Introdução
É conhecido que os fatores escola e background social estão associados ao desempenho escolar. Até a década de 1960 supunha-se que, por meio da escola pública e gratuita, era possível resolver não apenas o problema do acesso, mas também consubstanciar a igualdade de aprendizagem e oportunidade para todos. Competindo dentro do sistema de ensino, acreditava-se que os indivíduos estariam em condições iguais para alcançar destaque com base em seus dons e esforços individuais e, por uma questão de justiça, os que tivessem mérito ocupariam as posições de destaque na sociedade. Todavia, com base na frustração de muitos jovens de grupos desfavorecidas com as falsas promessas dos sistemas de ensino, pesquisas quantitativas começaram a ser realizadas com o objetivo de encontrar os fatores condicionantes da aprendizagem e desempenho escolar.
Naquele contexto, dois estudos encomendados por governos tornaram-se precursores da emergência da pesquisa sobre o que passou a ser conhecido como eficácia escolar: o Coleman Study, nos Estados Unidos (Coleman et al., 1966) e o The Plowden Report, elaborado em 1967 pelo Central Advisory Council for Education da Inglaterra (Department of Education and Science; Plowden, 1967). Em conjunto, tais trabalhos se transformaram em marcos da pesquisa sociológica, derrubando mitos e alterando para sempre o curso da investigação sobre educação, apontando que parte significativa do desempenho dos estudantes poderia ser explicada, para além do contexto da escola, pelas condições socioeconômicas e familiares.
Assim, a literatura, que decorreu desses e outros estudos de larga escala, passou a abordar os fatores associados ao desempenho de estudantes geralmente segmentando as variáveis condicionantes em dois principais grupos, chamados ‘efeito escola’ e ‘background do estudante’. A discussão central ficou relacionada ao poder de impacto de cada grupo e de seus respectivos fatores condicionantes no desempenho dos estudantes. O efeito escola considera os atributos relacionados ao ambiente escolar, tais como infraestrutura física, recursos e ferramentas educacionais, projeto pedagógico, gestão e corpo docente. O background, por sua vez, inclui, fundamentalmente, o contexto familiar, social, econômico e cultural dos estudantes.
Nos últimos quarenta anos, as pesquisas em eficácia escolar e os fatores condicionantes do desempenho dos estudantes extrapolaram a educação básica, englobando a educação superior, e saíram da quase completa insignificância para o centro das atenções das investigações educacionais. Desde a ideia inicial, talvez uma interpretação radical dos estudos Coleman (1966) e Plowden (1967), de que a escola não faz a diferença, até os dias atuais, muitas outras linhas de investigação e interpretação foram desenvolvidas. Nessa trajetória, um conjunto significativo de estudos buscou demonstrar que, de alguma forma, a escola pode fazer a diferença (Brookover, et al., 1979) (Mortimore, 1997), inclusive para contextos exclusivamente de atendimento a estudantes de meios populares (Edmonds, 1979), ou com apontamentos de características que podem tornar uma escola mais eficaz (Macgilchrist; Reed; Myers, 2004).
Atualmente, a opinião de que a escola não faz a diferença está praticamente ultrapassada, e existe uma ideia generalizada, em nível internacional, de que ela pode impactar positivamente o desenvolvimento dos estudantes, de que observações regulares demonstram que algumas escolas agregam valor e que, portanto, um importante desafio das políticas educativas é melhorar de forma generalizada todas as instituições educacionais (Reynolds et al., 2000). Além disso, outras linhas de investigação de possíveis fatores condicionantes de desempenho também emergiram. Não obstante a hegemonia do background e do fator escola como condicionantes nas investigações, apenas esses dois fatores tem se mostrado insuficientes para dar conta de todas as causas do desempenho dos estudantes, especialmente noutros níveis educacionais como no contexto da educação superior. Diante disso, mais estudos quantitativos precisam ser desenvolvidos com vistas a considerar tais e outros fatores que possam estar relacionados, por um lado, à melhor aprendizagem e ao bom desempenho dos estudantes da educação superior em exames e, por outro lado, a contextos específicos como, por exemplo, de um curso de graduação.
É impossível mensurar de maneira exaustiva todos as variáveis associadas ao fator escola e ao background social. Além disso, as características individuais e únicas que cada estudante apresenta também não podem ser desprezadas. Toda essa complexidade torna difícil de encontrar um modelo que seja capaz de explicar satisfatoriamente o rendimento escolar a partir de tais elementos. Embora a missão seja difícil, o Brasil conta com uma imensa base de dados aberta e pública, correspondente aos resultados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes - Enade - e do questionário do estudante que acompanha o exame, que permite aos pesquisadores avançar na discussão sobre o tema.
Partindo da premissa de que o resultado do Enade reflete o desempenho do estudante na educação superior, este estudo tem por objetivo identificar fatores associados ao desempenho no Enade a partir de variáveis associadas ao efeito escola, ao background social e, como fator adicional, características sociodemográficas. O curso de Pedagogia foi escolhido como objeto empírico de análise por ter o maior número de participantes na edição do Enade de 2017 e por ser um curso que desperta interesse na área de Educação. Além disso, é uma área fundamental tanto para o crescimento econômico como para o desenvolvimento social do país.
Estudos prévios
No âmbito da educação superior, os estudos sobre fatores condicionantes no desempenho dos estudantes são relativamente mais recentes do que na educação básica. Não obstante, já existe uma literatura consistente que aborda características de cursos da educação superior e do background que estão relacionados ao desempenho dos estudantes (Park; Kerr, 1990) (Anderson; Benjamin; Fuss, 1994) (Smith, Naylor, 2001). Nos Estados Unidos, por exemplo, o desempenho dos graduandos no Grade Point Average vem sendo analisado sobre a perspectivas de seus fatores determinantes (Betts; Morrell, 1999) (Cohn, 2004).
No Brasil, em decorrência da grande base de dados formada pelas avaliações de larga escala, surgiram estudos sobre o que poderia ser chamado de eficácia escolar na educação superior (Souza, 2008; Santos, 2012). Há um conjunto de autores em âmbito nacional interessado em desenvolver pesquisas sobre avaliação da educação superior que utiliza dados do Enade como fonte. Em uma revisão sistemática, Lima et al (2019) concluíram que os estudos sobre o Enade geralmente utilizam estatística descritiva com foco em dados socioeconômicos. Como exemplo, tem-se o recente trabalho de Medeiros Filho, Silva e Júnior (2022), no qual a performance de estudantes de Pedagogia no Enade 2017 é comparada de acordo com um conjunto selecionado de características. No entanto, para identificação dos fatores associados ao desempenho no Enade, há trabalhos que utilizaram técnicas estatísticas mais sofisticadas. Moriconi e Nascimento (2014) utilizaram modelos hierárquicos para identificar fatores associados ao desempenho no Enade em cursos de Engenharia. Primi, Silva e Bartholomeu (2018) também utilizaram uma abordagem hierárquica multinível, mas na área de Administração e concluíram que a variação de desempenho intracursos se sobrepõem à entre cursos. Moreira (2011) realizou uma série de regressões múltiplas buscando explicar o desempenho no Enade a partir de características institucionais, variáveis acadêmicas e características individuais e socioeconômicas, separadamente por categoria administrativa. A autora optou pela análise em separado após se deparar com coeficientes de determinação muito baixos nas regressões gerais. Oliveira e Silva (2018) conduziram um estudo sobre os microdados do Enade 2012 utilizando regressões múltipla e quantílica e concluem que há evidências empíricas que apontam para a confirmação da teoria proposta por Bourdieu (2001) sobre a relação entre desempenho acadêmico e características socioeconômicas
De forma geral, todos esses estudos coadunam com as pesquisas da educação básica, ou seja, indicam que o perfil socioeconômico e cultural é um fator determinante no desempenho dos estudantes, mas que os cursos de graduação também podem influenciar. Provavelmente por isso mesmo, títulos de publicações recentes questionam acerca, tanto da possibilidade da educação básica (Gorard, 2010), quanto da educação superior (Smith, 2015) terem, ou não, capacidade de compensar quando os estudantes são oriundos de contextos socioeconômico e cultural baixos.
Método
O ponto de partida do estudo foi a organização dos microdados do Enade 2017 (Inep, 2018), integrando os resultados do curso aos resultados individuais dos estudantes. Apenas os alunos do curso de Pedagogia - área de avaliação = 2001 - foram selecionados. A partir daí, o trabalho consistiu de duas etapas:
- etapa 1: identificar fatores individuais associados ao desempenho do estudante a partir de suas características.
- etapa 2: identificar fatores associados ao desempenho do curso a partir de características do grupo de alunos;
Para atingir os objetivos do trabalho foi utilizada a técnica de regressão linear múltipla, utilizando como variável dependente o desempenho do estudante nas provas de componente específico - CE - e formação geral - FG - do Enade 2017. As variáveis independentes foram agrupadas em três dimensões de fatores condicionantes: efeito escola, características sociodemográficas e background social. As variáveis qualitativas, majoritárias no modelo, foram transformadas em variáveis binárias - dummies. As variáveis referentes às notas de organização didático-pedagógica, infraestrutura e instalações físicas e oportunidades de ampliação foram calculadas individualmente para cada aluno a partir da média das questões ordinais do questionário do estudante que as compõem, conforme consta em Inep (2020). Por serem de natureza ordinal, optou-se pela
expressão pseudoquantitativa para classificá-las. O mesmo ocorreu em relação à renda domiciliar, na qual o estudante informou a faixa de renda. Para estimar a renda domiciliar foi utilizado o ponto médio da faixa indicada.
Dimensão | Variável | Tipo de variável |
---|---|---|
efeito escola | Instituição pública | Dummy |
Modalidade presencial | Dummy | |
Teve algum tipo de bolsa: IC, extensão, monitoria | Dummy | |
Ensino médio tradicional | Dummy | |
Nota para organização didático-pedagógica | Pseudoquantitativa | |
Nota para infraestrutura e instalações físicas | Pseudoquantitativa | |
Nota para oportunidades de ampliação da formação | Pseudoquantitativa | |
Características sociodemográficas | Sexo feminino | Dummy |
É solteiro? | Dummy | |
Cor branca? | Dummy | |
Idade | Quantitativa | |
Background social | Mãe com escolaridade superior | Dummy |
Estudou alguma parte no exterior | Dummy | |
Política afirmativa | Dummy | |
Estudou em escola pública | Dummy | |
Alguém da família cursou ensino superior | Dummy | |
Leu algum livro além dos indicados na bibliografia? | Dummy | |
Dedicou ao menos 4h semanais aos estudos? | Dummy | |
Número de pessoas no domicílio | Quantitativa | |
Renda domiciliar | Pseudoquantitativa | |
Tempo entre conclusão do EM e ingresso no superior | Quantitativa |
Fonte: microdados do Enade 2017.
As variáveis dummies constituem uma forma de inclusão de variáveis qualitativas nominais em técnicas estatísticas. Tratam-se de variáveis binárias que assumem os valores 0 ou 1, indicando ausência ou presença de uma característica específica. Para operacionalizar a etapa 1, em nível individual, as variáveis dummies foram diretamente introduzidas no modelo. Já na etapa 2 - análise em nível de curso - houve a necessidade de se calcular as proporções de respostas positivas em cada questão para obtenção de estimativas por curso. As variáveis quantitativas e pseudo-quantitativas foram submetidas a operação de média.
Houve cuidado na condução da regressão múltipla para evitar problemas que interferem nas etapas de estimação - multicolinearidade - e de inferência - heteroscedasticidade. A avaliação dos modelos foi realizada por meio dos testes F, coeficiente de determinação R², testes t de Student e coeficientes R² parciais. Estes últimos são indicadores importantes para estimação do efeito individual de cada variável, sem influência de escala.
Perfil dos estudantes do curso de Pedagogia e resultados do Enade 2017
O curso de Pedagogia tem como função primordial a formação de professores para atuação na educação básica, mais especificamente nas etapas da educação infantil e fundamental. No que se refere ao perfil, tabela 2, os microdados do Enade permitem afirmar que a maioria dos estudantes é do sexo feminino, com idades variando dentro de um amplo intervalo, sendo que aproximadamente – tem entre 20 e 39 anos no estágio final do curso.
Variáveis | Categorias | % |
Sexo | Feminino Masculino | 93,7 6,3 |
Faixa etária | Menos de 20 anos De 20 a 29 anos De 30 a 39 anos De 40 a 49 anos 50 anos ou mais | 0,1 42,0 34,5 17,8 5,6 |
Estado civil | Solteiro Casado Outro | 44,5 43,4 12,1 |
Cor / raça | Branca Parda / mulato Negra Outra / Não quero declarar | 46,3 38,4 10,9 4,4 |
Escolaridade da mãe | Até 4ª série do ensino fundamental Da 5ª a 8ª série do ensino fundamental Ensino médio Ensino superior ou pós-graduação | 55,0 15,0 21,1 8,9 |
Tempo decorrido entre término do ensino médio e ingresso no curso | Até 1 ano De 2 a 3 anos De 4 a 9 anos De 10 a 14 anos De 15 a 19 anos 20 anos ou mais | 18,8 14,2 27,3 18,5 11,9 9,3 |
Fonte: microdados do Enade 2017.
Assim como a faixa etária dos alunos é bastante ampla, o tempo decorrido entre o término do ensino médio e o ingresso na graduação em Pedagogia apresenta grande variabilidade. Há um equilíbrio entre estudantes casados e solteiros e a maior parte dos estudantes se autodeclararam de cor branca ou parda. Apenas 8,9% dos estudantes informou que a mãe tem nível de escolaridade superior.
No que se refere a distribuição dos cursos de Pedagogia em nível nacional, a maioria é oferecida por instituições de ensino privadas e, em especial, universidades. Em 2017 havia um equilíbrio entre o número de participantes no Enade oriundos de cursos presenciais e à distância, tabela 3. De acordo com Inep (2020), em 2019 a proporção de alunos do curso de Pedagogia em cursos à distância era de 68%.
Variáveis | Categorias | % |
Modalidade | À distância Presencial | 50,9 49,1 |
Categoria administrativa | Privada com fins lucrativos Privada sem fins lucrativos Públicas | 54,6 24,3 21,1 |
Denominação acadêmica | Universidade Centro universitário Faculdade Institutos federais | 51,4 26,2 22,2 0,2 |
Fonte: Microdados do Enade 2017.
Em relação ao desempenho dos alunos no Enade 2017, a distribuição das notas pode ser razoavelmente bem descrita pelo modelo probabilístico Normal, tanto na FG como no CE, figura 1.
As notas brutas da FG e do CE são separadamente padronizadas para cálculo dos escores Z. Os valores discrepantes são eliminados e são realizadas transformações lineares para que os conceitos contínuos variem de 0 a 5. Esses valores contínuos da FG e CE são, então, combinados aplicando-se o peso de 25 e 75%, respectivamente. A conversão do conceito contínuo em faixa segue o descrito na tabela 4, a qual também apresenta as frequências absolutas e relativas de cursos por faixa de conceito Enade.
Intervalo do Enade contínuo | Enade (faixa) | Intervalo para a nota bruta | N. de cursos | % de cursos |
(0,000 ; 0,945) | 1 | (0,0 ; 33,8) | 43 | 3,6% |
(0,945 ; 1,945) | 2 | (33,8 ; 41,1) | 313 | 26,1% |
(1,945 ; 2,945) | 3 | (41,1 ; 48,3) | 516 | 43,0% |
(2,945 ; 3,945) | 4 | (48,3 ; 55,5) | 271 | 22,6% |
(3,945 ; 5,000) | 5 | (55,5 ; 100,0) | 58 | 4,8% |
Fonte: MEC/Inep, 2018.
O uso do afastamento padronizado sobre uma distribuição aproximadamente normal e, posteriormente dividido em intervalos de mesma amplitude, faz com que as classes centrais concentrem a maior parte dos cursos. Mais de 90% dos cursos estão concentrados nas faixas de conceito Enade de 2 até 4.
Há de se fazer a distinção entre as notas brutas individuais, utilizadas na etapa 1 deste estudo, e a nota média dos estudantes de um curso - responsável pela definição do conceito Enade - utilizada na etapa 2. No entanto, as faixas de nota bruta identificadas na tabela 4 também permitiram classificar, individualmente, os alunos de acordo com o seu desempenho. Assim, a tabela 5 permitiu realizar um cruzamento entre o desempenho individual e o desempenho do curso.
Conceito Enade (faixa) | Faixa correspondente ao Enade do estudante | N. de | ||||
do curso | Faixa 1 | Faixa 2 | Faixa 3 | Faixa 4 | Faixa 5 | estudantes |
1 | 60,1% | 19,7% | 12,2% | 4,4% | 3,7% | 1.643 |
2 | 39,8% | 22,1% | 16,7% | 11,2% | 10,2% | 50.317 |
3 | 24,1% | 19,7% | 19,2% | 16,3% | 20,6% | 44.230 |
4 | 11,0% | 13,4% | 17,9% | 19,8% | 37,9% | 14.949 |
5 | 4,8% | 7,1% | 12,0% | 18,5% | 57,6% | 2.508 |
Total | 29,5% | 19,7% | 17,7% | 14,4% | 18,8% | 113.647 |
Fonte: microdados do Enade 2017.
A tabela 5 permite verificar que a distribuição dos alunos dentro de cursos com mesmo conceito Enade atinge todas as faixas de conceito. Nos conceitos extremos - 1 e 5 -, a maioria está concentrada nas faixas correspondentes ao mesmo conceito, entretanto, nas demais, isso não acontece. Percebe-se que cursos classificados com conceito Enade 3 têm alunos com desempenho distribuídos por todas as cinco faixas de conceito. Este resultado está de acordo com Primi, Silva e Bartholomeu (2018), que decompuseram a variância do desempenho no Enade e perceberam que a parcela de variação interna dos cursos é relevante.
Resultados para os modelos de identificação dos fatores críticos de sucesso
Os resultados das análises de regressão foram divididos em duas seções, correspondentes à etapa 1, nível individual, e à etapa 2, nível de curso.
Resultados da etapa 1
Nesta etapa, o desempenho individual dos alunos, separadamente para FG e CE, foi relacionado ao conjunto de variáveis preditoras descrito na tabela 1, por meio de um modelo linear de regressão múltipla. A tabela 6 apresenta os resultados para a formação geral.
Variáveis | Beta | Erro-padrão | t | p valor | R2 parcial |
Instituição pública | 2,899 | 0,147 | 19,749 | 0,000 | 0,4% |
Modalidade presencial | 1,527 | 0,124 | 12,353 | 0,000 | 0,2% |
Teve algum tipo de bolsa: IC, extensão, monitoria | 1,698 | 0,164 | 10,367 | 0,000 | 0,1% |
Ensino Médio tradicional | - 0,285 | 0,125 | - 2,281 | 0,023 | 0,0% |
Nota para organização didático-pedagógica | 0,372 | 0,112 | 3,326 | 0,001 | 0,0% |
Nota para infraestrutura e instalações físicas | - 0,009 | 0,083 | - 0,108 | 0,914 | 0,0% |
Nota para oportunidades de ampliação da formação | - 0,943 | 0,053 | - 17,788 | 0,000 | 0,3% |
Sexo feminino | - 3,078 | 0,217 | - 14,165 | 0,000 | 0,2% |
É solteiro? | - 0,916 | 0,119 | - 7,680 | 0,000 | 0,1% |
Cor branca? | 1,650 | 0,110 | 14,977 | 0,000 | 0,2% |
Idade | - 0,483 | 0,009 | - 52,385 | - | 2,7% |
Mãe com escolaridade superior | 0,669 | 0,199 | 3,361 | 0,001 | 0,0% |
Estudou alguma parte no exterior | - 2,624 | 0,585 | - 4,485 | 0,000 | 0,0% |
Política afirmativa | 1,422 | 0,133 | 10,727 | 0,000 | 0,1% |
Estudou em Escola pública | - 3,262 | 0,189 | - 17,284 | 0,000 | 0,3% |
Alguém da família cursou ensino superior | 0,416 | 0,113 | 3,665 | 0,000 | 0,0% |
Número de pessoas no domicílio | - 0,639 | 0,035 | - 18,227 | 0,000 | 0,3% |
Renda domiciliar | 0,001 | 0,000 | 34,031 | 0,000 | 1,2% |
Tempo entre conclusão do EM e ingresso no superior | 0,372 | 0,010 | 35,568 | 0,000 | 1,3% |
Leu algum livro além dos indicados na bibliografia? | 1,938 | 0,232 | 8,362 | 0,000 | 0,1% |
Dedicou ao menos 4h semanais aos estudos? | 2,630 | 0,108 | 24,453 | 0,000 | 0,6% |
Constante | 62,541 | 0,625 | 100,051 | 0,000 |
F(21;97.064)=445,45 ; p-valor<0,001 ; R²=8,8% ; Erro-padrão de estimação=16,5
Fonte: microdados do Enade 2017.
O modelo de regressão linear baseado em 21 variáveis preditoras, organizadas em três dimensões, teve um baixo poder de explicação (8,8%), embora tenha se mostrado altamente significativo. Todas as variáveis - exceto a nota atribuída à infraestrutura e instalações físicas - foram significativas, entretanto, elas explicam apenas uma pequena parte da variação nos resultados da FG. As variáveis associadas ao background social e as características sociodemográficas mostraram-se mais relevantes do que àquelas associadas ao efeito escola, o que pode ser avaliado pelos valores do R2 parcial. A idade, a renda domiciliar e o tempo decorrido entre o término do ensino médio e o início da graduação foram as três variáveis mais importantes. Embora a idade tenha um efeito inverso sobre o desempenho na FG - quanto maior a idade, menor tende a ser o desempenho -, o tempo decorrido entre a conclusão do ensino médio o início da graduação teve efeito positivo.
O mesmo modelo foi utilizado para explicação dos resultados do CE, os quais são apresentados na tabela 7.
Variáveis | Beta | Erro-padrão | t | p valor | R2 parcial |
Instituição pública | 1,799 | 0,130 | 13,857 | 0,000 | 0,2% |
Modalidade presencial | 4,638 | 0,109 | 42,411 | 0,000 | 1,8% |
Teve algum tipo de bolsa: IC, extensão, monitoria | 3,089 | 0,145 | 21,317 | 0,000 | 0,5% |
Ensino Médio tradicional | -1,462 | 0,110 | - 13,228 | 0,000 | 0,2% |
Nota para organização didático-pedagógica | 0,549 | 0,099 | 5,551 | 0,000 | 0,0% |
Nota para infraestrutura e instalações físicas | -0,101 | 0,073 | - 1,381 | 0,167 | 0,0% |
Nota para oportunidades de ampliação da formação | -0,896 | 0,047 | - 19,093 | 0,000 | 0,4% |
Sexo feminino | -0,856 | 0,192 | - 4,452 | 0,000 | 0,0% |
É solteiro? | -0,959 | 0,105 | - 9,087 | 0,000 | 0,1% |
Cor branca? | 1,677 | 0,097 | 17,213 | 0,000 | 0,3% |
Idade | -0,400 | 0,008 | - 49,063 | 0,000 | 2,4% |
Mãe com escolaridade superior | -0,123 | 0,176 | - 0,700 | 0,484 | 0,0% |
Estudou alguma parte no exterior | -2,740 | 0,518 | - 5,293 | 0,000 | 0,0% |
Política afirmativa | 1,773 | 0,117 | 15,119 | 0,000 | 0,2% |
Estudou em Escola pública | -3,238 | 0,167 | - 19,398 | 0,000 | 0,4% |
Alguém da família cursou ensino superior | 0,263 | 0,100 | 2,620 | 0,009 | 0,0% |
Número de pessoas no domicílio | -0,655 | 0,031 | - 21,115 | 0,000 | 0,5% |
Renda domiciliar | 0,001 | 0,000 | 45,558 | 0,000 | 2,1% |
Tempo entre conclusão do EM e ingresso no superior | 0,394 | 0,009 | 42,539 | 0,000 | 1,8% |
Leu algum livro além dos indicados na bibliografia? | 1,269 | 0,205 | 6,189 | 0,000 | 0,0% |
Dedicou ao menos 4h semanais aos estudos? | 3,096 | 0,095 | 32,539 | 0,000 | 1,1% |
Constante | 49,617 | 0,553 | 89,725 | - |
F(21;97.064)=632,34 ; p-valor<0,001 ; R²=12,0% ; Erro-padrão de estimação=14,6
Fonte: microdados do Enade 2017.
Quando utilizamos o CE como a variável dependente, o poder de explicação do modelo aumenta para 12%, mas continua baixo. A nota atribuída à infraestrutura e instalações novamente foi não significativa, assim como a escolaridade da mãe. Assim como no caso da FG, as variáveis associadas ao background social e as características sociodemográficas mostraram-se muito mais relevantes do que àquelas associadas ao efeito escola, entretanto a modalidade de ensino passou a ter um efeito importante sobre o resultado do CE, assim como a dedicação aos estudos. O desempenho de alunos que cursaram a modalidade presencial mostrou-se superior àqueles da modalidade à distância, concordando com os resultados apresentados por Bertolin, McCowan e Bittencourt (2021). Nesse modelo, pode-se destacar cinco variáveis em termos de magnitude do efeito, respectivamente: idade, renda domiciliar, tempo decorrido entre o término do ensino médio e o início da graduação, modalidade de ensino e a dedicação de 4 horas semanais ou mais aos estudos. Assim como na FG, no CE o efeito da idade foi inverso sobre os resultados, entretanto, o tempo decorrido entre a conclusão do ensino médio e o início da graduação, teve efeito direto, assim como a renda domiciliar. O efeito da renda foi o de maior dentre as variáveis de background social: quanto maior a renda, maior tende a ser o desempenho no CE.
Resultados da etapa 2
Nesta etapa, o desempenho do curso - separadamente para FG e CE - foi relacionado ao conjunto de variáveis preditoras, descrito na tabela 1, por meio de um modelo linear de regressão múltipla. Devido à problemas de colinearidade entre as variáveis das três dimensões extraídas do questionário do estudante, optou-se por ficar com apenas uma: organização didático-pedagógica. O mesmo ocorreu entre as variáveis idade média dos alunos e o tempo médio decorrido entre o término do ensino médio e o início do curso, de forma que foi mantida apenas a idade no modelo. Houve também problema de colinearidade entre a renda média domiciliar e o percentual de mães com formação superior. Optou-se pela manutenção da renda domiciliar que apresentou um poder de explicação superior. A tabela 8 apresenta as estimativas dos parâmetros para explicação da FG a partir de 18 variáveis preditoras.
Variáveis | Beta | Erro-padrão | t | p valor | R2 parcial |
Instituição pública (dummy) | 2,283 | 0,419 | 5,451 | 0,000 | 2,5% |
Modalidade presencial (dummy) | -1,364 | 0,644 | -2,118 | 0,034 | 0,4% |
% de alunos que teve algum tipo de bolsa | 1,343 | 0,757 | 1,775 | 0,076 | 0,3% |
% de alunos que cursou EM tradicional | 1,534 | 1,018 | 1,506 | 0,132 | 0,2% |
Nota média da organização didático-pedagógica | 1,198 | 0,545 | 2,198 | 0,028 | 0,4% |
% de alunos do sexo feminino | -0,244 | 2,385 | -0,102 | 0,919 | 0,0% |
% de solteiros | 0,013 | 1,297 | 0,010 | 0,992 | 0,0% |
% de alunos de cor branca | 3,339 | 0,745 | 4,479 | 0,000 | 1,7% |
Idade média (anos) | -0,396 | 0,056 | -7,029 | 0,000 | 4,0% |
% de alunos que estudou alguma parte no exterior | -4,196 | 2,297 | -1,826 | 0,068 | 0,3% |
% que ingressou via política afirmativa | 4,468 | 0,860 | 5,194 | 0,000 | 2,2% |
% que estudou em escola pública | -6,862 | 1,766 | -3,887 | 0,000 | 1,3% |
% de alunos com alguém da família no ensino superior | -3,447 | 1,182 | -2,917 | 0,004 | 0,7% |
Número médio de pessoas no domicílio | -1,735 | 0,349 | -4,966 | 0,000 | 2,0% |
Renda domiciliar média | 0,001 | 0,000 | 4,742 | 0,000 | 1,9% |
% que leu algum livro além dos indicados | -4,500 | 2,804 | -1,605 | 0,109 | 0,2% |
% que dedicou ao menos 4h semanais aos estudos | 4,006 | 0,903 | 4,436 | 0,000 | 1,6% |
Constante | 64,024 | 5,326 | 12,021 | 0,000 |
F(17;1182) = 33,519 ; p-valor<0,001 ; R²=32,5% ; Erro-padrão de estimação = 4,97
Fonte: microdados do Enade 2017.
Em comparação aos resultados da etapa 1, onde a modelagem aconteceu em nível individual, o percentual de explicação do modelo aumentou muito, sendo de 32,5%. A idade mostrou-se a variável mais importante: quanto menor a média de idade dos estudantes de um curso, melhor tende a ser o seu desempenho. Na esteira da idade, tem-se um grande conjunto de variáveis associadas ao background social e características sociodemográficas que exercem efeitos importantes sobre a FG: renda domiciliar, percentual de alunos que ingressou via políticas afirmativas, número médio de pessoas por domicílio, percentual de estudantes que cursou ensino médio na escola pública e o percentual de estudantes que informou ter dedicação mínima de 4h semanais aos estudos.
Chama atenção que, embora o percentual de estudantes que tenha estudado em escola pública esteja inversamente relacionado ao desempenho na FG, os cursos de Pedagogia oferecidos por IES públicas apresentam um resultado médio superior de 2,283 pontos. Enquanto que o percentual de estudantes que ingressou, por meio de políticas afirmativas apresentou-se diretamente relacionado ao desempenho, o percentual de alunos com experiência de estudos no exterior teve coeficiente não significativo. A renda domiciliar também se mostrou diretamente relacionada ao desempenho dos alunos, enquanto o número médio de pessoas por domicílio teve efeito inverso.
No que ser refere ao CE, a tabela 9 apresenta os resultados. Assim como na etapa 1, houve um incremento no poder de explicação do modelo atingindo - 34,8%.
Variáveis | Beta | Erro-padrão | t | p valor | R2 parcial |
Instituição pública (dummy) | 0,929 | 0,464 | 2,003 | 0,045 | 0,3% |
Modalidade presencial (dummy) | 1,012 | 0,713 | 1,418 | 0,156 | 0,2% |
% de alunos que teve algum tipo de bolsa | 1,199 | 0,838 | 1,431 | 0,153 | 0,2% |
% de alunos que cursou EM tradicional | - 0,784 | 1,128 | - 0,695 | 0,487 | 0,0% |
Nota média da organização didático-pedagógica | 0,788 | 0,604 | 1,306 | 0,192 | 0,1% |
% de alunos do sexo feminino | 4,645 | 2,642 | 1,758 | 0,079 | 0,3% |
% de solteiros | 0,114 | 1,437 | 0,079 | 0,937 | 0,0% |
% de alunos de cor branca | 2,534 | 0,826 | 3,068 | 0,002 | 0,8% |
Idade média | - 0,372 | 0,062 | - 5,957 | 0,000 | 2,9% |
% de alunos que estudou alguma parte no exterior | - 10,528 | 2,545 | - 4,137 | 0,000 | 1,4% |
% que ingressou via política afirmativa | 6,654 | 0,953 | 6,983 | 0,000 | 4,0% |
% que estudou em escola pública | -11,981 | 1,956 | - 6,126 | 0,000 | 3,1% |
% de alunos com alguém da família no ensino superior | - 2,613 | 1,309 | - 1,996 | 0,046 | 0,3% |
Número médio de pessoas no domicílio | - 2,172 | 0,387 | - 5,610 | 0,000 | 2,6% |
Renda domiciliar média | 0,002 | 0,000 | 6,725 | 0,000 | 3,7% |
% que leu algum livro além dos indicados | 0,686 | 3,106 | 0,221 | 0,825 | 0,0% |
% que dedicou ao menos 4h semanais aos estudos | 5,038 | 1,000 | 5,036 | 0,000 | 2,1% |
Constante | 53,642 | 5,900 | 9,091 | 0,000 |
F(17;1182)=37,146 ; p-valor<0,001 ; R²=34,8% ; Erro-padrão de estimação = 5,50
Fonte: microdados do Enade 2017.
No modelo do CE, três variáveis associadas ao background se sobrepuseram ao efeito da idade. A renda domiciliar média dos alunos revelou-se a característica mais importante e diretamente associada ao desempenho no CE. Há também um efeito direto e de magnitude elevada do percentual de alunos oriundo de políticas afirmativas. O percentual de alunos que estudou em escola pública mostrou-se inversamente relacionado ao desempenho no CE, fato que também ocorre em relação ao número médio de pessoas por domicílio.
Praticamente todas as variáveis associadas ao efeito escola foram não significativas, exceto o fato do curso ter sido ofertado por IES pública, apresentando pequeno efeito positivo sobre o desempenho. Estes resultados sugerem que variáveis associadas ao background social dos estudantes tenham maior efeito sobre os resultados do Enade do que as características do curso.
Considerações finais
Neste texto, foram apresentados modelos que procuraram identificar fatores associados ao desempenho de estudantes de cursos de Pedagogia a partir de microdados do Enade 2017. Quatro resultados podem ser destacados a partir das análises realizadas.
1) A variabilidade no desempenho dos alunos dentro de um mesmo curso se sobrepõe à variabilidade entre os cursos. Apesar de tal distinção ser mais visível nos conjuntos de cursos com conceitos 2, 3 e 4, a probabilidade de um aluno apresentar um desempenho incompatível com o conceito Enade de seu curso vale para todo o conjunto analisado. Portanto, ser egresso de um curso com conceito alto não é garantia de um desempenho de excelência, bem como ser egresso de um curso com conceito baixo não implica, necessariamente, em baixo desempenho individual.
2) O desempenho individual dos alunos, tanto na FG como no CE, é de difícil previsão a partir do conhecimento de características do curso - efeito escola -, características sociodemográficas e do background social dos alunos disponíveis no Enade. Esse resultado sugere que o desempenho deva ser explicado por variáveis que não podem ser diretamente mensuradas, como a motivação, mobilização ou conscienciosidade, por exemplo.
3) Os principais fatores críticos associados ao conceito Enade de um curso são associados ao background social e características sociodemográficas, em especial a idade, a renda domiciliar e o ingresso por meio de políticas afirmativas. No curso de Pedagogia, este último está associado a um bom rendimento no Enade. Isso quer dizer que cursos com um maior percentual de ingressantes por meio de políticas afirmativas tendem a ter melhor desempenho. Este resultado está de acordo com estudos encontrados na literatura, como Silva e Cunha (2020) e Lira (2010), nos quais o desempenho de alunos bolsistas mostrou-se superior aos demais, mesmo quando controladas possíveis variáveis de confusão.
4) Apesar do conceito Enade contínuo de um curso ser melhor explicado do que o desempenho individual a partir do conjunto de variáveis utilizado neste estudo, o percentual de explicação é baixo - inferior a 35% -, o que o torna de difícil previsão.
Tais evidências permitem argumentar que, no conjunto dos cursos de Pedagogia, as características sociodemográficas e o background social têm efeito superior ao fator escola sobre o desempenho dos estudantes, tanto na FG como no CE. Não obstante o percentual de explicação dos modelos ser baixo, especialmente no que se refere a performance individual, os resultados encontrados sobre as características sociodemográficas, indicam a existência de aspectos condicionantes nos dados do Enade que estão para além do efeito escola e do background social.