Introdução
Em Moçambique e na maioria dos países em desenvolvimento, o acesso ao ensino superior pela mulher foi sempre caracterizado por vários factores de natureza cultural, sociopolítica e histórica, podendo se entender como estando associado ao que Naila Kabeer (1998) chama de dimensões das relações sociais que constroem diferenças sistemáticas na posição que homens e mulheres têm em diferentes contextos. Por outras palavras, os papéis que a sociedade atribui a homens e mulheres influenciam grandemente na escolha de cursos e/ou profissões.
Ademais, a dimensão de género construída cultural, social e historicamente é um vector que permite identificar aspectos culturais e relações de poder entre homens e mulheres que se entendem até a opção pelas mulheres e homens do tipo de cursos a frequentar no ensino superior. Isto pode-se ver pelo reconhecimento que é dado a questões de equidade de género nos cursos das ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, sigla na versão em inglês), pelo facto de contribuírem para o acesso das mulheres cientistas e promover a diversidade e a capacidade inovativa com impacto na educação e desenvolvimento na carreira de gerações futuras (Yonghong Jade XU, 2008). Este autor adianta dizendo que, apesar de divergências no entendimento sobre os factores que podem contribuir para a escolha de cursos, acredita-se que a subrepresentação de mulheres em STEM é maioritariamente causada pelas diferenças congênitas ou socialização orientada para o género em termos dos papéis que a sociedade atribui a homens e mulheres. Para este artigo e, olhando para o contexto moçambicano, entende-se por género um fenómeno que é socialmente construído e resulta em diferentes papéis, responsabilidades, oportunidades, necessidades e constrangimentos para mulheres, homens, raparigas e rapazes. Por outras palavras, género refere-se a papéis socialmente construídos que incluem comportamentos, actividades e atributos que determinada sociedade considera apropriados para homens e mulheres (BANCO MUNDIAL, 2012).
De acordo com Érica Pinto, Eulina de Carvalho e Gloria Rabay (2017), as relações de género na escolha de cursos no nível superior se expressam na concentração de mulheres nas áreas das ciências humanas, sociais e da saúde; e dos homens nas ciências exatas, naturais e tecnológicas gerando-se, aqui, o fenómeno “gendramento do conhecimento”. Consequentemente, reproduz-se um estereótipo de género construído social e historicamente e presente em muitas das atitudes de homens e mulheres uma vez sujeitos a discursos binaristas quando crianças de sexo masculino e feminino. São estes discursos que lhes ensinam como devem ser ou não ser, se comportar ou não se comportar, se posicionar ou não se posicionar, pensar ou aceitar pensamentos dos outros dependendo se são homens ou mulheres (Andrea BOTTON; Marlene STREY, 2012).
Ainda de acordo com Pinto et al. (2017), a segmentação e desigualdade por sexo no processo de escolha de cursos do nível superior implicam uma compreensão profunda do contexto cultural em que homens e mulheres estão inserido(s)/inserida(s) que, na maioria das vezes, é androcêntrico ou heteronormativo. No entender destes autores, a socialização de género influencia na construção de projectos de vida e trabalho de homens e mulheres, uma vez que as diferenças sociais se vão naturalizando com o andar do tempo desde o nascimento em função do sexo biológico.
Estudos sobre disparidade de género no acesso à formação em áreas de STEM iniciaram cedo, nos anos de 1970, e continuam ganhando maior atenção a nível nacional e internacional (Allison KANNY; Linda SAX; Tiffani RIGGERS-PIEHL, 2014). A este respeito, pesquisas realizadas através de metanarrativas de literatura, 40 anos de pesquisa sobre disparidade de género, nos Estados Unidos da América, revelam a existência de barreiras estruturantes no ensino obrigatório, factores psicológicos, valores e referências, influência da família e expectativas, e percepção das mulheres sobre STEM.
Um estudo realizado no Brasil sobre as relações de género nas escolhas de cursos superiores concluiu que ainda persiste o gendramento na escolha de cursos do nível superior pelos estudantes do sexo masculino e feminino (PINTO et al., 2017). Segundo este estudo, as mulheres continuavam demonstrando mais interesse pelos cursos na área de Ciências da Saúde (Fisioterapia, Nutrição, Enfermagem), e na área de Ciências Sociais e Humanas (Serviço Social e Pedagogia) em detrimento de Educação Física, Engenharia da Computação, Engenharia Mecânica e Engenharia Elétrica, áreas consideradas dos homens (PINTO et al., 2017). Provavelmente isto esteja ligado ao gendramento do conhecimento que se reproduz em estereótipos de género.
A tendência mundial
O relatório da UNESCO Brasil (2018) aborda a situação actual de meninas e mulheres na educação e nas carreiras de STEM e diz que a sua participação deve ser considerada no contexto do seu acesso e participação geral na educação primária, secundária e superior. Esta visão encontra-se alinhada com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. A inclusão das áreas de STEM nesta agenda são um meio importante de se alcançar seus objectivos, como vem espelhado no Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, sobre educação inclusiva e equitativa de qualidade e aprendizagem ao longo da vida, e no ODS 5, sobre igualdade de género e empoderamento das meninas e mulheres. Ademais, o relatório enfatiza que, ao se abordar questões de género na área de STEM, estará se abrindo espaço para que meninos e meninas, homens e mulheres sejam capazes de obter habilidades e oportunidades para contribuir e se beneficiar de forma igualitária das vantagens e dos aspectos positivos associados a STEM.
No que toca ao acesso ao ensino superior, o relatório da UNESCO Brasil (2018), com base em dados de mais de 120 países e territórios dependentes da Ásia, Estados Árabes, América Latina e África Subsaariana, refere ter havido um avanço importante. Por exemplo, na educação superior, as matrículas de mulheres quase dobraram entre 2000 e 2014. Neste mesmo período, as jovens mulheres constituíram a maioria dos estudantes de graduação e mestrado em todo o mundo, sendo que a percentagem de mulheres que prosseguiu no nível de doutoramento caiu mais de 7% quando comparada às matriculadas no mestrado.
O cenário na área de STEM na perspectiva de género mostra que os alunos do sexo masculino estão matriculados em maior número em cursos de engenharia, produção industrial, construção e Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e, em menor, em outras disciplinas (Gráfico 1), enquanto as alunas são a maioria nos campos de educação, artes, saúde, bem-estar, humanidades, ciências sociais, jornalismo, negócios e direito. O mesmo Gráfico ilustra uma situação interessante em que a proporção das alunas é maior que a dos homens em cursos de ciências naturais, matemática e estatística, o que se justifica pelos aumentos significativos nas matrículas entre 2000 e 2015.
Fonte: Relatório da UNESCO Brasil, 2018.
#PraTodoMundoVer O Gráfico utiliza duas cores: o azul escuro para representar as meninas e o roxo para representar os meninos. A imagem evidencia que a maior parte das meninas está matriculada em cursos das áreas humanas, e que a maior parte dos meninos nas áreas das exatas. Nas área de negócio e administração e ciências naturais tem um equilíbrio na distribuição de matrículas. As áreas aparecem escritas abaixo da linha horizontal do Gráfico, de forma perpendicular, e os números com as percentagens estão logo acima de cada barra azul e verde
O caso de Moçambique
Moçambique não foge muito dos cenários descritos acima. O acesso ao ensino superior é também caracterizado por factores de natureza cultural, social e histórica, o que nos leva ao gendramento do conhecimento e reprodução de estereótipos, como foi descrito por alguns autores e pesquisadores em questões de género (BOTTON; STREY, 2012; PINTO et al., 2017).
O estudo sobre género no ensino superior realizado em Moçambique em 2013 indica que, em 2012, de um total de 23.700.715 habitantes apenas 0,5%, correspondente a 123. 779 indivíduos, era estudantes do ensino superior, dos quais 74.861 (60,5%) homens e 48.918 (39,5%) mulheres. A taxa de participação no ensino superior em 2012 era 5,22/1000 habitantes, sendo a presença feminina nesta área do ensino correspondente a cerca de 2/1000 habitantes e a presença masculina correspondente a cerca de 3/1000 habitantes (MOÇAMBIQUE, 2014).
Em 2013, Moçambique tinha um Índice de Desigualdade de Género de 0.582 e ocupava a nível mundial o 125º lugar no Índice Desenvolvimento Humano (IDH), sendo classificado na categoria de desenvolvimento baixo (UNDP, 2013). Contudo, países da mesma região geográfica como as Ilhas Maurícias (0,377), Namíbia (0,455), Botswana (0,485) e África do Sul (0,462) apresentavam um índice inferior ao de Moçambique. Isto significa que o desafio de aumento do acesso ao ensino superior para as mulheres ainda prevalece em alguns países da SADC.
Com vista a inverter esta situação, Moçambique, através do Plano Quinquenal do Governo de Moçambique 2015-2019 e do Plano Estratégico do Ensino Superior 2012-2020 (MOÇAMBIQUE, 2012), enfatiza a necessidade de se desenvolver capital humano e social a partir da promoção de um sistema educativo inclusivo com medidas e políticas que promovam e reforcem a igualdade e equidade de género e integração dos estudantes no ensino superior considerando o género.
O Governo de Moçambique tem já a sua legislação adequada à promoção da equidade e igualdade de género. Por exemplo, vários são os instrumentos aprovados e homologados, nomeadamente, o Plano Nacional para Avanço da Mulher (2006), a Política de Género e Estratégia de Implementação (2006), a Estratégia de Género para a Função Pública (2009), Estratégias de Género para o Sector da Educação, entre outros. Contudo, nota-se ainda enormes desafios para a sua implementação efectiva, pois, à semelhança do que acontece em várias partes do mundo, precisa-se apostar na transformação de mentalidades e estruturas social e culturalmente enraizadas para reduzir a disparidade de género e ocorrência do fenómeno “gendramento do conhecimento” nos diversos sectores da sociedade Moçambicana.
Tendências da participação de mulheres nos cursos de STEM 2013-2017
Como se pode ver no Gráfico 2, prevalecem desafios, no sentido de se eliminar as discrepâncias significativas no número de homens e mulheres com acesso ao ensino superior, apesar deste ter a tendência de melhorar de ano para ano.
Fonte: Ministério da Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional.
#PraTodoMundoVer. O Gráfico utiliza três cores: o azul para representar os homens, o laranja para representar as mulheres, o verde para a soma total de matrículas. O Gráfico informa que há um crescimento da participação feminina no número de matrículas entre os anos 2013 e 2017. São cinco conjuntos de três barras, na ordem azul, laranja e verde. Cada conjunto fica em cima de uma coluna, sendo elas, respectivamente, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017. A tabela contém mais três linhas, além das que apresentam os anos. Na primeira linha aparecem os resultados dos homens em relação a cada um dos anos. Em seguida aparecem os resultados das mulheres e, na última linha, o total. A legenda encontra-se em uma coluna à esquerda
Esta tendência positiva do número de mulheres que ingressa no ensino superior dos últimos cinco anos (2013-2017) não é acompanhada pela mesma tendência no que diz respeito à participação da mulher nos cursos de STEM. Os dados do Gráfico 3 indicam que, em 2013, dos 40% de mulheres matriculadas no ensino superior, somente 2,7% frequentavam cursos de STEM. Em 2014 as mulheres correspondiam à percentagem global de 41,7% dos matriculados, mas apenas 2,9% estavam nos cursos de STEM em 2015. Do número total de estudantes matriculados, 42% eram mulheres, contudo, somente 3,6% nos cursos de STEM. A situação em 2016 mostra que, dos 44% de mulheres matriculadas no ensino superior, apenas 3,8% frequentavam os cursos de STEM. A situação em 2017 não mostra diferença significativa: 200.649 estudantes existiam no ensino superior, dos quais 90.322 (45%) destes, apenas 7.430 eram mulheres, o que corresponde a 3,7%, significando um decréscimo do número de mulheres frequentando os cursos de STEM no ensino superior moçambicano.
Fonte: Ministério da Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional.
#PraTodoMundoVer O Gráfico demonstra a evolução da distribuição de pessoas matriculadas por sexo, entre as anos 2013 e 2017, em oito áreas de conhecimento. As áreas e cores são: Educação (azul), Artes e Humanidades (vermelho), Ciências Sociais (verde), Ciências (roxo), Engenharias (verde musgo), Agricultura (laranja), Saúde (preto), Serviços (marrom). Ao lado da legenda de cores é possível ler os números do ingresso de homens e mulheres por ano. Acima dos números está o Gráfico; abaixo dele a tabela com os números. São cinco colunas, cada uma representando os anos 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017. Cada uma dessas colunas se divide em duas para apresentar os números relacionados aos homens e os números relacionados às mulheres.
Contrariamente ao que está estabelecido no Plano Estratégico do Ensino Superior (2012-2020) (MOÇAMBIQUE, 2012), até 2020, cerca de 35% a 40% de estudantes deveriam estar inscritos na área de STEM. A realidade mostra que o rácio1 dos inscritos nesta área está muito longe de chegar às percentagens estabelecidas. Os níveis de ingresso para a área de STEM nos anos de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 variam de 18.818, 24.149, 29.485, 31.136 e 30.377 estudantes, correspondentes a 14,7%, 15,2%, 16,8%, 15,8% e 15,1% do número total de estudantes matriculados no ensino superior (homens e mulheres), respectivamente, para os últimos 5 anos em alusão.
O Gráfico 4 mostra que, de um total acumulado de 370.217 estudantes do sexo feminino que frequentaram cumulativamente o ensino superior de 2013 a 2017, somente 8% optaram por cursos de Ciências e Engenharias, sendo os cursos de eleição os de Ciências Sociais e Educação, com 54% e 24%, respectivamente.
Fonte: Ministério da Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional,
#PraTodoMundoVer O Gráfico está em formato de pizza e com suas oito cores revela que a maior participação das mulheres (54%) é nas Ciências Sociais (verde), seguida da Educação (azul), com 24%, e Saúde (azul escuro) (7%). Nas áreas de Engenharias (azul claro), Agricultura (laranja), Ciências (roxo), Artes e Humanidade (vermelho) e Serviços (marrom) a participação gira de 1% a 5%.
Barreiras para o acesso da rapariga à educação em STEM
A realidade apresentada mostra que continuam existindo muitas barreiras para raparigas terem acesso aos cursos de STEM. A tendência na escolha de curso pode ser interpretada como estando associada a factores culturais, sociais e históricos, conforme atestam alguns autores como Pinto et al. (2017). Por isso há necessidade de uma avaliação regular da situação e de aferir em cada estágio de desenvolvimento quais as principais causas para que continue existindo uma fraca aderência de raparigas aos cursos de STEM, apesar dos esforços realizados por diferentes actores.
No contexto moçambicano, para além dos estereótipos descritos por diferentes autores, as causas podem estar também associadas ao número de raparigas que abandonam a escola primária e secundária devido a factores culturais, como o respeito de crenças e valores tradicionais, exigências particulares do meio que as viu nascer, obrigações e tarefas caseiras, abandono da escola por gravidez e casamentos prematuros. Em algumas regiões do País, prevalece o ritual de iniciação que consiste na aglomeração e aconselhamento de raparigas em tenra idade por um núcleo de mulheres mais velhas, conhecidas por matronas ou conselheiras (Nilza CÉSAR et al., 2014). Nas sessões de iniciação, as conselheiras preparam as raparigas para serem boas esposas, gerarem filhos e cuidarem das suas responsabilidades domésticas, ao mesmo tempo que incutem nas mesmas a ideia de que elas não precisam de formação, porque o homem é o responsável pelo sustento da família, e quanto maior o grau de escolaridade da rapariga mais difícil será para ela encontrar um parceiro. Durante acções de intervenção realizadas em algumas escolas secundárias de Moçambique (2011-2015) com o objectivo de incentivar raparigas a formarem-se em áreas de STEM, foi possível aferir que a forma como as raparigas se relacionam com seus pais, familiares, docentes e comunidade são também determinantes para as suas escolhas. A título de exemplo, em 2015, durante um diálogo com alunas da Escola Secundária de Inhaca, no âmbito de uma intervenção com vista a incentivar raparigas a escolher cursos de STEM no ensino superior, algumas alunas explicaram que não pretendiam continuar os estudos no ensino superior e nos cursos de STEM, usando as seguintes expressões:
Aluna A: “Na minha escola os professores de Matemática e Física são todos homens”.
Aluna B: “Se eu for à Universidade, terei que sair da minha zona de origem e estudar durante muitos anos longe, a minha mãe diz que quando regressar não vou conseguir encontrar um marido”.
Aluna C: “Onde vou trabalhar depois de um curso de física ou química?”.
De acordo com a UNESCO Brasil (2018), os sistemas educacionais, o ambiente de aprendizagem, materiais e equipamentos, os mecanismos de avaliação e os docentes também exercem influência no interesse das meninas em disciplinas de STEM.
De acordo com a Plataforma de Acção de Pequim 1995-2005:
A Igualdade entre mulheres e homens é uma questão de direitos humanos e uma condição de justiça social, sendo igualmente um requisito necessário e fundamental para a igualdade, o desenvolvimento e a paz. A Igualdade de Género exige que, numa sociedade homens e mulheres gozem das mesmas oportunidades, rendimentos, direitos e obrigações em todas as áreas. É que o nível de educação de uma mulher determina fortemente o padrão de vida da sua família bem como a educação, futuro e potenciais oportunidades dos seus filhos e filhas (Estratégias Internacionais para a Igualdade de Género: a Plataforma de Acção de Pequim 1995-2005).
Propostas de Intervenções
O cenário descrito mostra que mais intervenções devem ser realizadas para promover o acesso das raparigas ao ensino superior em geral e, em particular, aos cursos de STEM. A seguir descrevemos alguns exemplos de programas de intervenção que podem contribuir para reverter a situação e aumentar o interesse de raparigas e mulheres para prosseguir em cursos e carreiras de STEM no contexto moçambicano.
i) O papel de mulheres-modelo em carreiras de STEM (role-models):
Muitas vezes é difícil imaginar o que não se vê. Por isso um ponto de partida pode ser a organização de eventos para mostrar mulheres bem-sucedidas em carreiras da STEM como modelos para as restantes raparigas. As role-models podem servir para inspirar e encorajar mais raparigas a prosseguir na formação e carreira em STEM, ao compartilhar as suas histórias inspiradoras sobre o caminho que percorreram para se consolidar nessas áreas e ao responder as inquietações das raparigas. Algumas role-models são um exemplo vivo de que, no meio de constrangimentos muitas vezes semelhantes aos que as raparigas enfrentam hoje, conseguiram alcançar o sucesso.
ii) Acampamentos para raparigas: Science camps
Actvidades extracurriculares como acampamentos e pesquisas de campo alargam a visão e compreensão e podem ajudar a aumentar o interesse das raparigas pelas STEM. Os acampamentos representam um espaço de diálogo e tutoria das raparigas por docentes, profissionais e estudantes universitários das áreas de STEM, com quem realizam actividades específicas, trocam experiências e discutem as diferentes opções profissionais. Durante as sessões as raparigas aprendem como superar a insegurança, o medo, os preconceitos e adquirirem autoconfiança. O principal resultado dos acampamentos é desmistificar as STEM e influenciar positivamente as raparigas a escolher estas áreas científicas.
iii) Portas abertas das instituições de ensino superior
As instituições de ensino superior com cursos de STEM organizam jornadas estudantis convidando os alunos do ensino primário e secundário para visitar as suas unidades e realizar actividades nos laboratórios e locais de referência para o ensino de cursos de Ciências, Tecnologias e Engenharia, abrindo espaço para a interacção com docentes e estudantes desses cursos com sensibilidade a assuntos do género. Nestas atividades extracurriculares os alunos têm a oportunidade de realizar experiências laboratoriais, descobrir e melhorar as suas habilidades de manipular alguns instrumentos e assim aprofundar o seu conhecimento e interesse por cursos das áreas de STEM.
iv) Caravana da ciência
O contacto com as Ciências desde a tenra idade através da realização de actividades laboratoriais no nível primário e secundário pode contribuir para estimular o interesse das raparigas pelas STEM. Porém, em muitas escolas não existem condições e faltam recursos materiais e financeiros para a realização de aulas laboratoriais. Parte da contribuição das instituições de ensino superior pode consistir na organização regular de caravanas da ciência pelas escolas com intuito de realizar experiências laboratoriais de demonstração e palestras sobre STEM. Esta acção serviria para estimular a curiosidade de muitas raparigas e elevar a sua motivação e envolvimento com as STEM.
v) Visitas de estudo
A organização de visitas de estudo a empresas e instituições das áreas de STEM permitiria aos estudantes visualizarem as reais oportunidades de emprego com possibilidades de interagirem com profissionais da área e assim aprofundar as suas possíveis escolhas no futuro. Muitas raparigas desconhecem a diversidade de carreiras profissionais associadas à STEM. Durante as visitas as raparigas podem colocar suas dúvidas e questionamentos e adquirir mais conhecimentos e aconselhamento profissional que permitam uma escolha mais informada dos cursos e carreiras do seu futuro.
vi) Formação de professores de ciências básicas
Os professores das primeiras aulas em que alunos/as têm contacto com as ciências naturais e exactas têm um papel crucial no despertar de interesse e na motivação das crianças, em particular das raparigas. Uma formação inadequada e atitudes estereotipadas de professores/as nessas disciplinas podem influenciar a forma como as raparigas aprendem e se interessam ou desinteressam pelas ciências. Em geral, as raparigas parecem ter um melhor desempenho quando o/a professor/a é proficiente na matéria que ensina e usa estratégias de ensino e materiais de aprendizagem sensíveis ao género.
No nosso entender, parte da solução para atrair mais raparigas para cursos e carreiras de STEM passa pela capacitação dos professores que leccionam as disciplinas de ciências naturais e exactas no primeiro ciclo do ensino secundário geral, com o envolvimento de docentes das instituições de ensino superior (formadores/as), vocacionados na formação de professores/as para o ensino secundário geral.
vii) O papel da família e da escola
A família e a escola são actores cruciais para vencer-se as barreiras do acesso das raparigas ao ensino superior e, em particular, aos cursos de STEM. Por isso parte das intervenções deve ocorrer directamente nas famílias e comunidades, assim como nas escolas. Há necessidade de um trabalho mais concertado, de criação de um espaço para diálogo com as famílias (conversas à volta da lareira), para consciencializar sobre questões como equidade de género de modo a evitar casamentos prematuros. A realização de oficinas sobre relações de género nas escolas é fundamental, pois um dos principais motivos para as raparigas não escolherem cursos de STEM é o preconceito que sofrem dos próprios colegas (homens) e principalmente dos professores, que sempre acham que elas não deveriam estar ali, pois aqueles cursos não são para elas. Em simultâneo, devem ser revistas as principais causas do abandono escolar, tomadas medidas para prevenir a gravidez na adolescência e de apoio às raparigas que engravidam para que não abandonem seus estudos, como parte das intervenções necessárias para o sucesso deste trabalho.
Conclusão
Apesar dos avanços no acesso de raparigas e mulheres ao ensino superior em Moçambique, os dados estatísticos mostram que continua o desafio da fraca participação destas nos cursos e em carreiras de STEM. Este desafio está intrinsecamente associado à persistência de questões culturais em relação ao papel de mulheres na sociedade, ao abandono das escolas devido a casamentos prematuros e forçados, à falta de condições para aquisição de livros, de uniforme escolar e artigos de higiene pessoal feminina, bem como a questão de classe, em que as mais pobres possuem menos oportunidades, exacerbam a desigualdade de género entre homens e mulheres. A participação integral da mulher no desenvolvimento da sociedade passa necessariamente pela igualdade de oportunidades para mulheres e homens no acesso ao conhecimento científico no geral e em estudos e exercício profissional na área de STEM. Os programas especiais de intervenção propostos neste estudo podem contribuir para despertar o interesse pela pesquisa, desenvolver a curiosidade e criatividade, desmistificar os estereótipos e estimular a participação de raparigas e mulheres na educação e carreiras em STEM, reduzindo as disparidades de género. Estas acções integradas a outras em curso no País podem contribuir para o objectivo de desenvolvimento sustentável (ODS 5) sobre a igualdade de género e empoderamento das meninas e mulheres.