INTRODUÇÃO
No Brasil, o processo de expansão do sistema de educação superior tem sua expressão de crescimento no setor privado amparado pelo contexto sociopolítico, marcado pela influência do modelo neoliberal de abertura financeira, privatização e desregulamentação dos direitos do trabalho. A Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBEN – Lei nº 9.394/96) pode ser considerada o marco histórico que impulsiona a formulação de políticas de caráter privatista e mercadológico, que favorecem a ampliação de instituições, cursos, vagas e matrículas, no âmbito do setor privado. O estudo de Mancebo, Vale e Martins (2015) acerca do crescimento do mercado educacional aponta que, entre os anos de 1995 e 2010, houve um aumento no número de matrículas em 347,15%, ao tempo em que, no sistema público, aumentou em apenas 134,58%.
Sob a égide da reconfiguração do capitalismo, na agenda da globalização, internacionalização do capital, mundialização da economia, em suas formas de flexibilização do gerenciamento da relação capital e trabalho, o Estado tem seu papel social reconduzido de provedor à regulador forte na regulação do mercado e fraco na garantia dos direitos sociais. O subemprego, a terceirização e o trabalho informal afetam, sobremaneira, a classe trabalhadora, que passa a ter diferentes exigências de qualificação profissional para atender às novas demandas da sociedade informatizada e tecnológica e, dessa feita, registra-se uma explosão mundial da oferta da educação superior (PRESTES; JEZINE; SCOCUGLIA, 2012; MAGALHÃES; VEIGA, 2018).
A educação, e, em específico, a educação superior, toma a centralidade no cenário da sociedade do conhecimento. Seja qual for a posição do cidadão, no modelo produtivo, esse precisa do domínio de informações e conhecimentos capazes de oportunizar o exercício da cidadania e a disseminação de conhecimentos, de modo que ganha ênfase, nos anos de 1990, o debate sobre as reformas educacionais e a avaliação como modos de regulação da gestão das Instituições de Ensino Superior (IES). A universalização do acesso, a qualidade dos cursos e os processos de formação profissional passam a constituir-se imperativo para o desenvolvimento social, econômico e político, inclusive são indicadores referenciais para a condição política do país no conjunto da sociedade global, em termos de democracia e justiça social, dentre outros que incidem na capacidade de os sujeitos produzirem e transferirem conhecimentos.
O campo de análise das políticas de educação superior pós-LDB é marcado pela tensão entre o público e o privado, no sentido de contrapor os interesses econômicos e políticos dos setores do Estado/mercado e da sociedade civil, no conjunto das políticas governamentais neoliberais e da agenda do mundo globalizado, sob “A crença de que o mercado é mais capaz de prover as necessidades individuais e sociais […]” (LEHER, 2004, p. 870). Nessa lógica, a educação, a pesquisa, a ciência, o meio ambiente, a saúde e as tecnologia poderão ser objeto da parceria público-privado, de nichos de mercado e investimentos públicos, a partir de políticas assistencialistas de alívio à pobreza. Os estudos de Dourado (2002), Leher (2004), Carvalho (2006) e Chaves (2010) situam a tensão no âmbito da Reforma do Estado brasileiro, dos acordos bilaterais que atribuem à educação superior a certificação no conjunto da expansão do sistema e a ampliação da oferta de vagas nos setores público e privado.
A expansão do setor público tem sua marca com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI)1, no período de 2007 a 2012, que objetivou, principalmente, a criação de condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior e reestruturação das condições físicas e de recursos humanos existentes nas universidades federais. A expansão do sistema público federal, associada às políticas de inclusão social, é materializada pelas políticas de cotas raciais e sociais, regulamentadas pela Lei nº 12.711, de 2012, que destina 50% das vagas a sujeitos oriundos de escolas públicas, a grupos étnico-raciais e a pessoas com deficiência, oportunizando o ingresso de sujeitos em situação de vulnerabilidade social.
A junção de um modelo expansionista às políticas de inclusão social, no caso específico para o setor federal de ensino brasileiro, implementa diferentes formas de acesso a diferentes públicos, o que tem contribuído para a diversificação do perfil socioeconômico dos estudantes (SIGUISSARD, 2015; RISTOFF, 2016; JEZINE, 2017).
No contexto das inúmeras desigualdades sociais que o Brasil apresenta, as políticas afirmativas se constituem estratégia de reparação social, como um conjunto de ações destinadas às minorias, com histórico de discriminação social, comprometendo-se, dessa forma, com medidas de promoção da igualdade social, diante da invisibilidade do negro em espaços de poder, prestígio social e profissional (FRANCO; MOROSINI, 2012).
Além dessa reconfiguração do sistema de educação superior, Franco e Morosini (2012, p. 176) atribuem novas arquiteturas acadêmicas: “[…] vista[s] como aquelas arquiteturas educacionais formativo-científicas, concebidas e implantadas como potencialmente indutoras de qualidade da educação superior, cujos critérios de referência têm liames que se vinculam a um dado contexto”, o que conduz ao questionamento sobre a ampliação da oferta e o ingresso em modalidades de ensino, bem como a existência de uma correlação desigual entre o ingresso e a conclusão do curso, fato que vem desafiando explicações dos “teóricos do consenso como dos teóricos dos conflitos” (BROWN; LAUDER, 2013, p. 259).
A expansão da educação superior, ao possibilitar a ampliação do sistema em suas novas arquiteturas acadêmicas, passa a incluir uma diversidade de instituições, cursos e modalidades de ensino. O estudo de Jezine (2017), acerca do perfil dos ingressos em cursos de Licenciatura e Bacharelado, questiona qual a modalidade de curso que os sujeitos ingressos pelas Políticas de Cotas estão escolhendo. E afirma que os ingressantes em situação de vulnerabilidade (menor renda familiar, pais com baixa escolaridade, advindos de escola pública, cor negra, parda e indígenas) dirigem-se, em sua maioria, para os cursos de Licenciatura. Esse aspecto é visto muito em função do perfil socioeducacional dos ingressantes e da distinção do curso, considerando o status e a importância do curso na sociedade.
O processo de expansão do sistema de ensino superior ampliou a visibilidade da interface da tríade acesso, permanência e conclusão, adentrando a evasão como problema decorrente, propiciando estudos sobre os possíveis motivos causadores do fenômeno, centrados nas condições acadêmicas, pessoais e sociais dos estudantes (PRESTES; FIALHO, 2018) que, em muito, se relacionam ao status social que o curso apresenta.
Nesse sentido, a presente pesquisa objetiva investigar o processo de expansão do acesso em cursos de Bacharelado e Licenciatura, em universidades públicas federais, na modalidade presencial, no período pós-Reuni (2012-2019), buscando analisar como vem se dando a relação ingresso-matrícula e conclusão, nas regiões do Brasil e na relação do campo da formação, considerando as desigualdades regionais.
Os dados oportunizam compreender, à luz da literatura sociológica da educação, em específico dos estudos de Bourdieu (2011; 2015) sobre capital cultural e econômico, a convertibilidade do capital cultural institucionalizado em capital econômico, do ponto de vista do prestígio social que o grau acadêmico possui no campo societário.
Sob o enfoque qualitativo, do tipo de pesquisa exploratória e analítica, que se apoia em dados fisicamente quantificáveis, que possam clarificar a problemática na compreensão e interpretação do fenômeno, consideram-se os diversos significados e contextos do processo de expansão pós-Reuni, bem como a tendência à retração do sistema em termos do número de instituições, cursos e matrícula. O levantamento dos dados estatísticos foi realizado a partir do Censo da Educação Superior (BRASIL/INEP), em que se buscou as variáveis: número de ingressantes, matrícula e conclusão de cursos em universidades públicas federais, na modalidade presencial, em cursos de Bacharelado e Licenciatura, compreendendo as regiões geográficas do Brasil.
Para a sistematização dos dados, utilizou-se a ferramenta de planilhas do Microsoft Excel® (2013), aliada ao Philcarto (2020), que é um programa de cartomática (cartografia temática) desenvolvido pelo geógrafo francês Philippe Waniez. O programa não é um sistema de informações geográficas (SIG); sendo assim, não possui sistema de georreferenciamento, fazendo-se necessário buscar os geocódigos das regiões geográficas nas bases do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), possibilitando, assim, uma leitura e análise mais qualificada dos dados quantitativos.
Para a análise do processo de expansão do acesso, parte-se da distinção das tipologias dos cursos de Licenciatura e Bacharelado, indicadas nos Referenciais Curriculares Nacionais que definem:
[…] os Bacharelados se configuram como cursos superiores generalistas, de formação científica e humanística, que conferem, ao diplomado, competências em determinado campo do saber para exercício de atividade acadêmica, profissional ou cultural; as Licenciaturas como cursos superiores que conferem, ao diplomado, competência para atuar como professor na educação básica (BRASIL/MEC, 2010, p. 5).
Todavia a escolha do curso, em suas respectivas modalidades e graus, implica processos de formação no campo da hierarquia das funções na sociedade, pois, para Bourdieu (2011, p. 307),
As leis do mercado escolar são visíveis nas estatísticas capazes de mostrar que, desde o ingresso no ensino secundário até as universidades, a hierarquia dos estabelecimentos escolares, ou então, no interior deles a hierarquia das secções e disciplinas segundo seu prestígio e segundo o valor escolar que conferem a seu público, corresponde estritamente à hierarquia destas instituições de acordo com a estrutura social de seu público.
Nesses termos, a problemática que se busca explicitar reside na compreensão do prestígio social dos cursos de graduação e a relação com as desigualdades regionais, no conjunto do processo de expansão do acesso.
BREVE CENÁRIO DAS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR PÓS-REUNI
Após o boom do crescimento do setor privado, em dez anos de aprovação da LDB (1996/2006), o sistema já apresentava colapso econômico e maiores desigualdades sociais entre o acesso nos setores de ensino, uma vasta oferta no setor privado, com altos índices de ociosidade de vagas, enquanto o setor público passa por sucateamento estrutural de suas instituições, em função da ausência de financiamento do governo do Fernando Henrique Cardoso (FHC 1993-2001). A recuperação do setor público, em específico do sistema federal, inicia-se com a política de expansão do governo Luiz Inácio Lula da Silva (LULA 2003-2010), que objetivava promover a democratização do acesso a partir da ampliação da oferta de cursos em instituições públicas, iniciada com o Programa Expandir (2003-2006), para interiorizar as instituições federais em locais estratégicos de desenvolvimento econômico; com o Reuni (2007-2012), que previa a expansão física e de pessoal; e com a criação de Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs - Lei nº 11.892/2008), com objetivo de aglutinar e dar organização às instituições federais profissionais.
Embora o período de desenvolvimento do Programa Reuni (2007-2012) se efetivasse como política de democratização do acesso em instituições públicas, constata-se, no mesmo período, a amplitude do crescimento de instituições, cursos e matrículas do setor privado. A tendência segue com agrupamentos e junções de grupos educacionais, constituindo-se a oferta de vagas uma moeda de troca para os grandes oligopólios (CRUZ; PAULA, 2018).
O período que se segue pós-Reuni, para as instituições públicas federais, é condicionado às mudanças nas políticas de governabilidade, que afetam a gestão das políticas públicas educacionais. O governo Dilma (2011-2016) dá continuidade às políticas de desenvolvimento social, sem, contudo, dispensar o ideário neoliberal. Dois programas de acesso à educação superior pública ganham destaque: as Políticas de Cotas Raciais e Sociais, regulamentadas pela Lei nº 12.711 de 2012, que destina 50% das vagas a estudantes oriundos de escolas públicas, grupos étnico- raciais e pessoa com deficiência, oportunizando o ingresso de sujeitos em situação de vulnerabilidade social no sistema federal de educação; e o Programa Ciência sem Fronteiras (Decreto nº 7.642/2011), que abre a oportunidade de formação e intercâmbio internacional. Todavia seu governo é, brutalmente, interrompido por um golpe político orquestrado pela direita conservadora (ANDERSON et al., 2016) que, segundo Brum (2019), foi ocasionado, em parte, por ser a primeira presidente mulher, no país, traída pelo companheiro de chapa Michel Temer, que assume a presidência após o golpe.
Com os governos seguintes, de Michel Temer a Bolsonaro, inicia-se um processo de retração das políticas públicas sociais e de aprofundamento das desigualdades sociais, principalmente no campo educacional. A universidade pública vê-se inserida em uma realidade educacional neoconservadora, tornando-se alvo de ataques à autonomia universitária e pedagógica, obstaculizando à continuidade da expansão do acesso, por ausência de políticas para a permanência, perante um contexto de fortes restrições orçamentárias impostas pelo modelo de Estado neoconservador, ultraliberal, com forte austeridade fiscal que se efetiva a partir do governo Temer (ROSSI; OLIVEIRA; ARANTES; DWECK, 2019), especialmente no que tange ao financiamento da educação, ao desenvolvimento da ciência, da pesquisa e da extensão.
Merece destaque a Emenda Constitucional (EC95/2016), em que o Brasil, em sua governabilidade, adota uma agenda da austeridade com um projeto a longo prazo, no que se refere ao atendimento às demandas sociais (saúde e educação), medido pela relação gasto/PIB, nas próximas duas décadas. A discussão sobre a austeridade fiscal emerge ao centro do debate sobre as políticas públicas de educação, como um fator que afeta as IES e, em específico, as universidades públicas federais.
[…] austeridade pode ser definida como uma política de ajuste da economia fundada na redução dos gastos públicos e do papel do Estado em suas funções de indutor do crescimento econômico e promotor do bem-estar social. As práticas políticas em nome dessa ideia assumiram protagonismo no Brasil em 2015 como um plano de ajuste de curto prazo da economia brasileira. Porém, em 2016, os princípios da austeridade passaram a nortear o setor público de forma estrutural com a Emenda Constitucional (EC95) que impõe uma redução do tamanho relativo do Estado para os próximos 20 anos (ROSSI; OLIVEIRA; ARANTES; DWECK, 2019).
Em outras palavras, pode-se compreender a política de austeridade como sendo uma constituinte de um dos três pilares centrais do neoliberalismo, aliada à liberalização dos mercados e às privatizações (ANSTAED, 2017). O princípio dessa política é, portanto, a defesa de interesses específicos, de uma elite política e econômica, além de ser um veículo para corroer a democracia ao tempo de fortalecer o poder das corporações do capital no sistema político. As medidas de austeridade acontecem em um período de extrema instabilidade, de obscurantismo político e de aumento das tensões de classes. Nesse sentido, a sociedade brasileira vivencia um momento de aprofundamento das reformas neoliberais e, por conseguinte, a educação é um dos serviços mais afetados. Esse fato é possível de ser evidenciado a partir do Gráfico 1, em que se percebe um expressivo declínio do orçamento da União, nos investimentos em educação:
Nota-se que, ao passo que os gastos liquidados com pessoal e encargos cresceram ao longo dos anos, os gastos com investimento encolheram a partir de 2012 (exatamente no momento em que o REUNI termina) e os gastos com custeio (outras despesas correntes) começaram a ser suprimidos a partir de 2014. Já os investimentos em educação reduziram-se ao patamar do ano de 2002, em torno de R$ 1,7 bilhão, após o máximo de R$ 8,2 bilhões no ano de 2012, representando um encolhimento de 79,2% em termos de recursos. Assim, os cortes implicam a descontinuidade do crescimento do orçamento de diversas políticas de expansão do acesso, bem como de fomento à pesquisa, além de afetar fortemente a condição de permanência dos ingressantes, que precisam de algum tipo de apoio ou assistência estudantil por parte das universidades.
Além da diminuição orçamentária, Oliveira (2019) acrescenta decréscimo no número de novos contratos do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), que passaram de 733 mil, em 2014, para 201 mil, em 2016, bem como a diminuição do quantitativo de bolsas (Capes e CNPq), a partir do ano de 2015, efetivando os pressupostos neoliberais de estado mínimo para as demandas sociais, dentre elas as políticas de expansão do acesso a cursos universitários, em especial dos(as) que se encontram em contexto de vulnerabilidade social e econômica.
A EXPANSÃO DO ACESSO EM CURSOS DE BACHARELADO E LICENCIATURA E AS DESIGUALDADES REGIONAIS
A diminuição orçamentária afeta, sobremaneira, as políticas de expansão e de inclusão social do setor público, de modo que se questiona: como vem se dando o ingresso, a matrícula e a conclusão nos cursos de Bacharelado e Licenciatura, nas cinco regiões geográficas do Brasil, considerada a diversidade econômica e social de cada região, no período pós-Reuni (2012 a 2019), em universidades públicas federais? Para tanto, alguns elementos nos ajudam a pensar a interface acesso a cursos superiores no sistema federal de ensino e desigualdades regionais, considerando o prestígio social dos graus acadêmicos.
A história da Educação Superior no Brasil aponta para processos de exclusão social e elitismo (CUNHA, 1988), com oferta de cursos de bacharelado, destinados aos estadistas e representantes do capital, e cursos de Licenciatura e/ou formação técnica-profissional, destinados aos trabalhadores, quando chegavam à conclusão do ensino secundário (atual ensino médio). Desse modo, as desigualdades observadas na escolha do curso e instituição são, também, em parte, reflexo dos processos formativos de exclusão da educação básica, das desigualdades de gênero, classe e condição étnico-social, bem como de investimentos no campo da formação docente.
A pesquisa “Retratos das Desigualdades Gênero e Raça” (IPEA, 2006) assinala as desigualdades raciais como um fator de desigualdades educacionais, quando as desigualdades regionais chegam a ser mais intensas.
Em 2004, a média de anos de estudos da população nordestina era de 5,5, contra 7,5 ano no Sudeste. Essa diferença é tão expressiva, que a média nordestina no ano de 2004 é inferior àquela apresentada pelo Sudeste em 1993. Isto significa que a segunda maior região brasileira em termos populacionais está mais de uma década atrasada em relação ao Sudeste, que apresenta uma população com 15 anos ou mais de idade que, em média, praticamente concluiu o ensino fundamental (IPEA, 2006, p. 14).
As políticas de democratização do acesso, dos anos pós-LDB, buscam romper com essa realidade, no campo das desigualdades sociais, enraizada no modelo de acesso aos bens culturais e ao conhecimento. Importa frisar o contexto de políticas de internacionalização e globalização que requerem a integração dos países emergentes, sob a tutela de organismos internacionais, nos processos de desenvolvimento social e econômico e favorecem a motivação para a formação docente, havendo oferta de uma diversidade de cursos de Licenciatura em diferentes modalidades, ganhando expressão a Educação a Distância.
No período de 2014 a 2016, observa-se crescimento correspondente a 8,5% e 6,5%, para os graus bacharelado e tecnológico, respectivamente; e decréscimo de 6,4% para a licenciatura. Observando especificamente a oferta de cursos na modalidade a distância, no mesmo período, observa-se crescimento para os três graus acadêmicos: bacharelado, 33,4%, tecnológico, 27,5%, e licenciatura, 11,4%. Na modalidade presencial, por sua vez, destaca-se a queda de 7,8% no número de cursos de licenciatura no período (BRASIL/INEP, 2018).
Tendência que continua nos anos seguintes, como assinala o Resumo Técnico do Censo da Educação Superior (2019), em que, do total de 2.450.264 matrículas na educação a distância, em cursos de graduação, por grau acadêmico, “há maior expressão das matrículas a distância de licenciatura (36,7%), seguidas das de bacharelado (34,3%) e tecnológico (29,0%)” (INEP, 2020, p. 35).
Jezine (2017) sinaliza que cada curso se inclina a realçar um determinado papel que o indivíduo exercerá no campo social, reproduzindo uma hierarquia que é a expressão dos processos de socialização de cada indivíduo, atribuindo aos concluintes de cursos de Bacharelado maior status social e aos concluintes de cursos de Licenciatura, professores, uma posição inferior na hierarquia social e profissional.
A diferença de maior ou menor status de formação nos leva a refletir, a partir do conceito de estado institucionalizado, um dos três estados do capital cultural, sobre alguns aspectos que possivelmente pautam a tendência de valorização a determinados cursos em detrimento de outros (BOURDIEU, 2015).
O estado institucionalizado considera a perspectiva de que “o investimento escolar só tem sentido se um mínimo de reversibilidade da conversão que ele implica for objetivamente garantido” (BOURDIEU, 2015, p. 79). Em outros termos, a convertibilidade do capital cultural institucionalizado (reconhecimento institucional, certificado escolar/diploma) em capital econômico constitui-se em um desafio, ante a realidade social brasileira, em que os(as) licenciados(as) são sujeitos como menor condição social e prestígio de formação profissional em relação às profissões, em nível de Bacharelado, de modo que as desigualdades sociais não emergem somente das desigualdades econômicas, mas também das dificuldades causadas pela deficiência de capital cultural no acesso aos bens simbólicos.
Assim, podemos dizer que a ausência de capital simbólico influencia na escolha da modalidade do curso e do grau acadêmico. Vale ressaltar que a hierarquização dos agentes que possuem ou não o capital cultural se mostra presente em todas as etapas do ensino superior, ao passo que o prestígio das carreiras se forma a partir do seu valor simbólico (ligado ao estado institucionalizado do capital cultural), em que os ganhos diferem, a partir do nível de prestígio social das carreiras e, por conseguinte, por meio do capital econômico, que se estende ao campo profissional e às instituições.
Com a evidente evolução dos números de matrículas, materializada pelas políticas de expansão associadas às políticas de inclusão social, as cotas sociais nas universidades públicas federais proporcionaram o acesso de estudantes com histórico de desigualdades sociais, sujeitos com marcas das diferenças étnico-raciais, das deficiências e da classe social, em sua maioria advindos de escola pública. Com isso, é pertinente analisar como se configura a distribuição, em cursos de Bacharelado e Licenciatura, nas diferentes regiões geográficas do Brasil, em universidades públicas federais, no período pós-Reuni, e o que os indicadores nos mostram, a partir dos dados expressos na tabela 1, a seguir.
Ano | Norte | Nordeste | Sudeste | Sul | Centro-Oeste | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Bach. | Lic. | Bach. | Lic. | Bach. | Lic. | Bach. | Lic. | Bach. | Lic. | |
2013 | 14.026 | 12.414 | 54.021 | 20.204 | 60.420 | 12.865 | 33.452 | 9.195 | 18.154 | 6.882 |
2014 | 15.797 | 13.593 | 55.495 | 20.933 | 69.912 | 11.749 | 34.584 | 8.701 | 19.496 | 7.452 |
2015 | 15.734 | 11.693 | 56.362 | 21.562 | 58.703 | 12.305 | 36.832 | 10.283 | 19.622 | 7.767 |
2016 | 17.177 | 12.160 | 54.986 | 20.812 | 57.859 | 12.333 | 36.379 | 9.989 | 19.912 | 7.347 |
2017 | 16.919 | 11.421 | 55.984 | 20.194 | 57.532 | 12.069 | 35.424 | 9.196 | 20.373 | 7.955 |
2018 | 17.290 | 13.492 | 56.538 | 21.159 | 58.491 | 12.576 | 34.937 | 9.161 | 19.863 | 7.693 |
2019 | 17.897 | 11.930 | 57.085 | 20.855 | 59.137 | 13.168 | 36.286 | 9.101 | 20.084 | 7.578 |
Fonte: BRASIL. INEP. Sinopses Estatística do Censo da Educação Superior (2013-2019).
A tabela 1 apresenta uma série histórica do período pós-Reuni em que é possível observar o número de ingressantes, com o aumento em determinadas regiões e a diminuição em outras. Esse fato também pode ser percebido a partir da variável grau acadêmico, representada pelos cursos de Bacharelado e Licenciatura, em que, nas regiões Norte, Centro-Oeste, Sul e Nordeste, o grau Bacharelado apresenta um acréscimo de ingressantes de 27,5%, 10,6%, 8,4% e 5,6%, respectivamente, na comparação entre os anos de 2013 e 2019. Já na Licenciatura, esse acréscimo aconteceu nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste, sendo 10,1%, 3,2% e 2,3%, respectivamente, no mesmo período de referência.
Entretanto, se observarmos a região Sudeste, no grau acadêmico Bacharelado, nota-se que houve um decréscimo de 2,1%, de 2013 para 2019. Nas Licenciaturas, a diminuição de ingressantes pode ser notada nas regiões Norte (3,8%) e Sul (1,1%). Vale ressaltar que o período pós-Reuni, para fins de análise deste trabalho, se dá a partir do ano de 2012, porém a base de dados do INEP só disponibiliza os dados de Ingressantes Totais (ingressantes por processos seletivos: seleção para vagas novas, vestibular, Enem, avaliação seriada e seleção simplificada + ingressantes por seleção para vagas de programas especiais + ingressantes por seleção para vagas remanescentes + ingressantes por outras formas), com o recorte nos graus acadêmicos e regiões geográficas, apenas a partir do ano de 2013.
Já na figura 1, podemos perceber como se dá o ingresso, tanto no Bacharelado como na Licenciatura, nas regiões geográficas do Brasil, no ano de 2019, em que a relação entre os graus apresenta tendências diferentes, do ponto de vista regional.
Fonte: BRASIL. INEP. Sinopses Estatística do Censo da Educação Superior (2013-2019). Elaborado com Philcarto: http://philcarto.free.fr
Como se percebe, o Bacharelado expressa números mais robustos em todas as regiões, sobretudo nas regiões Sudeste, com 81,7%, e Sul, com 79,9%. Nota-se que a Licenciatura possui maior expressividade nas regiões Norte, com 39,9%, Centro-Oeste, com 27,3%, e Nordeste, com 26,7%, regiões consideradas economicamente menos desenvolvidas.
Na tabela 2, referente ao número de matrículas, nota-se um aumento em ambos os graus acadêmicos, em todas as regiões, na comparação 2012 a 2019, especialmente nas regiões Sul, com 26,8%, Sudeste, com 17,9%, e Nordeste, com 17,7%, no Bacharelado, tendência essa que também ocorreu com as Licenciaturas, sobretudo nas regiões Nordeste, com 14,9%, e Sudeste, com 12,1%. Podemos atribuir esse aumento à própria ampliação do sistema e às políticas de recuperação do setor público.
Ano | Norte | Nordeste | Sudeste | Sul | Centro-Oeste | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Bach. | Lic. | Bach. | Lic. | Bach. | Lic. | Bach. | Lic. | Bach. | Lic. | |
2012 | 63.862 | 52.569 | 195.884 | 73.172 | 210.852 | 45.839 | 110.589 | 25.670 | 61.950 | 22.598 |
2013 | 64.383 | 61.324 | 204.206 | 74.217 | 225.337 | 44.876 | 119.341 | 25.480 | 75.780 | 21.520 |
2014 | 65.488 | 60.462 | 208.861 | 75.548 | 232.328 | 43.946 | 125.389 | 25.303 | 69.160 | 21.435 |
2015 | 68.733 | 56.909 | 218.263 | 77.677 | 241.053 | 44.918 | 132.231 | 26.812 | 71.841 | 21.916 |
2016 | 71.354 | 62.253 | 222.036 | 78.217 | 240.482 | 44.621 | 137.596 | 27.818 | 74.600 | 22.094 |
2017 | 71.911 | 57.449 | 223.802 | 78.932 | 246.537 | 47.015 | 139.730 | 27.608 | 77.921 | 23.577 |
2018 | 72.012 | 55.438 | 228.741 | 83.052 | 247.655 | 48.745 | 140.063 | 27.735 | 78.626 | 24.177 |
2019 | 72.946 | 52.627 | 230.748 | 84.087 | 248.742 | 51.400 | 140.260 | 27.535 | 79.937 | 24.661 |
Fonte: BRASIL. INEP. Sinopses Estatística do Censo da Educação Superior (2012-2019).
Conforme a figura 2, vemos a mesma tendência já antecipada pela figura 1: em uma visão geral, o Bacharelado é majoritário em todas as regiões, especialmente no Sul e Sudeste, sendo a Licenciatura mais expressiva no Norte, Nordeste e Centro- Oeste.
Fonte: BRASIL. INEP. Sinopses Estatística do Censo da Educação Superior (2012-2019). Elaborado com Philcarto: http://philcarto.free.fr.
A seguir, a tabela 3 apresenta o número de concluintes e sua relação com os diferentes graus acadêmicos, ao longo do período pós-Reuni, em que percebemos um acréscimo, no grau Bacharelado, em todas as regiões, em especial nas regiões Sudeste, com 38%, e Nordeste, com 33,4%. Na Licenciatura, esse dado se repetiu em quase todas as regiões, com ênfase no Norte, com 79,6%, e Nordeste, com 26,5%, tendo no Centro-Oeste um decréscimo de 4,1%.
Ano | Norte | Nordeste | Sudeste | Sul | Centro-Oeste | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Bach. | Lic. | Bach. | Lic. | Bach. | Lic. | Bach. | Lic. | Bach. | Lic. | |
2012 | 5.248 | 4.106 | 19.849 | 7.008 | 23.338 | 4.664 | 11.218 | 2.355 | 6.924 | 3.362 |
2013 | 5.914 | 5.566 | 20.968 | 7.650 | 25.555 | 5.700 | 12.159 | 12.867 | 7.630 | 3.331 |
2014 | 6.348 | 7.435 | 22.967 | 8.361 | 28.085 | 5.844 | 13.180 | 2.990 | 8.248 | 3.218 |
2015 | 5.740 | 7.750 | 24.815 | 8.460 | 29.126 | 5.713 | 13.990 | 2.246 | 8.939 | 3.154 |
2016 | 7.827 | 10.293 | 25.943 | 8.581 | 31.889 | 5.972 | 15.210 | 3.066 | 9.779 | 3.273 |
2017 | 8.711 | 9.263 | 27.168 | 8.522 | 33.563 | 6.361 | 16.701 | 3.185 | 9.747 | 3.050 |
2018 | 8.289 | 8.487 | 26.563 | 9.017 | 34.174 | 6.353 | 17.257 | 3.570 | 10.016 | 3.316 |
2019 | 8.356 | 7.377 | 26.488 | 8.866 | 32.213 | 6.793 | 16.971 | 3.808 | 10.083 | 3.224 |
Fonte: BRASIL. INEP. Sinopses Estatística do Censo da Educação Superior (2012-2019).
Como demonstrado na figura 3, a seguir, é possível ter uma visão geral e regional, em termos percentuais, do total de concluintes no ano de 2019, em cursos de Bacharelado e de Licenciatura, por região, em que se nota a mesma tendência das figuras 1 e 2, com números mais expressivos no Sudeste e Sul, para o Bacharelado, porém, se observarmos como esse dado se apresenta apenas nas Licenciaturas, existe uma expressividade maior no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Fonte: BRASIL. INEP. Sinopses Estatística do Censo da Educação Superior (2012-2019). Elaborado a partir do Philcarto: http://philcarto.free.fr.
Ao analisar os dados de ingresso, matrícula e conclusão, podemos notar o fato de que o grau acadêmico Bacharelado apresenta números mais expressivos em todas as variáveis, entretanto existe uma tendência de os cursos de Licenciatura serem mais expressivos em determinadas regiões, como Norte e Nordeste. Essa tendência pode se relacionar não somente aos fatores socioeconômicos, como também aos elementos culturais e ao desenvolvimento regional, em suas desigualdades socioeconômicas, associadas ao capital simbólico da escolha da profissão e à valorização no mercado de trabalho.
Para Castelo Branco (2020), ingressar no sistema de ensino não é garantia de ampliação de capital cultural, social e simbólico, e, tampouco, de uma mudança de padrão social, do alunado, oriundo das camadas menos favorecidas economicamente, já que as condições de apropriação de conhecimento, no conjunto das desigualdades sociais, não incluem a certeza de um maior empoderamento social e/ou transformação das condições materiais que a conclusão do curso e a possibilidade de ingresso no mercado de trabalho podem oferecer, no sentido em que Bourdieu (2015) reflete, considerando a convertibilidade de capital cultural institucionalizado em capital econômico.
No conjunto das diferenças regionais, em termos de desenvolvimento econômico e educacional, o Brasil segue as orientações das políticas neoliberais de promoção do mercado e de organismos internacionais2, na busca da qualidade da educação e no processo de aprendizagem para o desempenho profissional, o que se expressa na LDB que prevê a exigência de formação em Licenciatura Plena, em instituições de ensino superior e universidades. Todavia dez anos pós-LDB, o Censo do Professor de 2007 (INEP/MEC, apud MAUÉS; CAMARGO, 2014, p. 87) assinala:
Em relação aos professores com ensino superior identificaram-se 1.288.688, sendo que, desses, 6,8% não cursaram uma licenciatura. Segundo esses dados, 607.827 professores não possuíam a formação mínima necessária para atuar na educação básica, o que indicava ainda 47,16% de funções docentes exercidas por professores sem a formação adequada.
O fato demonstra que, apesar de considerar as exigências de formação, há uma insistência na realização de cursos de Bacharelado, mesmo desprezando a perspectiva mais ampliada de mercado de trabalho, a necessidade de continuidade de investimentos e oferta na formação docente a partir da ampliação da oferta de cursos de Licenciaturas, fato que ocorre em maior proporcionalidade nas regiões Norte e Nordeste do país, consideradas economicamente menos desenvolvidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É válido ressaltar, para fins de fomento a futuras pesquisas, análise e/ou reflexão/mapeamento, a seguinte indagação: quais desdobramentos e consequências podem ser percebidos para os indicadores de expansão de cursos superiores, diante das desigualdades regionais, em uma conjuntura ancorada no neoliberalismo, que amplia cada vez mais as restrições orçamentárias às universidades públicas e às políticas de formação docente? Como esses indicadores reagiram perante os novos contextos ocasionados pela crise sanitária de proporção mundial, decorrente da pandemia da covid-19, que se mostrou impactante e catastrófica não somente à saúde pública, como também à economia e aos serviços como a educação? Como foram sentidos os efeitos das mudanças no processo de ensino-aprendizagem que emergiram a partir da realidade do ensino remoto, que passam a impor novos desafios e novas demandas sociais e educativas, sobretudo aos sujeitos em situação de vulnerabilidade, exacerbando as diferenças regionais, em um país tão desigual como o nosso,
[…] em uma realidade em que há mais de 4,5 milhões de brasileiros sem acesso à internet banda larga e mais de 50% dos domicílios da área rural não possuem acesso à internet. Em uma realidade em que 38% das casas não possuem acesso à internet e 58% não têm computador (ANDES-SN, 2020, p. 14).
Esse elemento, ainda atual, conduz a reflexão sobre a situação da materialidade dos ingressantes em cursos superiores, seja de Bacharelado ou de Licenciatura, diante do cenário adverso, pois, somado a isso, o processo de ensino- aprendizagem passa a enfrentar obstáculos em que todos(as) terão que readequar suas práticas, ocorrendo implicações de natureza pedagógica, mas também psicológica, impactando na saúde física e/ou mental de docentes e discentes.
Além desse contexto pandêmico, as instituições precisam de ações eficazes para assegurar o acesso de todos(as), de forma a minimizar processos de exclusão, sobretudo dos(as) ingressantes menos favorecidos economicamente, com capital cultural significativamente reduzido. Entretanto não se pode pensar no Brasil como uma realidade uniforme e homogênea, mas como um país de dimensão continental, com abismos sociais e regionais, que tendem a ser ampliados, na medida em que se objetiva implementar políticas públicas que mascarem essas desigualdades, em favor de um estado mínimo, arbitrário e defensor de políticas privatistas e obedientes à lógica de mercado em detrimento de suas obrigações e garantias constitucionais.
Para tanto, no contexto político do Estado regido sob forte influência neoconservadora, que adota uma política de austeridade fiscal, influenciando diretamente o financiamento da educação e, por conseguinte, a oferta do ensino superior, configurando, assim, uma conjuntura sombria de forte restrições orçamentárias e desenvolvimento das instituições públicas e da pesquisa acadêmica, indicam-se estudos que possam buscar a relação da educação com as desigualdades sociais, principalmente no que concerne à oferta de formação qualificada aos profissionais da educação.
Assim, sob os pressupostos de Bourdieu (2015) da convertibilidade de capital cultural institucionalizado em capital econômico, relacionada à discrepância entre Bacharelado e Licenciatura, do ponto de vista do prestígio social do curso, novos estudos precisam ser aprofundados, discutindo a relação entre o status e a continuidade do elitismo na educação superior, considerando o recorte histórico, político, econômico e regional.