Introdução
Neste artigo, propomos a análise de um trecho do filme “Pelo Paraná maior”, produzido e exibido em 1927, utilizado para a divulgação do estado do Paraná e como propaganda da gestão do governo de Caetano Munhoz da Rocha naquele período. Quanto aos aspectos abordados nesse filme, temos como objetivo identificar, no trecho denominado ‘Instrução Pública’, aparatos e elementos da cultura material que circularam e foram utilizados em algumas escolas do Paraná, cuja composição material remete à retórica do ideal de modernidade, retratado de muitas formas, por exemplo, por meio da construção de novos prédios escolares, mobiliários e objetos escolares. Como construção analítica, apresentamos uma narrativa que relaciona as ideias de modernidade e de educação à época, tendo o cinema como uma possível representação de homem moderno, e nas imagens em destaque, a possibilidade da análise histórica proposta.
Adentrando o Paraná das primeiras décadas do século XX
O ano é 1927. Em 10 de novembro, o jornal paranaense O Dia publica a notícia sobre a organização da instrução pública no Paraná elevando esse estado a exemplo de civilização e progresso.
Ali se realiza uma obra notavel de progresso econômico, como plantio do café em terras de primeira qualidade e com o progresso da instrução pública e estabelecimentos de ensino, que rivalizam com os melhores que São Paulo possui. Os dirigentes do estado do Paraná, pelo que observamos, estão certos de que o futuro do Brasil, está nas escolas primárias, que organizaram magnificamente. Foram mesmo além, instituindo aperfeiçoadíssimas escolas normais em Curitiba, Ponta Grossa e Paranaguá, com aparelhamento pedagógico magnífico (A fita do Paraná na Exposição do Café1, 1927, p. 1).
A retórica do discurso da modernidade e do progresso presente na imprensa, na política e na história era narrada nos campos da ciência, da educação e da técnica e se apresentava em renovações científicas, em novas descobertas e em novos comportamentos sociais desde meados do século XIX. Acerca dessa modernidade, que adentra o século XX, Marshall Berman (1987, p. 15) ressalta,
[...] o turbilhão da vida moderna tem sido alimentado por muitas fontes: grandes descobertas nas ciências físicas, com a mudança da nossa imagem do universo e do lugar que ocupamos nele; a industrialização da produção, que transforma conhecimento científico em tecnologia, cria novos ambientes humanos e destrói os antigos, acelera o próprio ritmo de vida, gera novas formas de poder corporativo e de luta de classes; descomunal explosão demográfica, que penaliza milhões de pessoas arrancadas de seu habitat ancestral, empurrando-as pelos caminhos do mundo em direção a novas vidas; rápido e muitas vezes catastrófico crescimento urbano; sistemas de comunicação de massa, dinâmicos em seu desenvolvimento, que embrulham e amarram, no mesmo pacote, os mais variados indivíduos e sociedades.
A modernidade não é marcada por um período com rígidas fronteiras e espaços de tempo, mas percebida e citada ao longo dos séculos por pensadores, filósofos e historiadores. Berman situa a modernidade em três fases: a primeira no início do século XVI com a fase inicial do Renascimento; a segunda na Revolução Francesa e na sequência com a Revolução Industrial e suas implicações posteriores; e a terceira no século XX. Segundo o autor, a modernidade se expande em nível mundial. Berman denominou modernidade como o ‘conjunto de experiências’ do sujeito. Para ele, o indivíduo moderno deveria “[...] encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor - mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos” (Berman, 1987, p. 14).
Após a Revolução Industrial, a partir do século XVIII, o surgimento de máquinas mais complexas, movidas a outros tipos de energia que não a força humana, representou nos séculos seguintes uma enorme transformação para a humanidade. Nesse processo, de passagem do feudalismo para o capitalismo, ocorreram transformações que mudaram a organização do trabalho e da vida em sociedade. Tais mudanças transformaram o modo de trabalhar, de se relacionar, de pensar, de agir e de como utilizar o tempo. Nas palavras de Berman (1987, p. 14, grifo do autor), “[...] ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, ‘tudo o que é sólido desmancha no ar’”.
O desenvolvimento também atingiu o campo dos engenhos da comunicação. No início do século XIX, em meio à emergência da sociedade de consumo, surgem algumas invenções como telégrafo, telefone, telex e o rádio. A imprensa, o cinema e a fotografia também permeavam esse mundo moderno. As sociedades viviam em um período marcado pela industrialização e pelo capitalismo. Os novos aparatos da tecnologia perpassavam a vida do sujeito, da mesma forma que também contribuíram para impor um novo tempo. O ritmo acelerado das metrópoles encurtava a sensação de tempo e de espaço.
Nesse cenário, podemos pensar o cinema como modo de representação de uma das experiências do homem moderno. A exibição de um filme no final do século XIX, ou no início do século XX, oferece ao telespectador novas experiências visuais, bem como a circulação de valores e de comportamentos de ordem estética, política e social. O cinema incorpora as características dos tempos modernos e a sua tecnologia permite capturar o ‘ritmo frenético’ do homem moderno e ainda oferece à plateia, em formas de sessão, o espetáculo do novo. À luz do saber de Walter Benjamim:
O filme serve para exercitar o homem nas novas percepções e reações exigidas por um aparelho técnico cujo papel cresce cada vez mais em sua vida cotidiana. Fazer do gigantesco aparelho técnico do nosso tempo o objeto das inervações humanas - é essa a tarefa histórica cuja realização dá ao cinema o seu verdadeiro sentido (Benjamin, 1986, p. 174).
A modernidade se faz e refaz de tempos em tempos com a eterna sensação da transformação, da dúvida e da aceleração do tempo. Numerosos foram os avanços políticos, econômicos, tecnológicos e sociais que marcaram essa caminhada até o romper do século XX.
A experiência da modernidade do século XIX, no sentido de uma corporeidade que se adapta e incorpora modos de vida ancorados nas premissas do progresso, da industrialização mecanizada, do alto grau de reprodutibilidade técnica, da representação cotidiana pela imagem produzida, não mais pela arte pictórica, mas pela captura de uma câmera (Benjamin, 1986), multiplicada e mais democrática (Sontag, 1981) seria difundida em grande parte do mundo ocidental pelas Grande Exposições Universais (Turazzi, 1995), que amplificaram os produtos da modernidade como novidade e miniaturização do mundo pela fotografia.
Nesse sentido, os cartões postais e os cinematógrafos das primeiras décadas do século XX foram instrumentos de difusão de uma representação da modernidade que chegou ao Brasil na passagem do século XIX para o século XX, juntamente com os movimentos de imigração, o intercâmbio de intelectuais e de artistas que circulavam na Europa e traziam as influências do modo de vida e do ideário europeu. Dentro desse panorama, no Paraná, acendeu um movimento denominado Movimento Paranista, sustentado por um imaginário e por uma cultura, o paranismo (Pereira, 1996).
Esse movimento foi organizado por artistas e intelectuais e estabeleceu parâmetros de identidade, tendo como ícones: o paranista, uma mistura do paranaense com o imigrante e com a cultura indígena caingangue presente na região; a natureza local representada pelo Pinheiro do Paraná; e a Arte trazendo o olhar de artistas locais como Andersen, João Turin, Lange de Morretes, entre outros.
Nesse âmbito, se destacou o fotógrafo documentarista João Baptista Groff (Vieira, 1998), responsável por difundir o ideário paranista em sua revista Ilustração Paranaense (1927 a 1930), com a colaboração de vários artistas, sendo João Turin responsável pelas ilustrações e ícones paranistas representados na capa da revista e em seu interior. Vale destacar que Groff, munido do ideário paranista, fotografou e filmou o Paraná, produzindo materiais que, à época, foram difusores da modernidade que os imbuía - álbuns de vistas de Curitiba e da natureza paranaense, a revista Ilustração Paranaense, o filme Pátria Redimida que teve início na oportunidade da passagem de Getúlio Vargas por Curitiba em 1930 (Vieira, 1998).
Destaca-se nesse contexto de representação de uma modernidade desejada pelo olhar do fotógrafo Groff, enquanto testemunho de uma época, a arquitetura urbana, a natureza típica do lugar, a produção de uma história conjugada do paranaense que se estabeleceu no lugar com os sujeitos que contribuíram com a construção do Paraná, os imigrantes. Pela fotografia, um modo de vida associado à modernidade europeia foi evidenciado, como o exemplo do footing na Rua XV, bem como a presença de colonos no Largo da Ordem, que é uma marca étnica para a modernidade curitibana e paranista. Com o Estado Novo, acrescentam-se a essa representação, imagens da Praça Santos Andrade em eventos cívicos, que contam com a presença de estudantes em formação similar à estética militar, aludindo a uma imagem de progresso e de civilização.
O exemplo do Paraná é uma demonstração da ideia de modernidade que se espraiou como ideário do homem moderno, o que nos possibilita indagar o papel da imagem, especialmente da fotografia, que detinha o valor de documento e de verdade capaz de revelar o mundo em sua representação. Por outro lado, assim que a imagem em movimento se estabelece enquanto representação do cotidiano, os filmes produzidos como documento da realidade passam a conotar o efeito de verdade, dada a verossimilhança causada pela ilusão de captura da imagem em movimento.
No cenário educacional, difundiu-se a ideia de que era preciso uma escola nova para moldar esse homem moderno ligado ao desenvolvimento industrial e à urbanização. No decorrer da década de 1920, no Brasil, assim como em outros lugares do mundo, vários foram os debates e as iniciativas de renovação do sistema escolar. Entre as propostas vindas de diferentes campos de atuação, destaca-se um movimento internacional, o da Escola Nova, que propunha um rompimento com as estruturas educacionais tradicionais (Vidal & Rabelo, 2020).
Depois de cruzar fronteiras, os discursos da Escola Nova chegaram ao Brasil e foram disseminados nesse período no Rio de Janeiro e em São Paulo. Mas o movimento obteve visibilidade após a reforma empreendida por Fernando de Azevedo no Distrito Federal, no Rio de Janeiro. Azevedo propunha que uma educação eficiente também estava ligada aos objetos educacionais, aos prédios e a uma arquitetura adequada. Entre 1927 e 1930, como responsável pela Diretoria Geral de Instrução Pública, ele buscou reestruturar a educação pública por meio da renovação do interior e do exterior das escolas e de seus métodos e organização. A instalação de novas escolas e de projetos arquitetônicos se intensificou. De acordo com Diana Gonçalves Vidal, essa diversidade “[...] apontava para os vários usos que o ensino baseado na experiência, na vivência dos estudantes, como pregavam os reformadores cariocas, alicerçados em discursos da Escola Nova, exigia” (Vidal, 2008, p. 237).
Em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova2 foi lançado. Esse documento era direcionado ao Governo e à Nação e defendia a educação obrigatória, laica e gratuita para todos, como mecanismo de democratização do ensino. Ainda, Diana Gonçalves Vidal lembra que, se em outros países, a
Escola Ativa remetia a um princípio pedagógico, particularmente no Brasil, assumiu um significado muito distante do que adquiriu em todos os demais países em que emergiu. Aglutinou não apenas uma bandeira educacional, mas um investimento político: a renovação do sistema público (Vidal, 2013, p. 582).
A autora pontua que o Brasil foi o único país ocidental em que a Escola Nova representou um investimento do Estado. Vale destacarmos que o financiamento da educação foi alvo de disputa entre os pioneiros e a ala conservadora, alicerçada pelas instituições confessionais, que exigiam subsídios do Estado. Os Pioneiros representaram a modernidade na Educação, seja por ensejarem novos olhares sobre o ensino, seja por pautarem a educação pública e gratuita e a laicidade como atribuição do Estado.
Na educação brasileira, podemos perceber que o discurso da modernidade, alinhado ao progresso e à valorização do novo, faz-se presente em várias bibliografias. Rosa Fátima de Souza descreve que muitos modelos, temas e estratégias desenvolvidos em vários países, ditos civilizados, circularam e foram debatidos nas esferas política e pedagógica.
[...] métodos de ensino, a ampliação dos programas com a inclusão de novas disciplinas, livros e manuais didáticos, a classificação dos alunos, a distribuição dos conteúdos e do emprego do tempo, o mobiliário, materiais escolares, certificados de estudos, a arquitetura, a formação de professores, a disciplina escolar. Diversos meios possibilitaram a circulação dessas ideias e modelos: as Exposições Universais, os congressos de instrução, relatórios oficiais elaborados por ministros e inspetores do ensino, publicações de livros, artigos, jornais e revistas especializadas no campo educacional (Souza, 2000, p. 11).
À luz do trabalho de Gizele de Souza, no estado do Paraná, as ideias de educação e de escola moderna com o intuito de alavancar o progresso também estão presentes no debate, na arquitetura, nos discursos da imprensa e na circulação das ideias de educadores no início do século XX.
A representação da escola como ferramenta de civilização, como ‘cellula mater’ de onde se irradiava a luz da instrução, do progresso e da modernidade sobre a população e que afastava as trevas da ignorância - todas essas imagens eram fortes argumentos que sustentavam as propostas de edificação de ‘casas escolares’ adequadas, traduzidas em grupos escolares. Entende-se que a construção dos jardins-de-infância no estado do Paraná ancorava-se na hipótese de constituição desta modalidade escolar como componente de um projeto ampliado de organização do ensino marcado por exemplos internacionais e nacionais de reformas pedagógicas (Souza, 2004, p. 38, grifo autor).
As mudanças no espaço escolar, no método do professor, nos instrumentos de ensino, nos artefatos pedagógicos e na organização da escola ocorreram em diferentes proporções e lugares. A escola é parte de um tecido social amplo, que envolve todo o contexto social. Dessa forma, na tentativa de uma aproximação com o cotidiano da escola, ancoramos esse estudo no conceito de cultura escolar definido por Julia (2001, p. 10): “[...] como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos”.
Esse cenário escolar também é composto por uma materialidade específica, constituída por objetos, que “[...] deixam entrever projetos pedagógicos de escolarização da infância, racionalidades pedagógicas, representações da escola; métodos de ensino, dispositivos educativos; intenções educacionais, dentre outros aspectos [...]”, conforme pontuam Eliane Peres e Gizele de Souza (2011, p. 54). Essa materialidade é entendida, destarte, a partir de uma perspectiva de cultural material escolar. Diante disso, ao tratar as imagens do filme como fontes para a história da cultura material escolar, buscamos contribuir com estudos da história da educação que se localizam em um cenário pautado pela retórica da educação moderna.
Cinema: uma propaganda da renovação escolar
O cinema pode ser considerado como um modo de representação de uma das experiências do homem moderno. Ele nasceu da vontade humana de reproduzir a imagem em movimento e, dessa forma, representar o mundo tal como ele nos surge: num espaço (tridimensional) e num tempo (continuum). O cinema, por si só, desde a sua origem e circulação pode ser analisado dentro da história transnacional. Ao pensarmos na chave de leitura da abordagem de José D’Assunção Barros (2019, p. 9), “[...] tanto a história transnacional como o das histórias cruzadas ou o das histórias entrelaçadas pressupõem possibilidades de mudanças no próprio estilo historiográfico”.
Como tecnologia de captura da imagem, assim como a fotografia, o cinema não teve um único inventor. Várias pessoas, em diferentes lugares do mundo, com inúmeras motivações, participaram e contribuíram para a invenção do cinema, mas foi aos irmãos Louis e Auguste Lumière, que coube o registro da patente do Cinematógrafo: o aparelho que possibilitou a projeção de imagens em tela a um vasto público.
O rápido desenvolvimento da indústria cinematográfica na América do Norte e Europa Ocidental relaciona-se com o desenvolvimento científico e tecnológico daqueles países. No Brasil, a primeira sessão ocorreu no Rio de Janeiro, em julho de 1896. Entretanto, o cinema só vai chegar a Curitiba, em 1907, trazido pelas companhias ambulantes. O primeiro filme produzido no Paraná data de 1907 também, com a filmagem de Anibal Requião.
A imagem em movimento incorpora as características dos tempos modernos. Isso, porque a sua tecnologia permite capturar o ritmo frenético do homem moderno e ainda oferece à plateia, em formas de sessão, o espetáculo do novo. Conforme descreve Roger Chartier (2002, p. 17), “[...] a história cultural tem como principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”.
Nessa perspectiva, podemos pensar que as exibições de filmes contribuíram para a circulação de determinados assuntos atrelados à ciência e à retórica da educação moderna. No Brasil, na década de 1920, o cinema educativo foi introduzido nas escolas como uma síntese do movimento entre a Física e a Escola Nova (Vidal, 1994). Além do uso para o ensino, o cinema é uma ferramenta de propaganda. Um exemplo disso é o documentárioHome Chez Nous, produzido pelo pedagogo suíço Adolfo Ferrière, em 1929, que circulou em alguns continentes exibindo um modelo de Escola Nova.
Os filmes, enquanto fontes de documentação histórica e meios de representação da história, podem ser recortes do cotidiano reveladores para os historiadores. Para Peter Burke, as imagens são como uma testemunha ocular com potencialidade para o estudo da cultura material.
O testemunho das imagens é ainda mais valioso porque elas revelam não apenas artefatos do passado (que em alguns casos foram preservados e podem ser diretamente examinados), mas também sua organização; os livros nas prateleiras de bibliotecas e livrarias, por exemplo, ou os objetos exóticos arrumados em museus, ou ‘gabinetes de curiosidades’ [...] imagens também revelam como os objetos eram usados [...] (Burke, 2004, p. 121-122, grifo do autor).
Nesse sentido, buscar os elementos exibidos no filme “Pelo Paraná maior”, que propagandeou o estado do Paraná em 1927/1928, é uma tentativa de reflexão sobre uma parte do percurso histórico para compreender quais aparatos e artefatos foram utilizados em algumas escolas do Paraná naquele período. Conforme permite analisar Jacques Revel (1998, p. 24), a redução da escala de análise implica em uma modificação da construção histórica. A escolha de uma escala de análise, portanto, quer dizer escolher “[...] um ponto de vista de conhecimento”. Paul Ricoeur (2007 p. 222) explica que “[...] a mudança de escala não significa ver as mesmas coisas maiores ou menores, mas ver coisas diferentes [...] com encadeamentos diferentes”. Assim, ao analisar determinado trecho de um filme, optamos por, a partir dele, perceber a circulação e a apropriação de determinados elementos da cultura material escolar exibidos naquele período numa escala nacional.
Importa-nos situar que a fonte histórica principal deste artigo é um filme da década de 1920, mas, para a realização da análise, parte do filme foi digitalizado em forma de fotografia. A imagem fotográfica é um recorte escolhido sobre um dado momento. À luz de Benjamin (1986), a fotografia como fragmento do passado constitui-se na sua particularidade uma mônada, ou seja, através dela é possível avaliarmos as imagens do passado ou as ideias contidas nessas imagens como representações de uma época. “Cabe ao materialista histórico fixar uma imagem do passado, como ela se apresenta, no momento do perigo, ao sujeito histórico, sem que ele tenha consciência disso” (Benjamin, 1986, p. 224).
“Pelo Paraná maior” - um filme produzido para impressionar
O Estado possui terras e matas que constituem fontes de riquezas inesgotáveis que estão atraindo capitais do resto do Brasil e do estrangeiro. A administração do senhor Munhoz da Rocha estabeleceu escolas de agricultura, para o ensino e preparo da terra, por meio de processos modernos da ciência. Na tela do palácio das Exposições filmaram-se diversas aulas práticas e nessas escolas, com elevado número de alunos [...]. Pelo que observamos, porém, podemos constatar e o fazemos sinceramente, que o Estado vizinho está realizando uma obra extraordinária de progresso que se integralizará brevemente, desde que haja continuidade administrativa (A fita do Paraná na Exposição do Café, 1927, p. 8).
O cenário é a Curitiba dos anos de 1920. O governo do Paraná, representado por Caetano Munhoz da Rocha3, parecia determinado a propagandear o progresso que ocorria no estado. Um exemplar dessa tentativa é o filme “Pelo Paraná maior” (1927), produzido pela Botelho Films4, para a projeção na exposição cafeeira de Rezende, com o objetivo de publicitar o estado como grande exemplo de civilização e de desenvolvimento social. Era a retórica do ideal de progresso exibido na tela. Esse filme foi produzido para ser exibido na Exposição do Segundo Centenário Cafeeiro do Brasil, na cidade de São Paulo, em 1927. Vale ressaltarmos que outros filmes foram produzidos no mesmo período.
O filme, pela inovação, já se caracterizava como representação de uma tecnologia moderna do século XX, pois retratava um Paraná atento às grandezas do estado, promovendo um notável progresso econômico que abarcava também a instrução pública e os estabelecimentos de ensino existentes naquele período. O texto de Ana Paula Pupo Correia (2015, p. 06) situa o leitor explicando que a seleção das imagens transmitia a ideia de modernização: “[...] quanto ao desenvolvimento das cidades, o documentário mostrava a organização do espaço [...]”, com as cidades de Curitiba, Ponta Grossa e Paranaguá urbanizadas e modernas.
Além disso, a filmagem focou a construção de novos prédios públicos e documentou ampliação de novas estradas. Na área da educação, as imagens da infraestrutura escolar destacaram o cotidiano dos grupos escolares e das Escolas Normais de Curitiba, Paranaguá e Ponta Grossa.
Na oportunidade de exibição do filme, ocorreu a conferência de Lysimaco Ferreira da Costa, inspetor geral do ensino no Paraná e Delegado do Estado no Congresso do Café, naquele período. A figura do professor Lysimaco Ferreira da Costa também pode ser lida em uma abordagem transnacional, como um mediador e um tradutor cultural, tendo em vista a sua potente circulação no cenário educacional, científico, econômico e administrativo do Paraná. Essa circulação pode ser evidenciada por meio de viagens ligadas à educação e à economia, por suas correspondências com várias cidades do Brasil e de outros países, indicando a articulação do educador junto a agremiações e associações5 nacionais e internacionais.
O filme “Pelo Paraná maior” teve a primeira sessão no dia 5 de novembro de 1927, às 20 horas, no salão de projeções da Exposição do Café de Rezende. A matéria publicada pelo periódico Correio Paulistano, no dia seguinte ao evento, ilustra:
[...] o distinto delegado do Paraná falou circunstanciadamente sobre seu Estado natal, demonstrando suas vastas possibilidades realizadoras em prol do progresso da pátria, numa síntese admirável que causou admiração no seleto e numeroso auditório (O II Centenário da Introdução do Cafeeiro, 1927, p. 04).
Após o discurso do representante do Paraná, a plateia presente naquele momento assistiu à exibição do filme “Pelo Paraná maior” e pôde conhecer as diversas cenas do cotidiano e da geografia do Paraná. Pelo programa de exibição, o filme é dividido em 9 partes, inventariadas como: 1) Curitiba; 2) O Leprosário de São Roque; 3) O Sanatório de São Sebastião; 4) Asilo S. Vicente de Paulo; 5) Os Abrigos de Menores; 6) Uma Villa para os Funcionários Públicos; 7) A Instrução Pública; 8) As Indústrias principais; e 9) Estradas de rodagem. A primeira legenda do filme traz o seguinte texto:
BOTELHO FILM, empresa nacional, cujas diretrizes de exaltação da terra e do homem brasileiros, se evidenciam na divulgação entusiasta de quanto se faz de bom e grandioso na imensidade da pátria brasileira, volve, hoje, decorridos 6 anos sobre a satisfação que experimentou de mostrar o Estado do Paraná ao Brasil e ao mundo, fotografando nos filmes A Erva Matte ou Chá do Brasil, A Indústria da Madeira, A Pecuária Paranaense, Cerâmica de Pinhais, A Estrada de Ferro Paranaguá a Curitiba e A Instrução Pública e tantos outros em que se evidenciou o esforço Paranaense dentro da Federação Brasileira, volve hoje, dizíamos, suas objetivas para novos aspectos desse trabalho fecundo e vertiginoso, que no interregno de um lustro, tanto de novo produziu (Mucha, 1927).
O filme tem 90 minutos de duração e intenta mostrar uma cidade considerada moderna, bem estruturada e condizente com o entendimento de ordem e progresso. Os feitos no estado paranaense eram propagandeados pelo governo em eventos como exposições e congressos. Embora o filme tenha sido produzido pela Botelho Film6, a professora e pesquisadora Solange Straube Stecz (1988, p. 110) identificou, a respeito do filme, o seguinte em manifestação da imprensa da época: “[...] características da produção de Groff, sem, no entanto, citar seu nome [...]”. O trecho foi comentado em um jornal de Curitiba e refere-se a uma matéria que abordou o tema A fita do Paraná na Exposição do Café - São Paulo (1927).
Apesar de Groff ter se estabelecido inicialmente como fotógrafo, como entusiasta do cinema, também se voltou à produção documental, sendo uma das suas primeiras iniciativas a filmagem das Cataratas do Iguaçu, em 1922. Mais tarde, na década de 1930, ele se tornou o documentarista oficial do Estado acompanhando o interventor Manoel Ribas pelo Paraná (Vieira, 1998).
Dentre os tópicos do programa do filme, nos interessa neste artigo enfatizar ‘Instrução Pública’, que exibe uma parcela dos investimentos em educação naquele período. Para fazer a análise, partes do filme foram transformadas em figuras/imagens, destacando alguns elementos e artefatos presentes na cultura escolar da educação paranaense do ano de 1927.
O filme é mudo e apresenta tela em fundo preto com as legendas em branco, situando e conduzindo o espectador pelo estado do Paraná. Quase como um todo, apresenta algumas instituições daquela época, que apontam um olhar disciplinador, sanitarista e fortemente permeado pelo ideal do progresso. Cinco, dos nove tópicos apresentados no programa, indicam ao telespectador, que, se assistir a película, verá as ações desenvolvidas pelo governo do Paraná, no que tange a atender aos leprosos, aos tuberculosos, aos idosos pedintes, aos menores abandonados e aos jovens estudantes.
Cerca de 20 minutos foram dedicados a mostrar as instalações e os elementos das modernas instituições de ensino de três cidades do Paraná: Curitiba, Ponta Grossa e Paranaguá. Em documentos intitulados Mensagens de Governo7, assinados pelo presidente do estado Caetano Munhoz da Rocha, entre os anos de 1927 e 1928, encontram-se descritos os investimentos realizados na Instrução Pública do estado. No texto de 1927, o governo aponta que atendeu amplamente à difusão do ensino no estado.
Foram devidamente providas de excellente mobiliario e material de ensino os jardins de infância, os grupos e as casas escolares, as escolas isoladas e as complementares, que necessitavam desse apparelhamento. Encomendaram-se na Europa os laboratórios de physica, chimica e historia natural, destinados às três escolas normaes do Estado (Paraná, 1927, p. 81).
Percebemos a composição material da escola na retórica do ideal de modernidade pela evidenciação de elementos que distinguem um modelo de educação, por várias formas: a construção de novos prédios; o novo mobiliário escolar; os uniformes; e os materiais de ensino dispostos nas escolas.
Nas Figuras 1 e 2, notamos a entrada dos alunos no prédio escolar. A imagem em movimento enfatiza a quantidade de alunos, exibe o uso dos uniformes e os alunos carregando o material didático e a pasta escolar.
As Figuras 3, 4 e 5, dispostas anteriormente, representam trechos do filme que documenta a inauguração de um novo e imponente prédio escolar, localizado em Paranaguá, distante da capital 91.2 km. Munhoz da Rocha, em seu relatório de 1928, assinalava que a nova Escola Normal de Paranaguá apresentava um vasto edifício com 24 salas de aula, gabinetes dos diretores, secretaria, gabinete dentário, dispunha de espaçoso parque para recreio e de um pavilhão de ginástica (Paraná, 1928, p. 140). Pelas reflexões de Marta Carvalho, “[...] para se fazer ver, a escola devia se dar a ver”.
Daí os edifícios necessariamente majestosos, amplos e iluminados, em que tudo se dispunha em exposição permanente. Mobiliário, material didático, trabalhos executados, atividades discentes e docentes - tudo deveria se dado a ver de modo que a conformação da escola aos preceitos da pedagogia moderna evidenciasse o Progresso que a República instaurava (Carvalho, 2003, p. 24).
A representação traz vários elementos simbólicos. A película intenta mostrar ao telespectador uma ideia de que o governo do Paraná estava ocupado em ofertar educação para o estado como um todo, extrapolando o limite geográfico da capital. Além disso, representa a mobilização da comunidade e apresenta os aparelhos oficiais com a exibição da banda marcial ou da fanfarra na cerimônia de inauguração. Ainda, registra a posição de sentido e a organização dos alunos. Essas imagens suscitam pensar sobre o papel disciplinador desenvolvido pela escola.
As Figuras 6, 7, 8, 9 apresentam as cenas de uma aula considerada modelo, com a entrada organizada dos alunos devidamente uniformizados. Também a imagem da professora proferindo uma aula. Na imagem 7, visualizamos o material pedagógico utilizado naquela aula, o ambiente composto de cavalete com um quadro representando o mapa do Paraná. Ademais, são registradas cenas da professora com os alunos em deslocamento provavelmente em direção ao pátio.
As Figuras 10 e 11 trazem a ideia da organização dos alunos, da prática dos exercícios físicos, bem como os ritos de referência à bandeira nacional. Um aspecto cenográfico e representativo de uma ideia de educação disciplinadora.
Nas Figuras 12 e 13, expõe-se, ao telespectador, a mobília, as carteiras consideradas adequadas ao modo escolar como uma representação dos artefatos de uma escola moderna. Todos esses aspectos, desde a estrutura arquitetônica do prédio, as carteiras escolares e até mesmo a decoração interna e externa devem ser considerados como parte da cultura material escolar, “[...] uma vez que respondem a padrões culturais e pedagógicos que a criança internaliza e aprende” (Benito Escolano, 2001, p. 45).
Observamos, nas Figuras 14 e 15, a preocupação da organização do mobiliário, do espaço e dos utensílios disponíveis na escola. Aqui as imagens registram os amplos corredores com entrada de luz, os bebedouros e os lavatórios. Ainda, o espaço denominado Sala da Congregação destinado às reuniões que tratam dos assuntos referentes à comunidade escolar.
Por fim, as Figuras 16 e 17 exibem a grande apresentação de exercícios ginásticos de conjunto e bastão, que, segundo a legenda do filme, reuniu 4 mil crianças para a demonstração realizada em frente à Universidade Federal do Paraná, em 1927. Lysimaco Ferreira da Costa e Caetano Munhoz da Rocha aparecem nas imagens finais da apresentação, descendo as escadarias localizadas em frente à Universidade. Essa é a cena final do tópico Instrução Pública, conforme o programa do filme supracitado. Ela propõe uma forma de assinar e documentar o trabalho realizado pelo governo na educação, naquele ano. Ao encerrar em frente a um espaço educacional de referência, intenta-se mostrar que, com os inúmeros investimentos realizados em educação, apresentados ao longo da película, seria possível ascender à Universidade. Percebemos que, nos 20 minutos dedicados à instrução pública, o filme exibe as cidades que estavam melhor aparelhadas mostrando os novos prédios, o mobiliário adequado, a organização do espaço, os uniformes e as práticas pedagógicas representadas respectivamente nas escolas filmadas em Curitiba, Ponta Grossa e Paranaguá. Segundo as Mensagens de Governo dos anos de 1927 e 1928, os estabelecimentos de ensino do estado, em sua grande maioria, receberam:
[...] os elementos do respectivo mobiliario constante de bandeira nacional, carteiras, mesa, armario, quadro negro, cadeiras e uma série de utensilios indispensaveis e, quanto ao material de ensino, livros de leitura e outros para as tres series, cadernos de calligraphia e linguagem, mappas geographicos, historicos, de linguagem e de arithmetica, lapis, canetas, tinta, giz, etc. (Paraná, 1927, p. 214).
Destacamos ainda que uso de uma tecnologia moderna, como um filme/cinema, poderia ser uma estratégia do governo paranaense para auxiliar na apresentação e na divulgação de uma determinada situação econômica e social do estado do Paraná que convencesse a população da veracidade do seu discurso.
Filme: uma estratégia de articulação transnacional
Outro ponto a ser destacado sobre esse filme é que, embora ele tenha sido elaborado para ser exibido em um evento do café, em São Paulo, sabemos que ele também foi usado, alguns meses antes, em uma palestra para ilustrar os Aspectos do Ensino Paranaense e articular a favor do Paraná, que intentava sediar a I Conferência Nacional de Educação8. Nesse cenário, a partir da leitura de Martin Lawn, podemos pensar no cruzamento de fronteiras estaduais (Lawn, 2014).
Isso, porque o filme é produzido no Paraná, para ter a sua estreia no Congresso do Café, em São Paulo. Entretanto, o mesmo filme é levado para o Rio de Janeiro para um evento voltado aos aspectos educacionais, alguns meses antes da estreia. Essa informação nos remete ao papel das Exposições Universais, enquanto espaço de apresentação, divulgação e de disseminação dos produtos da modernidade, cultura estabelecida no século XIX, que adentrou no século XX, tendo o cinema, ou os filmes documentais, como instrumento difusor do progresso.
Nesse sentido, parece-nos providencial que, em um evento voltado a promover a ideia de progresso e de desenvolvimento no Brasil, fosse exibido um filme que ilustrava o Estado moderno almejado. O objetivo era divulgar o estado do Paraná em ambos os eventos, embora as plateias fossem bastante diferenciadas: uma era voltada à economia e a outra à educação. Para além do filme em si, a exibição ainda contava com apresentação ou palestra do inspetor geral do ensino no Paraná, Lysimaco Ferreira da Costa, antes ou depois da sessão, fazendo circular a ideia da educação moderna realizada no Paraná.
O filme projetou um Paraná educacional que poderia qualificar Curitiba como um dos grandes centros culturais do país. Essa palestra ocorreu em 23 de agosto de 1927, em uma conferência9, patrocinada pela Associação Brasileira de Educação (ABE), no Anfiteatro da Escola Politécnica, no Rio de Janeiro. Segundo a imprensa da época:
Na 1ª parte tratou de Curityba, como um grande centro da cultura do paiz, terra onde se encontram todas as espécies de escolas, desde o Jardim da Infância até a majestosa Universidade do Paraná. Terminada a 2ª parte foi projectado na tela um bello filme das escolas normaes de Curityba, Ponta Grossa e Paranaguá, causando especial sensação na assistência o aspecto da creanças paranaenses, o museu escolar e a E. N. Secundaria, sobre cuja organização deu o conferencista amplas explicações. Na 3ª parte sua da Conferencia tratou o dr. Lysimaco da Universidade e do espirito universitario do Paraná, mostrando as suas reacções beneficas, produzidas no meio social paranaense. Dissertou sobre a acção do governo Sr. Munhoz da Rocha terminando com a expressão: eis ahi, srs., o resultado de 8 annos de um governo feliz! Em projecção animada foi lançado na tela o bello edificio da Universidade. Agradeceu o Dr. Lysimaco, a presença dos professores e demais pessoas, autoridades, bem como agradeceu a Empreza Botelho Film a gentileza com que se ofereceu para illustrar gratuitamente a sua conferencia [...] A Associação Brasileira de Educação promoveu essa conferencia, que foi assistida por um publico de professores e interessados no assumpto, notando se a presença do Dr. Fernando Magalhães, presidente da Associação, e o Dr. Fernando de Azevedo, director da instrucção Publica do Districto Federal (Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, 1927, p. 1).
Importa-nos lembrar que Lysimaco Ferreira da Costa era membro fundador da ABE em 1924 e participava das discussões internas e das articulações junto aos demais intelectuais que debatiam os projetos políticos educacionais a serem implantados no país. A ABE surgiu em um momento em que a crença era usar a educação para recuperar o país de uma hipotética perspectiva de atraso cultural e científico. Para Marta Carvalho (1998), a ABE constituiu-se em
[...] um dos instrumentos mais eficazes de difusão do pensamento pedagógico europeu e norte-americano, e um dos mais importantes, se não o maior centro de coordenação e de debates para o estudo e solução de problemas educacionais, ventilados por todas as formas, em que inquéritos, em comunicados à imprensa, em curso de férias e nos congressos que promoveu nas capitais dos Estados (Carvalho, 1998, p. 31).
Na trama dessa história, ao perseguir o fio condutor do nome (Ginzburg, 2007), encontramos nos documentos da Instrução Pública de 1927, guardados no Arquivo Público, o recibo10 de pagamento do filme assinado e custeado pelo então inspetor geral do ensino no Paraná, Lysimaco Ferreira da Costa (Allgayer, 2020). Vale refletirmos sobre o porquê a produção do filme passa pelas mãos do inspetor geral. Além disso, quais eram os interesses em divulgar imagens das escolas paranaenses em Conferências em São Paulo? Qual a relação dos tópicos do filme com a ideia de modernidade que circulava no Brasil?
Nesse sentido, as análises aqui desenvolvidas estão ancoradas no pensamento de Ginzburg (1989), que afirma serem os pormenores, os sinais, os indícios, os elementos importantes para o que o historiador fará, isto é, observar, ater-se aos detalhes e fazer associações possíveis. Nesse cenário, podemos pensar que o uso do cinema como uma estratégia de visibilidade foi acertada, tendo em vista que a I Conferência Nacional de Educação ocorreu na cidade de Curitiba, em dezembro de 1927.
Considerações finais
A análise fílmica das 17 figuras/imagens extraídas do “Pelo Paraná maior”, mais especificamente do sétimo tópico do filme, denominado no programa como a Instrução Pública, para nós, aponta alguns elementos e artefatos presentes na cultura escolar da educação paranaense daquele período. Vinte minutos do filme são dedicados aos aspectos do ensino paranaense, exibidos ao telespectador como uma representação dos investimentos realizados pelo governo de Caetano Bento Munhoz da Rocha, em parte da instrução pública do estado.
No cotejamento das fontes, pudemos perceber iniciativas de um investimento na instrução pública do Paraná com o intuito de aparelhar as escolas públicas de acordo com os preceitos modernos, visando a sua ampliação, renovação e desenvolvimento. As imagens apontam que, no estado do Paraná, ao menos nas três cidades filmadas - Curitiba, Ponta Grossa e Paranaguá -, as escolas tidas e representadas como modernas foram exibidas como imponentes prédios escolares, contemplados com salas espaçosas, bem aparelhadas e funcionais. Elas também destacam as carteiras escolares como um artefato importante na composição material adequado àquelas escolas e expõem o trabalho dos professores, além das alunas do curso normal e dos estudantes do curso complementar, todos uniformizados, bem como alguns objetos de ensino organizados nas respectivas escolas. Ainda, apresenta cenas de festas e ritos escolares, como o culto à bandeira e os exercícios físicos. Esses elementos enfatizam aspectos que constroem uma imagem idealizada do que deveria ser a renovação escolar.
O filme trata de mostrar franca e apelativamente a força econômica, produtiva e modernizadora do governo do Paraná. Localizado no ano de 1927, podemos indagar: Que impacto teria no imaginário do telespectador, as imagens em movimento como construção simbólica do Estado? Como tal produção, carregada de representações sociais, poderia ter sido usada como estratégia para consolidar a imagem de um Paraná sólido e próspero? Sabemos que o filme foi produzido com a intenção de dar publicidade ao Estado na Exposição Café, mas também foi utilizado como divulgação em outras esferas, inclusive, na educacional. Nesse sentido, analisar algumas cenas exibidas do item Instrução Publica, do filme “Pelo Paraná maior” foi uma tentativa de extrair algumas representações que dialogam com as ideias da Escola Nova e que circularam por várias fronteiras.