APRESENTAÇÃO
Andreas Schleicher é Diretor de Educação e Assessor Especial em Política Educacional da Secretaria Geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Andreas tem graduação em Física pela Universidade de Hamburgo, na Alemanha, e mestrado em Matemática pela Universidade de Deakin, na Austrália. Antes de ingressar na OCDE, Andreas foi Diretor de Análises da IEA (International Association for Educational Achievement), onde ajudou a desenvolver o TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study). Dentre as principais ações da Diretoria de Educação da OCDE sob seu comando, destacam-se o PISA (Programme for International Student Assessment), a TALIS (Teaching and Learning International Survey) e análises sobre políticas e sistemas educacionais. Na entrevista, discute- -se o papel da OCDE e, em especial, do PISA, no contexto educacional internacional; sua relação com pesquisadores, gestores de políticas e outros atores da comunidade educacional; bem como os impactos de sua atuação nos níveis nacional, subnacional e das escolas. A entrevista aborda, ainda, alguns aspectos relativos à participação do Brasil em programas e projetos educacionais da OCDE.
EAE: Sabe-se que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) trabalha em estreita colaboração com analistas e formuladores de políticas de países membros e não membros para desenvolver análises e melhores práticas em educação. Contudo, a relação da OCDE com universidades e instituições de pesquisa e pesquisadores é menos clara. Como a OCDE interage com eles? A Organização promove iniciativas específicas para apoiar pesquisas sobre políticas e práticas educativas? Como um pesquisador pode explorar a base de conhecimento e dados da OCDE?
AS: Na verdade, trabalhamos muito com as universidades. A maioria dos nossos instrumentos, como o Programme for International Student Assessment [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes] e o Teaching and Learning International Survey [Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem], são desenvolvidos com a ajuda de acadêmicos e universidades de ponta. Também trabalhamos com uma rede de universidades para construir conexões globais. E temos um programa de trabalho para ajudar os sistemas de ensino superior a olhar para outros países. Toda a base de conhecimento e dados da OCDE está disponível on-line, e também damos suporte aos pesquisadores a respeito de suas dúvidas. Nos últimos anos, também temos um programa de bolsas com o qual os pesquisadores podem trabalhar na OCDE para realizar sua pesquisa.
EAE: Países com diferentes condições econômicas e sociais têm aderido cada vez mais às iniciativas da OCDE. As escolas nesses países geralmente enfrentam mais desafios que as escolas na maioria dos países membros da OCDE, tais como o atendimento em vários turnos e salas de aula superlotadas. Que estratégias a OCDE aplica para levar em conta essas diferenças? Como a OCDE pode tentar lidar com as agendas desses países?
AS: Sim, estamos tentando apreender o contexto em que as escolas e os sistemas de ensino funcionam de forma cada vez mais detalhada, para que possamos fazer comparações significativas. Recentemente, com a iniciativa PISA for Development [PISA para o Desenvolvimento], adaptamos os instrumentos do PISA especificamente para países em desenvolvimento, e isso inclui até mesmo avaliar habilidades relevantes de estudantes que não estão matriculados na escola. E, comparando escolas e sistemas educacionais, podemos levar em conta essas diferenças em nossos modelos estatísticos. Mas, mesmo quando se comparam escolas similares em vários países, encontram-se diferenças incríveis. Por exemplo, os alunos que estão entre os 10% mais desfavorecidos no Vietnã têm habilidades matemáticas melhores que os alunos que estão entre os 10% mais privilegiados na maior parte da América Latina. É importante entender que o mundo não está mais dividido entre os países que são ricos e têm educação de qualidade e aqueles que são pobres e têm educação de baixa qualidade. Os países podem optar por desenvolver um sistema de educação melhor e, se eles conseguirem, isso será muito recompensador.
EAE: Parece que a OCDE mudou seu papel ao longo do tempo: ela passou da apresentação de análises para um envolvimento maior com o aconselhamento a respeito de políticas públicas. Alguns críticos argumentam que a Organização deveria abster- se de recomendar a adoção de políticas específicas. Eles apontam a incerteza da eficácia dessas políticas e questionam o uso da abordagem “um mesmo modelo serve para todos os casos” (da expressão em inglês, “one size fits all”). Na opinião dos críticos, a OCDE deve restringir o seu papel a produzir informações e ajudar as pessoas a usá-las para decidir sobre as melhores práticas para seus contextos. Como você vê essas críticas? Qual é o papel institucional da OCDE?
AS: Na verdade, raramente dizemos aos países o que fazer; nossa abordagem é dizer aos países o que todos os outros no mundo têm feito e com que grau de sucesso. Tentamos ajudar os formuladores de políticas a encontrar respostas em vez de dar-lhes respostas. Nosso objetivo é ajudar os países a melhorar a qualidade, relevância e equidade na aprendizagem; e as estratégias a alcançar podem ser muito diversas no contexto de diferentes países.
EAE: Além disso, pode-se notar que o PISA está desempenhando um papel fundamental para a integração de países sob uma agenda educacional global para melhorar a educação, o que pode entrar em conflito com questões educacionais locais. Como você vê essa relação entre as agendas globais e locais na educação?
AS: Creio que as perspectivas globais e locais são complementares. Sim, alguns dizem que o benchmarking internacional funciona contra a diversidade nos sistemas educacionais e desvaloriza as culturas locais. Eles alegam que usar um padrão internacional para aferição pressiona os países e regiões a perderem sua identidade individual. Mas eu argumentaria o contrário. No escuro, todas as instituições e sistemas educacionais parecem iguais e são justamente as comparações internacionais que lançam luz sobre as diferenças e mostram o que pode e deve ser reformado. São as comparações internacionais que nos permitem ver a natureza diversa das políticas e práticas educacionais e extrair benefícios desse conhecimento para a concepção e implementação de políticas e práticas.
Talvez o mais importante seja que uma perspectiva internacional oferece aos formuladores de políticas e aos profissionais uma oportunidade de ter uma visão muito mais clara de seus próprios sistemas educacionais, revelando mais sobre as crenças e estruturas subjacentes. Tal perspectiva pode conter um espelho revelador para mostrar as características distintivas, os pontos fortes e fracos. Essa compreensão mantém a promessa de que os sistemas educacionais possam ser mais bem entendidos e depois mudados e melhorados.
Creio que existem muitos muros entre os sistemas educacionais, com poucas oportunidades para os países olharem para as políticas educacionais desenvolvidas e implementadas fora de suas fronteiras. Não há muito aprendizado com a experiência de outras pessoas. É por isso que as comparações internacionais como o PISA são tão importantes. Elas podem mostrar o que é possível na educação em termos de qualidade, equidade e eficiência dos serviços educacionais alcançados pelos líderes da educação no mundo; elas podem promover uma melhor compreensão de como diferentes sistemas de educação lidam com problemas semelhantes; e elas podem ajudar a estabelecer metas significativas em termos de objetivos mensuráveis alcançados pelos líderes da educação no mundo.
EAE: Quando a OCDE compartilha melhores políticas e práticas, assume tanto uma responsabilidade ética como técnica. Quais são os critérios éticos e técnicos adotados pela Organização para identificar e compartilhar melhores políticas e práticas?
AS: Os critérios éticos giram em torno do futuro das crianças. Nosso programa Education 2030 [Educação 2030] especifica os conhecimentos, as habilidades, os valores e as atitudes que acreditamos que ajudarão as crianças a pensar por si mesmas e a trabalhar com e para os outros. Os critérios técnicos giram em torno da relevância, validade e confiabilidade das comparações.
EAE: Mais especificamente, existem algumas críticas devido à natureza dos dados produzidos pela OCDE e seu uso. O desenho do PISA e da TALIS, por exemplo, é em cross-section, o qual se restringe a permitir extrair correlações entre diferentes medidas. No entanto, os relatórios e as apresentações da Organização geralmente contêm algumas recomendações relativas a essas correlações ou até mesmo fazem uso de termos como efeitos, que dão a ideia de causalidade. Quais são as diretrizes que a OCDE dá a seus analistas para produzirem informações com base nesse tipo de dados?
AS: Sim, muitas das nossas fontes de dados são em cross-section, e por si só não permitem inferências causais. A educação é altamente carregada de valor. Os sistemas se desenvolvem por motivos históricos que refletem os valores e as preferências dos pais, alunos, administradores, políticos e muitos outros. Mas os responsáveis por tomar decisões na educação podem se beneficiar de comparações internacionais, da mesma forma que os líderes empresariais aprendem sobre a gama de fatores que levam ao sucesso, inspirando-se nas lições dos outros e depois adaptando-as ao contexto local. Não se trata de especificar uma fórmula para o sucesso. Não se trata de prescrições de políticas. Trata-se de descrever a experiência dos países cujos sistemas educacionais se revelaram excepcionalmente bem-sucedidos para, assim, ajudar a identificar opções de políticas para outros. E, quando extraímos inferências, nunca é com base apenas nos dados, mas sim em inúmeras informações.
EAE: O PISA tem dirigido sua atenção para questões além do desempenho do aluno, como podemos ver no relatório publicado recentemente, PISA 2015 Results (Volume III): Students’ Well-Being [Resultados do PISA 2015 (Volume III): o bem-estar dos estudantes]. Esse tipo de iniciativa deve ser incentivada, já que fornece dados que podem melhorar a pesquisa sobre um tema muito importante. Mas há muitas outras questões tão importantes quanto o bem-estar dos estudantes. Por que esse tema foi escolhido? Como um tema entra na agenda do PISA?
AS: Os temas são escolhidos pelos países participantes, e essas escolhas são difíceis porque refletem tanto o que é importante quanto o que é possível avaliar. O uso da avaliação por computador no PISA significa que uma ampla gama de conhecimentos e habilidades pode ser testada agora. A avaliação do PISA 2012 das habilidades criativas de resolução de problemas, a avaliação do PISA 2015 das habilidades colaborativas de resolução de problemas e a avaliação do PISA de competências globais, planejada para 2018, oferecem exemplos para isso. Mas nem tudo pode ser testado com tais abordagens. O desenvolvimento de medidas de habilidades sociais e emocionais é mais desafiador. Mas, mesmo nesse aspecto, o relatório Skills for Social Progress [Habilidades para o progresso social], publicado pela OCDE em 2015, mostrou que muitos de seus componentes agora podem ser medidos de forma significativa. Dito isso, levará muito tempo para que avaliações como o PISA possam representar adequadamente os recursos fundamentais necessários para o aprendizado e desenvolvimento humanos, tais como: o verdadeiro, o campo do conhecimento humano e da aprendizagem; o belo, o campo da criatividade, da estética e do design; o bom, o campo da ética, do justo e bem ordenado, o campo da vida política e cívica; e o sustentável, o campo da saúde natural e física.
EAE: A pesquisa mostra de forma consistente que as estratégias de algumas escolas para melhorar os resultados em avaliações nacionais estão, na verdade, contribuindo para aumentar as desigualdades. Qual é o papel das avaliações internacionais, como o PISA, nessa questão? Elas podem apoiar os governos para superarem essas desigualdades ou elas apenas pressionam por mais competição e, portanto, mais disparidades?
AS: Mostrar que a qualidade e a equidade na educação podem ser conciliadas tem sido um dos temas mais importantes do PISA. Na verdade, o PISA mostra reiteradas vezes que a maioria dos sistemas educacionais de melhor desempenho também são os que alcançam altos níveis de equidade. Mais importante do que isso, o PISA dá aos países uma ampla orientação sobre como melhorar a equidade em oportunidades e resultados educacionais.
EAE: Mais do que desempenhar um papel na política em nível nacional, o PISA for Schools [PISA para Escolas] parece inovar ao descer até o nível da escola. Quais são os objetivos do PISA for Schools? Um município brasileiro, Sobral (Ceará), acaba de anunciar que algumas escolas locais participarão dessa iniciativa. O que podemos esperar disso? Como as escolas e os formuladores de políticas podem se beneficiar de sua participação no PISA for Schools?
AS: Com o PISA for Schools, estamos tentando dar às próprias escolas as ferramentas para olhar para fora. E as escolas estão começando a usar esses dados. Em setembro de 2014, abri a primeira reunião anual de escolas nos Estados Unidos que tinham participado da prova, e foi encorajador ver o quanto elas estavam interessadas em comparar-se não apenas com as escolas vizinhas, mas com as melhores escolas em nível internacional. Em Fairfax County, Virgínia, dez escolas tinham começado uma discussão de um ano envolvendo diretores e professores, com base nos resultados dos primeiros relatórios, com a ajuda das diretorias de ensino (e a OCDE). Eles estavam examinando seus dados em maior profundidade para comparar suas escolas entre si e com outras escolas ao redor do mundo. Esses diretores e professores começaram a se ver como companheiros de time, e não apenas como espectadores, num jogo global. Em outras palavras, em Fairfax County, grandes bancos de dados (da expressão em inglês “big data”) começaram a construir uma grande confiança.
EAE: Entre 2003 e 2015, o desempenho do Brasil em matemática no PISA melhorou 21 pontos apesar de o país ter aumentado consideravelmente a matrícula dos alunos na escola - uma melhora notável, de acordo com a OCDE. No entanto, o mesmo não aconteceu em ciências e leitura, cujos resultados permaneceram estáveis nesse período. Isso é bastante intrigante, uma vez que a maioria das políticas federais e locais implementadas nesse período concentraram-se em melhorar o desempenho dos alunos em matemática e leitura. Você tem alguma hipótese de por que o desempenho do Brasil melhorou em matemática, mas não em leitura, apesar de ambos receberem investimentos similares? Você tem conhecimento de casos semelhantes? AS: Isso foi estudado em detalhes no relatório nacional sobre o Brasil no PISA.
EAE: O governo brasileiro enviou recentemente um pedido formal para integrar a OCDE. Se o Brasil se tornar membro dela, como a participação do país nos projetos e programas educacionais da OCDE mudará? Como a comunidade educativa brasileira pode se beneficiar dessas mudanças?
AS: O Brasil já é um membro ativo da maioria das principais iniciativas de educação da OCDE.