Introdução
As arboviroses e seu principal vetor – o mosquito Aedes aegypti – ocorrem de forma endêmica, em proporção significativa no território nacional. Seu enfrentamento tem como principais recursos as campanhas públicas e as práticas de popularização da Ciência no ambiente escolar.
No que diz respeito à popularização da Ciência, os meios lúdicos alcançam papel de destaque como estratégia de aproximação entre a população e a problemática das arboviroses, do ciclo de vida do mosquito vetor e suas medidas preventivas. Nos meios lúdicos, encontram-se os jogos de tabuleiro como uma abordagem pouco frequente, mas de grande aprovação por pesquisadores e seu público-alvo. O que motiva a utilização deste recurso, de acordo com os trabalhos examinados? Qual seria o retorno esperado do jogo em relação a essas medidas? Que jogos são esses e com que métodos são dinamizados? Que conteúdos eles trabalham? Quais são suas premissas de construção? E, finalmente, que letramento lúdico se faz presente nos diferentes trabalhos?
Este artigo propõe uma reflexão sobre essas questões, através da análise comparada de cinco trabalhos de titulação (dissertações) que utilizam jogos de tabuleiro como abordagem para a conscientização acerca das arboviroses. Os trabalhos, publicados ao longo de 2015 a 2019, levaram o tema para alunos de diferentes segmentos educacionais, utilizando diferentes jogos e metodologias.
Para contextualizar a pesquisa, é necessária uma breve revisão das doenças associadas ao Aedes aegypti no Brasil e seus dados epidemiológicos, as informações científicas consideradas essenciais para a compreensão pela população e as medidas que o país procurou tomar envolvendo saúde e educação.
Arboviroses e o Contexto Brasileiro Atual
O ciclo de vida do vetor Aedes aegypti
Arbovírus são agentes etiológicos de doenças como a dengue, chikungunya, Zika e febre amarela, transmitidos por artrópodes e que realizam parte de seu ciclo replicativo em insetos (Lopes; Nozawa; Linhares, 2014). Além disso, são importantes causas de doenças em animais e no homem, acarretando impacto social e econômico (Marchi; Trombetta; Montomoli, 2018).
Esses vírus têm demonstrado capacidade de serem transmitidos por artrópodos urbanos, como o mosquito Aedes aegypti, por exemplo (Donalísio; Freitas; Von Zuben, 2017), e grande número de arbovírus circulam nas zonas tropicais e subtropicais, onde esses insetos são abundantes (Marchi; Trombetta; Montomoli, 2018).
O mosquito Aedes (Stegomya) aegypti (Linnaeus, 1762) é originário da África e foi descrito inicialmente no Egito, dando origem ao seu nome científico. Pertence à família Culicidae e ao gênero Aedes (Consoli; Lourenço-de-Oliveira, 1994). Mede menos de 1 cm e é caracterizado pela cor preta com listras brancas no corpo e nas pernas. Costuma picar nas primeiras horas da manhã e no final da tarde, mas pode ser oportunista à noite, picando o hospedeiro quando se aproxima dos locais de abrigo. Vive em média 45 dias e a fêmea pode voar até mil metros de distância dos seus ovos (Silva; Mariano; Scope, 2008).
O Ae. aegypti apresenta características antropofílicas e a sua alimentação é a seiva das plantas, porém a fêmea precisa realizar repasto sanguíneo para a maturação dos seus ovos. Durante a hematofagia, pode ingerir sangue de organismos infectados com os vírus causadores da dengue, Zika, chikungunya e outras arboviroses. A fêmea pode depositar cerca de 100 a 120 ovos a cada ciclo gonotrófico (período que compreende a alimentação sanguínea, maturação dos ovos e postura), podendo desencadear uma rápida expansão populacional (Silva; Mariano; Scopel, 2008).
O ciclo de vida desse vetor apresenta quatro fases: ovo, larva, pupa e adulto. Os ovos apresentam aspecto alongado e fusiforme e medem cerca de 0,4 mm de comprimento (Christophers, 1960). A fêmea não deposita os seus ovos na água, mas sim próximo à linha d’água, na parede dos recipientes, em criadouros abandonados pelo homem, que acabam acumulando água das chuvas, como pneus, latas, vidros, cascos de garrafas, pratos de plantas, vasos de cemitério etc. Também servem como criadouros aqueles utilizados para armazenar água para uso doméstico, como caixas d’água, tonéis e latões destampados ou mal tampados, assim como piscinas e aquários sem o devido tratamento (Consoli; Lourenço-de-Oliveira, 1994).
Os ovos são resistentes à dessecação e podem sobreviver por muito tempo, representando um grande obstáculo para a eliminação do mosquito (Christophers, 1960; Silva; Mariano; Scopel, 2008). De acordo com Farnesi et al. (2009), após a postura, os ovos adquirem impermeabilidade e podem ser viáveis por mais de um ano. No momento da postura, os ovos são brancos, mas rapidamente adquirem a cor negra brilhante. Essa cor dificulta a identificação dos ovos nos recipientes, geralmente escuros e sombreados, onde as fêmeas os colocam (Honorio; Lourenço-de-Oliveira, 2001).
Com cerca de 2 a 3 dias com alta umidade, os ovos eclodem. As larvas passam por quatro instares evolutivos e a duração de cada fase depende da temperatura, disponibilidade de alimentos e densidade das larvas no criadouro. Em condições ótimas, com no máximo cinco dias, ocorre a pupação, porém, se a temperatura não estiver adequada e houver escassez de alimento, o quarto estágio larvário pode se prolongar por várias semanas (Farnesi et al., 2009).
As pupas não se alimentam e nessa fase ocorre a metamorfose para a fase adulta. O estágio pupal dura cerca de dois a três dias e mantém-se na superfície da água, facilitando a emergência do inseto adulto (Lourenço-de-Oliveira, 2015).
O adulto, alado, corresponde à fase reprodutiva do inseto, de importante dispersão. Dentro de 24 a 48 horas após emergirem, podem acasalar, e o acasalamento pode se dar durante o voo. Lourenço-de-Oliveira (2015) afirmou que uma única inseminação é suficiente para fecundar todos os ovos que a fêmea venha a produzir durante a sua vida.
Lourenço-de-Oliveira et al. (2004) relatam que o Ae. aegypti já foi erradicado no Brasil, mas a partir da década de 1970 ele foi reintroduzido. Desde então as campanhas de controle têm sido revistas, mas infelizmente não têm sido bem-sucedidas, em função do aumento da resistência das populações de mosquitos aos inseticidas adotados; pela pouca sensibilização da comunidade ante o problema; e pela falta de políticas públicas com investimentos em infraestrutura, como fornecimento regular de água e coleta do lixo.
Existem três estratégias principais de controle de mosquitos. O controle biológico acontece por meio da utilização de predadores, competidores e patógenos de mosquitos, para a redução da densidade populacional. O controle químico se baseia na aplicação de inseticidas e/ou larvicidas e deve ser a última alternativa a ser considerada para o controle de vetores. A aplicação desses compostos deve ser restrita a situações de emergência ou quando não se dispõe de outras estratégias de controle (Brasil, 2011). Hoje, no Brasil, é o controle mecânico (que consiste na eliminação de criadouros do inseto) a estratégia mais utilizada e defendida para a redução do número de insetos. Nessa estratégia, são usados métodos que eliminam ou reduzem as áreas onde os vetores se desenvolvem, como a remoção da água parada, e a eliminação de quaisquer locais que possam servir como criadouros de mosquito. Podem ainda ser utilizados métodos que limitam o contato homem-vetor como mosquiteiros, telas nas janelas das casas ou roupas de proteção (Brasil, 2014). Para que o controle mecânico aconteça de forma mais eficiente, é necessário que as pessoas conheçam as formas de vida do mosquito, uma vez que é mais fácil eliminar 200 ovos do que 200 mosquitos alados.
Fatores de susceptibilidade a endemias de arboviroses no território brasileiro
O Brasil apresenta clima quente e úmido com chuvas constantes, criando condições favoráveis para a proliferação dos diversos vetores associados à transmissão desses arbovírus (Lopes, Nozawa; Linhares, 2014). No entanto, alterações climáticas que vêm acontecendo ao longo dos anos afetam a biologia dos vetores e, consequentemente, facilitam a disseminação de infecções transmitidas por esses insetos. Urbanização descontrolada, baixas coberturas na coleta de lixo, saneamento e limpeza urbana insuficientes, desmatamentos, migrações, condições sanitárias desfavoráveis associadas às questões socioeconômicas, têm tornado os insetos vetores sinantrópicos, favorecendo a infecção do homem (Lima-Câmara, 2016; Zucchi, 2016; Cunha; Trinta, 2017). Tem sido visto, por exemplo, aumento do número de casos de dengue em regiões mais frias (como o norte da Argentina) com o passar dos anos, justamente pelo aumento gradual da temperatura global, com participação do mosquito Aedes albopictus como vetor secundário (Ballarino, 2019).
Ae. aegypti e Ae. albopictus são de grande interesse devido à associação com doenças infecciosas emergentes e reemergentes, com sérias consequências para a saúde pública (Weaver; Reisen, 2010). Apesar de Ae. albopictus ser considerado um vetor secundário destes arbovírus no Brasil, sua expansão e densidade crescentes vêm preocupando as autoridades de saúde (Kraemer et al., 2015).
No país, no período entre dezembro de 2019 a abril de 2020, foram notificados 603.951 casos prováveis de dengue, 443 casos de dengue grave (DG) confirmados, 5.325 casos de dengue com sinais de alarme (DSA) e 221 óbitos confirmados. Para esse mesmo período foram registrados 17.636 casos prováveis de chikungunya no país, sendo que a região sudeste apresentou a segunda maior taxa de incidência (9,3 casos/100.000 habitantes) e o Rio de Janeiro concentra 16,6% dos casos. Com relação à Zika, o país registrou 2.058 casos prováveis, com taxa de incidência de 0,7 casos/100.000 habitantes na região sudeste (SVS, 2020).
Diante da possibilidade de novos surtos e da entrada de novos arbovírus no país e co-infecções, as estratégias de informação, prevenção e controle, além de políticas públicas em saúde, fazem-se ainda mais emergenciais. É importante ressaltar que essas metodologias não devem ser aplicadas somente nos momentos de epidemias, mas como estratégias preventivas e com o objetivo final de auxiliar na redução do número de casos.
De acordo com Zucchi (2016), o controle da dengue e outras arboviroses demonstra um componente de participação coletiva, e é necessária a adoção de abordagens educacionais que conduzam a mudanças comportamentais impulsionadas pelo conhecimento transmitido à população sobre as medidas de controle do vetor e características da doença. É muito importante, neste contexto, a construção de parcerias políticas e comerciais, bem como a educação e o planejamento urbano. Assim, a necessidade de intervenções educativas através das metodologias que abordem a promoção da saúde e a relevância do contexto ambiental visando à sensibilização da comunidade escolar sobre as medidas de prevenção e controle ao mosquito Ae. aegypti se faz urgente.
Mafra e Antunes (2015) afirmam que há investimento pelas diferentes esferas governamentais (federal, estadual e municipal) em campanhas publicitárias para estimular os cidadãos a realizarem ações voltadas para o controle do vetor. Como exemplo, a campanha de combate ao Aedes aegypti “E você? Já combateu o mosquito hoje? Proteja sua família” recebeu investimento total de R$ 12 milhões, e o governo federal previu o orçamento de R$ 1,8 bilhão em 2019 para mobilizar os governos estaduais e municipais, que receberam repasses no âmbito do Programa de Vigilância em Saúde (Tokarnia, 2019).
Estratégias de Promoção da Saúde em Nível Escolar e a Relevância das Iniciativas Lúdicas
A escola tem sido apresentada como local favorável à sensibilização de uma parcela da população sobre decisões que impactam na saúde pública (Gouw; Bizzo, 2015). Assim, ela se constitui como local estratégico para a sensibilização da população, a partir das crianças e adolescentes, em relação à questão dos criadouros dos mosquitos (Brasil, 1997): catalisando as intervenções educativas, a comunidade escolar permite a construção e compartilhamento de saberes/informações quanto à importância e as formas de controle do mosquito Ae. aegypti, com o objetivo de reduzir o número de seus criadouros.
Intervenções de sucesso devem refletir-se na diminuição do número de casos de infectados por arbovírus e podem incluir uma série de recursos, atuando de forma integrada: aulas, palestras, rodas de conversa, cartazes, experiências e atividades. Os diferentes caminhos de divulgação científica envolvendo ludicidade – importante recurso de aprendizagem – mostram-se viáveis como medida de conscientização e prevenção das arboviroses.
Divulgações lúdicas ampliam o interesse sobre qualquer assunto, e, por isso, as práticas de marketing comercial buscam frequentemente comunicar produtos e serviços ao público através de propagandas bem-humoradas e promoções que instiguem os consumidores. Quando se trata de levar informação de saúde à escola, essa mesma ludicidade é comumente evocada, como se observa na identidade visual das campanhas sobre a dengue e demais arboviroses (Figura 1), bem como na oferta de jogos e atividades lúdicas relacionadas à questão.
Basicamente, tais atividades podem ser divididas entre as que utilizam meios eletrônicos para a divulgação, utilizando vídeos e principalmente games para tanto, e os que atuam diretamente com os alunos por meio de mídias físicas, incluindo utilização de literatura, cartazes, jogos de tabuleiro e outros.
No campo das mídias não-eletrônicas, um exemplo claro dessa variedade estratégica foi proposto por Silva (2019), cuja dissertação colocou em pauta diversas dessas práticas lúdicas de forma integrada: a produção de histórias em quadrinhos, folders explicativos, paródias, memes, quizzes, e, finalmente, os jogos de tabuleiros. Segundo a autora, o jogo foi a atividade que promoveu maior integração entre os alunos e a comunidade escolar, desde a proposição da ideia até sua execução, na culminância do projeto. Este e outros trabalhos farão parte de nossa análise a seguir.
Análise dos trabalhos publicados entre 2015 e 2019 acerca de jogos de tabuleiro como prática de divulgação e educação sobre arboviroses
A abordagem do tema das arboviroses por meio de jogos de tabuleiro é citada de forma discreta, porém regular, em trabalhos acadêmicos brasileiros. Em uma busca simples por chaves como “arboviroses” + “jogo de tabuleiro” ou “dengue” + “jogo de tabuleiro” em grandes ferramentas indexadoras como Google Acadêmico, há o retorno de dezenas de resultados1. No entanto, não foi possível localizar nenhum estudo anterior que tenha identificado a ocorrência histórica desta abordagem metodológica2 e, além disso, a abrangência de tais resultados nos mostrou vaguidão em relação ao uso efetivo de jogos na divulgação científica acerca de arboviroses.
Optou-se por um recorte temporal breve, que nos aproxima do panorama mais atual possível de trabalhos científicos sobre prevenção de arboviroses utilizando jogos de tabuleiro. Para tanto, foram feitas buscas em grandes bancos de dados acadêmicos do país, na investigação de trabalhos publicados apenas nos últimos cinco anos anteriores ao presente (2015-2019). Excluímos os anos de 2020 e 2021, por acreditarmos que o perfil de trabalhos na área pode ter sofrido impactos em função das transformações ocorridas durante a pandemia do Coronavírus, período em que se realizou o levantamento dos dados e a escrita deste trabalho.
As publicações foram selecionadas a partir de bases de dados com reconhecida relevância acadêmica. São elas:
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (Ibict) (BDTD, 2021)
Catálogo de Teses & Dissertações – CAPES (2021)
Arca / Fiocruz (ARCA, 2021)
Em todos os bancos, a busca se deu pela utilização de palavras-chave associadas, às arboviroses, os jogos de tabuleiro, empregando diferentes palavras-chave e suas combinações: “jogo de tabuleiro”; “jogo educativo”, “jogo”, “arbovírus”, “arboviroses”, “dengue”, “Aedes”. Como resultado final, chegamos a cinco trabalhos de dissertação de mestrado sobre o uso de jogos de tabuleiro como abordagem de divulgação científica sobre arboviroses. São eles:
Comportamento de prevenção da dengue: efeitos de propagandas e de um jogo tabuleiro (Carneiro, 2015).
Desenvolvimento e avaliação de estratégias educativas para combater a Dengue, Zika e Chikungunya no ensino fundamental II (Ferreira, 2017).
Efeitos da participação em um campeonato com um jogo educativo (Nascimento, 2017).
Construção de um jogo educativo para adolescentes com ênfase no enfrentamento das arboviroses (Nóbrega, 2019).
Produção de materiais educativos como instrumento para o controle do Aedes aegypti: experiência de metodologia ativa de ensino em uma escola de nível fundamental no município do Rio de Janeiro (Silva, 2019).
A divulgação científica é uma abordagem ainda pouco disseminada entre os pesquisadores, cuja razão pode ser pela baixa ocorrência de trabalhos. Outra hipótese é relacionada ao baixo letramento lúdico que caracteriza a população brasileira e que também se observa entre os pesquisadores. Essa possibilidade será discutida adiante.
Dentre os trabalhos de titulação, foram localizadas poucas dissertações nas quais os jogos de tabuleiro compõem a pesquisa. Isso demonstra que esta abordagem na divulgação científica sobre arboviroses é observada como de interesse acadêmico, mas precisa de maior incentivo a reflexões que fomentem esse campo do saber.
De acordo com os trabalhos analisados, as motivações pelas quais os pesquisadores utilizaram jogos incluem: a) Avaliar o comportamento (verbal e não-verbal) de crianças entre 8 e 9 anos, quando expostas a jogo de tabuleiro do tipo “trilha” sobre a proliferação da dengue, em comparação com exposição à propaganda sobre o assunto e a um grupo de controle (Carneiro, 2015); b) Desenvolver uma estratégia educativa para o Ensino Fundamental II que envolva jogo de trilha com movimentação por perguntas para a aprendizagem sobre arboviroses e verificar a assimilação de informações acerca do tema após um intervalo de 30 dias (Ferreira, 2017); c) Verificar junto aos pais de crianças entre 8 e 9 anos os efeitos comportamentais de um “campeonato” realizado na escola utilizando dois jogos distintos, um de “trilha” e outro viso-reflexivo (Nascimento, 2017); d) Construir, com a escuta de alunos entre 13 e 15 anos, um jogo de tabuleiro do tipo “trilha com perguntas” (Nóbrega, 2019); e e) Realizar um projeto de estratégias lúdicas integradas, junto aos alunos, produzindo uma série de materiais relacionados às arboviroses e sua prevenção, incluindo um jogo de tabuleiro do tipo “trilha com perguntas” (Silva, 2019).
Em todos os casos, os autores enfatizaram a importância de sensibilizar, informar e produzir reações positivas nos participantes do estudo em relação à prevenção das arboviroses, através do uso pedagógico de jogos de tabuleiro. Quatro dos cinco trabalhos pesquisados também indicaram que os jogos performaram experiências motivadoras, com aumento de desempenho escolar no que diz respeito ao acúmulo de conhecimentos dos alunos acerca das arboviroses. Apesar disso, embora dois trabalhos procurem apontar para o aumento de comportamentos relacionados à prevenção da proliferação de mosquitos, nenhum deles foi capaz de verificar taxas de sucesso real na redução de casos de arboviroses nas comunidades contempladas pelas escolas onde ocorreram as atividades. Tal ausência demonstra, de um lado, a falta de integração entre educadores (em geral os proponentes das atividades) e a Secretaria Municipal de Saúde, através do setor de Vigilância em Saúde (responsáveis pelo monitoramento das ocorrências); de outro lado, as dificuldades conceituais dos pesquisadores em relação ao potencial pedagógico de jogos de tabuleiro restringem a profundidade de propostas e análises.
Análises Específicas dos Jogos Utilizados nos Trabalhos quanto a Abordagens, Parâmetros Metodológicos e Referenciais
O conceito de letramento lúdico-pedagógico norteia as análises dos trabalhos, aliado ao ponto de vista sociopedagógico e didático (Zabala, 2010) e as teorias de design de jogos (Zimmerman; Salen, 2003; Engelstein, 2019). O objetivo é que essa fundamentação permita: a) uma exploração qualitativa acerca dos dados encontrados, suas convergências e singularidades ao longo dos trabalhos desta análise; e b) observar diferentes facetas lúdico-pedagógicas, incluindo como os distintos trabalhos exploram os jogos, em suas características mecânicas, temáticas e artísticas, dentre outras.
Essa classificação procedeu com a leitura das dissertações, o que permitiu a organização de dados como: tipos de jogos, abordagens didáticas utilizadas, locais onde se realizaram as pesquisas, autoria dos jogos, dinâmica social do jogo e segmento educacional onde foram experienciados. Observamos que 60% dos trabalhos utilizaram somente um jogo em suas propostas, enquanto que 40% combinaram um jogo principal e outros como complementares.
Análise autoral
A autoria do jogo demonstra escolhas pedagógicas que geram diferentes sentidos à prática educacional com jogos e apresentam dinâmicas próprias. Jogos criados por alunos com diferentes graus de mediação pelo professor revelam o protagonismo do aluno em relação a seu processo de aprendizagem. Cada vez mais, a educação brasileira se inclina para esse tipo de abordagem, considerada um importante meio à aprendizagem significativa (Pelizzari et al., 2002). Por outro lado, essa prática requer um tempo normalmente maior do que a simples apresentação do conteúdo (o jogo) e, dependendo das demandas escolares, a opção por se apresentar um jogo já pronto pode garantir sua viabilidade. Pesa-se sempre, pedagogicamente, um dialogismo cuidadoso, no qual é importante haver escuta, mas onde as proposições por professores também não sejam inibidas.
Dos trabalhos analisados, um utiliza jogos criados pelos alunos, com distintos graus de mediação da parte da professora3. Outros dois trabalhos aproveitaram um mesmo jogo educativo comercial (Valentim, 2009). Houve um jogo, criado por Nóbrega, que contou com a escuta dos alunos (Nóbrega, 2019). Um dos trabalhos recorreu ainda a uma adaptação de um jogo comercial4 proposto pela pesquisadora (Nascimento, 2017). Estes dados estão compilados no Gráfico 1.
Classificação da dinâmica de interação
A maior parte dos jogos de tabuleiro é de natureza competitiva, isto é, os jogadores concorrem uns com os outros. Mas há outras apresentações dos jogos, desde a competição por equipes, até os jogos de natureza cooperativa, onde todos os participantes atuam juntos para superarem os desafios que os jogos propõem. A dinâmica social de um jogo interfere na experiência do jogar e, por consequência, no envolvimento dos aprendentes. A resistência de alguns alunos em relação aos jogos competitivos, por exemplo, não ocorre da mesma maneira no caso dos cooperativos. Dentre os trabalhos apresentados, temos apenas exemplos de jogos competitivos, sendo 60% de jogos competitivos, com cada aluno jogando individualmente, e 40% nos quais os alunos atuam por equipe.
A popularização de jogos de tabuleiro cooperativos ainda é incipiente (Munhoz, 2018), pouco incorporada ao cotidiano lúdico nacional. Assim, é mais uma vez notório que professores (proponentes dos estudos analisados) e estudantes encontram-se afastados de um campo de produção, saber e utilização de jogos concebidos com bases contemporâneas de design. Ainda que nos últimos anos tenha havido um verdadeiro boom na área (Carvalho, 2019), aparentemente o campo de divulgação científica ainda não se mostrou capaz de absorver os aspectos de inovação por trás do fenômeno. Esse aspecto denuncia a necessidade de mais acesso ao letramento lúdico-pedagógico por educadores, a fim de que suas abordagens com jogos ampliem possibilidades formativas e elevem seu potencial educacional.
Tipo de jogo (categorização e mecânica)
No campo de estudo dos jogos de tabuleiro, utiliza-se uma série de classificações em torno dos mecanismos que definem a dinâmica do jogo, incluindo a presença de elementos como: sorte, estratégia, tática e habilidades cognitivas e/ou motoras diversas. O conhecimento e a compreensão dos mecanismos de um jogo de tabuleiro, tais como são apontadas no estudo de Engelstein e Shalev (2019), têm sido cada vez mais utilizados entre os estudiosos, pela percepção de que cada mecanismo ou grupo de mecanismos produz determinados efeitos cognitivos, imersivos, sociais, avaliativos e reflexivos nos jogadores. Esse critério nos ajuda a compreender a base formativa lúdica dos atores sociais envolvidos com o jogo de tabuleiro nas situações educacionais sobre arboviroses – especialmente a do professor.
Mecânicas dos jogos
Na amostra analisada, verificamos que a maioria dos jogos (quatro de cinco) são variações dos “jogos de trilha” (corrida), onde a mecânica principal é a de “rolar e mover” ou “responder e mover”5. Os dados aparecem no Gráfico 2. A combinação das mecânicas de trilha e perguntas dominou essas criações. A única exceção a este padrão (trilha) foi uma adaptação do jogo comercial “Tapa-Certo”, que utiliza mecanismos de ação simultânea e reconhecimento de padrões.
A baixa diversidade mecânica, quando se compara com a gama de possibilidades de muitas combinações presente em outros jogos6, demonstra que os proponentes dos jogos não são sujeitos dotados do chamado letramento lúdico (Zagal, 2010), embora isso não pareça ser um problema percebido nem pelos alunos, nem pelos professores. Sabe-se, no entanto, que a diversidade mecânica pode aumentar o interesse no jogo, o que é fundamental em propostas educativas (Costa, 2010), permitindo que sejam explorados mais aspectos cognitivos, sociais e reflexivos associáveis ao âmbito da consciência quanto ao papel de cada um na prevenção das arboviroses. Que jogos poderiam surgir de uma turma de alunos e professores providos deste tipo de conhecimento/linguagem?
Segmento educacional
É importante situar as pesquisas estudadas de acordo com os segmentos educacionais que elas procuram atender, visto que cada um deles contém demandas próprias e abrem para diferentes possibilidades. Identificar quais propostas estão sendo lançadas em cada segmento permite a compreensão, mais uma vez, da percepção de professores e alunos acerca de jogos de tabuleiro e suas capacidades. Os trabalhos realizados encontram-se todos concentrados no Ensino Fundamental, sendo o primeiro segmento com 2 e o segundo segmento com 3 trabalhos.
A Tabela 1 sumariza as informações dos trabalhos analisados neste estudo.
Autor/critério | Segmento | Jogo (tipo) | Interação | Autoria |
---|---|---|---|---|
Carneiro (2015) | F I | Trilha com perguntas | Competição individual | Jogo de terceiros |
Ferreira (2017) | F II | Trilha com perguntas | Competição por equipes | Parceria professor/aluno |
Nascimento (2017) | F I | Trilha com perguntas + “Tapa Certo” | Competição individual | Jogo de terceiros + jogo adaptado |
Nóbrega (2019) | F II | Trilha com perguntas | Competição por equipes | Professor com escuta do aluno |
Silva (2019) | F II | Trilha com perguntas, apenas perguntas, “verdade ou mito”. | Competição individual | Alunos com mediação da professora. |
Fonte: Elaboração dos próprios autores.
Letramento lúdico-pedagógico
A facilidade de produção e disseminação de informação pela Internet chamou a atenção de pesquisadores em todo o mundo a respeito da necessidade de novas literacias para além da alfabetização convencional, já que não basta a disponibilização de um conteúdo/informação: é preciso uma série de habilidades e competências envolvidas na interpretação, tratamento e propagação de informações pelos meios por onde se transita. O letramento digital é apontado, inclusive, como resposta profilática à exposição da população a fake news, o que tem trazido inúmeros impactos às decisões sociais e políticas por cidadãos em todo o mundo.
A linguagem digital não é a única de qualidade multimodal e que requer habilidades inerentes a uma literacia própria. Há uma tendência multimodal na forma com que se aprende (Dias; Farbiarz, 2019), e assim como o mundo digital, os jogos de tabuleiro formulam mais uma estrutura linguística que requer construções e abstrações de signos próprios. Trata-se de uma estrutura altamente polifônica e cujos dialogismos dependem das formações e experiências de quem joga e quem propõe os jogos. É esse letramento lúdico que torna os indivíduos e suas coletividades aptos não apenas a adquirirem informação padronizada, mas a refletirem em profundidade a partir da experiência que o jogo proporciona, incluindo seus temas e dinâmicas.
Tal como ocorre na leitura de livros ou do domínio da literacia digital, as habilidades requeridas para uma literacia lúdica dos jogos de tabuleiro passa por sua leitura lenta (Ginzburg, 2010) e mesmo pela universalização à oferta de um cabedal cultural capaz de romper com as estratificações sociais presentes na cultura do jogar. A história social dos jogos demonstra ter havido e ainda haver distinções sociais de acordo com as classes dos jogadores. Muitos jogos de tabuleiro, ao longo do tempo, foram desenvolvidos para um público específico, letrado, pertencente a diferentes elites, enquanto outros se espalharam pela cultura de um público com menor poder aquisitivo, muitas vezes combatida. Na cultura estratificada do jogar, jogos de maior complexidade (como o xadrez ou os eurogames) têm suas práticas mais difundidas e incentivadas entre sujeitos oriundos de classes privilegiadas, sendo parte do capital cultural, na concepção de Pierre Bordieu (1997, p. 86):
A acumulação de capital cultural desde a mais tenra infância – pressuposto de uma apropriação rápida e sem esforço de todo tipo de capacidades úteis – só ocorre sem demora ou perda de tempo, naquelas famílias possuidoras de um capital cultural tão sólido que fazem com que todo o período de socialização seja, ao mesmo tempo, acumulação. Por consequência, a transmissão do capital cultural é, sem dúvida, a mais dissimulada forma de transmissão hereditária de capital.
Em sua teoria, Bordieu (1997) diz que o capital cultural é um capital utilizado no princípio de diferenciação quase tão poderoso como o econômico, alcançado por meio da educação, na qual o sistema escolar separa alunos com quantidades e qualidades diferentes de cultura. Assim, de um lado vão os detentores do “capital cultural”, que é herdado e considerado de alto valor, e do outro, aqueles que dele são desprovidos.
No que tange os jogos de tabuleiro, a ruptura desse processo, importante demanda frente à desigualdade, ocorre pelo fornecimento de dois tipos de acesso, ambos dependentes do letramento lúdico: o acesso físico e cultural aos jogos em si, e o acesso a uma dimensão crítica, capaz de identificar as representações culturais e sociais presentes na arte, assim como mecanismos e demais elementos que constituem os jogos. Ambos os acessos andam lado a lado e foram sintetizados em nosso texto na noção de cabedal cultural.
Além disso, o letramento lúdico abre um leque de possibilidades experienciais para além do que o cotidiano educacional brasileiro tem convencionado como “o que é um jogo”. Jogos construídos no século XXI deveriam ser pensados com base nos jogadores do mundo atual, já que, hoje, tais jogadores convivem com novas demandas culturais que não correspondem completamente aos modelos de jogos concebidos séculos atrás (Parlett, 2018) – o que é o caso do “jogo de trilha”.
Se o letramento lúdico deve ser um critério a ser pensado por educadores ao proporem atividades com jogos para a prevenção das arboviroses, ele não se firma quando descolado de propostas pedagógicas afinadas com essa base. Este descolamento pode ser percebido em diversos pontos dos trabalhos aqui analisados, mesmo que se releve os sinais de baixo letramento lúdico anteriormente apontados. Por exemplo, os trabalhos que promovem os jogos na forma de “campeonatos” não deixam claro quantas cópias do jogo há, e o que se passa com os alunos quando não estão inseridos na atividade do jogo. O que fazem? Onde estará sua atenção? É o letramento lúdico pedagógico, aqui, que evita esse tipo de situação.
Nesse sentido, as práticas de divulgação científica das arboviroses demonstram, além da carência de letramento lúdico, também o letramento lúdico-pedagógico, que somente pode ser desenvolvido na relação com as bases do jogo e do jogar.
Os trabalhos sob a ótica da tipologia de conteúdos
O principal referencial teórico, nesse caso, é o educador espanhol Antoni Zabala (2010) e sua tipologia de conteúdos. Segundo Zabala, os conteúdos explorados em uma aula podem ser classificados como factuais, conceituais, procedimentais e atitudinais. Através desta classificação teórica, verificou-se se e como os trabalhos operam nesses quatro aspectos, o que revela o quão rica pode ser a atividade proposta com jogos de tabuleiro.
Por conteúdos factuais, o autor se refere aos objetos de conhecimento e seus significados mais diretos. A aparência de um mosquito é um conteúdo factual. Ao permitir a fixação visual acerca de formas e aparências, e sua consequente nominação, o jogo da memória, por exemplo, contribui de forma lúdica à fixação deste tipo de conteúdo. Dentre os trabalhos observados, verificou-se que o jogo “Tapa-Certo” adaptado para o cenário do controle do Aedes aegypti (Nascimento, 2017) favorece, por meio do mecanismo de reconhecimento de padrões, a aprendizagem dos conteúdos factuais. Igualmente, o mecanismo de “perguntas e respostas”, proposto pelos jogos de trilha abordados nos demais trabalhos, pode funcionar para a aprendizagem factual e como ponto de partida para discussões mais conceituais.
Uma vez que se desenvolve o olhar sobre o reconhecimento e nominação do mosquito; começa-se a elaborar acerca de sua natureza, a criar classificações e comparações; explora-se limites do que é ou não um mosquito enquanto espécime, sua atuação individual e coletiva, etc.; então, entra-se no conteúdo conceitual. Assim, jogos que requerem um misto entre análise abstrata e criatividade podem ser exemplos de como se trabalhar conceitualmente.
No geral de nossas análises, percebemos o potencial das perguntas e respostas para dar início a um processo conceitual. No entanto, a forma como foram utilizadas nos jogos, remetiam a memorizações estanques, sem necessárias associações entre as diferentes informações, quanto mais suas abstrações. Os educadores que buscaram gerar reflexões para além de memorizações e condicionamentos comportamentais não recorreram aos jogos para isso, mas a outras atividades integradas, que incluíram palestras e conversas. Não houve questionamentos ou propositivas em relação à possibilidade de os jogos ocorrerem por estratégias de letramento lúdico-pedagógicas capazes de estimular os alunos a tais reflexões em torno da própria prática de jogo.
Já os conteúdos procedimentais envolvem o domínio de ações práticas – os modos de fazê-las, a programação delas, etc. Nesse caso, e mantendo o exemplo anterior, aprender sobre como eliminar os criadouros de mosquito seria um conteúdo procedimental. Jogos em que “ganha quem primeiro tirar toda a água contida nesses vasos” é eminentemente um treinamento procedimental. O jogo comercial “Nossa Turma contra a Dengue”, anteriormente citado e utilizado nos dois trabalhos de mestrado relacionados à ciência do comportamento, busca incitar comportamentos e procedimentos que, segundo as avaliações das dissertações, teriam produzido alterações comportamentais relacionadas aos procedimentos preventivos à proliferação do mosquito (Carneiro, 2015; Nascimento, 2017).
Finalmente há, na proposta teórica de Zabala (2010), o conteúdo atitudinal, que é todo aquele que promove a construção de valores e, por consequência, a tomada de decisões, mudanças ou expansões de percepção em relação a um assunto. Quando o aprendente desenvolve dentro de si um significado mais profundo sobre a importância da prevenção das arboviroses, para além de apenas mecanizar um comportamento, ele conquista o conteúdo atitudinal necessário para que a aprendizagem se torne efetiva e, inclusive, possa ser passada adiante como parte do sistema de valores do proponente. Jogos que envolvem discussões e defesa de posições proporcionam um grande exercício atitudinal. Um exemplo de metodologia pedagógica que visa à aquisição de conteúdo atitudinal é a do debate. Nos jogos de tabuleiro, tais conteúdos normalmente são trabalhados implicitamente, através das subjetividades contidas em sua autoria, sua arte, suas regras e consequentes aspectos culturais, sociais e emocionais a que evocam.
Segundo Zabala (2010), os diferentes tipos de conteúdo não são apenas igualmente importantes, mas complementares entre si. Em relação a certos temas, são facetas de um mesmo conteúdo. Seu conjunto permite que o aprendente abstraia com profundidade acerca do que estuda. Naturalmente, as diferentes pedagogias, com suas estratégias formativas, seus objetivos, e mesmo a ideologia envolvida, irão reforçar mais a importância de alguns tipos de conteúdo em detrimento de outros. Nesse sentido, as dissertações analisadas parecem mais alinhadas a uma diretiva muito presente na educação brasileira, que incentiva o ensino de conteúdos factuais e procedimentais, sem dar a necessária atenção à aprendizagem dos conteúdos conceituais e atitudinais.
Sob a premissa de uma educação de melhor qualidade, a divulgação científica com jogos deve empenhar esforços em relação à aquisição equilibrada dos diversos tipos de conteúdo, gerando associação positiva entre a atividade ofertada e o aprendizado (Young Digital Planet, 2016).
Considerações Finais
O baixo número de ocorrências de trabalhos no campo da divulgação científica para arboviroses demonstra que o interesse científico pela abordagem dos jogos de tabuleiro para essa finalidade ainda é tímido.
No campo das possíveis razões para tanto, a leitura dos trabalhos e sua análise apontam para um possível baixo letramento lúdico-pedagógico por parte dos educadores. Sem esse corpo instrumental, torna-se mais difícil a formulação deste tipo de proposta aos educandos. Ainda assim, a natural ludicidade ocorrida no ambiente escolar torna a estratégia de divulgação por meio de jogos de tabuleiro interessante aos alunos, como demonstram os trabalhos analisados.
Contudo, as propostas ocorridas no período atuaram sob uma concepção estreita e limitada do ponto de vista da pedagogia associada ao design de jogos. Foi possível observar uma série de lacunas metodológicas, quando confrontadas com os parâmetros pedagógicos contemporâneos referendados nesta análise.
É verdade que só se percebe variações de jogos populares – de domínio geral da cultura e, portanto, familiares aos alunos –, o que facilita a colaboração com a atividade. Por outro lado, nenhum trabalho registrou o acompanhamento dos alunos e seus comportamentos por qualquer período de tempo após a realização das atividades, e não foi possível, assim, observarmos se os jogos e metodologias pedagógicas empregadas foram efetivos na sensibilização e tomada de atitude dos estudantes na participação social ativa para o controle das arboviroses.
Segundo constatamos, em sua maior parte as dinâmicas pedagógicas propunham jogos com função de fixação de fatos ou procedimentos. Deste modo, tais jogos não contribuem para momentos de reflexão mais profunda acerca do problema tratado, que produzissem uma compreensão conceitual mais completa e favorecessem a construção pessoal pelos alunos das medidas preventivas às arboviroses como parte do senso de seus valores. Ressalta-se, aqui, a importância do conhecimento em arboviroses para a proposição de atividades educativas que reforcem não o lúdico per si, mas a conjunção positiva entre lúdico e informação científica.
Embora fora do escopo deste artigo, consideramos a importância de haver análises posteriores que possam aprofundar reflexões acerca de outros aspectos contidos nos meandros dos trabalhos pesquisados, tais como a realidade social dos grupos de alunos e suas singularidades. O perfil dos grupos pesquisados, suas diferenças regionais, econômicas, sociais, dentre outras, poderão ser levadas em conta em relação às propostas e resultantes obtidas nas diferentes experiências pedagógicas.
Não foi possível determinar, até pela escassez de dados, se a homogeneidade de propostas demonstrada pelos trabalhos apresentados (jogos de trilha com perguntas e respostas) poderia encontrar o mesmo resultado em todos os contextos sociais, com suas diversidades e singularidades.
Pesquisas que levam em conta o perfil dos alunos envolvidos com a atividade e o impacto deste perfil sobre as escolhas metodológicas com jogos de tabuleiro também são recomendados, nesse mesmo sentido. Hipóteses como a de que as propostas pedagógicas com jogos de tabuleiro em torno da sensibilização para o controle das arboviroses pode ter efeitos diversos entre um grupo que, por exemplo, viva em condições sanitárias precárias, e outro, com a condição inversa; ou de que podem haver diferenças na repercussão da experiência entre grupos que já vivem uma cultura de jogos de tabuleiro, e grupos que não a vivem, podem ampliar o alto valor epistemológico das pesquisas futuras.