui documento de institucionalização.