Introdução
A reforma do Estado brasileiro seguiu um propósito de modernização da gestão pública pautado num modelo gerencialista empresarial e nesse bojo a reforma educacional brasileira ocorrida na década de 1990 foi articulada nos mesmos moldes, promovendo modificações na forma de gestão escolar atualmente configurada nas escolas públicas. Ao contextualizar desta forma, não se pretende aqui determinar uma relação de causa e efeito, e sim, apresentar o cenário de referência no qual se constituiu e se constitui a história política, econômica e educacional do país. Neste sentido, Antunes (2003, p. 93) salienta que “as mudanças avultadas a partir dos anos 1970 vinculam-se ao processo de reestruturação do capital em suas novas formas de acumulação, visando à recuperação do seu ciclo reprodutivo”. E que “[...] tais crises constituem apenas expressões fenomênicas de um quadro de maior complexidade” (Antunes, 2003, p. 87). Essas reformas resultaram do movimento do capital em busca de sua própria reprodução, acumulação e expansão, circunstancialmente, para enfrentar as sucessivas crises econômicas que se abateram sobre o mundo capitalista a partir de 19701 e que tiveram ressonância tanto nos aspectos econômicos das políticas dos mercados, quanto na organização e gestão administrativa do Estado brasileiro, especialmente na década de 1990.
Para adentrar nesta reflexão é importante considerar alguns elementos constitutivos da história. O primeiro deles é o contexto histórico em que se deu a reforma do Estado e a reforma educacional. Outro aspecto importante, especialmente nesta análise, é a implantação do modelo gerencialista de administração pública no Brasil. Por conseguinte, conjectura-se a convergência de diretrizes entre as duas reformas. Para seguir em nossa reflexão, é mister considerar que os elementos supracitados estão articuladas com o contexto da reorganização do capital. Ou seja, fazem parte da resposta do capitalismo mundial à sua crise geral, que se tornou mais evidente a partir da década de 1970.
Se observarmos a política econômica mundial antes da Segunda Guerra, trinta anos se transcorreram num quadro de prosperidade econômica para os países centrais2. Mas, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os arranjos políticos e econômicos constituídos pelo capital entraram em falência, acarretando uma necessidade e resposta imediatas de reestruturação do sistema. Acompanhando esse fenômeno, estruturou-se também, uma crise política geral, o que provocou alterações no mecanismo de regulação social e de política econômica em muitos países capitalistas centrais, especialmente na Europa. Mészáros (2007, p. 106, 107) destaca que as proporções tomadas por esta crise acometeram profundamente “[...] todas as instituições do Estado e os métodos organizacionais correspondentes”. Dessa forma, em resposta à essa crise política constituiu-se (juntamente com o processo de reorganização do capital) uma recomposição do sistema político-ideológico e social dos Estados.
Tornou-se necessário reencontrar as condições ideais para o capital se expandir, e neste momento, a exigência veio mediante o apelo a uma “necessidade de modernização”. Os resultados mais evidentes, neste momento, foram os novos contornos engendrados para as políticas econômicas e sociais em decorrência do advento do neoliberalismo3. Sob a ótica neoliberal, o Estado não poderia mais ser considerado como “uma fórmula salvadora” e intervencionista no organismo social como era considerado pelos keynesianos4; pois, neste ínterim, passou a ser o estopim ou parte fundamental do problema.
No ideário neoliberal o melhor caminho a ser seguido em busca da resolução dos problemas estruturados na “máquina pública” seria abandonar a ideia de Estado fomentador de projetos de desenvolvimento econômico na perspectiva de um projeto social. Ou seja, era necessário reduzir o seu raio de ação, fomentando-se a ideia da necessidade de redefinição do papel do Estado, para que este realizasse as reformas que se “faziam necessárias” e encaminhasse a economia em direção ao crescimento econômico. Destarte, a finalidade era investir em assistência social somente aos mais vulneráveis socialmente e reduzir consideravelmente os gastos públicos em proteção social. Cumpre frisar que este foi (e ainda é) o núcleo das políticas de liberalização e das reformas orientadas para o mercado. Os neoliberais alegavam que a saída para a crise seriam as reformas orientadas para o mercado e procuravam demonstrar a superioridade do mercado em relação à ação estatal. Nessa conjuntura, a tendência foi colocar o mercado como foco da ação conciliante aos desígnios do modo de produção capitalista – justificando, dentre outros aspectos, a busca por uma “nova era desenvolvimentista”, fundamentada em um projeto de enxugamento da estrutura do Estado, na implantação de um Estado mínimo para as políticas sociais, na descentralização das atividades e na configuração da administração pública de acordo com os modelos de gestão assumidos pela iniciativa privada (modelos gerencialistas) com o propósito de se estabelecer um governo moderno, empreendedor, inovador.
Modernização do Estado e da Gestão Pública no Brasil: alguns elementos para (re) pensar a reforma educacional brasileira
Uma vez situados no contexto histórico mundial que configurou um cenário geopolítico de modernização no gerenciamento da política econômica, seguimos a reflexão focando agora no âmbito nacional – isto é, como esses encaminhamentos repercutiram no Brasil?
Primeiramente, é importante compreender que em termos de condicionantes políticos e históricos o enfoque gerencial da administração pública surgiu durante as reformas neoliberais realizadas por Margareth Thatcher em 1979 e por Ronald Reagan em 1980, respectivamente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América, porém, também ocorreram reformas similares na Suécia, na Nova Zelândia e na Austrália, segundo Bresser Pereira (1999b). Nos EUA, ao final da década de 1990, os autores David Osborne e Ted Gaebler (1998) usaram a expressão reinventing goverment (reinventar o governo) para ratificar em teoria a concepção de modelo de Estado e de administração pública gerencialista que defendiam. O modelo que almejavam deveria, no lugar de instituições públicas ou privadas burocráticas, manter em sua estrutura, instituições extremamente flexíveis e adaptáveis, quer dizer instituições orientadas para as necessidades dos “clientes”5. De acordo com Osborne e Gaebler (1998), no processo de reformulação do Estado, deveriam ser adotados alguns princípios, dentre eles destacamos alguns (os quais podem ser adaptados à gestão da escola):
[...] buscar formas de financiamento e de administração dos recursos que incentivassem as soluções fora do setor público, pela via da terceirização, de parcerias e contratação de serviços no mercado; c) fomentar a participação do trabalho voluntário e do terceiro setor no fornecimento dos serviços públicos; [...] combater a prática monopolista e privilegiar a liberdade de escolha, promovendo a competição (pública e/ou privada) entre os que prestam serviços públicos; [...] controlar e fiscalizar o desempenho dos serviços prestados pela adoção de mecanismos de avaliação da satisfação do cliente (OSBORNE; GAEBLER, 1998, p. 21- 23).
Salvaguardando essas diretrizes, alguns países da América Latina, tais como: Chile, México, Argentina, Bolívia e Uruguai ainda na década de 1980 adotaram as políticas de alinhamento neoliberal. É justamente, neste período que o gerencialismo e seu modelo de reforma do Estado e de gestão administrativa, tornaram-se uma referência também para reforma da administração pública brasileira. No Brasil o discurso neoliberal começou a se firmar e se enraizar com a eleição presidencial de Fernando Collor em 1989 e, a partir daí, nos anos que transcorreram (na década de 1990) “[...] o país ingressou na era da política neoliberal”, segundo Boito Jr (1999, p. 23). É importante assinalar que, neste período, a história política do Brasil estava sendo configurada por uma fase de transição da crise do modelo nacional desenvolvimentista, para um modelo centrado no mercado. Nesse aspecto, Milani (2008), assinala que “é em decorrência da crise econômica, que a reforma do Estado e de sua administração pública acontece”. E complementa o mesmo autor:
No caso dos países europeus, os condicionantes externos foram reforçados pela Comissão de Bruxelas (com as receitas de ajuste fiscal e os critérios de estabilidade de Maastrich); na América Latina, foram os programas de ajuste estrutural do Fundo Monetário Internacional que marcaram (e marcam ainda) a reforma das políticas públicas. No Brasil, este processo tem vigência desde fins dos anos 1980 e início dos anos 1990, coincidindo com a redemocratização política (Milani, 2008, p. 556, 557).
Nesta perspectiva, Ribas et al. (2014, p. 01) e Milani (2008) salientam que foi durante a gestão de Collor no início na década de 1990 que foram introduzidas mudanças substanciais “especificamente na economia, na gestão governamental, na educação, e no trabalho, visando uma “adequação” do país às exigências do novo cenário mundial de uma economia globalizada”. No entendimento de Ribas et al.(2014), esses encaminhamentos na década de 1990 foram reflexo e resposta à pressão e poder exercido pelas “organizações multilaterais internacionais que historicamente exerceram um poder de controle e fiscalização sobre os países periféricos”, quais sejam: o Fundo Monetário Internacional – FMI; o Banco Mundial; o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID; a Organização Mundial do Comércio – OMC; e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE. Neste momento, além dos ajustes econômicos, o Governo Collor deflagrou uma radical mudança nas políticas públicas para cumprir as metas e imposições dos referidos organismos internacionais. Sobre esse aspecto específico, Rossi (2001) questiona acerca das “reais pretensões desses organismos internacionais”, especialmente no que tange a questões estruturais administrativas e pedagógicas no âmbito da gestão da escola.
Não obstante, os governos que se sucederam, com destaque para os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), deram continuidade às reformas do Estado e da educação. Nessa onda de mudanças, Jantsch (2001, p. 37) afirma que “jamais a educação fora tão identificada como mercadoria-educação e educação-mercadoria quanto nos últimos anos”, especialmente a partir do governo FHC. Aparentemente as reformas educacionais propostas atenderiam reivindicações históricas de setores progressistas (tal como a de seguidores de Paulo Freire) “por comportar, em princípio, a ampliação do processo decisório, a descentralização do sistema educativo, que se apresenta como bandeira de democratização”, tanto pelo Banco Mundial, quanto pela LDB, segundo Para Rossi (2001, p. 95).
Com essas intervenções os organismos internacionais exigiam do Brasil um “Estado mínimo” onde a maior parte das políticas sociais fossem delegadas e executadas pelo denominado “terceiro setor”, e as políticas educacionais, direcionadas pragmaticamente para o mercado. Sem dúvida, “uma das áreas mais atingidas pela reformas de Estado foi a educação, e dentre esta, a educação superior que, à mercê das conduções externas dos organismos internacionais teve que submeter-se a uma reconfiguração” (RIBAS et al. 2014, p. 03), com reformas e implantação de modelos empresariais produtivistas.
Nesse processo, a reforma gerencial do Estado brasileiro foi efetivamente elaborada e formalizada em 1995, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, sendo apresentada e regulamentada no “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”. Os encaminhamentos foram conduzidos pelo então ministro Luiz Carlos Bresser Pereira do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE). Segundo Gandini e Riscal (2002, p. 39), “o objetivo do Conselho de Reforma do Estado, órgão consultivo vinculado ao MARE, seria o de melhorar o desempenho da máquina governamental para, ao final, proporcionar serviços melhores para o benefício do cidadão”. Mas, uma questão mostrou-se crucial e tornou-se foco das observações críticas relacionadas ao novo modelo de estado que estavam delineando para o Brasil, por meio de tal plano. É que os projetos “dali provenientes deveriam atender às exigências das agencias reguladoras internacionais e às demandas das organizações sociais”, salientam Gandini e Riscal (2002, p. 39). A partir daí passou-se a conceber o atendimento a essas demandas como pertencentes à esfera pública, agora compreendida como própria ao âmbito do governo, o qual deveria ser reestruturado.
Nessa nova concepção de Estado a adoção da expressão “reconstruir o Estado” foi emprestado de Anthony Giddens e “utilizada para explicar que, embora contivesse elementos liberais, a reforma proposta não visava diminuir a aparelhagem do Estado, mas refuncioná-la, adequá-la ao contexto de ampliação do capitalismo e da democracia no país e no mundo” (MELO; FALLEIROS, 2005, p. 178). Na defesa da proposta, Bresser Pereira (1999a, p. 257) esclarece que, a partir de 1995, concedeu-se uma “oportunidade para a reforma do Estado, em geral, e do aparelho do Estado e de seu pessoal, em particular”. Essas reformas, uma vez concebidas como reestruturação e adequação do desempenho dos serviços governamentais, no entendimento de Gandini e Riscal (2002, p. 40), apontam para “a potencialização do desempenho da máquina burocrática e a modernização do aparelho do Estado, utilizando como uma de suas estratégias prioritárias a transferência de serviços para um setor definido simplesmente como público, não estatal”. O lema foi a reconstrução do Estado e o foco estava na mudança de uma administração pública, definida como burocrática, para uma administração pautada no modelo gerencialista empresarial. Para seguir esse modelo foram incorporados diversos elementos do projeto da Terceira Via6. Em relação a isso, Melo e Falleiros (2005, p. 176) assinalam que é possível identificar no Plano MARE uma proposta de gestão alicerçada nos ideários da Terceira Via, especialmente quando o texto indica a escolha por um Estado social-liberal, que não poderá, nesta configuração, compactuar com a proposta de “ um Estado de bem-estar social – preso ao burocratismo autoritário – nem o neoliberalismo radical”. Ao seguir estes pressupostos, o Estado brasileiro incorporou diversos elementos do projeto da Terceira Via a sua nova forma de gestão. Nesta perspectiva, o plano de reforma estabeleceu em 1995 algumas estratégias para a administração pública gerencial, quais sejam:
1) definição precisa dos objetivos a serem atingidos, 2) garantia de autonomia do gestor na administração dos recursos humanos, materiais e financeiros à sua disposição para atingir os objetivos estabelecidos, e 3) cobrança a posteriori ou o controle dos resultados. Em adição, defende-se a inserção de mecanismos de competição no interior do próprio Estado ao estabelecer-se a concorrência entre unidades internas (BRASIL, 1995, p. 16).
O documento explicita que a reforma do Estado deve ser compreendida dentro do contexto da redefinição de seu papel, “que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento” (BRASIL, 1995, p. 18). A justificativa para a gestão pública seguir os mesmos moldes, alicerçou-se – através do discurso de seus precursores – sob a ótica política de modernização do Estado. Bresser Pereira e Spink (1999b , p. 16) descrevem que concomitantemente à reforma do Estado, a gestão pública brasileira passou por um processo evolutivo na história política do país que teve como base inicial a administração patrimonialista, posteriormente uma administração burocrática e, por conseguinte, um encaminhamento para uma gestão pública gerencial. Os referidos autores definem cada uma delas da seguinte maneira:
a) administração patrimonialista: refere-se a transformação dos cargos públicos em favoritismo político, com pouco controle central pelo governo, trazendo a multiplicação de órgãos públicos e sua feudalização por interesses privados, ocorridas entre os anos de 1891 a 1930; b) administração burocrática: foi o modelo utilizado a partir dos anos 30, substituiu o patrimonialista e trouxe a ênfase no controle, na centralização de decisões, na hierarquia focada no princípio da unidade de supervisão com rotinas rígidas e controle passo a passo dos processos administrativos; e c) administração pública gerencial: iniciada nos anos 80, com ênfase no cliente, ou seja, no cidadão como um beneficiário dos serviços e produtos das organizações públicas. Esse modelo busca a descentralização das ações organizacionais, o controle do desempenho organizacional, por meio de indicadores de desempenho e a delegação de responsabilidade aos gestores públicos (1999b, p. 16).
No caso da modernização da gestão pública o enfoque gerencialista é explicitado em alguns parágrafos no Plano MARE, salientando como deve ficar configurado a relação entre Estado, sociedade civil e empresas (estatais e privadas), da seguinte forma: “a administração pública deve ser permeável à maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil e deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins)” (BRASIL, 1995, p. 22). A administração pública gerencial compreende então “o cidadão como contribuinte de impostos e como cliente dos seus serviços”. Os resultados da ação do Estado são avaliados em função do atendimento das necessidades do cidadão cliente. Diante do exposto, podemos dizer que de modo geral, a política de descentralização e minimização do Estado desobrigou-o quanto à garantia e cumprimento dos direitos sociais. A política do bem-estar social foi simultaneamente repassada como sendo responsabilidade da própria sociedade civil, tornando-se um dos principais elementos da redefinição do Estado empreendida no transcorrer da década de 1990 no Brasil.
Contudo, a reforma do Estado e da gestão pública brasileira influenciou e trouxe implicações sobre o sistema educacional e, especificamente, na forma de gerir a escola. Estes encaminhamentos são contemporâneos e definiram “novas formas” e modelos de gestão para a escola. De que maneira estes encaminhamentos foram se configurando no espaço escolar e como estão dispostos na atualidade, são elementos que permeiam a reflexão a seguir.
Conexões entre a reforma educacional brasileira e a introdução do modelo gerencialista na gestão escolar
Paralelamente à Reforma do Estado, no transcorrer dos anos de 1990 houve uma ampla reforma da educação brasileira. Neste período as tendências traduzidas para o Estado gerencialista, foram alocadas na elaboração e implantação das políticas educacionais no país. Simultaneamente outros países da América Latina também realizaram reformas educacionais, a exemplo da Argentina, México, Chile, dentre outros. Sobre as tendências dessas reformas Krawczyk (1999, p. 87) esclarece que:
[...] em vários países do mundo, inclusive no Brasil, tem na gestão da educação e da escola um de seus pilares de transformação. A posição hegemônica nessas reformas defende o início de uma mudança radical na maneira de pensar e implementar a gestão dos sistemas educativos concentrada, principalmente, na instituição escolar e sua autonomia. Nesse sentido, uma das principais políticas educacionais no Brasil é a descentralização educativa e a descentralização escolar. Esta última promove a autogestão7 institucional.
Seguindo esses pressupostos a reforma educacional abrangeu várias dimensões do sistema de ensino brasileiro, com sugestões de alterações na legislação, nos currículos escolares, no financiamento da educação, na avaliação, planejamento e gestão educacional, entre outros. Para tanto, foi disseminado que o objetivo dessas ações estava alicerçado no propósito de garantir a oferta de educação básica para todos, de acordo com o discurso oficial, que visava fundamentalmente proporcionar à população brasileira um mínimo de conhecimentos para a sua integração na sociedade mundial.
Na interpretação dos governos neoliberais, nada mais natural que outras instâncias passem a assumir o papel do Estado na mediação das políticas sociais, dentre elas a educação. À vista disso, a justificativa da incapacidade do Estado em prover as condições adequadas para a oferta dos serviços públicos, com a reestruturação do Estado os sistemas educacionais foram alvo dos mesmos planos e ações, sofrendo importantes transformações, como a implantação do modelo gerencial na gestão das escolas e a abertura para projetos e ações advindos das iniciativas privadas nas instituições públicas educacionais.
Nessa perspectiva, se considerarmos que a escola é carente de resolução de inúmeros problemas nela instalados e encontra, no seu caminhar, uma possibilidade de mudar a sua “realidade” aderindo a um modelo de gestão que promete torná-la “melhor” (mais eficiente, mais qualificada) em vários aspectos, pode-se questionar ingenuamente: que mal há nisso? ou seja, se há um problema, onde ele reside? O impasse está na concepção de gestão da escola pública com ênfase na eficiência, produtividade e gerenciamento com a perspectiva do mercado. E ainda, por que isto pode ser um problema para a escola? Primeiramente, porque ela é uma instituição pública, e nesta perspectiva, um modelo de gestão atribuído às empresas capitalistas - que visam prioritariamente o lucro - não é compatível com a gestão de uma instituição pública. Em segundo lugar, porque tais pressupostos caminham na contramão do que é, de fato, uma “gestão democrática da escola”, premissa tão veementemente apregoada nos documentos oficiais governamentais, tais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) e a Plano Nacional de Educação (2001-2010 e 2011-2020), dentre outros. E mais ainda, esse segundo motivo, estaria então a nos revelar um antagonismo nas propostas governamentais no que tange ao aspecto democrático e à autonomia, tão propalada quanto a gestão democrática, nos documentos oficiais. É esse ponto nevrálgico que suscita uma ampla discussão e uma reflexão crítica sobre os limites e possibilidades de uma gestão democrática numa instituição pública de ensino, porquanto esta – enquanto unidade organizativa – insere-se na organicidade de um Estado capitalista.
Entretanto, é importante frisar que as possibilidades e os limites para a gestão de uma escola pública, comparativamente à gestão de uma escola de rede privada, segundo Tragtemberg (2004, p. 87), assemelham-se, pois “tanto são aparelhos ideológicos do Estado as escolas que pertencem ao mesmo como as particulares”. Ou seja, o Estado capitalista não consegue na essência praticar, ou melhor, deixar que se pratique qualquer forma de autonomia e democracia no sentido pleno, porque se assim o fizesse, perderia o elo que o mantêm com o mercado, com o capital.
Prosseguindo nesta reflexão, podemos depreender que a escola constitui-se como parte integrante de uma superestrutura e mantém em sua gênese a influência do sistema econômico vigente. Nessa perspectiva, a educação e as instituições escolares e culturais estariam no âmbito superestrutural8, sofrendo influência direta da “estrutura econômica”. Assim como as demais instituições burguesas, a escola é controlada, direta ou indiretamente, pelo estado capitalista. A legislação educacional por meio de decretos, portarias, convênios, entre outras formas, são outros exemplos de meios do Estado manter-se regulador da situação. Tendo abordado isso, temos agora mais elementos para compreender algumas conexões entre a reforma educacional e a introdução do modelo gerencialista na gestão escolar no Brasil. Em termos temporais considera-se que o processo de democratização política do país, logo após o período de ditadura foi crucial para o direcionamento de ações que repercutissem na elaboração de documentos oficiais para a gestão democrática da escola.
No Brasil, há vinte anos praticamente não se ouvia falar em “Gestão” na área da educação, pois esse termo era pouco conhecido na teoria e na prática educacional9. Contudo, nas últimas décadas houve um significativo estímulo do governo brasileiro acerca do debate sobre a “gestão democrática da escola pública”, como um reflexo dos encaminhamentos da política pública que, por meio de Decretos, Programas e outros documentos oficiais passaram a apregoar tal prática. Contudo, para seguirmos nesta reflexão, julgamos ser de suma importância elucidar neste texto o entendimento de gestão da educação e de gestão da escola que estamos a nos pautar. Em princípio a gestão da educação precede a gestão da escola, por uma questão delimitadora de instâncias. Ou seja, no âmbito em que cada uma é articulada e instaurada.
Em âmbito nacional, gestão escolar é um termo recente que passa a ser utilizado na literatura brasileira “a partir do início do século XX”, conforme Garay (2011, p, 209) e está relacionada ao chamado do processo administrativo, afirma a mesma autora. Na escola, este processo, ou forma de organizar a instituição era denominado “administração escolar”. A alteração na denominação não aconteceu apenas na forma escrita, mas também nas concepções teóricas a respeito dessa atividade. Para alguns, explica Lück “[…] esse processo se relaciona com a transposição do conceito do campo empresarial para o campo educacional, a fim de submeter a administração da educação à lógica de mercado”. Para outros, “o novo conceito de gestão ultrapassa o de administração, uma vez que envolve a participação da comunidade nas decisões que são tomadas na escola” (2000, p. 11-34). Evidentemente, são, como tantos outros encaminhamentos no âmbito da educação e da escola, reflexo das políticas públicas, que denotam transformações procedentes de um determinado momento histórico. Neste aspecto, Laval (2004, p. 189, 190), é sistemático ao afirmar que “por detrás das “mudanças aparentemente técnicas [...]”, a “modernização anuncia uma mutação da escola que toca não somente sua organização, mas seus valores e seus fins.
Esclarecendo o entendimento da lógica das reformas educacionais, Oliveira (2006, p. 03, 04) destaca que
a lógica assumida pelas reformas estruturais que a educação pública vai viver no Brasil em todos os âmbitos (administrativo, financeiro, pedagógico) e níveis (básica e superior) tem um mesmo vetor. Os conceitos de produtividade, eficácia, excelência e eficiência serão importados das teorias administrativas para as teorias pedagógicas. Na educação, especialmente na Administração Escolar, verifica-se a transposição de teorias e modelos de organização e administração empresariais e burocráticos para a escola como uma atitude frequente […] (OLIVEIRA, 2006, p. 03, 04).
A partir de tais prescrições “incutidas nas políticas públicas, os encaminhamentos, por conseguinte, influenciaram as reformas educacionais e consequentemente contribuíram para delinear novos percursos para a gestão escolar”, segundo Oliveira (1996, p. 20, 21). Nesse sentido, o próprio significado do termo “gestão” dá “corpo e peso” a tais prescrições. Seguindo essa interpretação, “novas formas” de gestão para a escola pública foram delineadas na década de 1960 e início da década de 1970 no Brasil. As “novas formas” foram sendo configuradas e justificadas sob […] a crença de que a educação deveria vincular-se aos planejamentos econômicos globais [...]”, para alinhar-se aos moldes de gestão empresariais no contexto da reestruturação produtiva10 em resposta à crise do sistema capitalista. Essa reestruturação, de acordo com Guimarães; Chaves; Paulo (2007, p. 03) “abriu espaço para a deflagração de um novo modelo vigente que privilegiou modificações no processo produtivo, primando por formas de acumulação flexível”, destacando-se o modelo toyotista, (ou modelo japonês) como alternativa ao modelo taylorista/fordista.
Assim, o modelo toyotista é aparentemente mais favorável para a acumulação capitalista do que o taylorista /fordista, pois possibilitou o advento de um trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional, mais envolvido e comprometido com as metas empresariais. Entretanto, para a classe trabalhadora trata-se de uma forma de gestão que, para obter seus objetivos, vale-se da flexibilização da força de trabalho, da desregulamentação de direitos trabalhistas, ampliando a precarização e a superexploração do trabalho (GUIMARÃES; CHAVES; PAULO, 2007, p. 03).
Neste contexto da reestruturação produtiva, Souza acentua que há três elementos constitutivos desta nova forma de gerir a escola: “um primeiro, caracterizado por transformações no planejamento da educação […] tendo como eixo a Teoria do Capital Humano (TCH); um segundo, marcado por mudanças na gestão da educação, com foco no emprego do Controle de Qualidade Total (CQT); e um terceiro, concernente à dimensão pedagógica, tomando por base a disseminação do Modelo de Competências na educação” (SOUZA, 2006, p. 220).
Christian Laval em sua obra A Escola não é uma empresa: o neo-liberalismo em ataque ao ensino público, enfatiza que “a escola republicana voltada à formação do cidadão e que destacava o saber não somente pelo seu valor profissional, mas por seu valor social, cultural e político, vem sendo substituída por uma escola comprometida com a formação de capital humano” (LAVAL, 2004). Ou seja, de conhecimentos apreendidos pelos indivíduos desde que sejam valorizáveis economicamente. Uma escola que cada vez mais se insere na ordem competitiva de uma economia globalizada. Neste contexto, “a noção de Competências vai progressivamente sendo incorporada às reformas educacionais”, afirma Souza (2006, p. 229). Vislumbrando tal projeto, o termo competências, segundo Holanda; Freres; Gonçalves (2009, p. 03) “ganhou força na década de 1990, principalmente a partir das reformas educacionais ocorridas no Brasil para atenderem às demandas do processo de reestruturação produtiva do capital”. Este modelo de pedagogia reforça a inserção do modelo gerencial dentro da escola, lembrando que a pedagogia das competências tem suas raízes na gestão empresarial, inspirado no modelo de competências empresarial para assim, articular e fundamentar uma proposição que faz referência e defesa a uma pedagogia empresarial. Segundo Perrenoud (1999, p. 07-30) o modelo de competências serve “como requisito para o sucesso da gestão em organizações empresariais e também para a gestão da escola”. É neste contexto que os profissionais da educação, especialmente os que assumem a responsabilidade pela gestão da escola, enfrentam vários dilemas. O maior deles é exercitar a flexibilidade para lidar com sua carga horária de trabalho e todos os desafios cotidianos e diversas ordens (pedagógica, administrativa, financeira) que carecem de resoluções, às vezes imediatas. Libâneo (2001, p. 20-24) contra-argumenta defendendo que a gestão da escola deve ser centrada “na perspectiva sócio crítica” e salienta:
O sentido dos saberes e competências profissionais não pode ser reduzido a habilidades e destrezas técnicas, isto é, ao saber fazer […] a internalização de saberes e competências profissionais supõe conhecimento científico e uma valorização de elementos criativos voltados para a arte do ensino, dentro de uma perspectiva crítico-reflexiva (2001, p. 20-24).
O mesmo autor (2004, p. 14) aponta elementos constitutivos desta nova configuração da escola e do ensino, esclarecendo que “a reforma do ensino, em muitos países, está ligada ao discurso de uma nova ordem educativa mundial”. Laval (2004) também cita relatórios e documentos de organizações internacionais, como o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Comissão Europeia, como agentes difusores de um novo modelo de gestão para a escola, que compactua com os ideais do mercado capitalista. Em suma, a escola está sendo cada vez mais pressionada a adequar-se à economia capitalista e às novas demandas da sociedade neoliberal.
A compreensão desta configuração de escola contemporânea diluída na lógica de mercado é muito importante para uma análise mais fidedigna de como a ideologia neoliberal vem transformando a escola em empresa e, nesta perspectiva, insere-se com forte argumentação a política da Terceira Via. Ideais preconizados por autores como Giddens (2001, p. 37), que afirma que “a política da terceira via não despreza a esfera pública: ela proporciona os meios de reconstruir e renovar as instituições públicas, um de seus principais objetivos”. Segundo o mesmo autor (2001, p. 35) outras expressões podem substituir a Terceira Via: “esquerda modernizadora e social-democracia modernizadora” e afirma que “a política da terceira via não é uma continuação do neoliberalismo, mas uma filosofia política alternativa a ele” (2000, p. 40), o que na concepção do autor acrescentaria possibilidades de inovação e eficácia na gestão do Estado. Em contraposição a este pensamento e ao encontro de uma perspectiva crítica de análise dessa conjuntura, Martins (2009), na obra Direita para o social e esquerda para o capital - intelectuais da nova pedagogia da hegemonia no Brasil, deixa evidente o papel político e intelectual de ponta exercido por organismos internacionais (como Banco Mundial e UNESCO) e grandes fundações norte-americanas (como Ford e Rockfeller), bem como a densa malha de relações que os conecta, no âmbito nacional, a prestigiosas instituições de ensino e pesquisa, empresas privadas socialmente responsáveis e organizações não-governamentais especializadas em participação. Martins (2009, p. 163 -164) esclarece que o “trabalho dos aparelhos formuladores da nova ideologia destinada a renovar o padrão de sociabilidade no Brasil e legitimar a condição de dirigente do empresariado foi fortalecido pela participação direta das empresas que passaram a intervir na sociedade por meio de projetos sociais”11.
No âmbito escolar estas políticas foram e estão sendo implantadas de forma aparentemente inofensiva. O certo é que a tentativa de transformar a escola em uma fornecedora de mão de obra adaptada às necessidades da economia, subsidiam e fortalecem a mercantilização da educação. Ainda, é nesta nova ordem educativa, na perspectiva de uma falácia democrática, que se 'rearranja' o sistema educacional. Em consequência disso, a escola pública contemporânea, coloca-se cada vez mais a serviço da competitividade econômica, revelando uma relação 'simbioticamente aparente' entre público e privado. Entretanto, não se tem aqui a pretensão de sustentar um discurso de que todos os males instaurados no âmbito escolar decorrem desta lógica estrutural de escola, pois é sabido que na teia social as complexificações das relações micro e macrossocial permeiam pelo cotidiano escolar e são reflexos da própria estrutura da sociedade que é geograficamente e temporalmente mutável. A relação espaço-tempo é que delineia isto. O que se pretende, em concordância com as afirmações de Laval (2004, p. 20), é que se compreenda que este é “um processo que, embora iniciado, não está terminado e nem é inevitável”. Por isso, seria um equívoco propor aqui uma alternativa à influência direta do neoliberalismo na escola.
A problemática, nesta reflexão, está na forma em que esta lógica empresarial para a gestão da escola pública se configura. A forma como se apresenta – por meio de documentos oficiais – a primeira vista parece conduzir a gestão da escola para um caminho democrático e participativo. Tais encaminhamentos podem apresentar-se como a solução mais democrática. No caso da educação pública, isso implica um “novo modelo de gestão que tem como proposta reestruturar o sistema por intermédio da descentralização financeira e administrativa, dar autonomia às instituições escolares e responsabilizá-las pelos resultados educativos” de acordo com Krawczyk (1999, s.p.). Nesta ótica insere-se uma contradição básica quando se constata a aproximação cada vez maior da escola pública (pois na escola privada essa é uma questão permanente e explícita) com as organizações produtivas, do mundo empresarial em geral, movidas pela lógica produtivista da lucratividade e da excelência na gestão. Os objetivos da escola pública e o seu comprometimento com a transformação social diluem-se em detrimento de uma nova lógica – a da inserção da formação profissional por meio da especialização da força de trabalho – mediante a valorização exacerbada do interesse econômico e ao cumprimento formal de metas de aprendizagem, interferindo também na organização administrativa, financeira e pedagógica da escola. Estes elementos têm influência direta na gestão escolar e na forma como a democracia e a participação estão configuradas neste espaço.
A situação de dualidade que nos referimos resumiria uma realidade dividida em princípios antagônicos. Ou seja, de um lado estaria a escola com sua concretude vivenciando situações que a distanciam cada vez mais (nesta forma de sociabilidade capitalista) de uma gestão de fato democrática e por outro lado, a escola e sua forma organizacional é traduzida nos documentos oficiais governamentais como instituição que deve buscar fundamentar suas práticas e princípios pautados na participação e na autonomia. Essas formulações chegam à escola através de um discurso emancipatório, que não questiona as possibilidades e limites impostos pelo capital, à própria autonomia das instituições e dos sujeitos.
Considerações Finais
A introdução de um modelo empresarial gerencialista para o setor público, a partir da Reforma do Estado brasileiro na década de 1990, sob a influência e os ditames dos organismos internacionais, repercutiu substancialmente na concepção de gestão da escola pública que passou a ser focada na eficiência, nas produtividade e na competitividade. Aspectos estes que foram progressivamente transferidos para as políticas de educação e para a proposta de “novas formas” de gestão das escolas públicas. Esses encaminhamentos foram assegurados por mecanismos formais do governo, tais como leis, decretos, projetos, programas, dentre outros documentos oficiais. Entretanto, essa proposta governamental em seus princípios e instrumentalidade apresenta-se incompatível e em contraposição à materialidade posta na escola. O embate inicia-se no plano teórico quando, nesses documentos, são apresentadas as propostas de participação e autonomia desconectadas da realidade material, objetiva. Assim, a contradição se instaura, preliminarmente, quando se propõe a “democratização da escola pública”, mas a estrutura e a organização da escola permanecem burocratizadas e a participação e autonomia oferecidas são limitadas pelo Estado; ao mesmo tempo, as “novas formas” de gestão propostas defendem uma escola gerida nos moldes empresariais, buscando indicadores de eficiência e produtividade.
Diante dessa situação, pode-se concluir também que estes elementos supracitados exercem influência direta na gestão escolar e na forma como a participação e a democracia estão configuradas no espaço escolar. Por estes motivos, considera-se que as “novas formas” de gerir que estão configuradas atualmente nas unidades de ensino públicas, remetem a um tipo de participação fictícia ou parcial que a instituição hospeda na sua forma organizativa, praticadas no seu cotidiano. Nesse cenário, cada instrumento da gestão é marcado pela forma fragmentada que se manifesta na concretude da escola em tipos e níveis diferenciados do processo de tomada de decisões. Disso resulta não apenas uma forma de gerir, mas várias formas de gerir, com diferentes instrumentos dentro de um mesmo espaço, de uma mesma organização.
Por conta disso, as “novas formas” de gestão propostas para a escola pública, pautadas no modelo gerencialista são antagônicas a uma proposta de articulação de autonomia e “mais participação” da comunidade escolar e local na gestão (apregoada nos documentos oficiais), porque este modo constitutivo de escola não cria e não oferece possibilidades de participação plena dos sujeitos em todas as instâncias do processo decisório e, mais ainda, porque não corresponde à materialidade conflituosa e complexa da escola pública. Justamente por estas constatações, o pressuposto inicial corrobora-se e permite concluir que estas “novas formas” de gerir a escola distanciam-na da efetivação de condições democráticas emancipatórias nas relações de trabalho, bem como, pelo seu caráter fragmentado, restringem a participação dos sujeitos trabalhadores na tomada de decisão. Com isso, afastam a possibilidade de a escola existir sob a constituição sui generis de uma forma de gestão plenamente democrática.
Neste sentido, a prerrogativa de uma ‘autonomia’ instalada na escola, que fundamenta os textos que estruturam os documentos oficiais, revela que a escola pública é desafiada continuamente, num embate eivado de contradições, a assumir formas de gestão empresariais e, ao mesmo tempo, implementar os princípios e os instrumentos de uma gestão participativa e democrática. No âmbito da instituição esses elementos se apresentam por meio de um discurso ideológico. Há um sentimento generalizado de que a participação é compromisso de apenas ‘alguns sujeitos’ e de que a democracia não acontece por conta do não interesse dos trabalhadores em participar das decisões da escola. Nesse aspecto, o Estado cumpre seu papel fortalecendo nos sujeitos o entendimento de que ele, Estado, viabiliza possibilidades de tornar a escola democrática, formalizando esta intenção por meio dos documentos oficiais e, desse modo, inculcando uma ‘ideologia participacionista’, conforme Tragtenberg (2004, p. 52). Mediante esse discurso, incute nos trabalhadores a ideia de que se a escola não vai bem, se a gestão eficiente não se efetiva, o problema reside ali mesmo, na instituição, responsabilizando os sujeitos por isso.
Em suma a situação deste mosaico que configura a situação de “novas formas de gestão” dentro da escola, impossibilita que a gestão desta concretize-se na perspectiva emancipatória do sujeito. Esta formulação deriva da constatação de que a escola não é antagônica à proposta de governo. A escola está cumprindo a “cartilha do capital”, sendo funcional ao sistema e inócua ao projeto de educação que busque a emancipação do sujeito. Diante disso, conclui-se que a materialidade vivenciada pela escola, a distancia de um processo de democratização da gestão plena, ou seja, pela constituição de condições que efetivem a participação total da comunidade nos processos decisórios restando aos sujeitos a prerrogativa de uma forma de participação controlada. Desse modo, ficam explícitas as conexões entre a reforma do Estado e a reforma educacional brasileira, especificamente no que tange à modernização da escola pública, via introdução de modelos gerencialistas de gestão importados da gestão empresarial e compatíveis com a forma de sociabilidade estabelecida pelo capital.