INTRODUÇÃO
Quando as pessoas falam, elas gesticulam naturalmente, e os gestos muitas vezes revelam informações que não podem ser facilmente encontradas na fala. Os alunos não são exceção. Os gestos de um aluno podem indicar momentos de instabilidade conceitual e os professores podem usá-los para obter acesso ao pensamento de um aluno. Os alunos também podem descobrir novas ideias a partir dos gestos que fazem durante uma aula ou dos gestos que veem seus professores fazerem. O gesto, portanto, tem o poder não apenas de refletir a compreensão do aluno sobre um problema, mas também de mudar sua compreensão (NOVACK; GOLDIN-MEADOW, 2015).
Segundo Walkington, Chelule, Woods e Nathan (2019), os gestos desempenham um papel fundamental no raciocínio matemático, sendo um indicador de que a compreensão matemática está incorporada - inerentemente ligada à ação, à percepção e ao corpo físico. À medida que os alunos colaboram e se envolvem em discussões matemáticas, eles usam práticas discursivas como explicar, refutar e desenvolver o raciocínio uns dos outros, muitas vezes misturando fala e gesto ao falar.
O desenvolvimento de pesquisas baseadas na análise de gestos é promissor, uma vez que o uso de gestos na educação ainda é pouco pesquisado e é um tema relativamente novo (FLOOD et al., 2014). Também pode-se inferir o quanto o gesto pode ajudar e contribuir no processo de aprendizagem, já que está naturalmente presente em nosso cotidiano, constituindo - entre outras formas - um canal de comunicação entre o tutor mais capaz e o aprendiz, um canal que não é adequadamente discutido pela maioria das teorias de aprendizagem.
No entanto, o que acontece no papel dos gestos entre um professor e seus alunos quando se trata de ensinar e aprender? O que constitui um importante canal de comunicação para o ensino e aprendizagem em sala de aula? Como os gestos podem ajudar no ensino? Há pesquisas em educação na área de análise e ensino do gesto? Imbuído dessas questões, foi realizada uma revisão de literatura trazendo os aspectos mais relevantes e as pesquisas relacionadas à educação sobre esse tema. Com base nestas questões, a presente revisão de literatura procura responder à seguinte questão, que de uma forma geral sintetiza os nossos objetivos: Qual é a contribuição dos gestos (comunicação não verbal) para o processo de ensino e aprendizagem?
Os gestos que serão abordados na presente pesquisa serão os gestos que são executados de forma natural e espontânea pelos alunos a partir do momento que os gestos são utilizados para explicar os conceitos e palavras. O objetivo deste artigo é levantar evidências, tanto na literatura educacional brasileira quanto internacional, da contribuição dos gestos para os processos de ensino e aprendizagem, bem como a evolução desse campo específico de pesquisa.
MÉTODO
Esta pesquisa tem como objetivo identificar, por meio da revisão de literatura, pesquisas que tragam contribuições de como os gestos podem ser uma forma de auxiliar no processo de ensino e aprendizagem dos alunos. Portanto, para realizar esta pesquisa, definimos quatro etapas diferentes - ou grampos - que precisavam ser feitas para uma conclusão satisfatória (Zawacki-Richter et al. 2020) (Figura 1).
As bases de dados utilizadas foram: Eric, Scopus e Google School. Nestas três bases de dados, foram utilizados os seguintes termos de busca: “gestos” + “aprendizagem” e, em três plataformas de busca, foi selecionado o período de busca entre 2000 e 2019. A escolha dessas bases de dados se deu pelo fato de que todas as três permitem a análise de métricas de citação por autor, como a definição da data de publicação dos artigos. Esses são os nossos critérios para escolher Eric, Scopus e Google Scholar.
A Figura 1 mostra os procedimentos de busca utilizados. O primeiro passo foi, após definir o problema de busca (discutido acima), definir quais bases de dados, os termos de busca (palavras-chave) e o período de busca.
Após delimitarmos nossa pesquisa, a segunda parte consistiu na busca propriamente dita de pesquisas relacionadas ao nosso tema central. Assim, utilizamos os termos "gestos" + "aprendizagem" nas três bases de dados.
A terceira parte foi o momento em que selecionamos os artigos por meio dos critérios de exclusão e inclusão, que serão descritos na Tabela 1. Por fim, a última etapa da pesquisa foi a leitura na íntegra dos artigos para construção desta revisão sistemática da literatura.
Assim como Pereira et. al. (2019), optamos por realizar duas fases para inclusão ou exclusão dos artigos selecionados durante a revisão da literatura.
A primeira parte consistiu em identificar qual seria o objetivo de nossa pesquisa, em seguida definir nosso problema de pesquisa - que nos guiaria durante todo o processo de pesquisa - e posteriormente definir quais seriam as bases de dados e período que pesquisaríamos para atingir o objetivo.
A segunda parte consistiu na busca nas bases de dados previamente selecionadas - Eric, Scopus e Google Acadêmico - utilizando os seguintes termos: "gestos" + "aprendizagem", pois esses dois termos nos levariam a encontrar as buscas relacionadas ao nosso objetivo. Isso resultou em um total de 69 artigos.
A terceira parte foi o momento de selecionar os artigos por meio dos critérios de exclusão e inclusão que foram definidos pelos autores desta pesquisa. Esses critérios são apresentados no Quadro 1 deste artigo. Portanto, todos os 69 artigos foram lidos na íntegra e julgados de acordo com os critérios acima mencionados. Especialmente o segundo critério de exclusão de julgar se o artigo trouxe ou não uma contribuição significativa para responder à nossa pergunta de pesquisa - O artigo contribuiu para a investigação do uso espontâneo de gestos no processo de ensino e aprendizagem? Muitos desses 69 artigos, embora analisassem a produção de gestos, não necessariamente abordavam gestos espontâneos feitos quando conceitos ou relações espaciais estavam sendo explicados1
A última parte foi fazer uma discussão aprofundada dos 19 artigos - aqueles que de fato contribuem para responder à nossa questão de pesquisa. Além de indicar meios, desafios e novas propostas didáticas sobre o uso dos gestos no processo de ensino-aprendizagem.
Abaixo segue uma tabela que foi criada para nos orientar na seleção dos artigos (Quado 1). Esses critérios foram elaborados pelos autores do presente artigo com um olhar direcionado que contribuiria para nos aproximar de uma resposta referente ao problema de pesquisa que norteia esta revisão de literatura.
After selecting the 69 articles, following the established criteria, we first opted to separate educational Portanto, após a seleção dos 69 artigos de acordo com os critérios estabelecidos, optou-se por separar os níveis de ensino em um primeiro momento, (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Graduação) para que fosse possível identificar em qual etapa da trajetória acadêmica há maior presença de pesquisas sobre gestos no processo de ensino e aprendizagem.
As categorias emergiram naturalmente após a leitura da amostra final de 19 artigos. Por exemplo, “construção de conhecimentos/conceitos” agrupa os trabalhos que discutem o papel dos gestos na construção de conhecimentos ou conceitos pelos alunos. “Análise da comunicação não verbal dos alunos”, o foco desses trabalhos foi a análise de gestos, e não a construção de conceitos. Por fim, as duas últimas categorias tratam da educação inclusiva, devido às especificidades dos alunos com necessidades especiais e do ensino de línguas, já que os demais trabalhos tratam da educação matemática ou científica, mas esses trabalhos são interessantes porque gestos representativos são usados ao aprender uma segunda língua para se comunicar usando o gesto o significado das palavras cujo significado são relações espaciais.
Também fizemos uma sequência histórica dos artigos por data de publicação, para que pudéssemos detectar se há aumento ou não de publicação em gestos, indicando um aumento no interesse da pesquisa. O agrupamento final dos artigos encontrados na fase 1 foi feito após a leitura do conteúdo de cada artigo, sendo que as categorias emergiram da leitura com naturalidade.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados indicam que os estudos na área do gesto como forma de ensinar ou aprender vêm crescendo continuamente desde 2009 (Gráfico 1). A importância que observamos ao realizar esta análise sobre o aumento dos estudos sobre gestos no processo de ensino-aprendizagem deveu-se ao fato de que isso indica que esta área de pesquisa está crescendo ao longo dos anos, então esses dados nos mostram que é relevante esta área de pesquisa no ensino.
Quanto à distribuição dos trabalhos segundo as categorias que emergiram durante a revisão, a maioria (71%) está relacionada a atividades aplicadas em sala de aula; 21% referem-se a pesquisas que abordam o ensino de uma segunda língua por meio do gesto e da educação inclusiva, mas não em sala de aula e, finalmente, 8% com artigos que categorizamos como reflexão teórica.
Dos estudos realizados em sala de aula, o Ensino Fundamental e o Ensino Superior são os níveis de ensino mais pesquisados, enquanto a pós-graduação tem sido menos explorada por pesquisas anteriores que abordam o tema dos gestos na educação (Gráfico 2).
Feitas as categorias de análise iniciais pré-definidas (categorizadas por ano, nível de escolaridade, etc.), procedeu-se a uma segunda categorização. Para entender a contribuição dos gestos para o processo de ensino e aprendizagem, buscamos agrupar os artigos encontrados na revisão da literatura em categorias que fossem significativas para responder à nossa questão de pesquisa. Essas categorias emergiram naturalmente após a leitura dos artigos e considerando suas semelhanças e suas contribuições para o processo de ensino e aprendizagem. A figura abaixo (Figura 2) mostra apenas os dezenove artigos que compõem esta revisão sistemática da literatura. Esses dezenove artigos foram selecionados com base nos critérios já estabelecidos e que colaborariam com a pesquisa e que foram melhor explicados na seção de metodologia reescrita.
As categorias são a construção de conhecimentos/conceitos, análise da comunicação não verbal dos alunos, análise da comunicação não verbal dos professores, análise das imagens mentais dos professores, ensino para a educação inclusiva e, por fim, o ensino de línguas (Figura 2).
A quarta categoria nos apresenta dois artigos (citados na figura 2) que articulam e trazem técnicas sobre como os gestos podem proporcionar a compreensão das imagens mentais dos alunos. As imagens mentais dos alunos podem ser reveladas através da gesticulação. Os gestos ajudaram, de acordo com esses artigos mencionados na figura 2 e que serão expostos ao longo deste artigo, entender o que se passava na cabeça dos alunos quando conversavam entre seus colegas, professores e tentavam explicar e justificar suas respostas sobre conceitos da Física.
A penúltima categoria, educação inclusiva, aborda pesquisas sobre como os gestos foram relevantes para o ensino de alunos com deficiência, ou com dificuldades de aprendizagem e, em especial, alunos autistas. A última categoria inclui artigos que corroboram o ensino de uma segunda língua ou da própria língua materna por meio de gestos. Portanto, para uma melhor compreensão das categorias, o diagrama a seguir mostra a questão de pesquisa, as categorias e os autores que corroboram as diferentes categorias.
Construção de conhecimentos/conceitos
Os gestos ajudam os alunos a aprender, mas não apenas direcionando sua atenção visual? Com base nessa concepção, Wakefield et al. (2019) usaram rastreamento ocular para explorar um mecanismo frequentemente proposto - a capacidade do gesto de direcionar a atenção visual. Com base em estudos anteriores de Singer e Goldin-Meadow (2005), os autores afirmam como é possível ensinar um novo conceito por meio de gestos, nos quais os movimentos das mãos acompanham a fala. A pesquisa permitiu verificar que, por meio de medidas de rastreamento ocular, as crianças que assistem a uma aula de matemática com gestos alocam sua atenção visual de forma diferente das crianças que assistem a uma aula de matemática sem gestos - analisam mais o problema que está sendo explicado, olham menos para o instrutor, e eram mais propensos a sincronizar sua atenção visual com as informações apresentadas no discurso do instrutor.
Em 2012, Garcia e Infante publicaram um artigo em que abordavam o impacto que os gestos podem ter no ambiente matemático em workshops ministrados no ensino superior. Após as oficinas, os pesquisadores perceberam que havia uma correlação entre a diagramação e os gestos (dinâmicos e estáticos). Esses dois tipos de gestos faziam parte do pensamento construtivo dos alunos, relacionando-os com o problema ou a construção de seus diagramas. Quanto mais desafiadores os problemas, mais os alunos gesticulam. Algumas questões foram influenciadas por gestos de seus colegas e com o tempo foram adotadas e adaptadas.
Na busca de entender como os gestos podem auxiliar no ensino em STEM - Science, Technology, Engineering and Mathematics - Stieff, Lira e Scopelitis (2016), de Chicago (EUA), descrevem dois estudos que verificaram o impacto no ensino quando os alunos utilizaram gestos para apoiar seu pensamento no espaço no conteúdo STEM. No primeiro estudo, a eficácia de assistir e reproduzir gestos foi comparada a apenas ler um texto. No segundo estudo, a eficácia do gesto foi comparada com uma abordagem instrucional que envolvia o manuseio de modelos concretos, mas sem gestos. Os resultados indicaram que os gestos podem ser uma estratégia eficaz para apoiar o pensamento espacial dos alunos em disciplinas STEM porque, com o uso de gestos, os alunos tiveram um desempenho significativamente melhor do que sem gestos.
Portanto, esses quatro estudos mostram como os gestos podem ajudar na construção do conhecimento. Os gestos acompanham a fala e quanto mais difícil e necessária uma explicação profunda, a presença dos gestos torna-se cada vez mais importante, tornando-se suporte para o pensamento e raciocínio dos alunos no processo de ensino e aprendizagem.
Análise da comunicação não verbal dos alunos
Quando os alunos compartilham sobre assuntos que foram discutidos durante a aula com outras pessoas, você notou que muitas vezes eles acabam usando gestos para explorar e explicar suas ideias e conceitos? De acordo com a pesquisa de Flood et al. (2014), este seria como um meio de expressão espaço-dinâmico publicamente visível, no qual os gestos e o corpo fornecem recursos produtivos para imaginar juntos os fenômenos submicroscópicos, tridimensionais e dinâmicos da química.
Laburú, Silva e Zômpero (2015) pesquisaram com alunos do ensino médio conceitos de eletrostática por meio de atividades experimentais, com a intenção de compreender os conceitos científicos dos alunos. Ao avaliar os alunos por meio da atividade experimental, constatou-se que os conceitos não podem ser “visualizados” e seu domínio incorreto, ou a falta dele, pode demonstrar indevidamente ininteligibilidade conceitual, uma vez que os conceitos de eletrostática (cargas elétricas e elétrons, por exemplo) são conceitos abstratos que não podem ser vistos a olho nu, apenas com o auxílio de simulação e imagens ilustrativas para explicar o comportamento de cargas elétricas em repouso.
A dificuldade do aprendiz pode ser localizada nesses elementos e não na dimensão conceitual propriamente dita. Portanto, os gestos contribuem, segundo esses pesquisadores, como um instrumento para o professor compreender o que os alunos estão aprendendo sobre o conhecimento científico e, além disso, acaba sendo fundamental para a construção do pensamento desse conhecimento.
Em 2015, nos EUA, Weinberg, Fukawa-Connelly e Wiesner (2015) buscaram compreender como os gestos podem auxiliar no pensamento e na comunicação na disciplina de Matemática. A pesquisa ocorreu em uma universidade pública em uma disciplina introdutória de álgebra abstrata. Os resultados indicaram que, quando os significados matemáticos - específicos e gerais - são expressos em gestos, as linguagens gestuais e faladas combinadas destacam a natureza integrada dos elementos do pacote semiótico.
Por meio da análise de seus alunos a partir da pesquisa apresentada nesta categoria, observou-se que os gestos acabam se tornando um instrumento para os professores compreenderem seus alunos, suas dificuldades ao se expressarem por meio das palavras e que, por meio da análise gestual, existe uma forma de capturar o que se passa na mente dos alunos, especialmente ao retratar conceitos abstratos.
Análise da comunicação não verbal dos professores
Em 2017, Aizawa, Giordan e Silva publicaram suas pesquisas com alunos de pós-graduação em seus estágios obrigatórios de graduação. Utilizando a técnica da Recordação Estimulada por Vídeo, os alunos foram filmados quando ministravam suas aulas e, posteriormente, analisaram seus gestos por meio das categorias de Kendon (2004). Os resultados desta pesquisa apontam que os graduandos “desenvolveram uma percepção gestual e multimodal, ou seja, tomaram consciência do que foi dito, do posicionamento do corpo e das mãos para que futuramente possam modificar suas ações com o objetivo principal de produzir significados.” (Aizawa, Giordan, & Silva, 2017)
Both Brazilian researchers were able to find in their research how the gestural analysis of teachers can find new paths for teaching, in addition to assisting teachers during their classes. These researches show how relevant it is for teachers to be aware of their gestures when teaching their classes. Through gestures, they can facilitate students' understanding, as well as pass on distorted or erroneous concepts.
Ambos os pesquisadores brasileiros puderam constatar em suas pesquisas como a análise gestual dos professores pode encontrar novos caminhos para o ensino, além de auxiliar os professores durante suas aulas. Essas pesquisas mostram o quanto é relevante que os professores estejam atentos aos seus gestos ao ministrar suas aulas. Por meio de gestos, podem facilitar a compreensão dos alunos, bem como transmitir conceitos distorcidos ou errôneos.
Análise de imagens mentais de alunos
Scherr (2008) vai além dos demais pesquisadores citados até aqui sobre os gestos no ensino superior. Sua pesquisa busca evidências de que a gesticulação dos alunos pode não apenas preencher lacunas nas expressões verbais dos alunos, mas oferecer informações valiosas sobre o que se passa na mente dos alunos, ou seja, entender melhor o que o aluno está pensando sobre Física naquele determinado momento. “A educação da física é um campo rico para explorar ainda mais essas questões, e os pesquisadores em educação da física podem se beneficiar e contribuir com as investigações em andamento sobre a importância do gesto no pensamento e na aprendizagem” (Scherr, 2008).
Assim como a pesquisa realizada por Garcia e Infante (2012), Ramos e Serrano (2013) também realizaram sua investigação por meio de uma oficina (curso de extensão) para graduandos com o objetivo de compreender o papel de diferentes mediações - interação social, psicofísica, cultural ou hipercultural - no ensino de química.
Os pesquisadores entrevistaram estudantes de graduação em química após a realização de atividades com software de modelagem molecular. De forma análoga às considerações de Scherr (2008), os pesquisadores nas entrevistas buscaram saber o que se passava na cabeça dos alunos ao responder às questões, ou seja, foi possível identificar uma ligação com os gestos e o que eles imaginavam naquele momento para responder às perguntas.
Essa categoria nos dá indícios de que os gestos podem revelar o que se passa na cabeça dos alunos ao explicar a alguém sobre determinado conteúdo ou ao explicar suas respostas. A análise gestual por meio de técnicas, como o Pensar alto, permite compreender a articulação entre os gestos dos alunos e as imagens mentais.
Educação inclusiva
Marchena et al. (2019) realizaram uma pesquisa na qual observaram adultos e como eles usavam gestos. Vinte e um adultos autistas verbalmente fluentes e outros vinte e um com desenvolvimento típico foram envolvidos em uma tarefa de conversação controlada. Adultos autistas eram mais propensos a gesticular unilateralmente do que bilateralmente, uma característica motora do gesto individual associada a sintomas de autismo. De acordo com os pesquisadores, os gestos de co-fala podem fornecer uma ligação entre os sintomas de comunicação não-verbal e as diferenças conhecidas no desempenho motor no autismo.
Özçalışkan, Adamson, Dimitrova e Baumann (2018) mostraram em suas pesquisas que crianças e pais produzem tipos semelhantes de gestos e combinações gesto-fala. Ou seja, ao pesquisar crianças com transtorno do espectro do autismo (TEA) ou síndrome de Down (SD), observaram diferenças específicas no diagnóstico de crianças com desenvolvimento típico (DT) na produção de gestos. No entanto, apenas as crianças - mas não os pais - apresentaram variabilidade específica do diagnóstico na frequência com que produziram cada tipo de gesto e combinação gesto-fala.
A compreensão gestual ainda é pouco estudada, segundo Dimitrova, Özçalışkan e Adamson (2017), da Suécia, principalmente com crianças com espectro autista e que apresentam dificuldade em produzir gestos. Seguindo os estudos de McNeill (2005), esses grupos de pesquisadores examinaram crianças de 2 a 4 anos, para entender os tipos de gestos e as combinações entre gesto e fala. Os resultados obtidos sugerem que as crianças compreendem gestos dêiticos e gestos de reforço - melhores combinações de fala do que gestos icônicos/convencionais e combinações suplementares - um padrão que se mantém robusto em diferentes idades em crianças com espectro autista.
O estudo de Wray et al. (2017) procurou determinar se crianças com distúrbios de linguagem usam gestos para compensar suas dificuldades de linguagem. A partir da pesquisa, foi possível detectar que o gesto e a linguagem formam um sistema de comunicação intimamente ligados, em que os déficits de gestos são vistos ao lado de dificuldades com a comunicação falada.
Ensino de línguas
As crianças entendem gestos icônicos sobre eventos tão cedo quanto gestos icônicos sobre entidades? A partir dessa questão, Glasser et al. (2018) pretendem perceber se as crianças compreendem os gestos icónicos que caracterizam os acontecimentos o mais cedo possível e, se sim, se a sua compreensão é influenciada por padrões de produção de gestos na sua língua nativa. A pesquisa constatou que os padrões nativos de produção de gestos influenciaram na compreensão dos gestos das crianças que caracterizam esses eventos, havendo uma melhor compreensão dos gestos que seguem padrões específicos de linguagem em relação aos que não seguem esses padrões, principalmente na forma de movimentação de gestos.
Recentemente, em 2019, Huang, Kim e Christianson, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, apresentaram que os gestos são úteis se não forem confundidos com outras palavras a serem aprendidas e se o número de palavras apresentadas for limitado. Esta pesquisa mostrou que introduzir novas palavras em uma segunda língua e apresentar a palavra com gestos simultâneos pode facilitar a recordação de novas palavras pelos alunos. Os pesquisadores abordam a teoria da codificação dupla, na qual ela prevê que os alunos podem aprender melhor por terem a articulação entre gestos e novas palavras (Huang, Kim & Christianson, 2019).
Em 2017, na Universidade da Pensilvânia, os pesquisadores Matsumoto e Dobs realizaram um estudo no qual investigaram as funções do gesto no ensino e aprendizagem da gramática no contexto das interações em sala de aula em uma segunda língua, assim como fizeram Huang, Kin e Christianson (2019), mas agora no ensino superior. A pesquisa consistiu na análise dos gestos utilizados pelos professores para explicar conceitos temporais da língua inglesa e pelos alunos quando respondiam. A análise chegou às considerações de que professores e alunos utilizaram repetidamente gestos líticos abstratos e metafóricos em sala de aula, que podem se tornar recursos importantes para o ensino e avaliação da aprendizagem dos alunos.
Oitenta e nove alunos da Universidade de Estudos Internacionais de Xi'an, na China, participaram de uma pesquisa que visava entender se os gestos de afinação podem melhorar o aprendizado da prosódia (parte da gramática tradicional que se dedica às características da emissão dos sons da fala, como sotaque e entonação). Os autores Yuan, González-Fuente, Baills e Prieto (2019) realizaram sua pesquisa na qual dividiram os alunos em dois grupos idênticos. O primeiro grupo (grupo controle) recebeu treinamento de entonação sem o uso de gestos de afinação. O segundo grupo, experimental, recebeu o mesmo treinamento, porém com mais gestos de afinação, representando contornos de entonação nuclear. Os resultados da pesquisa fornecem evidências de que o grupo experimental melhorou significativamente e que, embora os indivíduos com habilidades mais fortes tenham obtido um melhor resultado, aqueles com habilidades musicais mais fracas se beneficiaram ainda mais ao observar os gestos.
Vogt e Kauschke (2017), da Alemanha, observaram como gestos icônicos podem ajudar crianças em desenvolvimento a aprender novas palavras. Segundo os pesquisadores, os gestos icônicos promovem uma codificação mais rica e levam a um aprendizado de palavras mais eficiente em crianças que estão no início do desenvolvimento da fala ou com problemas de linguagem.
Significado dos gestos para o processo de ensino e aprendizagem.
O gesto pode ser bem utilizado em ambientes educacionais e, segundo Goldin-Meadow (2017), pode existir de pelo menos três formas. A primeira seria que os professores examinassem seus gestos para garantir que não estão transmitindo ideias que possam enganar os alunos. Os professores podem até pensar em como as ideias que desejam ensinar podem ser exibidas em suas mãos e, em seguida, produzir conscientemente esses gestos durante as aulas.
O principal objetivo dos gestos é auxiliar na comunicação. Mas, além de serem importantes para a comunicação, os gestos também têm consequências importantes para o pensamento e para a aprendizagem, para a compreensão da linguagem. Mais do que apenas esclarecer ou melhorar a mensagem de uma aula, pode levar os alunos a compreender e promover o desenvolvimento conceitual, que é o foco principal desta pesquisa (Chu & Kita, 2016).
Na sala de aula, quando um aluno balança o braço violentamente quando o professor faz uma pergunta; ou outro tenta não fazer contato visual com o professor, ambos estão usando seus corpos para dizer ao professor que querem responder à pergunta. Esses movimentos corporais constituem o que normalmente é chamado de comunicação não verbal (Goldin-Meadow, 2017).
De acordo com Goldin-Meadow (2018), o gesto tem o potencial de impulsionar a aprendizagem em todas as crianças e talvez reduzir as desigualdades no desempenho em linguagem e matemática. Além disso, pode ser uma ferramenta que auxilia os professores a entender o que se passa na cabeça dos alunos, bem como entender o quanto eles aprenderam com o conteúdo por meio de suas falas articuladas com seus gestos.
Os alunos podem ser encorajados a gesticular quando explicam um problema. Os gestos que os alunos produzirão provavelmente demonstrarão sua compreensão da evolução do problema, o que ainda não é evidente em sua fala. Esses gestos podem servir como um diagnóstico que os professores podem usar para descobrir o que seus alunos sabem e o que estão prontos para aprender (Goldin-Meadow, 2017).
Por fim, ser encorajado a gesticular sobre um problema pode ajudar os alunos a ativar quaisquer ideias implícitas que tenham sobre esse problema. Essa ativação, por sua vez, pode torná-los mais abertos a novas instruções (Goldin-Meadow, 2017). Portanto, os gestos não apenas refletem o pensamento, mas também têm o potencial de mudar o pensamento de ouvintes e falantes. O gesto é uma ferramenta que alunos, professores e pesquisadores podem usar para fazer descobertas sobre a mente.
Segundo Chu e Kita (2016), há evidências de que os gestos de co-julgamento e co-discurso compartilham várias propriedades, sugerindo que são gerados por um mecanismo comum. Segundo os pesquisadores, as pessoas produzem mais gestos de coprodução quando a produção da fala é mais difícil do que quando é menos difícil. Eles produzem mais gestos de julgamento quando uma tarefa silenciosa de resolução de problemas é mais difícil do que quando é menos difícil.
Finalmente, um gesto não apenas reflete nossos pensamentos, mas também nosso papel na mudança desses pensamentos. Conhecemos gestos que podem transmitir informações substantivas, de modo que não é difícil imaginar, que poderíamos aprender vendo os gestos que outras pessoas fazem. Mas, para ter certeza, precisamos manipular o gesto e explorar o impacto dessa manipulação na aprendizagem (Goldin-Meadow, 2017).
CONCLUSÃO
A evolução das pesquisas publicadas sobre o uso de gestos em sala de aula mostra claramente como esse tema vem crescendo ao longo dos anos, como no gráfico 1 e no gráfico 2 do artigo e prontamente se tornando cada vez mais fascinante. Desde 2009, houve um aumento na publicação de artigos sobre comunicação não-verbal em periódicos, com aplicações em sala de aula ou ainda discussões mais teóricas, permitindo que os leitores se questionem sobre a importância deste - antigo e ao mesmo tempo novo - canal de comunicação com resultados relatando como os gestos podem auxiliar no ensino de uma segunda língua, na área da educação inclusiva e principalmente no ensino de ciências e matemática, que muitos alunos acham difícil.
Os gestos no ensino de uma segunda língua podem contribuir na forma como uma nova palavra é apresentada, na forma como é realizada uma avaliação e até proporcionar maior articulação entre os gestos e as novas palavras. Na educação inclusiva, o uso de gestos pode fornecer novos caminhos para pesquisas nessa área, talvez um novo recurso que contribua e auxilie professores e alunos com deficiências ou transtornos. E no ensino de ciências e matemática, os gestos surgem como ferramenta para contribuir com o ensino de conceitos considerados abstratos e complexos.
Durante a fala normal, quando detalhamos nosso pensamento ou tentamos explicar um conceito ou especialmente um modelo científico a um professor ou colega de classe, acabamos usando gestos para nos expressar. Esses gestos são extremamente importantes, pois através deles é possível descobrir as imagens mentais do aluno e muitas vezes há uma oportunidade de entender lacunas na fala do aluno. Portanto, também concluímos nossa revisão de literatura avaliando o importante papel que os gestos podem desempenhar no processo de ensino-aprendizagem, trazendo novas perspectivas e caminhos para a educação, bem como novos recursos que visam contribuir para a formação acadêmica dos alunos.
É importante notar que o gesto pode ser visto como um “dispositivo externo” que ajuda os humanos a raciocinar sobre diferentes assuntos, inclusive auxiliando no pensamento visuoespacial. Os gestos são usados para expressar ideias entre sujeitos (função externa) e muito provavelmente também internalizados como imagens (função interna), assim como Vygotsky (1986) descreve a relação entre pensamento e linguagem, uma conclusão que os autores gostariam de oferecer com esta revisão.
Para concluir, retomando a questão de investigação deste trabalho, "Qual é o contributo dos gestos (comunicação não-verbal) no processo de ensino e aprendizagem?" podemos afirmar definitivamente que os gestos se apresentam como um fator muito importante que contribui para o processo de ensino e aprendizagem, que não podem ser negligenciados, devendo a sua análise ser integrada no currículo de formação de professores. Portanto, não apenas o campo da pesquisa em Educação, mas também a prática da educação tanto em espaços formais quanto não formais, deve considerar a comunicação não-verbal, e principalmente os gestos - que tentam retratar um determinado pensamento na mente dos professores ou aprendizes - tão importantes e relevantes quanto a fala e novas pesquisas devem ser feitas para definir os limites e as possibilidades de abordagem desse importante canal de comunicação entre os humanos. (Flood et al., 2014; Goldin-Meadow, 2017; Goldin-Meadow, 2018).
A partir da revisão realizada e, em particular, dos dezenove artigos apresentados e discutidos no artigo apresentado, os autores sugerem novas pesquisas sobre o papel da produção do gesto pelos professores e sua influência (enquanto pacote semiótico) no pensamento do aluno, especialmente o que poderíamos nomear como uma espécie de “herança gestual” entre o professor e o aluno.