Um “calmante despertador” é como podemos enunciar a obra de Debora Diniz (2013). Com redação clara e ousada, destina a sua obra em forma de carta a aspirantes escritores acadêmicos, ou melhor, escritoras. Ao iniciar a sua escrita, transgride padrões ao adotar um “feminino universal” em relação à subversão necessária no espaço científico. Autora e pesquisadora, Debora Diniz é graduada em Ciências Sociais, mestre e doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília (UnB), pós-doutora pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade de Toronto (UTORONTO) e Universidade de Michigan (UMICH). Desenvolve projetos e pesquisas em diversas áreas, dentre elas, bioética, saúde, feminismo e, sobretudo, direitos humanos. Reconhece-se como professora-orientadora-pesquisadora e luta em defesa de novas pesquisas, do avanço da escrita acadêmico-científica e em defesa da educação como prática da liberdade que ousem transgredir os padrões e desenvolver a capacidade de ser livre (HOOKS, 2013).
A obra intitulada “Carta de uma orientadora” resulta da troca de ideias advindas da combinação de observações e experiências pessoais. É, então, um encontro intelectual que defende a escrita como exercício da mente e do corpo. Dessa forma, pode ser considerado um texto base para todos aqueles que almejam adentrar na perspectiva da escrita acadêmica e desenvolver pesquisas científicas pertencentes às inúmeras fases de formação – inclusive no mestrado. Diniz (2013) deixa explícita a ideia de que a carta não constitui um manual de metodologia a ser seguido na produção científica, mas sim um norteador de ideias que cause reflexões, instigue a busca por soluções e, consequentemente, pela produção acadêmica.
Nessa perspectiva, o texto, organizado de forma narrativa, baseia-se na necessidade de estabelecimento de parceria entre orientador e orientandos na produção científica que denomina e caracteriza como leitor-ouvir e aprendiz de escritor, respectivamente. Dessa maneira, ambos estão situados no paradoxo de transitoriedade do processo de produção e da eternização por meio das palavras, da conclusão de uma pesquisa e do compartilhamento público. Assim, a autora faz, exemplarmente, uma metáfora entre os atos de cozinhar e costurar e o processo de escrita. Tais fenômenos estão atrelados à constituição do ser humano por meio de pesquisas anteriores, tentativas e intervenções para o aprofundamento e aperfeiçoamento a fim de atingir um produto final legitimado.
Por um lado, a ansiedade, as leituras desordenadas e burocráticas, as problemáticas amplas, a preguiça intelectual e o temor. Por outro, o planejamento, a leitura criativa, os encontros e o tremor. Este é um dos grandes paradoxos nos quais o início e o desenvolvimento da pesquisa científica se situam. Momento em que o conflito entre almejar e colocar em prática a pesquisa e a leitura crítica requer cautela daqueles que encaram com temor o fato de que escrever significa expor-se publicamente, ao invés de considerá-lo um ato de privilégio, de contribuição pessoal, dentro de suas possibilidades e limites, com o tremor criativo de seus objetivos. Desse modo, Diniz (2013) discorre sobre a orientação como o encontro intelectual, no qual incide o desafio de mudanças de paradigmas para a valorização do processo educacional, além do não esquecimento da dúvida e atribuição de relevância dos questionamentos que são capazes de causar inquietações etéreas que se desenrolam em contribuições para a sociedade e existência humana.
Nesse segmento, nos é oferecida a grande reflexão a respeito do processo de produção, sobre o verdadeiro sentido desse ato e de como podemos realizá-lo com maestria. Torna-se claro, então, que não precisamos ser capazes – e realmente não somos – de dominar todos os aspectos que envolvem a escrita, mas que podemos ter encontros conscientes com a pesquisa, com o tempo, com o texto, com a leitura e a escrita. Dessa maneira, a obra – apesar de não ser um manual – nos oferta uma série de orientações para o desenrolar exploratório, pois a autora reconhece a importância da metodologia clara para as produções esclarecedoras e, principalmente, indagadoras. Assim, algumas das críticas centrais presentes no texto estão ancoradas no fazer mecânico da pesquisa, no fazer para cumprir prazos e tabelas, não no pensamento crítico que verdadeiramente busque o desenvolvimento intelectual e as contribuições para a sociedade, pautadas em problemáticas que dela emergem.
Diante disso, uma das orientações – e alertas – que Diniz (2013) apresenta é o da necessidade de definição objetiva do que queremos e do que não queremos ao explorar certo tema. Para tanto, é preciso que haja uma definição específica do problema de pesquisa que se busca responder ao findar o estudo em sua forma inacabada de potencial tema gerador. Para isso, é necessário que tenhamos claro o que é um problema de pesquisa, em qual tema ele está inserido, qual é a minha relação e significatividade com ele e como nos inquieta ao provocar curiosidade acadêmica e novas possibilidades. Sendo assim, o encontro com a pesquisa deve estar pautado no tripé título funcional, problema e palavras-chave.
Dessa forma, o texto estruturado em nove sessões, subdivididas em outras treze, nos confronta, exorta e encoraja a nos orgulhar de nossas produções ao adotar a escrita como um ato político, de expressão de ideias e de existência nas palavras. Para tanto, a leitura deve ser tida como um processo básico que permeia a pré-escrita, o início, o desenvolvimento, a conclusão e pós, pois é por seu intermédio que nos construímos, desconstruímos e reconstruímos, assim como os saberes e conhecimentos por nós defendidos.
Sendo assim, é necessário que tomemos posse deste “calmante despertador” que é a obra de Debora Diniz (2013) ao também tomarmos posse, de nossa possível posição de autores, de romper com o “não lugar” da produção científica. Assim, configura-se como um meio de abrir nossos olhos críticos, de confrontar como estamos lidando com o ofício da pesquisa, do nosso dever de encará-lo como oportunidade de representações e transformações sociais, os quais reconheçam que o saber emerge de conflitos e de constantes indagações, além de despertar para a necessidade de acatarmos a escrita como meio de superações.
Portanto, o texto chama a atenção para o fenômeno do autoconhecimento e nos acalenta ao deixar explícita a ideia de que a produção de pesquisa científica é um processo paulatinamente constituído, com acertos e erros que nos proporciona “aparar arestas” e aperfeiçoar o explorar de um determinado objeto. Diniz (2013), então, nos proporciona passos fundamentais para construirmo-nos como artesãos intelectuais com escrita e leitura ativa, criativa, que emerja de crises – no sentido de criticidade e possibilidade do vir a ser, de criação. Por meio desse autoconhecimento, constatamos qual é o ritmo necessário para assegurar os aspectos anteriormente defendidos, além de reconhecer o planejar como fundamental para assumir a humildade necessária de aprender e desenvolver que demonstrarão os rumos que terão a caminhada de produção acadêmica, pautadas na tese da eterna ignorância humana que lança mão do inesgotável processo de construção dos conhecimentos.