1 Introdução
O trabalho aborda a remuneração salarial de um professor1 da educação básica da rede municipal de ensino de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, cotejando seus Demonstrativos de Pagamento (holerites) com os Planos de Cargos, Carreira e Remuneração (PCCR), no período de 1996 a 2016. Com vistas a verificar se, no período em tela, os PCCR em vigência promoveram a valorização do professor em termos remuneratórios, compararam-se os vencimentos base e a remuneração com o salário mínimo.
O objetivo do estudo foi averiguar o efeito2 da política educacional elaborada pelo governo central, na interseção com a política educacional local, nas condições materiais de existência do professor da educação básica de uma rede municipal de ensino. Porque, certamente, “o grau de descentralização do sistema educacional brasileiro exige que a avaliação de efetividade da política educacional incorpore a sua dinâmica municipal” ( GOUVEIA, 2009 , p. 450).
Por tudo isso, a decisão metodológica de ser um professor, para tal investigação, justifica-se também por duas razões: primeiramente, remuneração é diferente de salário. Em segundo lugar, as fontes que definem os termos salário e remuneração de professores são diferentes, dada a peculiaridade da construção da carreira docente, que se expressa nos múltiplos PCCR.
Assim, os salários do conjunto de professores de uma rede de ensino podem ser calculados por meio dos resultados das negociações entre administrações públicas estaduais e municipais e representações sindicais de professores e/ou trabalhadores em educação, ou mesmo quando não há negociações entre as partes, ou, ainda, quando a negociação interrompe-se e medidas são tomadas unilateralmente, por parte das administrações, já que tais decisões, via de regra, são publicadas em Diários Oficiais ou nas esferas informativas/comunicativas de organização docente. Já a remuneração é a soma entre o salário e os direitos advindos da carreira ( CAMARGO et al., 2009 ), por mês trabalhado. As fontes que a elucidam remetem ao controle social democrático do Estado.
Portanto, este texto considera a remuneração como o total da retribuição pecuniária mensal recebida pelo membro do magistério, no exercício do cargo, da qual fazem parte o vencimento base, as vantagens permanentes obtidas por meio das promoções por tempo de serviço e nível de escolarização e os elementos da remuneração denominados gratificações, auxílio-transporte, auxílio de difícil acesso, vantagens pecuniárias pessoais e funcionais, entre outros ( CAMPO GRANDE, 1998a ).
O trabalho está organizado da seguinte forma: a primeira seção trata do escopo jurídico-legal no período de 1996 a 2016, promovido pela União em interseção com o município de Campo Grande, com vistas à valorização do professor, por meio da remuneração; a seção seguinte aborda o caso da remuneração do professor da rede municipal de ensino de Campo Grande; por último, tecem-se as considerações finais sobre carreira e remuneração.
2 O escopo jurídico-legal de 1996 a 2016: remuneração e valorização do professor na interseção das políticas educacionais
Ao disciplinar os dispositivos constitucionais para a valorização profissional dos professores da educação básica, a Lei nº 9.394/1996 ( BRASIL, 1996a ) delegou-os para os múltiplos sistemas de ensino já existentes, que também estavam sendo objetos de disciplinamento dessa mesma Lei. Diante disso, a valorização profissional dos professores de educação básica, de forma descentralizada, ficou sob a responsabilidade de cada ente federativo, mediante a aprovação local de PCCR.
Paradoxalmente, quatro dias depois da aprovação da Lei nº 9.394/1996, foi aprovada a Lei nº 9.424/1996, que regulamentou a Emenda Constitucional nº 14/1996 ( BRASIL, 1996a , 1996b , 1996c ), que implantou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização dos Profissionais do Magistério (Fundef). O paradoxo aqui foi que, enquanto a Lei nº 9.394/1996 remeteu a valorização dos profissionais da educação básica aos sistemas de ensino, a Lei nº 9.424/1996 instituiu reserva orçamentária de, no mínimo, 60% dos recursos do fundo para o pagamento de salários; também colocou, pela primeira vez na história, induzido pela União, a obrigatoriedade de os entes federativos aprovarem os PCRR para os membros do magistério ( BRASIL, 1996a , 1996b ). A aprovação do Fundef rompeu com o acordo que havia sido produzido entre a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e a gestão do Presidente Itamar Franco, quanto ao piso salarial nacional em 1994 ( FERNANDES; RODRIGUEZ, 2011 ). Ainda, segundo as autoras, talvez por isso mesmo, a transferência para o futuro da valorização docente por meio de um piso salarial nacional tenha causado dúvidas entre muitas prefeituras, que confundiram a implantação do valor do custo/aluno/ano/mínimo do Fundef por um piso salarial mínimo aos professores.
Para responder ao contexto da legislação nacional, o município de Campo Grande aprovou a Lei Complementar nº 19/1998 ( CAMPO GRANDE, 1998a ), que instituiu o PCRR para os professores da rede municipal de ensino. Assim, o PCCR do município de Campo Grande garantiu aos docentes: uma carreira que se sustentaria na habilitação profissional; ingresso exclusivo por concurso público de provas e títulos; aperfeiçoamento continuado; remuneração conforme a titulação; período reservado a estudos; planejamento e avaliação na carga horária de trabalho; promoção funcional conforme a titulação e avaliação de desempenho. A jornada de trabalho foi instituída em 20 e 40 horas, com sete e 14 horas, respectivamente, para planejamento, e 50% das horas-atividades cumpridas fora do ambiente escolar ( CAMPO GRANDE, 1998a ).
A aprovação da Lei nº 11.494/2007 ( BRASIL, 2007 ), que instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), manteve a subvinculação de 60% dos seus recursos orçamentários para os salários dos profissionais da educação básica e as exigências de um PCCR em cada ente federativo.
As alterações no PCCR do município foram de adequações para garantir a interseção da política nacional com a local. A indução da União materializou-se no município perante as reformulações que o Decreto Municipal nº 10.343/2008 ( CAMPO GRANDE, 2008a ) introduziu no PCCR. Tais alterações expressaram-se em carga horária, remuneração e formação docente.
Entretanto, o Fundeb determinou, no artigo 41, o prazo para a aprovação de Lei de instituição do Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN). Ainda que a Lei do PSPN não tenha sido aprovada no prazo estabelecido pelo Fundeb, que seria até 31 de agosto de 2007, foi aprovada em junho de 2008, pela Lei nº 11.738 ( BRASIL, 2008a ).
A Lei nº 11.738/2008 ( BRASIL, 2008a ) virou contenda federativa, somente resolvida em 2011, com ganho de causa parcial à União ( FERNANDES; RODRIGUEZ, 2011 ). Enquanto os estados questionavam a União sobre a quebra de autonomia federativa (Id. Ibid), com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) sobre a Lei nº 11.738/2008 ( BRASIL, 2008a ), os municípios, em sua grande maioria, inclusive o de Campo Grande, entraram em compasso de espera para implantar o PSPN. Observou-se, em Campo Grande “que, o professor formado em nível superior, em início de carreira, percebeu um salário de 85% do valor do PSPN. Nas mesmas condições, o professor portador de especialização obteve um vencimento da ordem de 94% do valor do PSPN” ( FERNANDES et al., 2018 , p. 7).
O período seguiu entrecortado pelo processo iniciado em 2007, que consubstanciou um novo patamar de participação da sociedade, com vistas ao alargamento da democracia, que se expressou na condução da política educacional e que fecundou na Conferência Nacional da Educação Básica (CONAE, 2008), tendo como imperativo a construção de um sistema nacional articulado de educação ( BRASIL, 2008b ). Na sequência, foram realizadas mais duas Conferências Nacionais de Educação, em 2010 e 2014, que objetivaram a construção do novo Plano Nacional de Educação (PNE) ( BRASIL, 2010 , 2014a ). As Conferências em questão tomaram como central, a valorização docente por meios remuneratórios e dedicaram eixos de trabalho, para que tal objetivo fosse inscrito no PNE.
O PNE vindouro chegou, ainda que tardiamente. A aprovação do PNE, que deveria ter sido em 2010, ocorreu somente em 2014, quando, em complexo processo de correlação de forças sociais, aprovou-se a Lei nº 13.005/2014, sancionada sem veto pela Presidente da República ( BRASIL, 2014b )3 .
O PNE 2014–2024 requereu o alinhamento entre os Planos Estaduais e Municipais de Educação. Dispôs, na Meta 17, a valorização dos profissionais da educação básica e reconheceu que ganhavam, à época, 33% a menos que outros profissionais com o mesmo grau de formação e jornada de trabalho equivalente ( BRASIL, 2014b ).
Os professores da rede municipal de ensino de Campo Grande, representados pelo Sindicato Campo-Grandense dos Profissionais da Educação Pública (ACP), envolveram-se em duas grandes demandas, a saber: a discussão em torno da aprovação do PNE, que resultaria em um novo Plano Municipal de Educação, alinhado ao novo PNE, e a luta local pela aprovação de uma lei que garantisse o pagamento do PSPN.
A aprovação do Plano Municipal de Educação4 , em alinhamento ao PNE, deu-se em 2015; lá está contida, nas Metas 17 e 18, a valorização dos profissionais do magistério, reportando-se ao pagamento do PSPN ( CAMPO GRANDE, 2015 , p. 44-45).
Sobre a luta local docente para o pagamento do PSPN, em 2013, foi aprovada a Lei nº 5.189 que, na revisão geral de remuneração docente, previu o pagamento do PSPN de forma escalonada, quando se chegaria a 100% do PSPN em 2014 ( CAMPO GRANDE, 2013 ). A luta docente local pelo PSPN no município introduziu uma novidade, ainda em 2012, na Lei nº 5.060, que seria o pagamento do PSPN pela jornada de trabalho de 20 horas ( CAMPO GRANDE, 2012 ). Tais legislações, contudo, parecem ter fenecido, em razão do processo de impeachment sofrido pelo chefe do Executivo Municipal (DA MATA, 2014).
Em 2014, com a aprovação da Lei nº 5.411, novamente aventou-se a possibilidade de pagamento do PSPN no município ( CAMPO GRANDE, 2014a ). Essa lei, tal qual a anterior, estabeleceu o pagamento do PSPN de forma escalonada. Assim, em dezembro de 2017, o vencimento base dos professores da rede municipal de ensino de Campo Grande era de 82,11% do PSPN nacional ( SINDICATO CAMPO-GRANDENSE DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO PÚBLICA, 2017 ).
No cenário que se estendeu de 1988 até 2016, em termos de concepção, inscreveram-se processos de valorização dos professores da educação básica do país, ainda que a materialização dos direitos previstos no âmbito da legislação e do planejamento em contexto federativo tenha, muitas vezes, acirrado as contradições postas e resultantes.
Dado o contexto da valorização de professores da educação básica, por meio da legislação e do planejamento educacional, quando a interseção entre as políticas educacionais induz dimensões, como pactos e relações federativas em modelos fortemente descentralizados, na próxima sessão discute-se o caso da incidência do PCCR nas condições materiais de existência de um professor da rede municipal de ensino de Campo Grande, no período de 1996 a 2016.
3 A materialização dos PCCR nas condições materiais de existência de um professor
Como anunciado na introdução, embora haja fontes para consulta sobre a remuneração de professores da educação básica, ao longo dos anos de 2009 a 2016, tais dados apresentam-se dispersos nas diferentes unidades federativas em razão da descentralização de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino, bem como da política educacional. Ainda que o Estado, em complexa correlação de forças sociais, tenha aprovado leis como as de nº 131/2009 e nº 12.527/2011, a primeira a Lei da Transparência e a segunda, a Lei de Acesso à Informação ( BRASIL, 2009 , 2011 ), fato é que, em sistemas descentralizados de ensino, com a educação básica sob competências e responsabilidades dos poderes locais (estados e municípios), entre a concepção posta pelas leis federais e a sua materialidade para o manuseio dos dispositivos dessas leis, um grande vácuo pode impor-se, impedindo o acesso no tempo necessário.
No âmbito da pesquisa em questão, o plano metodológico foi alterado diversas vezes, dada a impossibilidade de consultar as folhas de pagamento das secretarias de estados e de municípios no tempo necessário, pois essa foi a fonte principal elencada por tal plano. Muito embora, no plano metodológico original, os demonstrativos de pagamento – holerites – tenham sido listados como uma fonte importante, ao longo da pesquisa descobriu-se que os holerites viabilizam estudos de caso, ou estudos sobre casos. No entanto, sob hipótese alguma essa fonte propicia generalizações, como seria exequível a partir da folha de pagamento de uma rede de ensino.
Ao se considerar o holerite como uma fonte reveladora de remuneração, a hipótese levantada foi de que o documento seria registro fiel dos ganhos ou perdas de direitos impressos durante o percurso da carreira do professor, por meio da vigência do PCCR. Assim, o exercício de pesquisa direcionou-se ao cruzamento entre o tempo profissional do professor, os PCCR em vigência no período do tempo profissional, e a remuneração do professor inscrita em seu holerite durante esse tempo. No caso do professor de Campo Grande os holerites confirmaram a hipótese de fidelidade aos ganhos remuneratórios.
Tal como na investigação de Valle (1982) , o procedimento metodológico delineia “ano a ano a situação salarial [e], caracteriza-se como um estudo de caso”, pois utilizamos, como fontes primárias, os contracheques de um mesmo professor” ( VALLE, 1982 , p. 26).
O estudo de caso sobre a composição remuneratória do professor do município de Campo Grande retrata o cenário de valorização docente por meio da remuneração pós Constituição Federal de 1988. O professor em questão iniciou a carreira no magistério por meio de concurso público na rede municipal de ensino, em 1996, ano da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e da instituição do Fundef, que determinou a obrigatoriedade de PCCR para os entes federativos ( BRASIL, 1988 , 1996a , 1996b ). O trabalho do professor principiou, portanto, dois anos antes da implantação do PCCR municipal, que se deu em 1998 ( CAMPO GRANDE, 1998a ).
O tempo de trabalho do professor foi entrecortado por novas alterações no campo jurídico-legal, com vistas à valorização, por meio da remuneração, que se expressaram na aprovação do Fundeb, do PSPN e do PNE 2014–2024 ( BRASIL, 2007 , 2008a , 2014b ). Em interseção para adequar-se à legislação nacional, o município foi aprovando, também, seu escopo jurídico-legal, no tocante à matéria da valorização docente, pertinente ao período em tela ( CAMPO GRANDE, 2008, 2012 , 2013 , 2014, 2015 ).
Tal interseção, em contexto de política educacional descentralizada, evidencia que a “discussão gira em torno das estruturas salariais que as carreiras docentes implicam” ( MORDUCHOWICZ, 2003 , p. 06). Até porque, “um dos conceitos de maior peso sobre os custos educativos é o salarial que (tenta) remunerar a experiência” ( MORDUCHOWICZ, 2003 , p. 13).
Segundo a análise de Morduchowicz (2003) sobre carreiras, incentivos e estruturas salariais docentes no continente latino-americano, a titulação e a antiguidade são fatores comuns na maioria dos países e contribuem para fomentar a economia de escala, dado o quantitativo de professores necessários a cada sistema de ensino.
Em 2016, último ano de verificação, o professor da rede municipal de ensino de Campo Grande havia completado 20 anos de trabalho, portanto, exercido quatro quintos de sua carreira.
A Tabela 1 mostra o movimento na carreira do professor, que foi-se forjando mediante a interseção da política educacional local com a nacional, por meio da legislação.
Ano | Referência/Classe | Vencimento base no cargo | Adicional tempo de serviço | Gratef | Outros** | Total de Remuneração |
---|---|---|---|---|---|---|
PH1/A | 176,95 | 0 | 0 | 97,96 | 274,91 | |
1998 | PH1/B | 193,23 | 0 | 62,57 | 117,47 | 373,27 |
2002 | PH1/C | 291,72 | 14,59 | 113,35 | 123,99 | 543,65 |
2004 | PH2/C | 504,86 | 25,24 | 187,71 | 100,97 | 818,70 |
2008 | PH3/D | 1.086,10 | 108,61 | 0 | 409,92 | 1.604,63 |
2014 | PH3/E | 3.574,39 | 536,16 | 0 | 153,20 | 4.245,75 |
2016 | PH3/E | 4.005,11 | 801,02 | 0 | 151,49 | 4.957,62 |
Fonte: Demonstrativos de Pagamentos (Holerites ) do Professor do mês de outubro dos anos de: 1996, 1998c, 2002, 2004, 2008b, 2014b e 2016. Construído pelas autoras. 2018.
Gratef: Gratificação de Valorização do Magistério. ** Gratificações de regência de classe, aulas de recuperação, salário família, abonos, Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), entre outros.
Como já anunciado, o professor iniciou sua carreira por concurso público em 1996, com formação em magistério, em nível de ensino médio. Em 1998, com a implantação do PCRR no munícipio, em decorrência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), ele foi reenquadrado na carreira na referência/classe PH1B. Com essa promoção horizontal, o professor teve reajuste de 4% no vencimento base no cargo. Em 1998, o professor passou a receber a Gratificação de Valorização do Magistério, denominada Gratef5 que, mesmo sendo uma gratificação transitória, refletiu positivamente em sua remuneração, pois, em 2004, a Gratef deixou de ser transitória para ser permanente.
Em 2002, o professor foi promovido na carreira e ocupou a referência/classe PH1C. Tal feito significou um reajuste de 10% na promoção horizontal na carreira. Esses adicionais mais a Gratef fizeram com que a remuneração total registrasse ganhos em relação a 1998. Em 2004, o professor foi promovido para a referência/classe PH2C, em razão de ter concluído curso de graduação. Obteve, com isso, uma promoção vertical de 30%, situação que confirma a valorização docente pela titulação expressa no PCRR municipal. Sob a mesma lógica, em 2008, o professor foi promovido para PH3D na carreira, em decorrência da conclusão de curso de pós-graduação lato sensu , o que implicou aumento de 10% na promoção vertical e 10% na promoção horizontal. Mais uma vez, os requisitos principais de valorização docente expressos no PCCR municipal foram a titulação e a antiguidade, ou o tempo de trabalho. Em 2014, o professor ascendeu à referência/classe PH3E, com promoção horizontal de mais 10% para compor a remuneração.
Concretamente, nos 20 anos de trabalho do professor da rede municipal de ensino de Campo Grande, o PCRR municipal, em termos de reajustes, foi importante ao se levarem em conta as promoções horizontais e verticais em sua carreira. Aplicam-se também outros 15% do adicional por tempo de serviço6 . Ao se cotejarem seus holerites com o PCCR, apurou-se que a concepção de valorização posta no âmbito jurídico-legal, em parte, efetivou-se nas condições materiais de existência desse professor. Cabe pontuar que os mecanismos de indução dessa valorização profissional por meio da remuneração deram-se por reajustes, tendo, exclusivamente, como parâmetro o PCCR municipal. Assim foram fundamentais, para o professor em questão, a titulação e o tempo de trabalho.
A materialidade da valorização realizou-se, em parte, porque o período de trabalho do professor foi entrecruzado também pela instituição nacional do PSPN, que se deu em 2008 ( BRASIL, 2008a ), mas que, de fato, só começou a valer em 2011. Ainda assim, o professor municipal não recebeu o PSPN7 na integralidade em 2016, como já mencionado. O contexto de valorização profissional por meio da remuneração do professor deve-se, em larga medida, ao grau de organicidade que os docentes conseguiram construir, fazendo-se representar por meio de sua organização sindical, que mantém afiliação nacional.
Outro cenário relativo à valorização profissional, por meio da remuneração do professor em questão, foi auferido na comparação entre o seu vencimento base no cargo e o salário mínimo. Certamente, “o salário mínimo é uma referência político-institucional que, em tese, assegura o mínimo de subsistência para o trabalhador e sua família” ( FERNANDES, GOUVEIA, BENINI, 2012 , p. 344). De 2002 a 2015, “a política de recuperação de seu valor significa a atualidade dessa ideia” ( FERNANDES, GOUVEIA, BENINI, 2012 , p. 344) em relação ao salário mínimo. Por isso mesmo, a defesa do salário mínimo sempre esteve presente na pauta reivindicatória do movimento sindical docente “como referência para auferir perdas e ganhos, tanto em relação à carreira quanto em termos remuneratórios” ( CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO, 2014 , p. 73).
A Tabela 2 traz o valor do salário mínimo, o vencimento base no cargo e a remuneração do professor da rede municipal de ensino em termos de quantidades do salário mínimo no período em tela, com o objetivo de examinar se houve valorização dos ganhos do professor em relação ao salário mínimo.
Ano | Salário Mínimo | Vencimento base no cargo | Total da remuneração |
---|---|---|---|
1996 | 112,00 | 1,58 s.m | 2,45 s.m |
1998 | 130,00 | 1,48 s.m | 2,87 s.m |
2002 | 200,00 | 1,45 s.m | 2,70 s.m |
2004 | 260,00 | 1,94 s.m | 3,14 s.m |
2008 | 415,00 | 2,61 s.m | 3,86 s.m |
2014 | 724,00 | 4,93 s.m | 5,86 s.m |
2016 | 880,00 | 4,55 s.m | 5,63 s.m |
Fonte: BRASIL: Lei nº 9.971/2000, nº11.709/2008c; MP nº 35/2002, nº 182/2004 e Decreto nº 8.166/2013, nº8.618/2015. Construído pelas autoras. 2018.
s.m.: salário mínimo.
Ao se tomar o salário mínimo como base 100 em 1996, com o valor de R$ 112,00, observou-se que, em 1996, o valor do vencimento base no cargo do professor correspondia a 1,58 salário mínimo e a 2,45 salários mínimos no total da remuneração com a formação em nível médio. Nos 20 anos verificados, o quantitativo de salários mínimos aumentou para 4,55 no vencimento base e 5,63 em relação ao total da remuneração, movimento esse que pode ter sido proporcionado pelos percentuais do PCRR, devido às promoções horizontais e verticais e pelos adicionais por tempo de serviço.
A queda do vencimento base no cargo e da remuneração, na comparação com o quantitativo de salários mínimos, ocorreu de 2014 para 2016, de acordo com a Tabela 2 , dados os reajustes remuneratórios e a integralização do PSPN por 20 horas de jornada de trabalho, dispositivos da Lei nº 5.411/2014 (CAMPO GRANDE, 2014), mas que não foram pagos pelo executivo municipal. Não obstante a categoria laboral ter respondido a essa situação com uma greve, o movimento grevista foi insuficiente, naquela conjuntura, para garantir a materialidade dos dispositivos da Lei, mesmo após aprovação pelo Poder Legislativo.
4 Considerações Finais
O trabalho objetivou, a partir de um estudo de caso, ao cotejar os holerites de um professor da educação básica da rede municipal de ensino de Campo Grande, com os PCCR aprovados em um período de 20 anos, verificar qual efeito seria provocado nas condições materiais de existência desse professor, tanto no que concerne ao vencimento base no cargo, quanto à sua remuneração.
Com efeito, no período em tela,
diversas políticas vêm sendo implementadas para aumentar o salário dos professores, com ênfase no aumento do piso salarial, implementado em 2009, e na promoção de sistemas de carreira previstos, entre outros, na lei que estabelece o Plano Nacional de Educação (PNE) ( HIRATA, OLIVEIRA, MEREB, 2019 , p. 191).
Observou-se que, em sistemas descentralizados de ensino em contexto federativo, houve interseção entre as políticas locais com vistas à valorização profissional com as de âmbito federal, em termos de concepção.
Nesse caso em particular, a indução feita pelo governo federal provocou alterações no escopo jurídico-legal local, que remeteu principalmente à implantação de PCCR, o que fomentou de forma positiva a carreira docente em esfera municipal.
Ainda que o Fundeb possa ser considerado como uma política de coordenação federativa, não resolveu as assimetrias regionais por meio do financiamento da educação. Certamente, a questão do financiamento da educação ainda é um daqueles “obstáculos econômicos” por onde manifesta-se “a histórica resistência à manutenção da educação pública no Brasil” ( SAVIANI, 2009 , p. 22).
Nesse sentido, na análise da situação do professor em questão, constatou-se um efeito positivo no movimento da carreira em 20 anos, ao se considerar sua titulação e tempo de trabalho.
Ainda assim, permaneceu no horizonte futuro do professor, o pagamento integral do PSPN, dispositivo da Lei nº 11.738/2008 ( BRASIL, 2008a ). Como a metáfora anunciada por Fiori (2003) , a valorização do professor por meio remuneratório tem-se constituído, via de regra, como uma “fuga para a frente” ( FIORI, 2003 , p. 185).
A valorização profissional docente, por meio da remuneração para garantir mínimas condições materiais de existência, foi dada, no período, em termos de concepção jurídico-legal. Sua materialidade, em parte realizada e, em parte, não, continuou no devir histórico.
Esse foi um momento de possibilidades de valorização docente que se encerrou. A conjuntura que se estabeleceu a partir de 2016 com o golpe legislativo-judiciário-midiático ( AMARAL, 2017 ) deu início a uma série de contrarreformas que, definitivamente, terão implicações severas no panorama de valorização dos professores da educação básica. Entre essas contrarreformas, estão a Emenda à Constituição Federal nº 95/2016, a Reforma Trabalhista instituída pela Lei nº 13.467/2017 e a Lei nº 13.415/2017 ( BRASIL, 2016 , 2017a , 2017b ). Certamente, a contrarreforma em curso provocará efeitos ainda não mensuráveis, mas que contradizem todo o escopo jurídico-legal construído até então, bem como a luta do magistério pela sua valorização.