Introdução1
No contexto mundial, os sistemas de saúde têm registrado aumento da expectativa de vida e da prevalência de doenças crônicas em suas populações, fatores estes que exigem a mobilização adequada de recursos capazes de atender às crescentes demandas em saúde da população. Ademais, em países em desenvolvimento, como o Brasil, a elevada prevalência de doenças infecciosas incide diretamente sobre os índices de morbimortalidade registrados, além de consumir recursos destinados ao setor saúde (MCCRACKEN; PHILLIPS, 2017; WALDMAN; SATO, 2016). Neste cenário, consideram-se condições fundamentais para o provimento de cuidados em saúde com qualidade e acessíveis para a sociedade, o estabelecimento de um ambiente de suporte, capaz de prover infraestrutura e insumos essenciais para a melhoria das condições de saúde da população. Outra importante condição é determinada pela qualificação dos profissionais provedores de cuidados. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018; BIGDELI, MARYAM; PETERS; WAGNER, 2014).
O cuidado, como modelo de prática dos profissionais de saúde, é entendido como um processo ordenado e adaptado às necessidades dos indivíduos, tais como tratamento e acompanhamento individualizado (HEALTH FOUNDATION, 2016). Para que o cuidado seja exercido de forma adequada, o acesso aos serviços e aos insumos de saúde são fatores preponderantes (BIGDELI, MARYAM; PETERS; WAGNER, 2014). Entre os insumos, os medicamentos são importantes estratégias terapêuticas, e mesmo sendo um insumo essencial, não é isento de riscos aos pacientes. Os Problemas Relacionados ao Medicamentos (PRM) são situações ou elementos do processo de medicação que podem aumentar o risco de um Resultado Negativo ao Medicamento (RNM), definido como um resultado de saúde não adequado ao objetivo da farmacoterapia (COMITÉ DE CONSENSO, 2007). Os PRM podem envolver o não cumprimento do tratamento, as falhas terapêuticas, as reações adversas, as intoxicações, as interações medicamentosas, a automedicação e os erros de medicação (COMITÉ DE CONSENSO, 2002).
Entre os riscos mencionados acima, por exemplo, os erros de medicação podem ocorrer durante o processo de uso do medicamento, sendo resultantes, por exemplo, de prescrições inadequadas, dispensação de dosagens incorretas, erros de monitoramento e administração incorreta do produto. Os erros associados à utilização incorreta dos medicamentos oneram o setor de saúde, com gastos estimados em torno de 42 bilhões de dólares (ano de 2011), o que corresponde a quase 1% das despesas globais em saúde (AITKEN; GOROKHOVICH, 2012). Outro importante risco está relacionado a não adesão ao tratamento preconizado para o paciente, sendo a não adesão responsável por custo estimado em 100 milhões de dólares somente nos Estados Unidos da América (EUA), país com o maior consumo de medicamentos do mundo no ano de 2018 (IQVIA, 2019).
No Brasil, a prevalência global do uso de medicamentos no ano de 2014 foi estimada em torno de 50,7%, sendo que o acesso aos medicamentos se apresentou desigual entre as diferentes regiões do país, com menores índices nas regiões Norte e Nordeste (BERTOLDI et al., 2016). Além de problemas básicos relacionados à desigualdade do acesso aos medicamentos, o aumento no número de intoxicações e de reações adversas decorrentes da exposição aos medicamentos pela população tem sido registrado pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS). Entre os anos de 2000 e 2014, o número de óbitos no Brasil por medicamentos variou de 2,8 óbitos/1 milhão de habitantes para 5,5 óbitos/1 milhão e a taxa de hospitalização variou de 14,4 hospitalizações/100 mil habitantes para 23,8 hospitalizações/100 mil habitantes (SANTOS; BOING, 2018).
Frente ao crescente impacto clínico negativo em torno do medicamento, os serviços desenvolvidos por profissionais de saúde podem contribuir com o processo de identificação, prevenção e resolução dos PRM. Entre esses profissionais, os farmacêuticos que atuam no cuidado ocupam uma função estratégica nos sistemas de saúde, ao serem responsáveis pela provisão da terapia medicamentosa, na busca de resultados que melhorem a qualidade de vida do paciente (HEPLER; STRAND, 1990). Estando na linha de frente da promoção do uso racional dos medicamentos e no fornecimento de serviços de saúde, por meio de serviços clínicos, os farmacêuticos têm ampliado a sua participação na prestação de cuidados nos sistemas de saúde (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2016a).
As avaliações das intervenções farmacêuticas desenvolvidos nos países em que esta prática profissional é ofertada à população subsidiam o diagnóstico do impacto destes serviços. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, os serviços farmacêuticos realizados no sistema de saúde Fairview Health Services (organização sem fins lucrativos do estado de Minnesota) contribuíram para a melhoria dos resultados clínicos de 9.000 pacientes, gerando uma economia para o sistema de saúde de aproximadamente três milhões de dólares em dez anos (OLIVEIRA; BRUMMEL; MILLER, 2010). Na Arábia Saudita, os resultados econômicos dos serviços farmacêuticos providos em um hospital de grande porte, apresentaram uma economia média de 28,76 dólares a cada dólar investido no farmacêutico (ALOMI; AL-JARALLAH; BAHADIG, 2019).
De modo a avaliar o impacto das intervenções farmacêuticas nos cuidados prestados aos pacientes, pesquisas desenvolvidas no contexto brasileiro corroboram com a importância deste profissional nos serviços de saúde. Entre essas evidências, a detecção e prevenção de PRM realizadas por farmacêuticos, em um hospital oncológico, resultaram na economia de R$33.217,65 em um período de dois meses de análise. Cada intervenção farmacêutica representou uma economia de R$126,78, com a aceitação de 98% pela equipe de saúde do hospital (AGUIAR et al., 2018).
Além da economia gerada para o sistema de saúde, o serviço de acompanhamento farmacoterapêutico desenvolvido em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital de grande porte na China, possibilitou a identificação de aproximadamente 124,7 PRM por 1000 pacientes. Neste mesmo estudo foi relatada a boa aceitação pela equipe de saúde às intervenções propostas por farmacêuticos clínicos do hospital, que contribuíram com a resolução de 83,2% dos PRM (JIANG, 2014).
Os impactos positivos dos serviços clínicos realizados por farmacêutico, tanto na saúde dos pacientes quanto na economia de recursos, atestam a importância deste profissional em seus diversos ambientes de atuação (AGUIAR et al., 2018; ALOMI; AL-JARALLAH; BAHADIG, 2019; OLIVEIRA; BRUMMEL; MILLER, 2010; PHATAK et al., 2016; QUINONES et al., 2016; ONATADE et al., 2018). Entretanto, as atribuições clínicas farmacêuticas no Brasil não haviam sido regulamentadas até a primeira década do século XXI, limitando a atuação deste profissional na prestação de cuidados à população. O movimento para estruturação das atribuições clínicas foi concretizado a partir do plano de ação global da Educação Farmacêutica (2008-2010), promovido pela Federação Internacional de Farmácia (FIP), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) (ANDERSON, 2008).
Neste sentido, importantes ações foram realizadas no Brasil, dentre elas: a regulamentação das atribuições clínicas por farmacêuticos, por meio da Resolução no 585 do Conselho Federal de Farmácia (CFF); a prescrição farmacêutica, por meio da Resolução no 586 também do CFF (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2013a; CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2013b; ALMEIDA; MENDES; DALPZZOL, 2014); e a publicação da Lei no 13.021 no ano de 2014. Essa Lei definiu os estabelecimentos farmacêuticos (farmácias e drogarias) como locais de prestação de serviços de saúde, aproximando a atividade profissional farmacêutica dos cuidados prestados aos pacientes pelos serviços clínicos (BRASIL, 2014). Até então, estes locais eram considerados, pela Lei no 5.991 do ano de 1973, estabelecimentos comerciais destinados à venda de medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos (BRASIL, 1973).
Além das resoluções, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) publicou, no ano de 2016, o documento intitulado Serviços Farmacêuticos Diretamente Destinados ao Paciente à Família e à Comunidade: contextualização e arcabouço conceitual. Esse documento tem como propósito nortear e estimular a prática dos serviços clínicos, apresentando, entre suas propostas, o alinhamento de conceitos, a busca pela padronização dos processos de trabalho e a delimitação das competências profissionais na prestação de cada um dos serviços (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2016a).
Na área educacional, importantes ações também foram desenvolvidas. Entre essas ações destaca-se a publicação, em 2017, da matriz de competências para a formação clínica do farmacêutico, instrumento responsável por articular os conhecimentos, habilidades e atitudes para a formação profissional nesta área do conhecimento (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2017). No ano de 2017, foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para serem aplicadas aos cursos de graduação em farmácia. Essas diretrizes estabelecem 50% da carga horária das graduações em farmácia ao eixo Cuidado em Saúde, aproximando o ensino farmacêutico de suas atribuições clínicas (BRASIL, 2017).
Os avanços na regulamentação dos serviços clínicos e na formação profissional demonstram os esforços das entidades envolvidas neste processo e no alinhamento da educação farmacêutica à nova realidade profissional (MELO et al., 2017). Em contraposição a este cenário, Alcântara e colaboradores (2018) ressaltam a estagnação dos serviços clínicos realizados por farmacêuticos no Brasil, mesmo após a sua regulamentação e a aprovação das DCN no ano 2017. Entre as barreiras descritas está o processo educacional utilizado pelas instituições de ensino e a concentração das atividades profissionais nos aspectos logísticos, com foco em atividades de verificação de estoques, como “se faltam ou sobram medicamentos”. Quanto ao processo educacional, é possível verificar que a maioria das instituições de ensino superior em Farmácia ainda não se adaptaram às recomendações das DCN de 2017, permanecendo em um ensino tradicional centrado no professor, sem desenvolvimento das competências que permitem solucionar as necessidades da sociedade (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2019; CHINIL; OSIS; AMARAL, 2018).
As DCN ressaltam a necessidade da mudança do processo educacional, abordando dois aspectos principais: “desenvolvimento de competências para identificar e analisar as necessidades de saúde do indivíduo, da família e da comunidade, bem como para planejar, executar e acompanhar ações em saúde” e “ter projeto pedagógico centrado na aprendizagem do estudante e fundamentado no professor como facilitador e mediador do processo, com vistas à formação integral” (BRASIL, 2017). Na área da saúde, o conceito competências vai além de transmitir o conteúdo, de modo a se relacionar com a mobilização e integração dos conhecimentos, habilidades e atitudes, e aspectos sociais e afetivos, necessários para atuar de forma satisfatória e responsável na resolução e prevenção de problemas. Sendo possível, dessa forma, promover a transformação da sociedade e o desenvolvimento dos futuros profissionais (SANTOS, 2011; AGUIAR, RIBEIRO, 2010).
Assim, o ensinar por competência requer do professor um amplo planejamento estruturado das estratégias de ensino, criando situações que aproximem o estudante do exercício profissional, de forma a agregar valores, visando harmonização de ações técnico-científicas e socioafetivas (LOPES et al., 2020). Vale ressaltar que neste novo cenário o professor necessita assumir seu papel de mediador, utilizar os aspectos interdisciplinares para promoção dos diferentes saberes e acompanhar a velocidade das novas descobertas para promover uma comunicação eficiente com seus estudantes (LIBÂNIO, 2003). Em contradição às competências necessárias para atuação do professor, na atualidade, pode-se encontrar nas Instituições de Ensino Superior (IES) um perfil docente às vezes pouco especializado no eixo de trabalho. Isso pode se dar visto a dificuldade de identificar a qualificação do farmacêutico professor com o componente curricular ministrado pelos professores (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2019).
Estes representam alguns dos principais desafios relacionados à implantação efetiva dos serviços e da formação clínica do farmacêutico. De modo a superar esses desafios, a utilização de ferramentas capazes de avaliar os avanços promovidos e as barreiras a serem superadas, se apresentam como uma importante estratégia, ao possibilitarem a realização de um diagnóstico situacional (BRASIL, 2017). Neste contexto, a construção de instrumentos para avaliar o conhecimento frente às atribuições clínicas dos farmacêuticos docentes e no que tange a capacidade de realizar acolhimento, identificar as necessidades e os problemas de saúde do paciente, elaborar plano de cuidado, realizar intervenções, avaliar o resultado das intervenções e gestão dos processos clínicos (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2017) são fundamentais para o avanço do ensino com foco nos serviços clínicos.
O uso de questionários é a estratégia mais utilizada em pesquisa, ao ser capaz de fornecer dados com validade científica (KRISHNAPPA; PIDDENNAVAR; MOHAN, 2011). As medidas obtidas por um instrumento válido e confiável podem permitir a detecção de possíveis pontos a serem aprimorados a fim de se atingir o objetivo de promoção do ensino baseado em competências, por meio da implementação de ações a serem adotadas pelas instituições de ensino farmacêutico e demais membros envolvidos no seu processo de formação (MELO et al., 2017; CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2017; BOLARINWA, 2015). Dessa forma, o objetivo desta pesquisa foi construir e validar um instrumento de avaliação dos conhecimentos e atitudes dos farmacêuticos docentes, frente aos serviços clínicos realizados por farmacêuticos no Brasil.
Métodos
O presente estudo trata-se do processo de desenvolvimento e validação de um instrumento de pesquisa destinado a avaliar os conhecimentos e atitudes de farmacêuticos docentes frente aos serviços clínicos farmacêuticos no Brasil. O estudo foi desenvolvido em três etapas (Figura 1), denominadas elaboração, validação e avaliação da confiabilidade do instrumento (BOLARINWA, 2015; COOK; BECKMAN, 2006). Na primeira etapa foi realizada a elaboração do instrumento inicial com base no resultado da revisão exploratória da literatura a respeito dos serviços clínicos farmacêuticos. A segunda etapa foi responsável pela consolidação e validação do instrumento de pesquisa por meio da aplicação do método e-Delphi (TORONTO, 2017). Por fim, na última etapa foi realizada a avaliação da confiabilidade do instrumento, de modo a obter a consistência interna deste, a partir dos resultados obtidos pela aplicação em uma amostra da população alvo, indicando se as subpartes do instrumento avaliam as mesmas características (STREINER, 2003).
Etapa 1: Elaboração do Instrumento de Pesquisa
O instrumento de pesquisa foi desenvolvido levando em consideração dois eixos (conhecimentos e atitudes) da matriz de competências da formação farmacêutica no Brasil, relativas aos serviços clínicos (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2017). Inicialmente, foi realizada a seleção de materiais que regulamentam a profissão farmacêutica, para identificação dos serviços clínicos farmacêuticos instituídos no Brasil e definidos pelo CFF. Os dois materiais recuperados e utilizados pelos pesquisadores foram: Serviços Farmacêuticos Diretamente Destinados ao Paciente, à Família e à Comunidade (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2016a) e Resolução do CFF no 585 de 2013 (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2013a).
Posteriormente, foi realizada uma busca exploratória nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE; via PubMed), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Biblioteca Eletrônica Científica Online (SciELO). Os Descritores em Ciências da Saúde (DeSC) e Medical Subject Headings (MeSH) foram utilizados para resgatar artigos referentes aos serviços clínicos levantados anteriormente, conforme apresentado na primeira etapa da Figura 1.
Os critérios de inclusão dos artigos consideraram textos completos disponíveis entre os anos 2002 e 2018, publicados em português, inglês ou espanhol, cuja temática do estudo estivesse relacionada ao conceito de um dos serviços clínicos providos por farmacêuticos. Os critérios de exclusão consideraram as publicações no formato editorial, carta ao editor e duplicadas, além de publicações que não traziam a definição do serviço clínico pesquisado. Após essa etapa, foi realizada uma nova busca na literatura, por publicações voltadas aos conceitos das ações em farmacovigilância, frente à importância da atitude do farmacêutico docente no desenvolvimento destas ações para o provimento dos serviços clínicos. As ações de farmacovigilância são entendidas como a “prevenção, detecção e avaliação” de eventos adversos ao longo do ciclo do medicamento pós-comercialização (LAVEN; SCHMITZ; FRANZEN, 2018). Os farmacêuticos que atuam no cuidado, ao realizarem as ações de farmacovigilância, contribuem diretamente com a segurança do paciente, fator determinante para obtenção de resultados clínicos positivos. A partir das publicações selecionadas, foram extraídos os conceitos e as aplicações de cada um dos serviços clínicos e das ações em farmacovigilância relacionadas a esses serviços.
MeSH: Medical Subject Headings; §DeCS: Descritores em Ciências da Saúde; 1MEDLINE (via PubMed): Medical Literature Analysis and Retrieval System Online; 2LILACS: Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde; 3SciELO: Scientific Electronic Library Online
Fonte: os autores.
As questões relacionadas aos conhecimentos dos docentes frente aos serviços clínicos providos por farmacêuticos foram elaboradas com base no “Guia de Elaboração e Revisão de Itens”, publicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). O INEP é a instituição responsável pela elaboração e aplicação de avaliações nacionais em larga escala da educação brasileira (BRASIL, 2010).
Os itens foram elaborados no formato de questões objetivas com quatro opções cada, sendo apenas uma alternativa considerada correta. A construção das questões levou em consideração a estrutura composta por texto base, enunciado e alternativas. O texto base tem como objetivo reportar ao participante do teste a um contexto reflexivo, para que ele possa se posicionar, escolhendo a alternativa plausível para o serviço abordado no enunciado (da questão). Estes componentes articulados entre si definem uma situação problema, estabelecida pela identificação do objetivo, característica ou conceito do serviço clínico abordado na questão (BRASIL, 2010).
As questões relacionadas às atitudes foram elaboradas com base no que se consideram atitudes positivas ou atitudes negativas do farmacêutico docente frente ao processo de ensino-aprendizagem relacionado aos serviços clínicos. Foram inseridas nesta seção duas questões relacionadas às ações de farmacovigilância, frente à importância destas ações para a segurança do paciente, durante o provimento dos serviços clínicos. As atitudes positivas foram expressas por meio de proposições favoráveis e as atitudes negativas foram expressas por meio de proposições desfavoráveis ao processo de ensino-aprendizagem do serviço clínico avaliado, caracterizando o método indireto de mensuração da atitude. Para tanto, foi estabelecido como opção de resposta uma escala Likert de quatro pontos conforme apresentado a seguir: concordo totalmente; concordo; discordo; e discordo totalmente (LIKERT, 1932; BILAL et al., 2016).
O instrumento inicial incluiu um total de 59 questões. Estas foram divididas em três grandes grupos: (1) 21 questões foram direcionadas ao perfil profissiográfico do docente, importante para caracterização da formação base e contextualização da atuação profissional; (2) 18 questões foram destinadas aos conhecimentos aplicados aos serviços clínicos e; (3) 20 questões foram voltadas às atitudes do docente frente ao processo de ensino-aprendizagem dos serviços clínicos farmacêuticos e as ações de farmacovigilância relacionadas a estes serviços.
Etapa 2: Validação de Conteúdo do Instrumento de Pesquisa
A presente etapa avaliou a validade de conteúdo do instrumento e foi conduzida pela aplicação do método e-Delphi em quatro rodadas. A versão inicial do instrumento de pesquisa foi avaliada por farmacêuticos docentes de cursos de farmácia tanto de instituições públicas quanto privadas, que atuam na área de farmácia clínica. Os participantes desse método foram denominados de painelistas. O método e-Delphi é utilizado em pesquisas na qual os painelistas se encontram em diferentes localidades (fator determinante para a sua aplicação via online), não havendo, preferencialmente, contato entre os participantes. Por meio deste método, inicialmente foram realizadas indagações aos painelistas e os resultados confrontados com a literatura. Frente aos dados obtidos, os condutores da pesquisa avaliaram a necessidade da realização de ajustes no instrumento em cada rodada. Nessa etapa, foram propostas rodadas até a obtenção de consenso, determinado pela análise do Índice de Validação de Conteúdo (IVC) (ALEXANDRE; COLUCI, 2011; LINSTONE; TUROFF, 2002; TORONTO, 2017).
A seleção dos painelistas foi realizada por meio de pesquisa na Plataforma Lattes (plataforma de depósito de currículos de acadêmicos e pesquisadores brasileiros), além de recomendação de profissionais que trabalham na área de ensino voltada para a farmácia clínica. As palavras-chaves utilizadas na seleção dos painelistas na plataforma foram: farmacêuticos, docentes e farmácia clínica. A pesquisa para seleção dos painelistas levou em consideração apenas os farmacêuticos que atuam na área de docência nos conteúdos ligados à farmácia clínica. Para se obter uma amostra de painelistas, foram selecionados profissionais de todo o país, com o objetivo de incluir ao menos sete profissionais (VARELA-RUIZ; DÍAZ-BRAVO; GARCÍA-DURÁN, 2012; THANGARATINAM; REDMAN, 2005).
A partir da pesquisa realizada na Plataforma Lattes, 22 docentes de graduação em Farmácia foram selecionados e convidados, via on-line, a comporem o grupo de painelistas por meio de uma carta convite, a qual continha o link de acesso ao instrumento de pesquisa na plataforma Google Forms. Nesse convite foram explicados os objetivos da pesquisa e requisitada a participação do docente. A confirmação do docente, como membro do painel de especialistas, ocorreu por meio do seu consentimento, expresso no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), presente na primeira seção do formulário na plataforma Google Forms. As instruções para o preenchimento do questionário foram inseridas em seções que precederam os três domínios avaliados.
Os itens das três partes do instrumento foram avaliados segundo critérios de coesão, clareza e pertinência ao objetivo do estudo. Para conhecimento e atitude avaliou-se ainda se o conteúdo abordado é atual. Todos os 59 itens do instrumento foram avaliados segundo os critérios específicos para serem respondidos em uma escala Likert de quatro pontos, que significam respectivamente: escore 1 - discordo totalmente, escore 2 - discordo, escore 3 - concordo, e escore 4 - concordo totalmente. (REIS et al., 2018; CASE; SWANSON, 2002). Em cada um dos critérios, além do julgamento em escala, foi solicitado aos painelistas que fizessem sugestões que pudessem auxiliar na melhoria do item.
As respostas dos painelistas foram analisadas segundo o Índice de Validade de Conteúdo (IVC), que é o método destinado à avaliação do conteúdo dos itens e do instrumento, por meio da proporção de juízes que estão em concordância sobre os aspectos fundamentais para o instrumento. O cálculo do IVC consiste na divisão do número de respostas 3 ou 4, obtidas na escala de Likert, pelo número total de respostas. Os itens com IVC> 0,80 foram considerados aprovados e itens com pontuação inferior foram revistos pelos pesquisadores e, posteriormente, enviados para outra rodada e-Delphi. Modificações das questões foram realizadas conforme as sugestões dos painelistas frente às definições dos serviços clínicos, até a obtenção de IVC> 0,80 para todos os critérios estabelecidos, totalizando quatro rodadas e-Delphi (ALEXANDRE; COLUCI, 2011; POLIT; BECK; OWEN, 2007). Assim, o instrumento de pesquisa resultante dessa etapa seguiu a mesma disposição em número de itens da primeira etapa (59 questões), entretanto reformulados
Etapa 3: Avaliação da Confiabilidade
Na terceira etapa do estudo foi realizada a aplicação do teste piloto com o objetivo avaliar a consistência interna do instrumento de pesquisa (RAYKOV; MARCOULIDES, 2019; HANAFI et al., 2013). Nessa etapa, o instrumento foi enviado para farmacêuticos docentes dos cursos de Farmácia do Brasil, segundo a técnica de amostragem denominada de “bola de neve” (snowball sampling technique). Nessa técnica, os participantes iniciais da pesquisa convidam ou indicam outros prováveis participantes entre seu círculo profissional, conforme os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos para definição da amostra, ampliando o grupo que a compõe, como em uma bola de neve rolando (HECKATHORN, 2011). O link para o instrumento de pesquisa na plataforma online Google Forms foi enviado para grupos de docentes e repassado em grupos de mídias digitais. Para fins estatísticos estipulou-se uma amostra mínima para esta etapa de 50 participantes (HAIR et al., 2014; SAPNAS; ZELLER, 2002).
Análise Estatística para a Avaliação da Confiabilidade
Estatística descritiva foi utilizada para análise de dados obtidos na aplicação do teste piloto. As análises foram realizadas no software Stata versão 12.0 (StataCorp. 2011.Stata Statistical Software: Release 12. College Station, TX: StataCorp LP). Em relação ao perfil profissiográfico, as variáveis categóricas foram expressas em frequência absoluta (n) e relativa (%) e as variáveis numéricas expressas em termos de média e desvio padrão (distribuição normal) ou mediana e intervalos interquartis (distribuição não normal). A normalidade das variáveis foi avaliada pela aplicação de teste de Kolmogorov-Smirnov.
A consistência interna do instrumento de pesquisa foi mensurada pela determinação do Alfa de Cronbach, que é a medida do grau no qual os itens de um questionário são relacionados. O Alfa de Cronbach é um importante indicador de confiabilidade, aplicado em um conjunto de indicadores do constructo. Itens com o valor do Alfa de Cronbach igual a 0,7 ou superior foram considerados com consistência interna aceitável para os constructos (TABER, 2018).
Para a análise das respostas obtidas na seção conhecimentos foi atribuída pontuação um (1) para as respostas corretas, e zero (0) para as respostas erradas, totalizando o máximo de 18 pontos a serem obtidos nessa seção. Além disso, calculou-se a frequência absoluta e relativa de docentes que acertaram cada uma das questões. Já nos quesitos referentes às atitudes foram atribuídos valores aos itens da escala Likert de cinco pontos, de modo que para as proposições favoráveis a pontuação um (1) representa a discordância total e a pontuação cinco (5) representa a concordância total do participante. Para as proposições desfavoráveis, a pontuação um (1) representa a concordância total e a pontuação cinco (5) representa a discordância total do participante frente a questão.
Na última etapa da pesquisa, foram realizadas análises de desempenho dos participantes na dimensão conhecimentos, por meio da amplitude interquartílica, e nas atitudes, por meio da média e desvio padrão. Estas análises foram realizadas a partir da verificação dos testes de normalidade, aplicado a amostra nas duas dimensões avaliadas. Nesta etapa, inicialmente foi elaborado o gráfico, no qual o eixo das ordenadas apresentou o resultado do desempenho do participante na seção conhecimentos, expressos em porcentagem relativa. No eixo das abscissas, foram apresentados os resultados do participante na seção atitudes, expressas por meio da média dos pontos obtidos pelo docente, de acordo com a pontuação atribuída a escala de Likert descrito anteriormente nesta seção (MCHUGH, 2003).
A elaboração do gráfico possibilitou a identificação da posição dos resultados dos participantes em relação às medidas de centralidade, sendo então definidos os quartis e o intervalo interquartil na dimensão conhecimentos e a média e desvio padrão nas atitudes (MCHUGH, 2003). A partir destas definições, foram analisados os desempenhos dos participantes nas dimensões expressas no gráfico. O melhor desempenho na dimensão conhecimentos, foi denominado alto desempenho, sendo obtido pelos participantes com resultados distribuídos a partir do terceiro quartil acima. Os resultados distribuídos no intervalo interquartil (entre o primeiro e o terceiro quartil) foram denominados de desempenho moderado. O pior cenário apresentado para a dimensão conhecimentos, denominado baixo desempenho, foi determinado pelos resultados dos participantes que se encontravam distribuídos abaixo do primeiro quartil. Para a dimensão atitudes, os farmacêuticos docentes com pontuação acima da Média (M) e do Desvio Padrão (DP), foram considerados como de alto desempenho. Os participantes com pontuação entre a M e o DP foram considerados com moderado desempenho. O pior cenário apresentado para a dimensão conhecimentos, denominado baixo desempenho, foi apresentado pelos participantes com pontuação abaixo da M e do DP.
Aspectos Éticos
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás (CEP/UFG) sob o protocolo nº 2.495.460, CAAE: 79748917.4.0000.5083/2018. Os farmacêuticos docentes convidados a participar da pesquisa nas etapas de validação e da avaliação da confiabilidade do instrumento, foram informados sobre o estudo e, mediante sua concordância, solicitado a assinar o TCLE.
Resultados
Elaboração do Instrumento de Pesquisa
A busca na literatura inicial identificou nove serviços clínicos providos por farmacêuticos (Figura 1), que foram utilizados para construção da primeira versão do instrumento de pesquisa.
Três domínios de análise foram estabelecidos, totalizando 59 questões distribuídas entre itens referentes ao perfil profissiográfico dos docentes, aos conhecimentos e às atitudes educacionais, frente os conceitos e as situações envolvendo a atuação do profissional farmacêutico durante a realização dos serviços clínicos. A primeira versão do questionário foi elaborada por um grupo de cinco farmacêuticos: três professores doutores com atuação docente na área de Farmácia Clínica, um professor mestre e com atuação profissional na atenção básica à saúde e um mestrando com experiência em farmácia comunitária.
Validade de Conteúdo
Quatro rodadas e-Delphi foram realizadas nesta etapa. Os painelistas foram todos farmacêuticos e docentes da área de Farmácia Clínica, com atuação e publicações relacionadas aos serviços clínicos, formados em instituições de ensino superior públicas com mestrado ou doutorado como maior titulação acadêmica. Nove painelistas participaram da primeira rodada e as demais rodadas contaram com a participação de sete painelistas.
Os painelistas aprovaram, das 59 questões propostas inicialmente, 26 na primeira rodada, 31 na segunda, uma na terceira e, por fim, na quarta rodada, a última questão obteve o consenso de todos os participantes. Na primeira rodada, 32 questões (10 do perfil profissiográfico, nove de conhecimentos e 12 de atitudes) não alcançaram IVC ≥ 0,80 em ao menos um dos itens de análise, e, portanto, foram adequadas segundo sugestões apresentadas pelos painelistas. No domínio conhecimento, adequações foram realizadas nas questões nos aspectos: textos base (questões 2.9; 2.16; 2.17), asserções (questões 2.2; 2.5; 2.12; 2.17), termos utilizados (2.1), opções de respostas (2.1; 2.2; 2.7; 2.8; 2.9; 2.16) e serviço clínico abordado (questão 2.9 - de gestão da condição de saúde para manejo de problemas de saúde autolimitados). No domínio atitudes, a principal alteração foi a mudança da escala Likert de quatro pontos para uma de cinco pontos com a inserção da opção “neutro” dentre as alternativas de resposta. Além disso, 10 questões (3.2; 3.6; 3.8; 3.10; 3.11; 3.12; 3.13; 3.14; 3.17; 3.18) tiveram alterações direcionadas à adequação dos termos e duas (3.15; 3.16) do serviço de monitoramento terapêutico de medicamentos foram reelaboradas, sendo direcionadas ao objetivo desse serviço e ao papel do docente no processo de ensino-aprendizagem.
Na segunda rodada, das 32 questões submetidas para análise, apenas duas (1.9 e 2.5) não obtiveram o IVC ≥ 0,80 (questão 1.9 nos critérios: o item apresenta clareza e adequação da linguagem e; o item é pertinente ao objetivo do estudo, questão 2.5 nos critérios: o item apresenta coesão textual; o item apresenta clareza e adequação da linguagem - todos com valor de IVC= 0,71). Os termos presentes nessa última questão foram readequados frente à compreensão do serviço de dispensação. Na terceira rodada, apenas uma questão (2.5) não foi aprovada (o item apresenta clareza e adequação da linguagem - IVC= 0,43; as opções apresentadas como respostas atendem aos objetivos da pergunta - IVC= 0,71). As sugestões fornecidas pelos painelistas foram direcionadas aos termos presentes na questão, que foram novamente readequados e submetidos à quarta rodada, na qual a questão obteve o consenso.
O instrumento de pesquisa final recebeu a denominação “Instrumento de Avaliação dos Conhecimentos e Atitudes de Docentes frente aos Serviços Clínicos Realizados por Farmacêuticos”.
Avaliação da Confiabilidade
O teste piloto do instrumento de pesquisa incluiu 55 farmacêuticos docentes dos cursos de graduação em farmácia das cinco regiões do Brasil. A mediana de idade dos participantes foi de 38 anos (q1-q3: 35-45; mínimo 26 anos e máximo 64 anos) e a mediana do tempo de atuação em docência foi de 8,5 anos (q1-q3: 5-18 anos; mínimo 0,5 ano e máximo 39 anos). Dos respondentes, 21,8% (n=12) declararam apresentar titulação máxima na área de Farmácia Clínica. Os dados referentes ao domínio do perfil profissiográfico dos participantes do teste piloto estão apresentados na Tabela 1. A média de disciplinas lecionadas por docentes foi de 2,98 (DP±1,66) e as três mais citadas foram relacionadas aos temas: Deontologia e Legislação Farmacêutica (n=11, 20%), Farmacologia (n=11, 20%) e Introdução às Ciências Farmacêuticas (n=8, 14,5%).
Características dos docentes | Frequência absoluta (n) | Frequência relativa (%) |
---|---|---|
Idade (em anos)1 26 - 35 36 - 45 46 - 55 56 - 65 |
17 21 5 7 |
34,0% 42,0% 10,0% 14,0% |
Gênero Mulher Homem |
34 21 |
61,8% 38,2% |
Tempo de atuação como docente (em anos)2 0 - 5 6 - 10 11 - 15 16 - 20 21 - 25 26 - 30 31 - 35 36 - 40 |
16 14 8 5 4 3 3 1 |
29,6% 21,9% 14,8% 9,2% 7,4% 5,5% 5,5% 1,8% |
Natureza da instituição de ensino em que o docente concluiu a graduação Pública Privado |
39 16 |
70,9% 29,1% |
Título recebido ao término da graduação Farmacêutico Farmacêutico habilitado em bioquímica: análises clínicas Farmacêutico habilitado em indústria Farmacêutico generalista Farmacêutico habilitado em bioquímica: bioquímica de alimentos Outro |
17 18 6 8 2 4 |
30,9% 32,7% 10,9% 14,5% 3,6% 7,3% |
Maior titulação acadêmica Bacharelado (Graduação) Especialização Mestrado Doutorado |
1 6 17 31 |
1,8% 10,9% 30,9% 56,4% |
Área acadêmica que possui maior titulação Farmácia Clínica Fármacos e Medicamentos Farmacologia Biologia Molecular Toxicologia Análises clínicas Outras |
12 8 5 3 2 2 23 |
21,8% 14,5% 9,1% 5,5% 3,6% 3,6% 41,82% |
O docente possui pós-doutorado Sim Não |
11 44 |
20,0% 80,0% |
Áreas de conclusão do pós-doutorado3 Farmácia Clínica Fármacos e Medicamentos Parasitologia Biologia Molecular Outras |
3 3 1 1 3 |
27,3% 27,3% 9,1% 9,1% 27,3% |
Instituição de ensino em que atua no momento Instituição Pública Instituição Privada Instituição Pública e Privada |
27 24 4 |
49,1% 43,6% 7,3% |
Região do país de atuação4 Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul |
4 8 30 7 7 |
5,5% 14,5% 54,5% 12,7% 12,7% |
Atividades exercidas pelos docentes na(s) instituição (ões) de ensino superior em que trabalha, além do ensino na graduação4 Extensão Pesquisa Ensino Pós-Graduação Atividades administrativas Assistência ao paciente Outras atividades |
31 29 26 22 15 6 |
56,4% 52,7% 47,3% 40,0% 27,3% 10,9% |
Carga horária semanal de trabalho em atividades de ensino Dedicação exclusiva 40 horas semanais, sem dedicação exclusiva De 30 até 39 horas semanais De 20 até 29 horas semanais De 10 até 19 horas semanais Menor que 10 horas semanais |
18 11 5 5 13 3 |
32,7% 20,0% 9,1% 9,1% 23,6 5,5% |
O docente exerce outra atividade além do ensino na graduação Sim Não |
18 37 |
32,7% 67,3% |
Outra(s) atividade(s) exercidas pelos docentes5 Atuação em Farmácia da Rede Pública de Saúde Pesquisa Perito Criminal Atuação no Conselho Regional de Farmácia em comissão Farmacêutico Clínico e Administrativo Farmacêutico hospitalar Farmacêutico bioquímico em laboratório de análises clínicas Funcionário público (atividade não especificada) Tutora online Empreendedorismo Leciona cursos de qualificação Gestor integrado de qualidade, segurança, meio ambiente e saúde (QSMS) Assessor científico em empresa de comércio e consultoria de material de laboratório |
4 2 1 1 1 1 1 2 1 1 1 1 1 |
7,2% 3,6% 1,8% 1,8% 1,8% 1,8% 1,8% 3,6% 1,8% 1,8% 1,8% 1,8% 1,8% |
O docente participou de algum curso de capacitação/atualização sobre metodologias de ensino durante a formação profissional Sim Não |
38 17 |
69,1% 30,9% |
Metodologias de ensino que o docente conhece4 TBL (Team-Based Learning) PBL (Problem-Based Learning) Aprendizagem colaborativa Aprendizagem entre pares Discussões em grupo Estudo de caso OSCE (Objetive Structured Clinical Examination) Jogos Seminários Simulação Outro |
36 43 15 14 48 50 27 38 52 34 10 |
65,5% 78,2% 27,3% 25,5% 87,3% 90,9% 49,1% 69,1% 94,5% 61,8% 18,2% |
Metodologias de ensino que o docente utiliza4 TBL (Team-Based Learning) PBL (Problem-Based Learning) Aprendizagem colaborativa Aprendizagem entre pares Discussões em grupo Estudo de caso OSCE (Objetive Structured Clinical Examination) Jogos Seminários Simulação Outro |
22 22 10 8 45 43 6 21 45 20 10 |
40,0% 40,0% 18,2% 14,5% 81,8% 78,2% 10,9% 38,2% 81,8% 36,4% 18,2% |
1Cinco participantes não responderam a idade.
2Um participante não respondeu o seu tempo de atuação como docente.
3Questão respondida apenas pelos docentes que possuem pós-doutorado.
4Os docentes podiam colocar mais de uma opção como resposta.
5Questão respondida apenas pelos docentes que exercem outras atividades além do ensino na graduação.
Fonte: os autores.
A Figura 2 apresenta os resultados obtidos na seção conhecimentos dos farmacêuticos docentes frente aos serviços clínicos. A questão voltada às “Características do serviço de conciliação de medicamentos” apresentou o melhor índice de acerto dos docentes (98,2%). Foi obtido alto índice de acerto nas questões voltadas ao “Objetivo do serviço de acompanhamento farmacoterapêutico” (94,5%) e às “Características do serviço de gestão da condição de saúde” (92,7%). Os menores índices de acerto foram encontrados nas questões a respeito das “Características do serviço de revisão da farmacoterapia” (32,7%) e do “Objetivo do serviço de monitorização terapêutica de medicamentos” (5,5%). Em relação à pontuação individual dos participantes do estudo piloto na seção conhecimentos, dos 55 docentes, um docente acertou todas as questões, obtendo 18 pontos. A pontuação mínima nesta seção foi de três pontos, obtida por um participante. A pontuação média foi de 12,27 pontos, com desvio padrão igual + 3,62.
Os resultados obtidos na seção atitude dos docentes, frente aos serviços clínicos providos por farmacêuticos, são apresentados na Tabela 3. Os maiores valores para as atitudes adequadas dos docentes foram encontrados nas questões 3.6 sobre a “Dispensação” (escore 96,4%) e nas questões 3.1 (escore 94,5%) e 3.2 (escore 94,6%), ambas voltadas ao “Acompanhamento farmacoterapêutico”. Essas questões afirmam atitudes positivas dos docentes, quanto à conduta abordada no questionário. Os menores valores para atitudes adequadas dos docentes foram encontrados na questão 3.4 voltada ao tema de “Conciliação de medicamentos” (14,6%) e na questão 3.7 voltada para “Reações adversas” (25,4%). Essas questões afirmam atitudes negativas dos docentes, de modo que a resposta mais adequada deveria ser “discordo totalmente”.
Consistência Interna
A consistência interna dos domínios conhecimentos e atitudes foram consideradas adequadas, apresentando, respectivamente, Coeficiente Alfa de Cronbach de 0,78 e 0,71. Assume-se que valores do Coeficiente Alfa de Cronbach ≥ 0,7 são considerados aceitáveis (TABER, 2018).
Subconjunto | Questão | Média + DP | Percentual de participantes com escores | ||
---|---|---|---|---|---|
<3 | 3 | 3> | |||
Acompanhamento farmacoterapêutico | 3.1* | 4,71 + 0,57 | 0,0 | 5,5 | 94,5 |
3.2* | 4,78 + 0,656 | 3,6 | 1,8 | 94,6 | |
Conciliação de medicamentos | 3.3* | 4,45 + 0,90 | 3,6 | 10,9 | 85,5 |
3.4§ | 2,09+ 1,22 | 72,7 | 12,7 | 14,6 | |
Dispensação | 3.5§ | 2,56+ 1,33 | 54,5 | 16,4 | 29,1 |
3.6* | 4,84 + 0,46 | 0,0 | 3,6 | 96,4 | |
Reações adversas | 3.7§ | 2,25+1,35 | 67,3 | 7,3 | 25,4 |
3.8* | 4,64 + 0,68 | 1,8 | 5,5 | 92,7 | |
Educação em saúde | 3.9* | 4,33 + 0,90 | 5,4 | 7,3 | 87,3 |
3.10§ | 2,54+ 1,41 | 54,6 | 14,5 | 30,9 | |
Gestão da condição de saúde | 3.11§ | 3,93+ 1,33 | 20,0 | 3,6 | 76,4 |
3.12* | 3,33 + 1,70 | 30,9 | 14,5 | 54,6 | |
Manejo de transtornos menores | 3.13§ | 3,09+ 1,22 | 38,2 | 18,2 | 43,6 |
3.14* | 4,53 + 0,69 | 1,8 | 5,5 | 92,7 | |
Monitoramento terapêutico de medicamentos | 3.15* | 4,49 + 0,79 | 3,6 | 7,3 | 89,1 |
3.16§ | 3,53+ 1,27 | 23,6 | 10,9 | 65,5 | |
Rastreamento em saúde | 3.17* | 4,04 + 1,00 | 7,3 | 14,5 | 78,2 |
3.18* | 4,25 + 0,97 | 10,9 | 3,6 | 85,5 | |
Revisão da farmacoterapia | 3.19* | 4,29 + 0,78 | 1,8 | 9,1 | 89,1 |
3.20§ | 2,58+ 1,31 | 54,5 | 16,4 | 29,1 |
*Questões que expressam atitudes positivas por meio de proposições favoráveis.
§Questões que expressam atitudes negativas por meio de proposições desfavoráveis.
Fonte: os autores.
Desempenho dos Participantes no Teste de Confiabilidade
No gráfico 1 pode-se observar que os participantes com “baixo desempenho” na seção conhecimentos, não apresentaram alto desempenho na “seção atitudes”. No total, 18,18% (n=10) dos docentes apresentaram “alto desempenho” na seção atitudes, ao obterem médias de pontuações acima dos valores encontrados para a média (M=3,77) e o desvio padrão (DP+0,34) da amostra, nesta dimensão avaliada. Ainda na dimensão atitudes, o “baixo desempenho” foi obtido por 18,18% (n=10) docentes com médias de pontuações abaixo da média e do desvio padrão da amostra.
Nos conhecimentos, 34,54% dos docentes (n=19) apresentaram “alto desempenho”, ao obterem frequências relativas iguais ou superiores ao terceiro quartil (q3=83,3%) calculado para a amostra nesta seção. O “baixo desempenho” foi apresentado por 29,09% (n=16) dos docentes, que obtiveram valores de frequências relativas iguais ou inferiores ao primeiro quartil (q1= 55,50%) da amostra na seção conhecimentos.
Discussão
O estudo desenvolveu um instrumento de pesquisa válido e confiável, baseado em evidências científicas, para avaliar os conhecimentos e as atitudes educacionais de farmacêuticos docentes frente aos serviços clínicos farmacêuticos. A aplicação do instrumento visa obter um escore para realizar do diagnóstico situacional das dimensões avaliadas nos farmacêuticos docentes que atuam nas graduações em farmácia no Brasil. Os procedimentos metodológicos empregados neste estudo (elaboração do questionário, validade e confiabilidade) são amplamente utilizados para a validação de questionários na área educacional, e mostraram-se adequados para avaliar os serviços clínicos farmacêuticos (BOLARINWA, 2015; KRISHNAPPA; PIDDENNAVAR; MOHAN, 2011; ARTINO et al., 2014).
Quanto aos serviços clínicos, no contexto do Brasil, a regulamentação das atribuições clínicas farmacêuticas foi um marco para a atuação farmacêutica no provimento de cuidados. Na literatura, muitas pesquisas haviam sido realizadas antes desta regulamentação, as quais apresentavam os impactos positivos dos serviços clínicos na saúde do paciente e na economia dos recursos do sistema de saúde. (FERRACINI et al., 2011; REIS et al., 2013). Este cenário evidenciou a necessidade de regulamentação dos serviços clínicos providos por farmacêuticos e fomentou o debate em torno da elaboração das legislações que subsidiam esta prática profissional (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2013a; CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2013b).
Com a aprovação das atribuições clínicas farmacêuticas e demais legislações que regulamentam esta atuação, ações institucionais voltadas à implantação dos serviços clínicos foram realizadas por diversas entidades. Entre estas ações estão as capacitações para a implantação dos serviços no Sistema Único de Saúde (SUS), promovidas pelo Ministério da Saúde, no ano de 2014, e as ações educacionais promovidas pelo CFF (BRASIL, 2014; SOUZA et al., 2015;CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2016b ). Estudos sobre a implantação dos serviços clínicos providos por farmacêuticos no sistema de saúde relatam a boa aceitação da equipe de saúde, frente às intervenções propostas por farmacêuticos e os seus impactos positivos na saúde do paciente (AGUIAR et al., 2018; HAGA et al., 2014). Entretanto, é descrito na literatura a existência de barreiras para a implantação desses serviços, relacionadas à formação do profissional farmacêutico desarticulada, gerando a falta de conhecimentos clínicos e a baixa aquisição de habilidades em comunicação (ALCÂNTARA et al., 2018; FREITAS, G. R. M. et al., 2016). Os avanços na legislação, com a regulamentação dos serviços clínicos farmacêuticos e a maior carga horária dos cursos de graduação em farmácia ao eixo cuidado em saúde, representam um passo importante, que necessita de articulação de todos envolvidos no processo de formação farmacêutica.
No contexto histórico da educação farmacêutica, os farmacêuticos que atuam na docência são influenciados pelo processo histórico de transformações nas diretrizes educacionais e profissionais que norteiam a sua formação. Estes cenários sofreram profundas transformações, a partir do ano de 2013, com as resoluções no 585 e no 586, somadas às DCN para os cursos de farmácia aprovadas no ano de 2017. Reflexo desta configuração, as atribuições clínicas do profissional farmacêutico vêm ganhando espaço em seu currículo. Entretanto, os docentes que atuam na educação farmacêutica, não foram formados de acordo com essas novas diretrizes, o que pode representar um desafio para o alinhamento da educação farmacêutica a esta nova realidade profissional, bem como a necessidade de realização de cursos de especialização para atuação nas áreas trabalhada (LIBÂNIO, 2003).
A partir das definições dos serviços clínicos providos por farmacêuticos, as questões do instrumento de pesquisa elaborado neste estudo foram submetidas ao processo de validação. Realizada por meio do método e-Delphi, a validação do conteúdo buscou avaliar se o instrumento de pesquisa realmente mede o conteúdo ao qual foi criado para medir (BOLARINWA, 2015). A principal dificuldade apresentada na validação foi determinada pelo baixo índice de retorno dos painelistas, com taxa de abstenção de 59,1% na primeira rodada, maior do que a variação de 30% a 50% estimada na literatura (VASCONCELOS; GUEDES, 2007; WRIGHT; GIOVINAZZO, 2000). Entretanto, nas demais rodadas, apenas a segunda apresentou abstenções, com valor de 22,22%, estando dentro dos parâmetros de 20 a 30%. Segundo Vasconcelos e Guedes (2007), a baixa adesão a questionários eletrônicos não está associada ao seu conhecimento técnico ou acesso à internet, sendo este comportamento um fator a ser investigado.
As alterações sugeridas pelos painelistas na etapa de validação do instrumento de pesquisa apresentaram-se relevantes para a adequação das questões. O maior número de alterações foi promovido após a primeira rodada do e-Delphi, com 32 questões não aprovadas. Como por exemplo, na asserção da questão “2.2 O acompanhamento farmacoterapêutico é um serviço farmacêutico provido durante dois ou mais encontros com o paciente”. Frente às sugestões fornecidas pelos painelistas, esta asserção foi redirecionada aos locais de atuação do farmacêutico e modificada, transformando-se em uma asserção negativa. Desta forma a versão final da primeira asserção da questão 2.2 ficou “O acompanhamento farmacoterapêutico é provido apenas em ambiente hospitalar” (BRASIL, 2017).
Importantes alterações também foram promovidas na estrutura das questões após a primeira rodada, como por exemplo, a questão 2.7 foi reformulada com substituição das asserções voltadas às características do serviço de educação em saúde. A versão validada da questão 2.7 foi “Qual serviço farmacêutico visa o desenvolvimento da autonomia e da corresponsabilidade dos indivíduos pelas decisões diárias que envolvem o seu cuidado com a saúde (empoderamento)?”. Esta questão buscou a identificação do serviço clínico de educação em saúde, frente ao contexto apresentado (BRASIL, 2017).
Nas questões voltadas às atitudes também foram realizadas alterações na primeira rodada. Como por exemplo, a questão “3.17 Ao ensinar o serviço de rastreamento em saúde, o professor deve ensinar o estudante a identificar indivíduos com doenças que ainda não foram diagnosticadas”. Com base nas sugestões fornecidas pelos painelistas o termo ensinar foi substituído pela expressão “estimular o aluno a desenvolver habilidades”, levando em consideração o papel do docente como facilitador e mediador do processo de ensino-aprendizagem, e não apenas como o provedor de todo o conhecimento (BRASIL, 2017).
Após a validação, foi realizada a etapa de avaliação da confiabilidade, com a aplicação do instrumento, permitindo avaliação da consistência interna do questionário, a partir do cálculo do alfa de Cronbach. As questões presentes no domínio “conhecimentos” obtiveram maior valor de alfa, o que indica maior consistência dos resultados da avaliação dos itens desta dimensão, comparados aos itens presentes na dimensão “atitudes”. Porém, ambos obtiveram valores de alfa aceitáveis (BOLARINWA, 2015; TABER, 2018). O maior número de questões nas dimensões avaliadas costuma diminuir o erro de amostragem, influenciando no aumento do valor do alfa de Cronbach. Entretanto, mesmo a dimensão atitudes apresentando maior número de questões, nesta dimensão foi obtido um menor valor de alfa (0,71), comparado com a dimensão conhecimentos (0,78), indicando menor relação entre as subpartes desta dimensão (FREITAS; RODRIGUES, 2005).
A caracterização da amostra participante do teste de avaliação da confiabilidade foi realizada por meio do levantamento do perfil profissiográfico dos docentes. O tamanho amostral obtido nesta etapa foi compatível com o preconizado pela literatura para os fins estatísticos voltados à análise da confiabilidade do questionário (SAPNAS; ZELLER, 2002). Observou-se que mais da metade dos participantes do teste de avaliação da confiabilidade residiam no Centro-Oeste do Brasil, região onde se localiza o estado de Goiás, Unidade Federativa sede da pesquisa, o que pode ter influenciado na divulgação do estudo e consequentemente no maior número de participantes.
O bom desempenho dos participantes do teste de avaliação da confiabilidade, em um dos critérios avaliados, não necessariamente determinou o bom desempenho no outro critério. Entretanto, pode-se observar que os docentes com baixo desempenho na seção conhecimentos, não apresentaram alto desempenho na seção atitudes. Estudos avaliativos realizados em outros contextos indicam a relação direta entre os conhecimentos e as atitudes dos docentes, nas quais os docentes com melhor desempenho nos itens referentes aos conhecimentos apresentaram melhores atitudes (ALUFOHAI; AKINLOSOTU, 2016; WAHONO; CHANG, 2019). A associação entre teoria e prática na formação de profissionais é um importante fator para o sucesso do processo de ensino-aprendizagem dos discentes (SOARES; CHASE; MONCAIO, 2019).
Quanto ao desempenho dos docentes frente aos itens elaborados, na seção conhecimentos, a baixa pontuação no item 2.17 voltado às características do serviço de revisão da farmacoterapia, pode estar relacionada às diferentes propostas na literatura para o provimento deste serviço e os impactos distintos na saúde do paciente. Outro fator é que este serviço pode ser confundido com o ato do profissional manter-se atualizado em relação aos medicamentos e as ações relacionadas à revisão dos seus registros (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2016a). O farmacêutico ao prover o serviço de revisão da farmacoterapia, deve realizar uma análise crítica individual da medicação do paciente, avaliando problemas relacionados aos medicamentos, como: dose inadequada, escolha terapêutica do médico, efeitos colaterais, interações medicamentosas, erros de prescrição e contraindicações (BÜLOW et al., 2018). Frente a estes problemas relacionados à farmacoterapia, o farmacêutico atua na promoção dos ajustes necessários para a otimização do tratamento do paciente, podendo ter exames laboratoriais como suporte, apesar de não ser um pré-requisito para o seu provimento.
Ainda na seção conhecimentos, os docentes obtiveram o menor índice de acerto no item 3.13 voltado ao objetivo do serviço de monitorização terapêutica de medicamentos. A abordagem combinada, por meio de técnicas farmacêuticas, farmacocinéticas e farmacodinâmicas, torna este um serviço farmacêutico complexo e determinante para a obtenção de concentrações plasmáticas efetivas e seguras na farmacoterapia do paciente (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2016a). Ademais, o provimento deste serviço está voltado à ambientes hospitalares, fator que pode influenciar no baixo conhecimento de profissionais que atuam em outros ambientes (DEVANEY, 2014; IBRAHIM; ABDELRAHIM; AB RAHMAN, 2014; WIEGEL; OLYAEI, 2016).
Nas questões referentes às atitudes educacionais do docente, desempenho menos satisfatório dos docentes esteve na questão 3.4 voltada à conciliação de medicamentos. Nessa questão foi elaborada uma asserção negativa, sobre o provimento do serviço de conciliação de medicamentos quando o paciente transita pelo mesmo serviço de saúde. Durante as aulas voltadas a este serviço, o professor deve orientar os discentes a proverem o serviço de conciliação medicamentosa quando o paciente transita por diferentes serviços de saúde (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2016a). Este serviço visa à prevenção de erros de medicação que podem ocorrer em função discrepâncias na prescrição, como omissão, duplicidade, dose, frequência, intervalo e via (LOMBARDI et al., 2016).
Na questão 3.7 voltada para reações adversas, os docentes obtiveram um baixo desempenho. As reações adversas estão inseridas no contexto da farmacovigilância e integram o cuidado farmacêutico, com o objetivo de qualificar o uso de medicamentos, sendo uma ferramenta de integralidade do cuidado aos usuários dos sistemas de saúde (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2016a). Estudos relatam o problema da farmacovigilância relacionado a subnotificações de reações adversas no Brasil e baixa investigação de causalidade entre medicamentos e reações adversas (MOTA; VIGO; KUCHENBECKER, 2019). Frente às dificuldades relacionadas aos conhecimentos e atitudes dos profissionais da área da saúde em notificarem reações adversas aos medicamentos, Modesto e colaboradores (2016) ressaltam a importância de ações educacionais com a finalidade de promover a segurança do paciente (MODESTO et al., 2016).
Os resultados dos docentes, obtidos na avaliação da confiabilidade do questionário, evidenciam a necessidade de ações educacionais voltadas à capacitação dos docentes nos serviços clínicos providos por farmacêuticos. É importante ressaltar o período de transição vivido pela profissão farmacêutica, especialmente com regulamentação das atribuições clínicas farmacêuticas no ano de 2013 e a aprovação das DCN dos cursos de graduação farmacêutica no ano de 2017 (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2013a; BRASIL, 2017). Segundo Alcântara e colaboradores (2018), os farmacêuticos brasileiros estão distantes do seu papel clínico, voltadas aos aspectos logísticos em que estão inseridos os suprimentos médicos, os medicamentos e os demais materiais hospitalares. Somado a este fator, no cenário anterior às DCN do ano de 2017, as inadequações no processo educacional acadêmico farmacêutico, geraram a falta de domínio das competências na formação farmacêutica. Para mudanças deste cenário, são necessários ajustes adequados na formação de um corpo docente preparado para atuar no desafio de redirecionamento da educação farmacêutica (ALMEIDA; MENDES; DALPIZZOL, 2014).
O perfil dos docentes participantes da etapa de avaliação da confiabilidade do questionário é composto por profissionais com títulos variados recebidos ao término da graduação. Estes farmacêuticos tiveram uma formação profissional regida por diretrizes que não preconizavam o cuidado e a atividade clínica como o eixo da formação farmacêutica com maior carga horária. Este fator pode representar um desafio para o domínio dos conhecimentos e atitudes educacionais destes profissionais, frente aos serviços clínicos farmacêuticos. Entretanto, é importante, neste processo, que os docentes dominem as competências inerentes ao campo clínico, por meio de conhecimentos, habilidades e atitudes, bem como os métodos que aperfeiçoam o processo de ensino aprendizagem, tais como os métodos ativos de ensino, centrados no aprendizado dos discentes (BRASIL, 2017). Neste sentido, as avaliações podem ter um papel central na busca por estratégias que promovam as ações relacionadas ao aperfeiçoamento dos farmacêuticos docentes. (KRISHNAPPA; PIDDENNAVAR; MOHAN, 2011).
As demais correlações e análises estatísticas poderão ser realizadas em estudos posteriores, com a aplicação deste instrumento em um maior universo amostral, garantindo significância estatística aos resultados. Em função desta limitação, não foram realizadas inferências estatísticas relacionadas à formação do farmacêutico docente e o número de questões respondidas com maiores escores em cada serviço avaliado (HAIR et al., 2014).
Considerações Finais
As atribuições dos farmacêuticos, no Brasil, têm passado por transformações, sejam elas mediadas por demanda de instituições internacionais que visam a ampliação e a qualificação profissional de forma a promover o bem-estar integral ao indivíduo, família e comunidade; ou por meio das necessidades regionais da sociedade. Diante destas mudanças, o processo educacional requer adequações para alcançar os objetivos que se esperam do profissional farmacêutico. No entanto, tais mudanças fazem com que os docentes da área farmacêutica busquem por qualificações “emergenciais” para conseguir prover as competências esperadas nas formações dos futuros profissionais.
A própria DCN (2017) traz a necessidade de avaliação permanente do processo ensino-aprendizagem de forma a envolver todos os atores relacionados na formação educacional, bem como à profissão, devendo estar em consonância com o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). Outro tópico a ser ressaltado na DCN (2017) relata que “os docentes do curso de graduação em farmácia devem ter qualificação acadêmica e experiência profissional, comprovada em suas áreas de atuação específica” que na prática não é alcançada como relatada pelo próprio Conselho Federal de Farmácia (2019), visto a falta de instrumentos para identificar o conhecimento e a qualificação do farmacêutico professor.
Diante destas variáveis, que afetam diretamente o processo de ensino-aprendizagem na formação dos farmacêuticos, o presente estudo foi pensado e desenvolvido a partir dos conceitos das atribuições clínicas almejadas em um farmacêutico professor, de forma a promover a mensuração dos conhecimentos e atitudes, frente aos serviços clínicos. O estudo mostra as diversas fases do desenvolvimento do instrumento, iniciando com leitura exaustiva dos documentos que norteiam e fundamentam os serviços clínicos, de forma a elaborar os questionários envolvendo os aspectos relacionados ao conhecimento da área clínica, quanto suas atitudes. Com o intuito de alinhar as informações com os especialistas da área no Brasil, quatro ciclos de análise foram realizados, de forma a obter consenso em todos os itens abordados. O método e-Delphi é considerado por vários pesquisadores como um método válido para se obter consenso em temas muito específicos, como foi o caso do presente trabalho.
Assim, o instrumento desenvolvido pode ir além do objetivo inicial que seria a avaliação dos conhecimentos e atitudes dos farmacêuticos docentes envolvidos nos serviços clínicos. O instrumento pode ser usado amplamente para o diagnóstico dos profissionais da área, envolvidos ou não com o ensino superior, de forma a identificar a necessidade de cursos de formação continuada na área, capacitando-os para a prática clínica. O instrumento, por sua vez, também pode auxiliar no diagnóstico situacional do ensino clínico obtido pelos estudantes do curso de farmácia, fornecendo subsídios para a implantação de medidas que contribuam na aquisição das atribuições clínicas.
Vale ressaltar que este trabalho só foi possível de ser realizado devido ao comprometimento de vários atores, desde àqueles que nos auxiliaram no desenho da pesquisa, como o Prof. Dr. Tiago Marques dos Reis da Universidade Federal de Alfenas e a Profa. Dra. Nathalie de Lourdes Souza Dewulf da Universidade Federal de Goiás, como os envolvidos diretamente no Painel de Especialistas. Contamos com todos os envolvidos para a realização das próximas etapas do projeto, sendo a aplicação do instrumento em nível regional e/ou nacional, bem como instrumento de diagnóstico na formação de novos profissionais, servindo como parâmetros e indicadores da qualidade do ensino farmacêutico na área clínica.