Introdução
A questão da avaliação educacional é multidimensional e se constituiu, no âmbito da sala de aula, como um dos componentes estruturantes da organização do trabalho pedagógico, razão pela qual sua compreensão é essencial no debate sobre a educação escolar.
Observada em diferentes formas, momentos e espaços, manifesta-se, tanto em âmbito formal, quanto informal e a partir de práticas avaliativas de diferentes naturezas, podendo ser, dentre outras possíveis classificações, diagnóstica, somativa ou formativa. Conhecer o delineamento e natureza dos instrumentos avaliativos pode auxiliar no avanço do debate sobre a organização do trabalho pedagógico, seus limites e potencialidades, rumo ao planejamento de rotinas escolares democráticas, comprometidas com a aprendizagem de todos e cada um dos estudantes.
Presente no discurso pedagógico dos professores com diferentes terminologias, a menção à avaliação não mostra o sentido assumido por esses profissionais diretamente. A alusão a diferentes terminologias no discurso não revela de imediato a concepção que subsidia a ação. Isso porque, como não há uma associação linear entre discurso e prática pedagógica, é pela análise das ações que podemos compreender a natureza dos processos (Smolka; Laplane, 1993).
Não existe avaliação sem ação e somente podemos desvelar seus sentidos analisando como é exercitada pelos professores. Tomando o esquema proposto por Luckesi (2013), em que avaliar é ver, julgar e agir num círculo ininterrupto, faz-se necessário compreendermos os instrumentos de avaliação e seus usos pelos professores para podermos examinar os delineamentos da avaliação exercitada por eles e, assim, entendermos sua natureza dentro da organização do trabalho pedagógico.
Caso concordemos com Freitas (et al., 2009), que avaliar é pensar sobre as questões observadas ou medidas para tomada de decisão com vistas ao futuro, não somente são importantes diferentes instrumentos de avaliação como clareza em sua intencionalidade e uso. Dentre outras várias possibilidades, estão processos avaliativos que envolvam diferentes formas de medida e feedback, assim como a consciência dos envolvidos sobre o processo, vislumbrando práticas mais formativas.
Na contramão disso, Boldarine, Barbosa e Annibal (2017) apontam que ao fazerem revisão bibliográfica em importantes periódicos da área, observaram que muitos artigos indicam a permanência da avaliação como simples medida, sendo abordada de forma essencialmente técnica. Especialmente observando os artigos que tratam dos anos iniciais do ensino fundamental, os autores verificaram uma crescente apreensão com a maneira como ela tem sido realizada nessa etapa de ensino, questionando se pode ou não contribuir para o processo de aprendizagem dos estudantes. Uma das preocupações expressas nos artigos é a tendência da ênfase na melhoria dos resultados nas avaliações externas em larga escala, em detrimento de outros propósitos.
Nesse sentido, conhecer as práticas avaliativas dos professores para analisar sua natureza, proximidade ou distanciamento de processos comprometidos com a aprendizagem dos estudantes se mostra essencial. Se a avaliação deve ser vista como ação orientada pelos objetivos previamente delimitados a partir de concepções que a subsidiam, ao mesmo tempo que orientadora de percursos (Freitas, 1995; 2003), olhar para os instrumentos utilizados pelos docentes, seu uso e intencionalidade, mostra-se caminho promissor.
Há um amplo leque de instrumentos que podem ser utilizados: redação, jogos, provas, relatórios, questionários, portfólios, caderno de atividades, jogral, seminário, autoavaliação, conselho de classe etc. Todavia, apenas identificá-los se mostra insuficiente para revelar a natureza da avaliação proposta e exercida pelos professores e sua potencialidade e limite no favorecimento das práticas escolares. Como esclarece Hadji (2001), o essencial não é conhecer o instrumento em si, mas as intenções e o uso que se faz dele.
Assim, longe de uma defesa em que conhecer os instrumentos não seja importante, observamos a necessidade de desvelar sua intencionalidade e uso para melhor compreendermos sua natureza. É no propósito com que são propostos e na forma como são exercidos pelos professores, que poderemos analisar suas potencialidades e limites para os processos de ensino-aprendizagem.
Resultado de pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, o presente artigo objetiva apresentar os instrumentos de avaliação mais recorrentemente utilizados pelos professores dos anos iniciais da rede municipal de ensino de uma cidade do interior de São Paulo, tomando sua intencionalidade e uso como parte essencial da análise. Para tanto, utilizamos como ferramenta de coleta de dados o questionário aberto, aplicado de forma virtual.
Participaram da investigação 114 professores e utilizando o programa Microsoft Excel, organizamos as respostas os denominando através de números aleatórios precedidos da letra P. No que diz respeito ao perfil dos respondentes, sua distribuição nos anos de atuação abarca os anos iniciais do ensino fundamental, sendo 26 no 5º ano, 16 no 4º, 20 no 3º, 22 no 2º e 24 no 1º. Importa destacar que um professor mencionou mais de um ano de atuação na escola em razão do acúmulo de períodos, e sete não especificaram o ano de atuação.
Verificamos, ainda, que cerca de 43% dos respondentes possuem de dez a vinte anos de trabalho como docentes dos anos iniciais, seguidos de 32% que lecionam nessa etapa há mais de vinte e menos de trinta anos. Pelo tempo de serviço, o grupo de professores participante de nossa pesquisa pode ser considerado experiente, já que 97 dos 114 respondentes possuem acima de dez anos de experiência, aspecto corroborado pela informação acerca da idade, em que 76 dos respondentes têm acima de 40 anos.
Orientadas pela perspectiva da análise de conteúdo de Bardin (1977), todas as respostas foram lidas e analisadas a partir das etapas a seguir.
Pré-análise: preparamos o material numa planilha, na qual as perguntas do questionário foram transcritas nas linhas da primeira coluna e nas demais colunas foram transcritas as respostas dos professores. Esta etapa contou com a leitura flutuante de todas as respostas, de forma a observarmos aspectos importantes que foram citados.
Exploração do material: procedemos à releitura das respostas identificando as unidades de análise presentes e destacamos os recortes a partir de seu núcleo de conteúdo. A definição do núcleo de conteúdo foi estabelecida pela intencionalidade e uso da avaliação pelos professores, além de aspectos que nos chamaram a atenção na análise. Identificamos os instrumentos avaliativos citados e agrupamos os núcleos de conteúdo a partir dos temas abordados.
Tratamento dos dados: procedemos à inferência e interpretação dos dados elegendo agrupamentos a partir dos temas levantados, divididos por instrumento. Lidas todas as respostas, fizemos uma análise geral das práticas avaliativas dos professores, observando os instrumentos utilizados, seu uso e intencionalidade declarados. Com a identificação dos instrumentos avaliativos utilizados, organizamos as respostas referentes ao uso e intencionalidade mencionados para cada instrumento citado. Nesse momento, as perguntas foram transcritas em colunas e as respostas foram organizadas em linhas, ficando uma linha para cada instrumento citado, com o respectivo número do professor. Além disso, as linhas correspondentes aos instrumentos de mesma natureza foram agrupadas. Feito isso, analisamos as respostas dos três instrumentos mais recorrentemente citados pelos professores, agrupando-as em temáticas e subtemáticas mediante tabelas elaboradas no Microsoft Word.
A avaliação escolar
A avaliação não é uma prática exclusiva da escola, mas é nesta instituição que ela ocorre de maneira intencional e sistemática. Definida como uma atribuição de qualidade a algo - ação, experiência, situação ou objeto - (Luckesi, 2002), a prática de avaliar é intrínseca ao ser humano, uma vez que durante toda a vida será avaliado e avaliará outras pessoas em suas ações.
Como destaca Luckesi (2013), no campo educacional importa diferenciar a verificação da avaliação. Enquanto a primeira se restringe à constatação, encerrando-se com a obtenção dos dados que se deseja; a outra requer uma reflexão sobre os dados coletados, exigindo uma tomada de posição e decisão a partir deles.
Comumenteassociado como sinônimo de medida - realização de testes e atribuição de nota para aprovação e reprovação -, o termo avaliar não se resume a isso e nem pode ser tomado como ação que permite uma medida exata. Como aponta Hadji (2001), há uma frequente e ampla divergência de notas para um mesmo trabalho/produto quando analisados por diferentes corretores. Isso porque o julgamento professoral envolve, necessariamente, uma parcela de interpretação vinculada ao contexto escolar e a fatores sociais, baseando-se numa representação de aluno e em convicções do corretor.
Corroborando essa ideia, Fernandes (2006) defende que
a avaliação não é uma disciplina exacta e, muito provavelmente, nunca o poderá vir a ser [...] A avaliação é um processo desenvolvido por e com seres humanos para seres humanos, que envolve valores morais e éticos, juízos de valor e problemas de natureza sociocognitiva, sociocultural, antropológica, psicológica e também política. No entanto, também parece que, não sendo matéria exacta, pode e deve basear-se em sólidas e significativas evidências e, neste sentido, não será uma simples questão de convicção, crença ou persuasão. (p. 36)
Desse modo, podemos afirmar que a avaliação não pode ser objetiva tal como uma medida, mas isso não significa que o avaliador não deva especificar melhor o objeto de sua avaliação, nem que não possa buscar neutralizar parte dos vieses sociais que permeiam sua interpretação, tornando transparentes as regras do jogo (Hadji, 2001). É necessário, portanto, que o professor tenha clareza a respeito de suas intenções ao avaliar, uma vez que existe uma diversidade de jogos possíveis e maneiras de desempenhar a avaliação (Trevisan et al., 2014), que podem acarretar consequências positivas ou negativas para os estudantes (Villas Boas, 2015).
No campo escolar, avaliar consiste em realizar uma leitura orientada da realidade (Hadji, 2001), que fundamenta uma tomada de decisão com vistas ao futuro (Freitas et al., 2009). Ou seja, é a partir das expectativas, do que se espera do aluno - referente legitimado pelas instituições -, que se avalia os indícios da realidade -referido -, permitindo a elaboração de um juízo de valor e tomada de decisão - para atingir a um objetivo -,(Trevisan et al., 2014). Corresponde, portanto, a um ato de comunicação e negociação entre o avaliador e o avaliado, mediado por um contrato social que estabelece asregras do jogo (Hadji, 2001).
Como destacam Freitas et al. (2009), existem três diferentes níveis de avaliação educacional: avaliação da aprendizagem, realizada no âmbito da sala de aula; avaliação institucional, realizada no âmbito da instituição educacional;avaliação externa, realizada no âmbito do sistema. Cada um deles tem sua importância para a avaliação da qualidade do ensino e estão articulados entre si.
Focando a discussão da avaliação no âmbito da sala de aula, vemos que ela pode ser exercida no campo formal ou informal e estar ligada a processos de emancipação ou classificação (Perrenoud, 1999). Como explicitado no quadro 1, ao tomarmos as contribuições de Hadji (2001), Freitas et al. (2009), Fernandes (2013) e Villas Boas (2018; 2019), podemos perceber que os campos formal e informal são parte de um mesmo todo que constrói possibilidades e limites para o processo educativo.
Avaliação formal | Avaliação informal | |
Hadji (2001) | “Somente a avaliação instituída repousa sobre a operacionalidade de uma instrumentação específica. Os exames escolares fazem parte deste caso. Há utilização de instrumentos (as provas) para produzir informações sobre as quais se baseará o julgamento” (p. 17) | “A avaliação espontânea, por sua vez, formula-se. Mas não repousa sobre nenhuma instrumentação específica. Por essa razão, permanece subjetiva, até mesmo “selvagem”. O mesmo acontece com a maioria dos julgamentos que os estudantes formulam espontaneamente sobre seus professores (X é super legal; Y é uma droga), ou que os professores formulam sobre seus alunos, às vezes desde o primeiro olhar (eu senti de saída que dali não sairia nada)” (p. 17) |
Freitas et al. (2009) | “Práticas que envolvem instrumentos de avaliação explícitos, cujos resultados podem ser examinados objetivamente pelo aluno, à luz de um procedimento claro.” (p. 27) “Técnicas e procedimentos palpáveis de avaliação com provas e trabalhos que conduzem a uma nota” (p. 27) | “Julgamentos de valor invisíveis e que acabam por influenciar os resultados das avaliações finais e são construídos por professores e alunos nas interações diárias.” (p. 27) |
Fernandes (2013) | “Avaliações que nos exigem abordagens propositadas, rigorosas, sistemáticas e tão independentes e imparciais quanto possível [...] estamos a falar de avaliações formais que identificam os critérios utilizados, diversificam e mencionam as fontes de dados utilizadas, exibindo assim as evidências que estão na base de um dado juízo avaliativo.” (p. 14) | “Avaliações do dia a dia que todos vamos fazendo acerca do que nos rodeia [...] estamos a falar da avaliação informal ou tácita que, neste sentido, é um lugar comum e um processo que parece ser fundamental para que, por exemplo, possamos discernir o que eventualmente nos fará sentir mais confortáveis ou para que possamos ajustar ou regular as nossas ações e decisões numa variedade de situações pessoais e profissionais.” (p. 14-15) |
Villas Boas (2018; 2019) | “Realiza-se por meios conhecidos pelos estudantes, professores e pais, principalmente de forma escrita, como provas, relatórios, pesquisas etc. É uma avaliação que, muitas vezes, tem o propósito de atribuição de nota.” (p. 103) “Aqueles que são planejados e informam aos estudantes que, por meio deles, estão sendo avaliados” (p. 7) | “Resulta da interação do professor com os estudantes e das relações estabelecidas entre eles próprios. É interessante observar que, ao interagirem, os estudantes expressam oralmente suas percepções e sentimentos, que acabam se incorporando aos juízos que o professor constrói sobre cada um deles.” (p. 103) “Ocorre por intermédio da interação do professor com os estudantes e dos próprios estudantes. Portanto, a avaliação acontece em todos os momentos e espaços escolares.” (p. 7) |
Fonte: autores.
Freitas et al. (2009), destacam que a avaliação está no centro da atenção dos estudantes e professores, pois pode definir os destinos e abrir ou fechar portas. Embora o plano formal da avaliação, relacionado ao componente instrucional - habilidade de conteúdos verificados mediante instrumentos palpáveis -, seja o mais conhecido, o que realmente reprova/aprova o aluno são as relações em sala de aula, marcadas por processos informais de avaliação e relacionadas aos juízos do professor acerca dos comportamentos - obediência às regras -, valores e atitudes do educando.
Segundo os referidos autores, o professor elabora informalmente uma representação do aluno que afeta positiva ou negativamente sua estratégia de ensino e oferece ou tira oportunidades dele, determinando quanto o docente investirá no mesmo. A crítica, portanto, não é a construção de imagens sobre o estudante simplesmente, mas as consequências que estas podem acarretar.
Villas Boas (2008), dissertando sobre os limites e possibilidades do campo informal da avaliação, afirma que os alunos são alvo de observações, comentários, gestos e olhares realizados pelos professores ao longo de toda sua trajetória escolar, os quais podem ser desencorajadores ou encorajadores. A avaliação informal, portanto, tem um lado perverso, mas também possui potencialidades, pois o olhar atento do professor em seu convívio diário com os estudantes o ajuda a compreender se e como eles estão aprendendo, atitude essencial para fundamentar estratégias e intervenções adequadas. Como afirma Fernandes (2013), a avaliação formal e informal não devem ser concebidas como antagônicas, mas como processos complementares, pois ambas fornecem dados válidos sobre a realidade e úteis para a atuação nela.
Ainda no nível da sala de aula, podemos dizer que existem três diferentes tipos de avaliação, também chamados na literatura da área de modalidades ou funções da avaliação. Hadji (2001), assumindo como critério de diferenciação o lugar da avaliação em relação à ação de formação - ações docentes de curta ou longa duração -, aponta: a avaliação prognóstica/diagnóstica, que precede a ação de formação; a avaliação formativa, situada no centro da ação de formação; a avaliação cumulativa/somativa, que ocorre depois da ação de formação.
Em outras palavras, o professor pode avaliar os estudantes antes de dar início a uma sequência formativa, visando acompreender o que já sabem dos objetivos ambicionados na ação docente e, neste caso, desempenhar uma avaliação diagnóstica, que pode ou não estar vinculada a uma lógica emancipatória. Pode avaliar seus estudantes após o processo, buscando verificar quais conhecimentos foram adquiridos classificando-os através de notas ou conceitos e, neste caso, exercer a avaliação somativa, vinculada à lógica classificatória. E, por fim, avaliar seus estudantes durante a ação de formação, estabelecendo retroalimentação de processos de modo a regular a ação, vinculada à avaliação formativa e comprometida com a lógica emancipatória.
Amplamente debatida na literatura da área e reconhecida como a mais apropriada para a ação docente, a avaliação formativa permite os ajustes necessários durante o processo de ensino-aprendizagem em vias da efetivação do sucesso na trajetória escolar dos estudantes. Segundo Fernandes (2006), a compreensão de avaliação formativa nos anos 1960-70 difere-se da forma como concebida atualmente, pois quando introduzido o conceito, encontrava-se uma visão mais restritiva e pouco interativa dessa função avaliativa, centrada nos resultados obtidos. Já nos dias atuais, nota-se uma perspectiva mais complexa, pautada na interatividade e relacionada a processos de “feedback, de regulação, de autoavaliação e autorregulação das aprendizagens” (p. 23).
Hadji (2001), buscando desmistificar a avaliação, esclarece que embora o lugar em relação à ação de formação corresponda a um critério que permite a caracterização e distinção da avaliação formativa das demais, a formatividade da avaliação reside na intenção dominante do avaliador e no uso que se faz de seus resultados. Em suas palavras, “é em sua destinação, no sentido do projeto no âmbito do qual ela se inscreve que se ‘lê’ a ‘formatividade’ da avaliação” (p. 21).
Toda avaliação é realizada com um objetivo. Pode-se avaliar para classificar, certificar, promover, diagnosticar ou regular as aprendizagens (Barbosa; Cunha, 2014). Isso dependerá da intencionalidade com a qual se avalia e o uso pretendido para os resultados da avaliação.
Corroborando ao exposto, Perrenoud (1999) afirma que a avaliação é formativa se “contribuir para a regulação das aprendizagens em curso no sentido dos domínios visados” (p. 77). E, portanto, para ser formativa, a avaliação deve estar inserida num projeto educativo que favoreça o desenvolvimento do estudante (Hadji, 2001), comprometendo-se com a regulação e promoção de suas aprendizagens. Aproxima-se mais de uma avaliação para as aprendizagens, porque se propõe, sobretudo, a orientaro trabalho pedagógico. Segundo Villas Boas (2018), a avaliação formativa pode ser conceituada como
o processo pelo qual são analisadas continuamente todas as atividades em desenvolvimento e as desenvolvidas pelos estudantes, para que eles e os professores identifiquem o que já foi aprendido e o que falta ser aprendido, a fim de que se providenciem os meios para que todos avancem sem interrupções e sem percalços. Essa análise permite a organização/reorganização do trabalho pedagógico com vistas ao alcance das aprendizagens por todos. (p. 120)
Isto é, a avaliação formativa não se restringe a um momento pontual, mas considera várias situações do contexto escolar e abarca todas as atividades desenvolvidas, que fornecem informações indispensáveis para compreensão de onde o aluno está em relação à expectativa, subsidiando o feedback. Segundo Hadji (2001), a avaliação é formativa a partir do momento que informa os dois principais atores do processo: o professor e o aluno.
O professor, que será informado dos efeitos reais de seu trabalho pedagógico, poderá regular sua ação através disso. O aluno, que não somente saberá onde anda, mas poderá tomar consciência das dificuldades que encontra e tornar-se-á capaz, na melhor das hipóteses, de reconhecer e corrigir ele próprio seus erros. (p. 20)
Essa informação corresponde ao feedback, conceituado por Villas Boas (2018) como “a informação, ao próprio estudante de, quão bem-sucedido ele está sendo em suas aprendizagens” (p. 121), tomando como parâmetros o nível no qual o estudante se encontra e o nível de referência. A referida autora, no entanto, é cautelosa ao salientar que essa informação, para ser considerada feedback, deve ser utilizada para alterar a distância entre o nível real e o nível de referência de alguma maneira, pois caso não seja comunicada de forma acessível aos atores diretamente envolvidos no processo, acaba não sendo verdadeiramente útil e o feedback, ineficiente. O feedback, quando efetivo, pode trazer contribuições, tanto ao professor, quanto para o aluno, uma vez que o professor pode utilizá-lo para fundamentar e tomar decisões, e o aluno para acompanhar as potencialidades e fragilidades de seu desempenho, de modo a reforçar os aspectos positivos e modificar os insatisfatórios (Villas Boas, 2018).
Para tanto, o professor deve ter concepção de qualidade apropriada à avaliação do desempenho do estudante, assim como o estudante, que precisa ter concepção de qualidade semelhante à do professor para participar ativamente de sua aprendizagem, monitorando o que está sendo produzido e regulando o que está fazendo (Villas Boas, 2018). É necessário, portanto, condições para que o estudante: “a) conheça o que se espera dele (objetivos da aprendizagem); b) seja capaz de comparar seu nível atual de desempenho com o esperado; e c) se engaje na ação apropriada que leve ao fechamento da distância entre os níveis” (p. 123).
Nesse sentido, suas produções não podem ser avaliadas simplesmente como corretas ou incorretas, mas devem informar os estudantes a respeito de seus avanços e o que deve ser melhorado, através de julgamento qualitativo (Villas Boas, 2018). Leva-se em conta as individualidades dos alunos e considera-se o progresso, pois a avaliação formativa baseia-se em critérios e, ao mesmo tempo, toma o próprio estudante como referência (Villas Boas, 2008; 2015; 2019).
O que poderia ser classificado como erro na avaliação somativa, uma falta compreendida como indicativo de incapacidade, na formativa corresponde à fonte de informação, uma falta momentânea e importante para retomadas. Na avaliação formativa, a intenção do avaliador está sempre pautada na regulação da prática pedagógica, buscando “construir uma representação realista das aprendizagens” de modo a amparar a realização de intervenções corretivas para otimizá-las (Perrenoud, 1999, p. 104).
Ao contrário da avaliação somativa, portanto, a avaliação formativa não visa à classificação, mas a retroalimentação dos processos, rumo ao êxito nas tarefas de ensino e aprendizagem. Por isso, Hadji (2001) a caracteriza como contínua e a situa no centro da ação de formação, pois ocorrendo durante o processo, garante melhor articulação entre a coleta dos dados e a ação mediadora do professor.
Instrumentos de avaliação na rede investigada
De acordo com Luckesi (2011), os instrumentos de coleta de dados para a avaliação correspondem aos recursos que podem ser utilizados para captar informações relevantes sobre o desempenho do educando. Segundo o autor, para a realização de uma prática educativa é necessário coletar dados da realidade e somente através dos instrumentos de avaliação é possível obtê-los, pois estes ampliam a capacidade de leitura dela.
Os instrumentos podem ser expressos pelo aluno ou pelo professor, pois “ora é o aluno que é levado a fazer os próprios registros, expressando o seu conhecimento [...] ora é o professor quem registra o que observou do aluno, fazendo anotações” (Hoffmann, 2005, p. 119). Considerando o exposto, destinamos perguntas do questionário de nossa pesquisa à identificação dos instrumentos utilizados pelos professores e chegamos à recorrência de instrumentos apresentada nafigura 1, a seguir.
Vale ressaltar que o instrumento designado como ‘atividade/exercício’ corresponde ao agrupamento das atividades escritas utilizadas pelos professores, abarcando os instrumentos denominados por eles como atividades, exercícios, trabalhos, pesquisas e tarefas. Já as ‘provas’, abrangem os instrumentos nomeados como provas, testes, simulados e ‘avaliação’, já que muitos professores associam o termo ‘avaliação’ como sinônimo de prova.
Notamos, portanto, que os instrumentos mais recorrentemente utilizados pelos professores dos anos iniciais do ensino fundamental da rede municipal pesquisada, consistem, respectivamente, na observação (89), atividade/exercício (88) e prova escrita (67).
Todavia, e como já argumentamos, embora a identificação dos instrumentos de avaliação utilizados seja importante, é preciso desvelar qual o sentido e significado atribuído a ele no processo avaliativo. Ou seja, é pelo conhecimento das intenções e do uso que se faz dos instrumentos que podemos compreender o delineamento das práticas dos professores.
Em vista disso, ao analisarmos os procedimentos avaliativos e como utilizam seus resultados, foi possível nos aproximar da compreensão da perspectiva orientadora de sua ação, se com indícios formativos ou somativos.
Observação
No que diz respeito à ‘observação’, instrumento de avaliação mais citado pelos professores participantes, é utilizada de forma contínua. Dentre os aspectos que os professores alegam observar nos alunos, estão: desempenho, participação, desenvolvimento, interesse, comportamento, comprometimento, organização, interação, questionamentos, tentativas, esforço, presença, foco e curiosidade.
Embora o âmbito informal da avaliação da aprendizagem esteja muito presente neste instrumento, os professores também referem-se à observação para avaliar a oralidade e leitura, identificar dificuldades e necessidades dos alunos, acompanhar seus avanços, verificar a compreensão dos conteúdos, o domínio de habilidades e o alcance dos objetivos, o que pode requerer um registro sistemático e pautado em elementos delimitados à priori, como um quadro com habilidades a serem observadas e registradas como presentes ou não.
Esses resultados se aproximam muito aos observados na pesquisa de Queiroz (2010) que, na busca de conhecer os critérios utilizados pelos professores, constatou a predominância de docentes que se referem a atitudes que podem ser verificadas por meio da observação.
A participação corresponde ao critério mais citado pelos professores de nossa pesquisa (54), e abarca diferentes indicadores. De forma geral, os professores dizem avaliar a participação nas aulas - se o estudante participa das discussões, se faz perguntas e tira dúvidas -, e a participação nas atividades - se faz a atividade, se precisa de ajuda ou oferece ajuda. A atenção à participação dos alunos durante as aulas possibilita, segundo Oliveira, Valle e Avelar (2018), a verificação da “desenvoltura que o estudante apresenta ao versar sobre os conteúdos trabalhados nas aulas com situações cotidianas, momento em que pode expor seus entendimentos, dúvidas, críticas e opiniões” (p. 47). No entanto, os autores alertam para a importância de se considerar e respeitar as características individuais de cada aluno para avaliá-lo quanto à participação, pois um aluno mais introvertido pode ser prejudicado caso o professor associe a participação a melhor compreensão, julgando que aquele que participa mereça, por consequência, maior nota. Villas Boas (2018), contribui ao debate ao sustentar a essencialidade de se conhecer as especificidades, necessidades e capacidades dos grupos de alunos extrovertidos e introvertidos, tomando cuidado para não os rotular ou depreciá-los, uma vez que consistem apenas em formas diferentes de trabalhar. Além disso, é importante considerar que a atitude de questionar não é natural, estando diretamente relacionada às relações afetivas construídas em sala de aula, que determinam em que medida o aluno se sente ou não confortável para realizar perguntas (Silva, 2010).
No que diz respeito às notas, os professores de nosso estudo relacionam pouco a observação à atribuição de notas. Encontramos, no entanto, uma resposta em que o docente utiliza a observação como critério de arredondamento dos resultados das avaliações formais, o que podemos associar, como discutido por Freitas (2003), ao lado perverso da avaliação informal.
Já as questões comportamentais e de participação são utilizadas para critério de arredondamentos para mais ou para menos [...] Eventualmente esses comportamentos são utilizados para ajudar sim a melhorar a nota de um aluno que apresenta boa participação, organização e comportamento, que, porém, não tenha se saído muito bem nas avaliações documentais. (Acervo próprio, 2021, P93)
Outro aspecto que nos chamou atenção em relação à observação, é que apenas dez docentes citam alguma forma de registro dela. Isso é preocupante, pois abre espaço para o julgamento pautado em juízos de valores e preconceitos. A avaliação requer a análise e reflexão acerca dos dados coletados, os quais se não forem registrados, podem perder objetividade. Hoffmann (2005) argumenta que os dados observados só podem ser considerados instrumentos se transformados em registro, pois do contrário, corre-se o risco de cair nas “impressões gerais, holísticas e na inconsistência de informações sobre a progressão de aprendizagens” (p. 119). Além disso, os dados da observação devem ser documentados para garantir que as informações não se percam, permitindo posterior consulta e a confirmação ou refutação de hipóteses (Costa; Vasconcelos; Santos, 2019).
Atividade/exercício
Os professores que utilizam as atividades/exercícios para avaliar as aprendizagens dos estudantes, apontam para seu uso com frequência contínua. Apenas em sete casos esses instrumentos são utilizados de forma mais pontual e estão relacionados a trabalhos, produções de texto e atividades individuais.
Os professores avaliam mediante a aplicação de atividades/exercícios, com maior recorrência, o desempenho dos alunos; se e como eles realizam as atividades; as dificuldades e necessidades que apresentam; o domínio dos conteúdos/habilidades; a compreensão e assimilação dos conteúdos e a evolução e desenvolvimento deles. Esses instrumentos aparecem pouco relacionados às notas, uma vez que apenas quatro professores explicitam atribuir notas a eles.
Prova escrita
Já as provas, são utilizadas pelos professores ao final de determinados períodos, podendo ser aplicadas mensalmente, bimestralmente, semestralmente ou ao final da ação de formação. Nos chama atenção que a prova, dissonante das atividades/exercícios e da observação, aparece intimamente relacionada à atribuição de notas.
A LDB (Brasil, 1996),estabelece, no artigo 24, inciso V e alínea a, que a avaliação deve ser “contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais”. Com exceção de dois professores (P46 e P7), que embora associem a prova diretamente às notas esclarecem que não a utilizam como instrumento de maior peso na média final, podemos questionar se os resultados ao longo do período estão sendo privilegiados, pois observamos a ênfase da prova como requisito para a nota final do educando.
Interessa destacar que 26 respondentes citaram a prova como um instrumento que não gostam de utilizar. Eles justificam sua resposta criticando o instrumento por ser muito pontual e, consequentemente, atestar pouco o conhecimento/desenvolvimento do aluno; promover cola; promover pressão; promover medo; promover comparação; e abarcar muito conteúdo quando efetivada mensal ou bimestralmente.
Observamos, ainda, a utilização da prova pelos professores em razão da necessidade de documentação para notação e para registro em casos de necessidade de comprovação.
Outra questão importante em relação às provas, é sua menção por alguns professores (31) como sinônimo de avaliação. Ou seja, a prova é vista como a personificação da avaliação. Tal associação corresponde a um erro conceitual que nos mostra a presença de uma concepção que vincula a avaliação à atribuição de notas e realização de provas.
Queiroz (2010), ao investigar práticas avaliativas de professores no Nordeste brasileiro, também identifica a menção ao instrumento‘avaliação escrita’ interpretada como prova. Sobre isso, Perrenoud (1999) tece considerações importantes, afirmando que a palavra avaliação é muito associada à medida.
Considerações finais
Analisando os instrumentos de avaliação mais recorrentemente utilizados por professores dos anos iniciais de uma rede municipal de ensino do interior de São Paulo, notamos que os instrumentos mais citados foram observação, atividade/exercício e prova escrita.
Os nossos resultados diferem-se dos encontrados em alguns estudos da área, os quais verificaram a prova como principal instrumento de avaliação utilizado pelos professores (Faleiros; Pimenta, 2013; Correia; Freire, 2010; Marinho; Leite; Fernandes, 2013; Santos; Bonna, 2018). Por outro lado, encontramos grande semelhança com a investigação de Benvenutti (2016), na qual os professores afirmam utilizar trabalhos, observação e provas para avaliar seus alunos, sendo a prova o terceiro instrumento mais citado.
Destaca-se a percepção dos professores da importância de diversos instrumentos para a construção do processo de avaliação, a associação equivocada que alguns fazem do termo avaliação como sinônimo de prova e atribuição de nota, assim como certa confusão entre instrumentos avaliativos e critérios de avaliação, aspectos que pretendemos analisar de forma mais aprofundada em outro momento.
Os dados de nossa investigação sugerem que a avaliação não tem sido praticada pelos respondentes com intuito exclusivo de diferenciar os alunos, selecioná-los ou classificá-los de algum modo, mas para orientar a ação a partir do conhecimento acerca do processo. É importante diferenciar, no entanto, os tipos de regulação entre os diferentes instrumentos analisados. Enquanto as atividades/exercícios e observações estão mais relacionadas às regulações interativas, ocorrendo continuamente e fundamentando o planejamento e replanejamento constante dos professores, a prova apareceu mais voltada à medida da aprendizagem ao fim de determinados períodos: mês, bimestre etc.
Todavia, mesmo no caso das provas, como estão em todos os casos associadas com o uso de outros instrumentos por parte dos professores, estando em grande parte (41), associadas, tanto a observação, quanto a atividade/exercício, não representam uma avaliação classificatória, somativa, já que o todo da ação conta com regulações interativas que se relacionam à intencionalidade de observar e alimentar processos e, em consequência, mais ligadas à perspectiva formativa de avaliação.