A educação é um tema que constantemente permeia a agenda do poder público no Brasil, culminando na elaboração e formulação de alternativas e soluções, corporificadas nos dispositivos jurídicos, visando impactá-la, especialmente porque ainda estamos distantes de uma qualidade educacional considerada razoável, sobretudo no que se refere às redes públicas de ensino, que atendem à maioria das crianças e dos jovens. Vários são os fatores intervenientes nesse cenário, dentre eles destaca-se o papel dos docentes no processo instrucional, sua formação, suas condições de trabalho (GATTI; BARRETTO; ANDRÉ, 2011) e as ações promovidas pelo poder público que determinam e impactam a prática desses profissionais.
O status atribuído aos profissionais da educação também reverbera na comunidade acadêmica, de modo que o número de pesquisas que adotam o professor como objeto de estudos cresceu - e continua crescendo - muito nos últimos anos. Tais pesquisas abordam temas diversos, por exemplo, a formação inicial e continuada, os saberes, práticas, opiniões e representações dos professores, com o objetivo de “descobrir, com eles, quais os caminhos mais efetivos para alcançar um ensino de qualidade que se reverta em uma aprendizagem significativa para todos os alunos” (GATTI; BARRETTO; ANDRÉ, 2011, p. 15). Contudo, as macropolíticas desenvolvidas no Brasil relativas aos docentes da educação básica não foram objeto de interesse dos pesquisadores nos anos de 1990 e continuam sendo pouco investigadas e avaliadas (ANDRÉ, 2010; GATTI, 2014b).
Nesse contexto, Gatti, Barretto e André (2011, p. 20) publicaram um estudo inédito que mapeou e analisou as “políticas relativas à formação inicial e continuada; a carreira e a avaliação de docentes; e os subsídios ao trabalho docente, visando à melhoria do desempenho escolar dos alunos”. No que concerne à formação inicial, as autoras analisam a legislação federal e os programas federais associados a esse nível formativo - Programa Universidade para Todos, Pró-licenciatura, Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor), Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), etc. -, além de um universo composto por aproximadamente 14 mil cursos de licenciatura - no qual discutem, por exemplo, o número de cursos, modalidades de cursos, currículos, etc. Entre os cursos de formação inicial de professores discriminados por Gatti, Barretto e André (2011), encontram-se os cursos de “Formação pedagógica para não licenciados” que também se corporificam, no decorrer da pesquisa, no Parfor, que é voltado para professores em exercício em escolas públicas que não possuem a formação mínima prevista pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996). Assim, o Parfor visa à oferta de cursos de 1ª licenciatura e 2ª licenciatura - para os licenciados que atuam fora da área de formação -, além de formação pedagógica para bacharéis sem licenciatura.
É nesse panorama que engendra-se a pesquisa em tela neste artigo, que pretende analisar como as orientações emanadas pelo poder público federal, Ministério da Educação (MEC) - Parecer CNE/CP n. 04/97 (BRASIL, 1997a) e a Resolução CNE/CP n. 02/97 (BRASIL, 1997b), que versam sobre os “Programas especiais de formação pedagógica de docentes para as disciplinas do currículo do ensino fundamental, do ensino médio e da educação profissional em nível médio” -,1 se corporificam no decorrer de sua implementação por uma universidade federal. Particularmente, serão discutidos, a partir da metodologia de análise documental, dados presentes nos “Projetos de Abertura de Turma” e nos “Relatórios de Avaliação Final da Turma”, relativos à implementação de 19 turmas do Profop no período de 2011 a 2017, e as normativas internas produzidas pela universidade a fim de regulamentar tal modalidade formativa.
A análise apresentada se apoiará também na literatura nacional e internacional que aborda a formação de professores, especialmente a que discute o conhecimento especializado do professor. Ou seja, a literatura que investiga os conhecimentos que são exclusivos da prática docente e a integração entre a formação pedagógica e o domínio dos conteúdos vinculados às áreas do conhecimento que são ensinadas na educação básica.
AS DIRETRIZES DA POLÍTICA EDUCACIONAL E A “FORMAÇÃO PEDAGÓGICA PARA NÃO LICENCIADOS”
A formação dos professores tem sido um grande desafio para as políticas educacionais. Inúmeros países vêm desenvolvendo políticas e ações agressivas na área educacional, cuidando, principalmente, dos professores, considerados os personagens centrais e mais importantes na disseminação dos conhecimentos e de elementos substanciais da cultura (GATTI, 2014a).
A atenção despendida aos profissionais da educação se dá por eles serem muito mais do que facilitadores da aprendizagem ou “parceiros mais experientes” de seus alunos (SILVA; ALMEIDA; GATTI, 2016), uma vez que desempenham um papel social, científico, político e cultural altamente representativo, visto que são responsáveis pelo processo de socialização das crianças e jovens realizado crescentemente pela via escolar. Além disso, essa classe profissional mobiliza um volume significativo de recursos, uma vez que a administração pública é a grande empregadora da categoria - cerca de 80% dos professores atuam nas redes públicas de ensino (BARRETTO, 2010; GATTI; BARRETTO; ANDRÉ, 2011).
Contudo, a formação de professores no Brasil sempre esteve a reboque das expansões do sistema de ensino. No tocante à educação em nível básico (ensinos fundamental e médio), as décadas de 1970 e 1980, por exemplo, caracterizaram-se pela defesa da democracia, tanto em termos de gestão escolar quanto do direito ao acesso à educação (GATTI; BARRETTO, 2009). Particularmente, a partir de 1988, em virtude da nova Constituição Federal, as ações em prol da democratização do acesso à educação básica tornaram-se mais visíveis. Todavia, o aumento das vagas na educação básica não garantiu efetivamente a democratização, uma vez que não foi acompanhado pela provisão de espaço físico e por um aumento do corpo docente especializado proporcional à demanda, já que “com a grande expansão das redes de ensino em curto espaço de tempo e a ampliação consequente da necessidade de docentes, a formação destes não logrou, pelos estudos e avaliações disponíveis, prover o ensino com profissionais com qualificação adequada” (GATTI, 2014a, p. 35).
Desde o ano de 1996, com a promulgação da LDB, a formação inicial de professores para atuarem nos anos finais do ensino fundamental e/ou no ensino médio passou a ser obrigatoriamente desenvolvida por meio dos cursos de licenciatura (art. 62) ou a partir dos “programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica” (art. 63, inciso II). A cristalização dessa lei se dá no Plano Nacional de Educação ao fixar o prazo máximo de 10 anos para que “70% dos professores de educação infantil e de ensino fundamental (em todas as modalidades) possuam formação específica de nível superior” (BRASIL, 2001b, p. 67) e “todos os professores de ensino médio possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura plena nas áreas de conhecimento em que atuam” (BRASIL, 2001b, p. 68). Tal fixação, de acordo com Fiorentini (2008, p. 46), causou “maior impacto sobre a formação do professor” porque, em virtude da “demanda de 1,6 milhões de professores brasileiros em exercício sem essa titulação, surge a necessidade de aumento da oferta de oportunidades ou centros de formação”. Como o Estado não deu conta de suprir a referida demanda, em todos os estados brasileiros foram criadas alternativas para dar conta dela, por exemplo, a expansão da oferta de cursos de formação vinculados a instituições - geralmente na esfera administrativa privada - com um eixo fundamental universitário - ensino, pesquisa e extensão - parco no tocante às demandas teóricas/científicas e práticas que emanam da profissão docente.
Ainda buscando sanar o déficit de professores para a educação em nível básico e atendendo a uma solicitação do então Ministro da Educação, Paulo Renato Souza, do Conselho Nacional de Educação (CNE), emitiu o Parecer CNE/CP n. 04/97, que deu origem à Resolução CNE/CP n. 02/97,2 a qual “Dispõe sobre os programas especiais de formação pedagógica de docentes para as disciplinas do currículo do ensino fundamental [os quatro anos finais], do ensino médio e da educação profissional em nível médio” (BRASIL, 1997b). De acordo com essa resolução, o principal objetivo de tais programas era “suprir a falta de professores habilitados, em determinadas disciplinas e localidades, em caráter especial” (BRASIL, 1997b, p. 1), ou seja, tais programas, quando implementados, deveriam sanar, em caráter provisório e pontual (considerando as demandas regionais/locais), a falta de professores em determinadas disciplinas do currículo escolar, uma vez que a via de acesso à docência na educação básica (anos finais do ensino fundamental e ensino médio) deveria ser a licenciatura.
A Resolução CNE/CP n. 02/97 estabelece, de forma sintética, os parâmetros que devem atender aos programas especiais de formação pedagógica e abarca questões de natureza operacional, por exemplo, as características da estruturação curricular do curso e sua carga-horária mínima, além de prever as responsabilidades que a instituição de ensino superior (IES) promotora possui em relação ao curso. Tal documento destaca-se, particularmente, por enfatizar a importância da integração entre a formação pedagógica e o domínio dos conteúdos específicos - ligados à habilitação pretendida -, defendendo uma forte relação entre a teoria - vinculada à formação pedagógica e aos conteúdos específicos - e a prática do professor ao ensinar os conteúdos curriculares da educação básica ou da educação profissional.
DESCRIÇÃO E DISCUSSÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DO PROFOP POR UMA UNIVERSIDADE FEDERAL
Analisaremos doravante como as orientações provenientes do MEC, por intermédio do CNE, Parecer CNE/CP n. 04/97 e a Resolução CNE/CP n. 02/97, que versam sobre o Profop, se corporificaram no decorrer de sua implementação por uma universidade federal3 entre os anos de 2011 e 2017. Nesse contexto, nos voltaremos para a análise dos documentos produzidos pela IES sobre essa modalidade formativa no supramencionado período, a saber: Projeto de Abertura de Turma, Relatório de Avaliação Final da Turma, Regulamento do Programa Especial de Formação Pedagógica - Profop (Resolução n. 28/114 - Cogep5) e Orientações para Elaboração de Projeto de Abertura de Turma Programa Especial de Formação Pedagógica Profop” (Resolução n. 29/11 - Cogep).
Esse recorte temporal deve-se aos seguintes fatores: a) o ano de publicação das Resoluções n. 28/2011 - Cogep - e n. 29/2011 - Cogep: 2011, sendo que ambos os documentos foram aprovados pelo Conselho de Graduação e Educação Profissional da referida IES (Cogep) e balizam o planejamento e a organização (preveem os recursos humanos, financeiros, didático-pedagógicos, etc.) que o Profop deve adotar ao ser implementado; b) no decorrer desse período, o Cogep autorizou a abertura de mais de 26 turmas do Profop, contudo, no ato da coleta dos dados em tela neste artigo, somente 19 delas tinham tido tanto o Projeto de Abertura como o Relatório de Avaliação Final já aprovados e disponibilizados - no site da instituição para consulta pública - pelo referido conselho. Portanto, o recorte temporal foi produzido com o objetivo de analisarmos os dados relativos às turmas que foram propostas (Projeto de Abertura), implementadas e avaliadas (Relatório de Avaliação Final) sob a égide das supramencionadas resoluções, a saber: 1ª turma ofertada no campus A; 7ª e 8ª turmas ofertadas no campus B; 14ª, 15ª, 16ª, 17ª, 18ª e 19ª turmas ofertadas no campus C; 28ª e 29ª ofertadas no campus D; 4ª, 5ª e 6ª turmas ofertadas no campus E; 15ª, 16ª, 17ª e 18ª turmas ofertadas no campus F; e 3ª turma ofertada no campus G.
Nesse cenário, o primeiro ponto de análise que destacamos refere-se às justificativas apresentadas nos Projetos de Abertura das 19 turmas e acatados pelo Cogep, que fundamentam a implementação delas pela universidade. A saber, essas justificativas foram: a) demanda de professores em exercício no sistema público de ensino que são graduados, não licenciados e não possuem a formação pedagógica necessária para o exercício do magistério; b) procura significativa do Curso de Formação Pedagógica por parte de professores que atuam nas diversas redes de ensino; c) existência de profissionais graduados não licenciados interessados em obter a formação pedagógica necessária para o exercício do magistério; d) tratar-se de um programa com características diferentes de um curso de licenciatura regular, que pode ser ministrado em períodos especiais de ensino, de acordo com a clientela; e) a universidade já atua em outras cidades com o Programa Especial de Formação Pedagógica desde 1998; f) a lei que cria a universidade estipula como um de seus objetivos a formação de professores, mediante cursos de licenciatura e programas especiais de formação pedagógica para as áreas científicas e tecnológicas da educação básica e profissional.
Além das justificativas anteriormente mencionadas, os Projetos de Abertura de Turma não apresentam dados que evidenciem necessidades reais dos municípios (ou regiões) em que os campi A, B, C, D, E, F e G estão alocados em termos da carência de professores (demanda de professores, disciplinas em que supostamente ocorra a falta de professores, etc.). Ou seja, todos os projetos afirmam que existe uma “demanda de professores em exercício no sistema público de ensino que são graduados não licenciados e não possuem a formação pedagógica necessária para o exercício do magistério” sem substanciar essa afirmação em dados oriundos desses sistemas de ensino, discriminando, por exemplo, a quantidade de professores que faltam, além de não assinalarem quais são as disciplinas escolares em que ocorre essa suposta falta.
Além disso, todos os projetos analisados evidenciam que as 19 turmas do Profop objetivavam habilitar, simultaneamente, nas áreas de matemática, física, biologia, química, língua portuguesa, língua estrangeira moderna6 e “disciplinas da educação profissional”, tal como previsto nas Resoluções n. 28/2011 e n. 72/2012 - ambas do Cogep. Ou seja, mesmo as turmas sendo ofertadas em sete municípios - que se localizam em regiões distintas do estado -, elas objetivavam habilitar exatamente nas mesmas áreas, sendo que essas áreas são exatamente todas as previstas nessas Resoluções.
Ao nos reportarmos ao parágrafo único do art. 1º da Resolução CNE/CB n. 02/97, constatamos a prescrição de que “estes programas [especiais de formação pedagógica] destinam-se a suprir a falta nas escolas de professores habilitados, em determinadas disciplinas e localidades, em caráter especial” (BRASIL, 1997b, p. 1). Esse caráter especial também foi matéria do Parecer CNE/CP n. 04/97, no qual, considerando a necessidade de formação de professores para atender à falta deles nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio, argumenta-se que há diferenças dentro desse quadro que “requerem atenção específica quanto às medidas a serem tomadas” (BRASIL, 1997a, p. 2). Nessa conjuntura, assinala-se que
a) As diferentes regiões, estados e municípios apresentam necessidades diversas. É preciso considerá-las, a fim de não disseminar problemas em lugar de soluções. b) As disciplinas, ou áreas de conhecimento, também apresentam diferenças, cujo atendimento tem que ser feito com cuidado. Sabe-se que a falta de professores se dá especialmente nas disciplinas de matemática, física, química, geografia, mas sabe-se também que essa falta não se apresenta de maneira idêntica por todo o país, por isso sendo muito importante a consideração da situação específica de cada local. (BRASIL, 1997a, p. 2)
Em tal parecer infere-se também que, para garantir o caráter emergencial, é conveniente que essa modalidade formativa seja proposta como programa e não como curso, porque “a duração ficará assim naturalmente limitada, evitando o risco de perenização de soluções que podem parecer apropriadas para um determinado tempo e lugar, mas podem se tornar obsoletas com a evolução da situação local” (BRASIL, 1997a, p. 3). Nesse sentido,
É muito importante que os sistemas de ensino assegurem o levantamento exato das condições locais, em termos de escolas e professores, em cada disciplina, com dados estatísticos confiáveis, para que se criem programas de qualidade indiscutível, visando o atendimento das necessidades reais. (BRASIL, 1997a, p. 3)
Conforme se observa, ocorreu um distanciamento entre as prescrições apresentadas pela Resolução CNE/CB n. 02/97, pelo Parecer CNE/CP n. 04/97 e as justificativas presentes nos projetos de abertura de turmas aprovados pelo Cogep. Ou seja, ocorreu um distanciamento entre as justificativas apresentadas pela universidade para ofertar o Profop e o caráter especial que tais cursos deveriam assumir, de acordo com os dispositivos jurídicos emitidos pelos CNE. Assim, em vez de a universidade produzir um levantamento do contexto real da falta de professores para atuarem na educação básica e, a partir daí, passar a oferecer a quantidade de vagas associada a essa demanda - considerando, por exemplo, a quantidade de professores que os sistemas demandam e sua área de atuação -, a IES optou por oferecer vagas em todas as áreas em que havia condições legais para habilitar - que estão associadas aos cursos de licenciatura ofertados regulamente pela universidade.
Essa problemática já foi matéria de discussão no CNE, conforme evidencia o Parecer CNE/CP n. 26/2001, ao discorrer que:
Não resta dúvida que os programas de complementação pedagógica deveriam capacitar interessados já graduados (com sólida formação de conteúdo) em áreas específicas para atender necessidades específicas locais. Caso não houvesse carência de professores nas diferentes localidades, ou, em havendo, faltassem profissionais não-licenciados com sólida formação, esperar-se-ia que as instituições locais se abstivessem de oferecer programas especiais de complementação pedagógica. No entanto, infelizmente, não foi o que ocorreu. Enormes contingentes de profissionais têm sido formados em cidades nas quais não há carência de professores, aproveitando-se do disposto na Resolução CNE/CP 02/97. (BRASIL, 2001a, p. 1-2)
Ainda em relação a essa problemática, o CNE reitera que:
Esta resolução não deveria ser utilizada para justificar uma “via rápida” ou “alternativa” aos cursos de licenciatura, dado que seu objetivo era o de conferir habilitação equivalente àquela que legitima o ingresso na carreira do magistério (a licenciatura, de graduação plena), fazendo com que todos os professores tivessem acesso aos planos de carreira do magistério, deixando para trás a figura do professor leigo com diploma de nível superior. (BRASIL, 2001a, p. 2)
No que se refere à oferta dessa modalidade formativa, Gatti e Barretto (2009, p. 180) argumentam que
[...] este tipo de formação ainda é oferecido, mas o ritmo de oferta desses programas especiais públicos diminuiu nos sistemas, uma vez que muitos dos seus professores já foram titulados e os novos ingressantes já devem trazer essa formação básica quando de seu ingresso.
A prática da IES em tela neste artigo também se distancia desse contexto, na medida em que a universidade oferta frequentemente tal modalidade de formação de professores.
Essa regularidade na oferta do Profop pela IES se sobrepôs à oferta do Parfor, uma vez que ela os ofertou simultaneamente. Essa sobreposição torna-se relevante se considerarmos que o Parfor é um programa emergencial desenvolvido em regime de colaboração entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), estados, municípios, Distrito Federal e as IES, que também visa a proporcionar formação para professores em exercício em escolas que não possuem a formação adequada prevista pela LDB. Para sua implementação, a Capes criou um sistema informatizado, a Plataforma Freire, no qual os professores das redes públicas se pré-inscrevem nos cursos de formação inicial e continuada. De modo que as “secretarias de Educação a que pertencem os docentes validam as inscrições que correspondem às necessidades da rede, conforme o planejamento estratégico elaborado, e as inscrições validadas são submetidas às IESs, para fins de seleção e matrícula”. Assim, as vagas ofertadas pelas IES, por intermédio da UAB, “atendem à demanda diagnosticada pela análise das pré-inscrições (Portaria n. 9/2009)” (GATTI; BARRETTO; ANDRÉ, 2011, p. 55).
O segundo ponto de análise que destacamos refere-se ao critério estabelecido pela IES para verificar a compatibilidade entre a formação do candidato e a disciplina para a qual pretendia habilitar-se por meio do Profop. Assim, ao nos voltarmos para os Relatórios de Avaliação Final das 19 turmas em análise, um conjunto de dados que se sobressai é o relacionado à quantidade de profissionais que receberam habilitação equivalente à de licenciado no âmbito desse programa, um total de 584 (Quadro 1).
ÁREAS EM QUE FORAM CONCEDIDAS HABILITAÇÕES | TOTAL DE ALUNOS |
---|---|
Administração | 32 |
Agricultura/agropecuária/agropecuária-agroindústria/pecuária | (2+6+1+1) = 10 |
Alimentos | 1 |
Arte(s)/artes visuais/história da arte | (2/4/1) = 7 |
Biologia/ciências biológicas | 82 |
Ciências | 1 |
Construção civil | 1 |
Contabilidade | 2 |
Controle e processos/controle e processos industriais | (1+2) = 3 |
Direito | 5 |
Edificações | 1 |
Enfermagem | 29 |
Física | 34 |
Gestão/gestão e negócios | (1+9) = 10 |
Línguas (espanhola/inglesa/portuguesa) | (2 + 5 + 7) = 14 |
Logística | 1 |
Informática | 21 |
Matemática | 207 |
Mecânica | 1 |
Psicologia | 1 |
Química | 117 |
Sociologia aplicada | 4 |
Total de alunos habilitados | 584 |
Fonte: Elaborado pela autora com base em dados extraídos do Sistema de Consulta aos Processos e Resoluções (SCPR).
Conforme descrito no Quadro 1, foram habilitados 584 profissionais para atuarem como professores (em nível fundamental e/ou médio) em 317 áreas distintas do conhecimento. Entretanto, ocorreu uma predominância de habilitações em áreas do conhecimento vinculadas às disciplinas ministradas comumente na Educação Básica [conforme classificação presente na LDB (BRASIL, 1996)], uma vez que 79% do total das habilitações concedidas foram para as áreas de artes, biologia, ciências, física, línguas, matemática e química.
Ainda de acordo com os dados compilados dos Relatórios de Avaliação Final, é possível associarmos as áreas de habilitação nominadas no Quadro 1 com os cursos de graduação que foram considerados compatíveis com elas, conforme exposto no Quadro 2.
HABILITAÇÃO CONCEDIDA | CURSOS SUPERIORES QUE FORAM CONSIDERADOS COMPATÍVEIS COM A ÁREA DE ESTUDOS LIGADA À HABILITAÇÃO CONCEDIDA |
---|---|
Artes (história da arte) | Turismo e Hotelaria |
Agricultura | Agronomia |
Agropecuária (subárea: agroindústria) | Tecnologia em Alimentos |
Alimentos | Tecnologia em Alimentos |
Ciências | Tecnologia em Gestão Ambiental |
Construção civil | Tecnologia em Construção Civil |
Contabilidade | Ciências Contábeis |
Controle e processos/ controle e processos industriais | Engenharia Elétrica |
Direito | Direito |
Edificações | Engenharia Civil |
Enfermagem | Enfermagem |
Gestão | Tecnologia em Gestão Pública |
Logística | Tecnologia em Logística |
Mecânica | Tecnologia em Mecânica |
Pecuária | Zootecnia |
Psicologia | Psicologia |
Administração | Administração; Administração - Comércio Exterior; Administração de Empresas; Bacharelado em Ciências Contábeis; Ciências Econômicas; Tecnologia de Gestão de Recursos Humanos; Tecnologia em Proc. |
Agropecuária | Agronomia; Formação Pedagógica; Medicina Veterinária |
Arte(s) | Pintura; Design de Moda |
Artes visuais | Arquitetura e Urbanismo; Artes Visuais; Educação Artística; Desenho Industrial |
Biologia/ciências biológicas | Agronomia; Biologia; Biomedicina; Ciências Biológicas; Economia Doméstica; Educação Física; Enfermagem; Engenharia (sem especificação); Engenharia Ambiental; Engenharia Florestal; Farmácia; Fisioterapia; Medicina Veterinária; Nutrição; Tecnologia em Administração Rural; Tecnologia em Alimentos; Tecnologia em Gestão Ambiental; Tecnologia em Laticínios; Tecnologia em Processos Ambientais; Zootecnia |
Espanhol | Secretariado Executivo; Secretariado Executivo Trilíngue |
Física | Agronomia; Ciências Biológicas; Engenharia (sem especificação); Engenharia Agronômica; Engenharia Ambiental; Engenharia Agrícola; Engenharia de Alimentos; Engenharia Química; Engenharia Civil; Engenharia Elétrica; Engenharia de Produção; Engenharia de Produção Agroindustrial; Engenharia Têxtil; Farmácia; Farmácia-Bioquímica; Física; Licenciatura em Ciências com Habilitação em Química; Tecnologia em Eletromecânica; Tecnologia em Manutenção Eletromecânica; Tecnologia em Manutenção Industrial; Tecnologia em Manutenção Mecânica; Tecnologia em Processamento de Alimentos Vegetais |
Gestão e negócios | Administração; Administração de Empresas; Ciências Contábeis; Secretariado Executivo |
Informática | Análise de Sistemas; Ciência da Computação; Processamento de Dados; Sistemas de Informação; Tecnologia em ADS; Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas; Tecnologia em Informação; Tecnologia em Processamento de Dados; Tecnologia em Telecomunicações |
Inglês | Bacharel em Hotelaria; Turismo; Turismo e Hotelaria; Turismo e Meio Ambiente |
Língua Portuguesa | Bacharel em Secretariado Executivo; Comunicação Social; Comunicação Social - Jornalismo; Marketing e Propaganda; Secretariado Executivo Trilíngue |
Matemática | Administração; Administração - Agronegócios; Administração com habilitação em Comércio Exterior; Administração de Empresas; Análise de Sistemas; Bacharel em Administração de Empresas com Habilitação em Marketing; Bacharel em Agronomia; Bacharel em Química Industrial; Ciências Contábeis; Ciências da Computação; Ciências Econômicas; Economia; Engenharia Ambiental; Engenharia da Computação; Engenharia de Alimentos; Engenharia Elétrica; Engenharia Elétrica e Telecomunicações; Engenharia Florestal; Engenharia da Pesca; Engenharia de Produção; Engenharia de Produção Mecânica; Engenharia Química; Engenharia Têxtil; Licenciatura em Física; Processamento de Dados; Processos Químicos; Química Industrial; Sistemas de Informação; Tecnologia em Agronegócio; Tecnologia em Alimentos; Tecnologia em Automação Industrial; Tecnologia em Desenvolvimento de Sistema de Informação; Tecnologia em Gestão Ambiental; Tecnologia em Informática; Tecnologia em Manutenção Industrial; Tecnologia em Processamento de Dados; Tecnologia em Processos Gerenciais; Tecnologia em Radiologia; Tecnologia em Telecomunicações; Zootecnia |
Química | Agronomia; Bacharel em Química; Bacharel em Química Industrial; Biomedicina; Economia Doméstica; Engenharia Ambiental; Engenharia Química; Farmácia; Farmácia-Bioquímica; Fisioterapia; Gestão Ambiental; Licenciatura em Ciências Biológicas; Medicina Veterinária; Nutrição; Tecnologia Ambiental; Tecnologia Ambiental-Resíduos Ambientais; Tecnologia de Industrialização de Carnes; Tecnologia em Alimentos; Tecnologia em Alimentos - Carnes; Tecnologia em Biocombustíveis; Tecnologia em Comércio Exterior; Tecnologia em Controle de Processos Químicos; Tecnologia em Gestão Ambiental; Tecnologia em Laticínios; Tecnologia em Processos Químicos; Tecnologia em Processamento de Alimentos Vegetais; Tecnologia em Produção Sucroalcooleira; Tecnologia em Química Ambiental; Tecnologia em Química Industrial; Zootecnia |
Sociologia aplicada | Direito; Serviço Social |
Fonte: Elaborado pela autora com base em dados extraídos do SCPR.
Os dados apresentados nos Quadros 1 e 2 evidenciam vários aspectos que serão discutidos na sequência. O primeiro aspecto que destacamos refere-se aos cursos superiores considerados compatíveis com a área de estudos ligada à habilitação concedida. Nesse cenário, ao nos voltarmos para o art. 2 da Resolução CNE/CB n. 02/97, constatamos que “o programa especial a que se refere o art. 1º é destinado a portadores de diploma de nível superior, em cursos relacionados à habilitação pretendida, que ofereçam sólida base de conhecimentos na área de estudos ligada a essa habilitação” (BRASIL, 1997b, p. 1). Sendo que a IES que oferecer o Profop “se encarregará de verificar a compatibilidade entre a formação do candidato e a disciplina para a qual pretende habilitar-se” (BRASIL, 1997b, p. 1). E a corporificação desse parecer na regulamentação interna produzida pela universidade ocorre por meio dos art. 46 e 47 da Resolução n. 28/2011 - Cogep, nos quais se estabelece que:
Art. 46 Aos interessados que pretendem obter certificação em disciplinas do Núcleo Comum - Matemática, Física, Biologia, Química, Língua Portuguesa e Língua Estrangeira Moderna - poderão ser admitidos no Programa Especial de Formação Pedagógica desde que tenham cursado em nível de graduação uma carga horária mínima de 160 horas da respectiva disciplina ou conjunto de disciplinas correspondentes à área da habilitação pretendida;
Art. 47 Aos interessados que pretenderem obter certificação em disciplinas profissionalizantes poderão ser admitidos no Programa Especial de Formação Pedagógica se tiverem cursado graduação na área da habilitação pretendida. (UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ, 2011a, p. 17)
Ou seja, a prescrição “portadores de diploma de nível superior, em cursos relacionados à habilitação pretendida, que ofereçam sólida base de conhecimentos na área de estudos ligada a essa habilitação” (BRASIL, 1997b, p. 1) se cristaliza na regulamentação interna da universidade, no critério ter “cursado em nível de graduação uma carga horária mínima de 160 horas na respectiva disciplina ou conjunto de disciplinas correspondentes à área da habilitação pretendida” (UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ, 2012, p. 17). E a partir dessa cristalização, conforme se observa no Quadro 2, para os cursos das áreas de espanhol e sociologia aplicada foram considerados compatíveis dois cursos superiores, para as áreas de agropecuária foram três cursos, para gestão e negócios e inglês foram quatro cursos, para língua portuguesa foram cinco cursos, artes/artes visuais foram seis cursos, administração foram sete e informática foram considerados nove cursos superiores. Já para as áreas de biologia/ciências biológicas, física, química e matemática foram considerados, respectivamente, 20, 22, 31 e 39 cursos superiores.
No que concerne à execução do art. 47 da Resolução n. 28/2011 - Cogep, ao nos reportarmos aos dados apresentados no Quadro 2, constatamos que o referido artigo não está sendo contemplado, uma vez que, por exemplo, foi concedida habilitação na área de agropecuária para um portador de diploma na área de tecnologia em alimentos. Ainda nesse contexto, foram concedidas habilitações na área de sociologia aplicada para portadores de diplomas nas áreas de direito e serviço social.
Ainda em consonância com os dados destacados no Quadro 2, os cursos de Agronomia e Tecnologia em Alimentos foram considerados compatíveis com seis áreas distintas. Já os cursos da área de administração e engenharia ambiental foram considerados compatíveis com quatro áreas distintas. Assim, conforme os critérios estabelecidos pela universidade para a concessão de habilitações pelo Profop, os cursos de Agronomia e Tecnologia em Alimentos forneceriam aos seus egressos uma base sólida de conhecimentos em seis áreas distintas, enquanto os cursos de Administração e Engenharia Ambiental forneceriam aos seus egressos uma base sólida de conhecimentos em quatro áreas distintas.
Dessa maneira, o critério estabelecido pela IES pode ser considerado, no mínimo, insuficiente, uma vez que a “sólida base de conhecimentos na área” (BRASIL, 1997b, p. 1) que um docente acessa ao atuar na educação básica ensinando disciplinas escolares (Artes, Física, etc.) ou de cunho profissionalizante (por exemplo, nas áreas de enfermagem, administração, etc.) não se constrói e não pode ser medida a partir do critério cursar “carga horária mínima de 160 horas na respectiva disciplina ou conjunto de disciplinas correspondentes à área da habilitação pretendida”. Tal afirmação sustenta-se nas evidências levantadas pelas pesquisas que versam sobre a prática do professor, tanto em relação à especificidade do conhecimento do conteúdo quanto ao do conhecimento pedagógico do conteúdo (SHULMAN, 1986; MA, 1999; TARDIF, 2002; VIIRI, 2003; BALL; THAMES; PHELPS, 2008; BAUMERT et al., 2010; FANTZ; MIRANDA; SILLER, 2011; YU et al., 2012; FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013; SILVA; ALMEIDA; GATTI, 2016; RIBEIRO; MELLONE; JAKOBSEN, 2016; ROLDÃO, 2017; SCHEINER et al., 2017; VERDUGO- -PERONA; SOLAZ-PORTOLÉS; SANJOSÉ-LÓPEZ, 2017; CANEVER et al., 2018). Além disso, os cursos de graduação oferecem em suas estruturas curriculares uma base de conhecimentos sólida somente em relação a uma área, porque, caso contrário, um mesmo curso habilitaria em mais de uma área.
Um elemento que acentua a problemática da verificação da compatibilidade entre a formação do candidato e a disciplina para a qual pretende habilitar-se reside no formato adotado pela IES para ofertar as turmas do Profop (nosso terceiro ponto de análise). Isso porque, de acordo com a Resolução n. 29/2011 - Cogep, todas as turmas do Profop que forem ofertadas na universidade, independente do público ao qual forem destinadas - candidatos à certificação equivalente a licenciado em Biologia, Química, etc. ou em disciplinas profissionalizantes - devem possuir o mesmo formato (grade e ementário). Ou seja, apesar dos candidatos possuírem formações distintas e buscarem certificações em áreas distintas, eles frequentam exatamente as mesmas disciplinas e em um mesmo momento formativo.
A estrutura curricular imposta pela Resolução n. 29/2011 - Cogep, elemento basilar do projeto formativo desenvolvido no Profop, organiza-se de acordo com algumas das prescrições da Resolução CNE/CP n. 02/97, uma vez que é composta por Núcleos (nominados Contextual, Estrutural e Integrador) e carga horária total de 800 horas (subdividida em: 700 horas a serem integralizadas nas disciplinas, sendo 500 horas de atividades teóricas e 200 práticas; e 100 horas de estágio curricular obrigatório). Entretanto essas aproximações, entre a Resolução CNE/CP n. 02/97 e o projeto formativo do Profop, não se cristalizam integralmente no corpo de conhecimentos contemplados pelas ementas das disciplinas que compõem esses núcleos, especialmente em relação à necessidade de ser dada ênfase no decorrer do curso “à metodologia de ensino específica da habilitação pretendida” (BRASIL, 1997b, p. 3) e de se considerarem a natureza e as especificidades dos distintos segmentos educacionais em que os egressos do Profop poderão atuar (ensino fundamental, ensino médio e educação profissional). Esse último apontamento concatena-se tanto com as prescrições provenientes das instâncias governamentais - como LDB8 - quanto com os resultados provenientes das pesquisas desenvolvidas no âmbito da academia, que caracterizam as finalidades, os sujeitos, os conhecimentos e as relações estabelecidas entre eles nos processos educacionais.
Retomando a discussão em torno dos elementos que compõem os núcleos do Profop, identifica-se que o Núcleo Contextual, que “Busca propiciar a compreensão de todos os mecanismos que envolvem a organização e estruturação de uma instituição de ensino de diferentes níveis” (UTFPR, 2011b, p. 6), totaliza 320 horas de atividades, distribuídas entre as disciplinas: Fundamentos da Educação, Gestão Educacional, Teoria do Currículo, Oficinas I e II, Psicologia da Educação, Cotidiano Escolar, Profissão Professor. O conteúdo das ementas dessas disciplinas pode ser associado, por exemplo, à prescrição prevista para esse núcleo na Resolução CNE/CP n. 02/97 - que defende o desenvolvimento da “compreensão do processo de ensino-aprendizagem referido à prática de escola, considerando tanto as relações que se passam no seu interior, com seus participantes, quanto às suas relações, como instituição, com o contexto imediato e o contexto geral onde está inserida” (BRASIL, 1997b, p. 1) -, em contrapartida, nenhuma dessas ementas apresenta elementos que indiquem a realização de discussões entre as diferenças existentes nos processos de ensino e aprendizagem (currículo, características dos sujeitos envolvidos no processo, planejamento e execução de momentos de ensino) nas 31 áreas que o Profop habilitou.
Ausência similar é identificada na composição do Núcleo Estrutural proposto pela IES, que possui 280 horas e “visa oportunizar ao professor a aquisição de competências e o desenvolvimento de habilidades necessárias ao exercício das atividades inerentes à sala de aula” (UTFPR, 2011b, p. 7). Entretanto, essa carência faz com que a estrutura desse núcleo se distancie significativamente da determinação apresentada pela Resolução CNE/CP n. 02/97, que prevê a abordagem dos “conteúdos curriculares, sua organização sequencial, avaliação e integração com outras disciplinas” e dos “métodos adequados ao desenvolvimento do conhecimento em pauta, bem como sua adequação ao processo de ensino-aprendizagem” (BRASIL, 1997b, p. 1).
Para efeito de substanciação dessas afirmações, doravante serão discriminados os conhecimentos que compõem disciplinas dos três núcleos do Profop, principalmente as presentes no núcleo Estrutural; são elas: Metodologia da Pesquisa em Educação, Tecnologia da Informação e Comunicação, Processos de Ensino e Aprendizagem, Educação Inclusiva e Diversidade, Libras I, Libras II e Oficinas III.
A disciplina de “Metodologia da Pesquisa em Educação” visa a discutir unicamente aspectos epistemológicos e pragmáticos da pesquisa em educação, por exemplo, as distintas metodologias de pesquisa e normas para a organização de um texto científico. Portanto, não foca na prática do ensino dos conhecimentos escolares e da educação profissional.
O ementário da disciplina Tecnologias da Educação e Comunicação aborda o “uso das TIC no processo ensino-aprendizagem”, além das “implicações do uso das TIC na Educação”, da “integração das diferentes tecnologias existentes no processo de ensino” e das “Teorias e estratégias de aprendizagem”. Já a disciplina Processos de Ensino e Aprendizagem ocupa-se da discussão em torno de temas como a “relação professor e aluno no contexto da sala de aula”, a “instituição escolar, a relação pedagógica e o papel do professor”, os “Fundamentos do trabalho pedagógico” e “Estratégias de ensino-aprendizagem, Planejamento e Avaliação”. Conforme a descrição evidencia, apesar de o “processo de ensino-aprendizagem” figurar nessas ementas, ele não se associa às demandas educativas dos distintos segmentos educacionais e das distintas áreas do conhecimento em que o Profop habilita, tanto no que se refere à educação básica (Química, Português, etc.) quanto profissional (Agropecuária, Informática, etc.).
A disciplina Educação Inclusiva e Diversidade aborda aspectos legais, históricos e epistemológicos da relação entre a educação, a inclusão e a diversidade, enquanto as disciplinas Libras I e Libras II apresentam aspectos educacionais, socioantropológicos e culturais da surdez e da identidade surda, além de explorar a língua brasileira de sinais em situações formais e informais. Entretanto, novamente, em nenhum dos três casos as especificidades intrínsecas ao ensino nos diferentes segmentos educacionais e áreas que os habilitados pelo Profop podem atuar são abordadas.
As disciplinas Oficinas I, II e III são compostas pelos mesmos conteúdos, a saber: espaço interdisciplinar de estudos da prática pedagógica, visando à análise global e crítica da realidade educacional, e debates com diversos profissionais buscando uma compreensão mais ampla da prática pedagógica - conforme exposto, a abordagem da prática pedagógica no processo formativo desenvolvido pelas disciplinas está desvinculada dos conhecimentos que serão seus objetos de ensino no decorrer da prática profissional dos egressos.
No que se refere ao Núcleo Integrador, concebido unicamente pela disciplina de carga horária de 100 horas, Seminário de Estudos Pedagógicos, ele é composto dos seguintes conteúdos: Responsabilidade socioambiental e sustentabilidade; Educação profissional; Educação a distância; Educação de jovens e adultos; Educação no campo; Prevenção ao uso de drogas; Tecnologias assistivas; Empreendedorismo e empregabilidade; Fundamentos teórico-metodológicos das ciências: naturais, humanas e sociais; Sexualidade e implicações. Tais conteúdos também se distanciam da prescrição prevista na Resolução CNE/CP n. 02/97 para o Núcleo Integrador, uma vez que, de acordo com ela, tal núcleo deveria estar “centrado nos problemas concretos enfrentados pelos alunos na prática de ensino, com vistas ao planejamento e reorganização do trabalho escolar, discutidos a partir de diferentes perspectivas teóricas, por meio de projetos multidisciplinares” (BRASIL, 1997b, p. 2). Apesar desse distanciamento, constata-se que, nessa disciplina, buscou-se abordar a caracterização de alguns dos segmentos educacionais que figuram no sistema brasileiro. Entretanto, tal discussão pode ser considerada, no mínimo, insuficiente quando nos voltamos para a literatura que versa sobre o professor que atua, por exemplo, na educação profissional, na qual o processo educativo volta-se para o trabalho (VIIRI, 2003; YU et al., 2012; CANEVER et al., 2018).
Conforme a discussão apresentada evidenciou, os “conteúdos” que serão objeto da prática pedagógica diária dos egressos do Profop não compõem o processo formativo privilegiado nele. Tal afirmação é corroborada pelo Parecer CNE/CP n. 04/97, ao ponderar que
Um ponto já estabelecido como consensual se liga à importância de focalizar o ensino de determinada disciplina a partir da construção do conhecimento que lhe é específico, preparando o futuro professor para levar seus alunos a entrarem, dentro do nível correspondente, também nesse universo. Uma tal concepção de ensino e de formação de professores terá que privilegiar o contato dos participantes do programa especial com especialistas em cada disciplina, de forma a garantir estreita relação entre o ensino de uma matéria e a especificidade de seu conhecimento. Isto também deve ser garantido com relação à parte prática do programa. (BRASIL, 1997a, p. 2)
A ausência de estudos/discussões que abordem os conhecimentos pertencentes às áreas de habilitação no decorrer do Profop ofertado pela universidade também já foi matéria de questionamento da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED) junto ao CNE, conforme evidencia o Parecer CNE/CP n. 25/2002. Tal ausência faz emergir também a discussão sobre a profissionalidade docente e os resultados que as pesquisas que abarcam a prática do professor no ambiente escolar apresentam.
Segundo Gatti (2010), a profissionalidade pode ser entendida como o somatório das características de uma profissão que aglomeram a racionalização dos conhecimentos e habilidades necessárias ao exercício profissional, que implica a obtenção de um espaço autônomo, próprio à sua profissionalidade, com valor reconhecido pela sociedade. Sendo que,
Não há consistência em uma profissionalização sem a constituição de uma base sólida de conhecimentos e formas de ação. Com estas conceituações, estamos saindo do improviso, da ideia do professor missionário, do professor quebra-galho, do professor artesão, ou tutor, do professor meramente técnico, para adentrar a concepção de um profissional que tem condições de confrontar-se com problemas complexos e variados, estando capacitado para construir soluções em sua ação, mobilizando seus recursos cognitivos e afetivos. (GATTI, 2010, p. 1360)
A afirmação de Gatti (2010) sobre a profissionalidade docente pode ser associada, por exemplo, à teorização proposta por Shulman (1986, 1987) ao discutir a composição do conhecimento do professor, a partir da integração do conhecimento do conteúdo, conhecimento pedagógico do conteúdo, conhecimento curricular e conhecimento pedagógico. Da mesma forma, é possível associarmos às discussões propostas por Day (1999), Tardif (2002), Perrenoud (2000) e Silva, Almeida e Gatti (2016).
Pesquisas recentes que investigam a composição do conhecimento do professor mostram que a integração entre a formação pedagógica e o domínio dos conteúdos - associados ao currículo a ser trabalhado - é fundamental para o desenvolvimento da educação de qualidade, tanto em relação à educação básica quanto em relação à educação profissional (CRUZ, 2017; GATTI, 2017; ROLDÃO, 2017), conforme destacam, por exemplo, Etkina (2010) ao estudar a formação do professor de física; Jüttner e Neuhaus (2013) ao discorrerem sobre o ensino de Biologia; Alvarado et al. (2015) e Aydin e Boz (2013) ao analisarem o ensino de Química; Ma (1999), Ball, Thames e Phelps (2008), Baumert et al. (2010) e Scheiner et al. (2017) ao discutirem a formação do professor que ensina Matemática; Verdugo-Perona, Solaz-Portolés e Sanjosé-López (2017) ao debaterem o ensino de Ciências; Viiri (2003), Fantz, Miranda e Siller (2011) e Yu et al. (2012) ao pesquisarem o ensino de conhecimentos de cunho profissionalizante associados às áreas de engenharias; e Backes et al. (2017) e Canever et al. (2018) ao discutirem o ensino de conhecimentos de cunho profissionalizante relacionados à área de saúde.
Ao se reportar novamente ao Parecer CNE/CP n. 04/97, constatamos que o Profop pode ser oferecido
[...] independentemente de autorização prévia, por universidades e por instituições de ensino superior que ministrem cursos reconhecidos de licenciatura nas disciplinas pretendidas, em articulação com estabelecimentos de ensino fundamental, médio e profissional onde terá lugar o desenvolvimento da parte prática do programa. (BRASIL, 1997b, p. 2)
Assim, de acordo com o supramencionado artigo, a IES deveria oferecer o programa nas áreas em que ela possui cursos de licenciatura reconhecidos pelo MEC, a saber: Ciências Biológicas, Ciências Naturais, Educação do Campo, Física, Informática, Letras Inglês, Letras Português, Matemática e Química.
Nesse bojo, o art. 7 do Parecer CNE/CP n. 04/97 está contemplado na íntegra pelas Resoluções n. 28/2011 e n. 72/2012, ambas do Cogep, em relação às disciplinas da educação básica, conforme o art. 46 evidencia. Contudo, essas prescrições não se corporificam no “processo de implementação” do Profop, uma vez que essa instituição concedeu habilitações em áreas nas quais não oferta cursos de licenciatura (nem bacharelado e tecnológico), como é o caso das habilitações nas áreas de arte, direito, enfermagem, espanhol, psicologia e sociologia (quarto ponto de análise).
O objetivo do art. 7 do Parecer CNE/CP n. 04/97 é garantir que o corpo docente que atuará nos “programas especiais de formação pedagógica” seja o mesmo que atua nos cursos de licenciatura, amenizando assim a provável diferença de qualidade dessa modalidade formativa em relação à formação fornecida pelas licenciaturas. Contudo, não é o que ocorre no processo de implementação do Profop e, a fim de exemplificar, doravante iremos discorrer sobre duas áreas em que foram concedidas habilitações.
A IES concedeu habilitações nas áreas de ciências agrárias (agricultura, agropecuária e pecuária) nos campi A, B e F. Contudo, esses campi não ofertam cursos de graduação nessas áreas (seja licenciatura, bacharelado ou tecnológico), uma vez que são os campi H e I da universidade que ofertam cursos nessas áreas. Da mesma forma como a IES concedeu habilitações na área de química nas 19 turmas analisadas, tendo somente nos campi B, D, E, F e J a oferta de cursos de licenciatura em química. A apresentação desses dois casos, somada aos casos das habilitações nas áreas de arte, direito, enfermagem, espanhol, psicologia, e sociologia, evidencia que o corpo docente que atuou nas 19 turmas em análise não era compatível (em termos de formação) com as áreas em que foram concedidas habilitações.
Retomando os dados apresentados no Quadro 2, podemos constatar que, no processo de verificação da convalidação entre a formação do candidato e a disciplina para a qual pretendia se habilitar por meio Profop, foram considerados convalidáveis os cursos de licenciatura em Ciências (com habilitação em Química), licenciatura em Ciências Biológicas e licenciatura em Física (nosso quinto ponto de análise). Assim, a partir desses cursos de graduação, os egressos do Profop obtiveram, respectivamente, habilitações equivalentes à de licenciados em Física, Química e Matemática, ou seja, ao cursarem o Profop, os alunos obtiveram uma segunda licenciatura. Nessa conjuntura, a seguinte explanação enquadra-se:
O texto legal [Resolução CNE/CP n. 02/97] é claro: volta-se para quem (portadores de diplomas de educação superior) quer dedicar-se à educação básica, mas não possui os requisitos próprios da formação pedagógica (queiram se dedicar à educação básica), sabendo-se que, pelo art. 62, a formação de docentes para a educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação... Logicamente, a Resolução CNE/CP 02/97 não objetiva oferecer para quem já é licenciado (supostamente detentor de formação pedagógica por definição). Seria uma redundância. O detentor de diploma de educação superior é, também logicamente, no caso, o graduado não licenciado. É para tais profissionais, sem licenciatura, que se abre o inciso II do art. 63 da LDB. (BRASIL, 2002, p. 3, grifos do autor)
Conforme já mencionado, tal parecer é fruto de uma consulta da SEED ao CNE, sendo que uma das matérias de tal consulta foi o fornecimento de habilitações para portadores de diploma de licenciado. Na ocasião, a IES estava plenificando licenciaturas curtas por meio do Profop, por isso o referido parecer do CNE discorre que no caso da universidade:
[...] o exemplo da estudante citada [da plenificação da licenciatura curta] carece de provisão legal face às finalidades e objetivos da formação pedagógica especial. O certificado emitido não preenche as condições formais e materiais da plenificação de curso. Dessa maneira, o ato jurídico que expediu o certificado de plenificação apresenta defeito de origem e torna o ato sem valor, pois quod nullum est, nullum producit et effectum. Quanto aos estudantes do mencionado Programa [...], as informações contidas no processo demonstram que a trajetória do curso está marcada por equívocos, omissões e até mesmo interpretações errôneas, seja por parte da Instituição, seja pela SEMTEC. A Instituição não poderia abrir o Programa Especial a fim de atender a uma finalidade que não se aplica aos objetivos do Parecer CNE/CP 04/97 e da Resolução CNE/CP 02/97. (BRASIL, 2002, p. 9)
Esse cenário evidencia novamente um distanciamento entre a implementação e a execução do Profop desenvolvida pela universidade e as prescrições apresentadas pelos dispositivos jurídicos que versam sobre essa política pública de formação de docentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista o objetivo que estabelecemos para este trabalho, é possível perceber que há um forte distanciamento entre a implementação da política pública de formação de professores Programas Especiais de Formação Pedagógica desenvolvida pela IES e as prescrições apresentadas pelos dispositivos jurídicos vigentes (Resolução CNE/CP n. 02/97 e Pareceres CNE/CP n. 04/97 e CNE/CP n. 25/2002). Esse distanciamento, em certas circunstâncias, pode ser caracterizado como não cumprimento das prescrições apresentadas por documentos jurídicos que balizam e regulamentam a formação de professores em âmbito nacional. Dessa forma, é possível afirmarmos que os objetivos e prescrições anunciados pelos dispositivos jurídicos não se materializam nos dados oriundos das 19 turmas do Programa Especial de Formação Pedagógica que foram implementadas pela universidade entre os anos de 2011 e 2017.
O parágrafo único do art. 1º da Resolução CNE/CB n. 02/97 e o Parecer CNE/CP n. 04/97 não se concretizam nas justificativas elencadas pelos diferentes campi da universidade para ofertar turmas do Profop. Da mesma forma que o art. 2 da Resolução CNE/CB n. 02/97 distancia-se do critério estabelecido pela IES para verificar a compatibilidade entre a formação do candidato e a disciplina para a qual pretende habilitar-se.
O terceiro distanciamento identificado diz respeito à lacuna apresentada pela grade curricular e ementários do Profop no que se refere aos conteúdos que deveriam desenvolver a formação do professor em relação à área em que se habilitou para atuar na educação básica. Lacuna esta que também é matéria da Resolução CNE/CP n. 02/97 e do Parecer CNE/CP n. 25/2002. O quarto distanciamento refere-se às áreas em que a IES, por meio do Profop, forneceu habilitações, uma vez que foram fornecidas habilitações em diversas áreas em que a universidade não oferta cursos de licenciatura (nem bacharelado e tecnológico), contrariando a regulamentação interna dessa universidade e a Resolução CNE/CP n. 02/97.
O quinto distanciamento diz respeito ao fato de a universidade ter fornecido habilitações por meio do Profop para candidatos já portadores de diploma de licenciado, contrariando o objetivo dos Programas Especiais de Formação Pedagógica de Docentes. Prática esta que também foi objeto de questionamento do CNE (Parecer n. 25/2002).
Partindo dessa análise conclui-se que a cristalização dos dispositivos jurídicos vigentes no período de 2011 a 2017 sobre os Programas de Formação Pedagógica para não licenciados se dá a partir de um forte distanciamento entre as prescrições e recomendações apresentadas pelo CNE. Não obstante, a implementação desenvolvida pela universidade também se distancia fortemente das evidências levantas pela literatura que estuda o conhecimento especializado do professor, de modo particular a integração entre a formação pedagógica e a formação relativa ao conteúdo (biologia, física, química, etc.).
Contudo, a problemática emergente da implementação do Profop não se associa unicamente à não materialização dos dispositivos jurídicos no processo desenvolvido pela IES, mas também à essência da modalidade formativa que, de acordo com Diniz-Pereira (1999, p. 114-115), “é uma infeliz legitimação do ‘bico’ na profissão docente, uma vez que profissionais egressos de outras áreas, que não optaram, de início, pela carreira de magistério, provavelmente, só estão na profissão enquanto não conseguem algo melhor para fazer”.
Concluindo, podemos afirmar, com base neste estudo, que o processo formativo privilegiado pelo Profop é, na verdade, um processo descontínuo de formação do professor, pois pressupõe que ele seja capaz de garantir a qualificação do professor, promovendo apenas uma formação didático-pedagógica técnica e formal desconectada da área de conhecimento que o professor egresso irá trabalhar na educação básica (e/ou profissional) e da atividade complexa de ensinar e aprender as distintas áreas do conhecimento (biologia, enfermagem, física, química, matemática, português, etc.). Essa formação é também descontínua e inócua no alcance de seus objetivos, porque ignora diversas das prescrições previstas nos dispositivos jurídicos em vigor, e que visavam a amenizar os impactos negativos que essa modalidade formativa causaria na educação básica brasileira.
Nesse contexto, o Profop parece reforçar o tradicional problema da tricotomia evidenciada por Gatti e Barretto (2009) e Gatti, Barretto e André (2011) nos cursos de formação inicial de professores no Brasil e que se expressa pela separação e desarticulação entre o que se estuda/aprende nas disciplinas de natureza pedagógica, o que se deveria estudar/aprender nas disciplinas de conteúdo e o que se deveria desenvolver na prática escolar.