1 Introdução
A publicação da Lei nº 9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, possibilitou avanços para a formação dos professores dos Ensinos Básico, Fundamental e Médio. Para colocar em prática o artigo 62 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a qual preconiza que os professores de todos os níveis de Educação devem ter formação superior, ações governamentais foram planejadas e articuladas com o Ensino Superior ( GATTI, 2017 ).
Consequentemente, entre 2001 e 2006, observou-se um crescimento relativo dos cursos de formação de professores: enquanto a oferta de vagas para os cursos de licenciatura foi na ordem de 52%, o de Pedagogia aumentou suas vagas em 94%. O número de matrículas não teve tanto aumento, sendo 37% para o curso de Pedagogia e 40% nas demais licenciaturas ( GATTI; BARRETO, 2009 ). No entanto, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), houve recentemente uma queda de 6,4% na oferta de cursos de licenciatura no Brasil, representando 11,9% das matrículas totais, enquanto o bacharelado representou 74,5% e o tecnológico 0,9% (Inep, 2018). Os dados mais recentes também indicam que o percentual de matrículas no turno noturno correspondeu, em 2017, a 59,6%, sendo as instituições privadas responsáveis por maior parte das matrículas nesse turno.
O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), em 2007, contribuiu com a expansão e a democratização do Ensino Superior, principalmente com a ampliação da oferta de cursos noturnos, que se apresentam, em sua maioria, como alternativa para os estudantes que trabalham ( MARANHÃO, 2015 ; MARANHÃO; VERAS, 2017 ; SANTANA, 2013 ). De acordo com Franco et al . (2010) , a partir do reuni, houve uma ampliação de 79% da oferta de vagas nos cursos noturnos nas instituições federais brasileiras. Nas licenciaturas, representou aproximadamente 34% de aumento, entre 2007 e 2010. A Universidade Federal da Bahia (Ufba), por exemplo, passou mais de 50 anos funcionando exclusivamente como Universidade diurna. Até 2009, só havia dois cursos funcionando no turno noturno, quando foram abertos mais 10 cursos com o apoio do Reuni ( MARANHÃO, 2015 ).
A Lei nº 10.172/2001 ( BRASIL, 2001a ), que institui o Plano Nacional de Educação, trata da necessidade das vagas no período noturno, inclusive garantindo o acesso a laboratórios, a bibliotecas e a outros recursos que facultem o ensino de qualidade ao estudante trabalhador, que tem direito às mesmas condições disponíveis aos estudantes do período diurno.
Assim, a formação docente no ensino noturno, em especial, apresenta-se como um campo necessário de estudos na atualidade. Com características diferentes do período diurno, os cursos noturnos apresentam-se de maneira não tão conhecida nas universidades federais brasileiras, haja vista que, ao longo do tempo, sua oferta ficou quase restrita ao setor privado da Educação ( TERRIBILI FILHO; NERY, 2009 ). Portanto, repensar acerca da formação de professores no turno noturno tem sido um grande desafio, tanto para as políticas governamentais, como também para as instituições que os formam.
Destarte, torna-se necessário compreender e discutir a formação desses futuros professores como uma estratégia para refletir sobre da qualidade educacional da região ou do nosso país. Sob esse enfoque, este estudo tem a seguinte questão norteadora: como está estruturado o currículo dos cursos noturnos de licenciatura na Ufba? E, por objetivo, identificar nos componentes curriculares dos cursos noturnos de licenciaturas da Ufba elementos voltados à formação de professores.
2 O Ensino Superior noturno e a formação docente
A partir dos anos 1980, o novo modelo econômico no Brasil passou a exigir recursos capazes de atender às demandas do mercado. O sistema educacional passou a se expandir, principalmente entre 1999 e 2003, onde se observou a proliferação de instituições privadas ( RISTOFF, 2013 , 2014 ). Surgiu, então, a universidade noturna, em decorrência da necessidade de ampliação de vagas no Ensino Superior, visando a atender à crescente demanda que as universidades, predominantemente públicas, não conseguiam absorver.
A oferta de Ensino Superior no turno noturno tem base legal no artigo 47 da LDB, parágrafo 4, no qual é regulado que as Instituições de Ensino Superior (IES) têm a obrigatoriedade de ofertar cursos noturnos, devendo manter o mesmo padrão para esses cursos e para os diurnos, sendo garantida a necessária previsão orçamentária ( BRASIL, 1996 ).
Além disso, a Lei nº 10.172/2001, que institui o Plano Nacional de Educação ( BRASIL, 2001a ), trata da necessidade das vagas no período noturno, considerando que seja garantido o acesso a laboratórios, a bibliotecas e a outros recursos que assegurem o ensino de qualidade ao estudante trabalhador, o qual tem direito às mesmas condições que dispõem os estudantes do período diurno.
O ensino noturno tem-se tornando uma estratégia de inclusão social nas universidades brasileiras, considerando o aumento significativo das matrículas nessas graduações ( TERRIBILI FILHO; NERY, 2009 ), possibilitando o acesso do estudante trabalhador ao Ensino Superior.
Compreender o ensino noturno foi, e continua sendo, um desafio necessário, uma vez que, grande parte dos estudantes que acessam o Ensino Superior, o tem como sua única opção de estudo. Assim, a formação docente, em especial no ensino noturno, apresenta-se como um campo necessário de estudos na atualidade. Com características diferentes do período diurno, os cursos noturnos apresentam-se de maneira não muito conhecida nas universidades federais brasileiras, haja vista que, ao longo do tempo, sua oferta ficou quase restrita ao setor privado da Educação ( TERRIBILI FILHO; NERY, 2009 ).
Em 2007, o número de matrículas no turno noturno no Brasil representava 61,67%, enquanto que, em 2017, correspondia a 59,56%. Apesar da redução de 2,11%, nos últimos 10 anos, continua elevada a procura de estudantes pelo turno noturno. Quanto ao caráter administrativo, as IES municipais focaram predominantemente na oferta do ensino noturno em 2017, tendo alcançado 71,18% das suas matrículas presenciais no turno noturno, o que difere das IES federais, onde a predominância (69,68%) é o turno diurno. Entretanto, ressalta-se o crescimento das matrículas no turno noturno nesse tipo de instituição, que, no ano de 2007, alcançou 25,55% das matrículas presenciais e, no ano de 2017, obteve 30,32% das matrículas, representando um aumento de 4,77%. As IES privadas, como evidenciado em outros estudos ( TERRIBILI FILHO, 2012 ; TERRIBILI FILHO; NERY, 2009 ), apresentam também grande expressividade nas matrículas presenciais noturnas, representando 69,15% do número de matrículas ofertadas em 2017 por esse tipo de instituição ( Inep, 2018 ).
Considerando esse panorama, constata-se que o ensino privado possui a maior expressão quantitativa da oferta de cursos noturnos. Em relação à matrícula nos cursos de licenciatura, as IES privadas representam 41,88% do total de matrículas realizadas no Brasil, enquanto as IES federais estão com 33,44% e as IES estaduais com 22,80% (BRASIL, 2018).
Terribili Filho e Nery (2009) consideram que o maior número de matrículas no turno noturno simboliza a estrutura econômica atual do país, já que um curso nesse turno possibilita que os estudantes continuem ou iniciem uma atividade profissional remunerada durante o dia, viabilizando os recursos necessários à sua manutenção dentro e fora da graduação. Este estudante busca, através da graduação, a formação profissional, almejando a entrada no mercado de trabalho na área em que se formou, ou uma qualificação superior, frente à concorrência estabelecida no mundo do emprego.
Por outro lado, com o aumento crescente do número de matrículas em cursos de licenciatura no turno noturno, alguns autores ( GATTI; NUNES, 2009 ; MARANHÃO; VERAS, 2017 ) questionam a qualidade do ensino noturno, devido à dificuldade na realização de estágios, participação em projetos de pesquisa e extensão, como também às especificidades dos estudantes na condição de trabalhadores. Diante desse contexto, o estudante de um curso noturno enfrenta dificuldades que norteiam, não só a sua vida acadêmica, mas a pessoal, com sua identidade e subjetividade transformada, já que precisam adaptar horários, conciliar o emprego com as aulas e estágios do curso e, na maioria das vezes, lidar com uma situação financeira delicada (ALMEIDA, 1995).
Além disso, os conhecimentos disciplinar e pedagógico necessários para a formação de professores também se configuram como essenciais para a formação docente dos futuros professores, especialmente, nos cursos noturnos ( DOTTA; LOPES, 2015 ; GATTI; BARRETO, 2009 ; LIBÂNEO, 2015 ). De acordo com Gatti (2016) , as condições formativas iniciais contribuem fortemente para a construção identitária do professor, que vão conduzir as formas de atuação educativas e didáticas no seu processo de trabalho. Assim, deve haver componentes curriculares, na formação dos professores, que foquem o fazer docente, o processo educativo e as práticas pedagógicas ( CANDAU, 2008 ). Do outro lado, Gatti (2017) aponta que os problemas mais evidentes dos currículos se referem ao pouco espaço concedido aos estudos de didática, das metodologias e práticas de ensino, assim como da psicologia do desenvolvimento.
Para Libâneo (2015) , o curso de licenciatura em Pedagogia concentra maior parte de sua carga horária voltada para a formação pedagógica, enquanto os outros cursos de licenciatura possuem uma grande concentração de conteúdos nas respectivas áreas de conhecimento, em detrimento à formação pedagógica. É com base nessa constatação, que Gatti (2017) aponta a preocupação em refletir acerca do papel da didática, das metodologias, das práticas de ensino e dos estágios curriculares na formação docente.
3 Metodologia
Trata-se de um estudo exploratório, com abordagem quantitativa e do tipo documental. O contexto da pesquisa teve como população os 12 cursos noturnos de licenciatura da Ufba, na cidade de Salvador, Bahia: Ciências Biológicas, Computação, Dança, Física, Geografia, História, Letras, Letras-Inglês, Letras-Espanhol, Matemática, Pedagogia e Química.
Para a identificação dos componentes curriculares foi realizado um mapeamento por meio do Sistema Acadêmico (Siac) da Ufba no ano de 2017. O Siac é um sistema on-line desenvolvido para atender às demandas de solicitação de matrícula, histórico escolar, currículo de curso, coeficiente de rendimento, comprovante de matrícula e ementa dos cursos.
Após a análise da carga horária dos componentes curriculares obrigatórios e de suas ementas, estes foram categorizados em quatro grupos: grupo 1 - formação para docência, que se refere às didáticas e às metodologias de ensino; grupo 2 - formação técnica da área do conhecimento; grupo 3 - práticas (estágio) de ensino e grupo 4 - outros (trabalho e/ou monografia de conclusão de curso).
4 Resultados
Os autores deste estudo julgam necessário que, antes da apresentação dos resultados da análise dos componentes curriculares referentes aos 12 cursos investigados, seja feita sua contextualização do surgimento e andamento, a partir do ano de criação e do número de matrículas ativas desses cursos na Ufba, para o primeiro semestre de 2017 ( Tabela 1 ).
Curso | Ano Criação | N Matrículas |
---|---|---|
Letras | 2009 | 184 |
História | 2009 | 165 |
Pedagogia | 2010 | 154 |
Geografia | 2007 | 134 |
Química | 2009 | 130 |
Matemática | 2009 | 125 |
Ciências Biológicas | 2010 | 124 |
Computação | 2010 | 101 |
Dança | 2010 | 92 |
Física | 1999 | 49 |
Letras-Inglês | 2009 | 3 |
Letras-Espanhol | 2009 | - |
| ||
TOTAL | 1.261 |
Fonte: Elaboração dos autores a partir dos dados do Siac/Ufba (2017)
Verifica-se que o curso de Letras lidera o ranking , com as matrículas ativas no primeiro semestre de 2017; entretanto, o curso de Letras-Espanhol não apresentou nenhuma matrícula. Apesar de ser a licenciatura mais antiga a ser ofertada no turno noturno na Ufba, a licenciatura em Física revela um dos menores números de matrículas ativas em 2017, embora Rocha (2016 , p. 256) sinalize que a ideia da criação da licenciatura, no turno noturno em Física na Ufba, está pautada na “mais absoluta falta de professores de Física para atuar, especialmente, no Ensino Médio, em que a carência, historicamente, tem sido parcialmente suprida por estudantes universitários dos mais variados cursos, e por outros profissionais”.
Discutem-se, ainda, as licenciaturas em Dança e Computação. Esses cursos estão inseridos na Educação Básica, como disciplina, e integram o currículo não obrigatório; em caso particular, a Dança é contemplada por meio da disciplina Educação Física, que, enquanto componente curricular da Educação Básica, assume a tarefa de introduzir as atividades rítmicas e as danças, com o intuito de integrar o aluno na cultura corporal de movimento ( BETTI; ZULIANI, 2002 ).
4.1 A composição curricular dos cursos de licenciaturas noturnos da Ufba
A fim de melhor discutir os elementos que compõem os currículos dos cursos analisados, criaram-se quatro categorias analíticas ( Quadro 1 ), as quais se constituíram como referência de agrupamento para construção e análise das informações da Tabela 2 e do Gráfico 1 .
Grupo 1 - Formação docente – disciplinas que se referem às didáticas e metodologias de ensino, cujos objetivos estão voltados para a formação do professor. |
Grupo 2 - Formação específica da área do conhecimento – disciplinas específicas do conhecimento técnico do curso e que não são voltadas para formação docente. |
Grupo 3 - Práticas (estágio) de ensino – disciplinas que se referem aos estágios, componentes obrigatórios com carga horária definida nas Diretrizes Curriculares Nacionais. |
Grupo 4 - Outros – disciplinas, como monografia ou trabalho de conclusão de curso. |
Fonte: Elaboração dos autores (2017), a partir da análise feita por Pimenta (1999)
CURSO | CH CC GRUPO 1 | CH CC GRUPO 2 | CH CC GRUPO 3 | CH CC GRUPO 4 | TOTAL CH |
---|---|---|---|---|---|
Ciências Biológicas | 374 | 2.057 | 408 | 34 | 2.873 |
Computação | 969 | 1.222 | 408 | - | 2.599 |
Dança | 442 | 1.632 | 408 | - | 2.482 |
Física | 748 | 1.530 | 408 | 68 | 2.754 |
Geografia | 306 | 1.700 | 408 | - | 2.414 |
História | 306 | 1.836 | 272 | 204 | 2.618 |
Letras | 238 | 1.496 | 272 | - | 2.006 |
Letras-Inglês | 238 | 1.508 | 272 | - | 2.018 |
Letras-Espanhol | 238 | 1.508 | 272 | - | 2.018 |
Matemática | 748 | 1.564 | 408 | - | 2.720 |
Pedagogia | 2.040 | 119 | 340 | 170 | 2.669 |
Química | 714 | 1.802 | 408 | 34 | 2.958 |
Fonte: Elaboração dos autores a partir dos dados do Siac/Ufba (2018)
CH: carga horária; CC: componentes curriculares; Grupo 1: componentes curriculares obrigatórios que se referem às didáticas e às metodologias de ensino; Grupo 2: componentes curriculares obrigatórios que se referem à formação específica da área do conhecimento; Grupo 3: componentes curriculares obrigatórios referentes às práticas (estágio) de ensino; Grupo 4: componentes curriculares obrigatórios, chamados de “outros”, tais como trabalho e/ou monografia de conclusão de curso.
O currículo para a formação de professores é um dispositivo de seleção na cultura pedagógica que exclui e marginaliza discursos, em detrimento da consagração de determinados saberes e competências; (im)possibilita a ocorrência de certas formas de pensamento, de sensibilização e de ação ( GARCIA, 2016 ).
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação dos Professores da Educação Básica, em nível superior, cursos de licenciatura, de graduação plena (Parecer do CNE/CP 009/2001, de 8 de maio de 2001 [ BRASIL, 2001b ]) ‒ em sua primeira versão ‒ já sinalizavam que os componentes relacionados à docência deveriam ser prioridades na base da formação, para que os futuros profissionais pudessem, a partir das habilidades aprendidas, articular a teoria e a prática no exercício da profissão ( BRASIL, 2015 ).
A seguir, apresenta-se na Tabela 2 e no Gráfico 1 , a carga horária e percentual, respectivamente, dos componentes curriculares das licenciaturas noturnas da Ufba, estratificados por grupos no ano letivo de 2017.
Os cursos que apresentam as maiores cargas horárias são Química, Ciências Biológicas e Física, respectivamente.
Com relação aos componentes curriculares do grupo 1, que contemplam didática e metodologia do ensino, cujos objetivos estão voltados para a formação docente, o curso que apresentou expressiva carga horária foi o de Pedagogia (76,4% da carga horária total), seguido de Computação (38,8%) e de Matemática (27,5%), enquanto História apresentou a menor carga horária, 11,7%.
Já em relação ao grupo 2, dos componentes que agrupam as disciplinas voltadas para a formação técnica, entendida como “os processos de treinamento do trabalhador no mero domínio das técnicas de execução de atividades e tarefas, no setor produtivo e de serviços, e, portanto, a uma formação meramente técnica” ( OLIVEIRA, 2000 , p. 42), verifica-se que Letras-Espanhol e Letras-Inglês possuem a maior carga horária desse tipo de formação (74,7%), em relação à carga horária total, seguido de Ciências Biológicas (71,6%) e Letras (74,6%).
No grupo 3, que contempla os estágios curriculares, o curso com maior carga horária foi o de Geografia (16,9%), seguido de Dança (16,4%) e de Computação (16,3%). O curso de História apresentou a menor carga horária, 10,4%, para esse grupo.
A carga horária destinada aos trabalhos de conclusão de curso está representada no grupo 4. O curso de História é o que disponibiliza maior carga horária para esse tipo de atividade (7,8%). Os cursos de Computação, de Dança, de Geografia, de Letras, de Letras-Inglês, de Letras-Espanhol e de Matemática não apresentaram carga horária nesse grupo.
5 Discussão
Para a análise desses dados, foi necessário examinar 381 ementas de 12 cursos de licenciatura do turno noturno da Ufba. A leitura dessas ementas permitiu identificar qual é a concentração de carga horária nos diferentes grupos: formação docente, formação específica (ou técnica), os que compõem os estágios obrigatórios e os que representam os trabalhos de conclusão de curso.
Assim como observou Gatti (2009), o curso de Pedagogia apresentou maior carga horária no grupo que se refere aos componentes para formação docente. Os componentes para a formação docente são aqueles que priorizam a Pedagogia e a Didática ( CANDAU, 2008 ). No entanto, Dias (2015) aponta que, mesmo que o curso ofereça disciplinas pedagógicas, como Fundamentos da Educação, da Didática e das Práticas de Ensino, o empenho dos estudantes, em disciplinas de conteúdo específico do curso, ocorre mais efetivamente, tal como acontece e verificou-se nesse estudo para o curso de Matemática. Corroborando Souza, Esteves e Silva (2014) , no curso de Pedagogia, os estudantes privilegiam seus estudos em disciplinas específicas de componentes pedagógicos, colocando em segundo plano aquelas voltadas para formação docente. Esse fato destoa do objetivo da licenciatura, que é formar o educador. O que passa a ser fundamental, portanto, não é apenas a oferta de componentes para a formação docente, mas também a reflexão acerca do papel do docente no processo ensino-aprendizagem.
Para Pimenta (1999) , os cursos de formação inicial de professores têm desenvolvido um currículo caracterizado pelo distanciamento da realidade escolar, sendo burocrático e formal, o que implica em uma formação insuficiente para lidar com os movimentos, as contradições e os significados da prática social do educador, dificultando a construção de uma identidade docente ligada à realidade e ao contexto histórico da ação educativa. Ao mesmo tempo, para Zeichner (2010) , há uma forte fragmentação do que se é estudado na Universidade referente ao que acontece nas escolas; estas possuem saberes e conhecimentos que podem orientar e oferecer contribuições grandiosas às instituições de Ensino Superior, tanto para os professores em formação como para os docentes universitários, proporcionando uma formação intrinsecamente vinculada à prática, capaz de dilatar o diálogo e a relação entre esses educadores e seus espaços de conhecimento.
Um dos pontos a ser observado na formação de docentes é a ausência nos cursos de licenciatura, entre seus docentes formadores, de um perfil profissional claro de professor enquanto profissional ( GATTI, 2016 ). Para essa autora, em muitos casos, será preciso criar, inicialmente, nos que atuam nesses cursos, a consciência de que se está formando um professor. Assim, os docentes formadores de professores, segundo Tardif (2000) , necessitam repensar a formação inicial, aliando os saberes codificados das ciências da Educação aos saberes profissionais necessários para o desempenho do magistério.
De acordo com Tardif (2005) , são os saberes pessoais, de formação profissional (provenientes de sua formação escolar e acadêmica), saberes disciplinares, saberes curriculares e os da experiência, que constituem o saber docente.
Seguindo essa ideia, o autor defende que a constituição do saber profissional acontece tanto durante a sua formação, como também durante a sua atuação, a partir das reflexões sobre a prática educativa. Assim, além dos saberes produzidos pela ciência da Educação, a prática docente cria condições para a construção de saberes sociais. Logo, as IES não se resumem a um espaço de aplicação de saberes, mas se referem a uma arena de produção de saberes relativos à atuação profissional. Os sujeitos devem ser “sujeitos do conhecimento”, detentores de um saber específico relativo ao seu fazer pedagógico.
Essa compreensão busca o distanciamento e a oposição ao paradigma tecnicista, no qual a Pedagogia e os conhecimentos produzidos nesse contexto serviram de instrumento e direcionaram as práticas pedagógicas para a racionalidade, eficiência e produtividade nas instituições, ordenando um funcionamento operacionalizado e objetivo ( SAVIANI, 2005 ). Destarte, a valorização dos saberes docentes compõe um novo panorama na área da formação de professores, que busca o reconhecimento dos diversos saberes que transitam no espaço educativo.
Nessa perspectiva, os saberes docentes podem constituir-se através da experiência, do conhecimento e dos saberes pedagógicos. Pela experiência, os saberes são derivados da história de vida do professor, na sua relação com a escola, com as representações que possuem com a docência e a sala de aula, articulado com os saberes que são construídos e refletidos no próprio contexto da docência. Quanto ao conhecimento, este vincula-se à análise e à contextualização das informações adquiridas ao longo do processo formativo, reportando-se ao lugar onde esse conhecimento foi ou pode ser produzido, considerando que “conhecer significa estar consciente do poder do conhecimento para a produção da vida material, social e existencial da humanidade” ( PIMENTA, 1997 , p. 8).
Os saberes pedagógicos associam-se aos conhecimentos relativos às ciências da Educação, como didática e outros, vinculados à Pedagogia, mas que também são produzidos através da prática, na interface com os conhecimentos científicos. Reconhece-se que, ao longo do tempo, ora os saberes pedagógicos, ora os conhecimentos específicos tiveram o seu valor, em detrimento dos saberes da experiência, subvalorizados na formação de professores ( PIMENTA, 1999 ).
O destaque para os saberes vinculados à experiência volta-se para a importância da reflexão sobre a prática, devendo ser compreendida como dispositivo social para as transformações na área da Educação. Essa discussão tem sido consolidada por alguns teóricos ( NÓVOA, 1992 ; PÉREZ-GÓMEZ, 1995; SCHÖN, 1992 ; ZEICHNER, 1993 ), que concebem a ideia do “professor prático-reflexivo”.
A compreensão da prática reflexiva, por parte do professor, mostra que este deve desenvolver um papel ativo no planejamento e ação do seu trabalho, atualizando e refletindo sobre os acontecimentos dos processos educativos ( ZEICHNER, 1993 ), caracterizando-se também como um processo de autoformação, já que lhe é possibilitado o (re)pensar através da articulação entre teoria e prática, movimentando seus saberes pedagógicos e suas experiências, colaborando para a formação inicial e contínua do professor ( PIMENTA, 1999 ). Para Zeichner (1993) o “professor prático-reflexivo” é a construção de um professor, que, ligado à sua realidade social, pode perceber e analisar suas experiências, valorizando-as como saberes fundamentais à docência.
Os resultados do grupo 1 são diretamente relacionados aos resultados do grupo 2, que se refere aos componentes curriculares de formação específica. Letras, Letras com habilitação em língua inglesa e Ciências Biológicas tiveram maior carga horária nesse grupo. O estudo de Gatti (2009) também demonstrou uma grande concentração de disciplinas de conhecimentos específicos da área no curso de Letras. De forma geral, Gatti (2009) critica a falta de relação entre as disciplinas de formação específica com as de formação pedagógica nos cursos analisados. É sabido que a formação que contemple apenas elementos técnicos e específicos da área reflete uma inconsistência da formação em licenciatura, que pressupõe um domínio da prática ( GATTI, 2012 ; PEREIRA, 1999 ). Espera-se, portanto, que ocorra a articulação e a interdisciplinaridade nesses dois grupos.
Fadigas (2016) , ao analisar o perfil dos estudantes que, atualmente, cursam Licenciatura em Química na Ufba, registrou que a opção foi fruto de uma necessidade de ingressar no mercado de trabalho, ou seja, o ser professor “acontece” na vida de muitos estudantes que ingressam no curso, no intuito de se formarem bacharéis e atuarem na indústria química. Os poucos que optam pela profissão docente o fazem por acreditar em uma estabilidade empregatícia proporcionada pelos concursos públicos estaduais e/ou na intenção de prosseguir na sua formação universitária com a realização de uma Pós-graduação stricto sensu . O objetivo é adentrar na docência do Ensino Superior, função vista como de maior prestígio social que o ensino da Educação Básica e com melhor remuneração salarial.
Reitera-se que a mesma realidade pode estar ocorrendo nos demais cursos que apresentam maior carga horária, participantes do grupo 2, tornando-os mais tecnicistas, apesar de serem cursos voltados à formação de professor.
A vivência no estágio curricular tem a capacidade de impulsionar mudanças em relação à profissão a que se destina o curso de licenciatura ( DIAS, 2017 ). Para esta mesma autora, é nessa fase que os sujeitos desenvolvem análises, conscientes do papel do professor, suas possibilidades e atribuições sociais. Ainda é nesse momento que podem surgir conflitos em relação à confirmação da escolha profissional. A aproximação com o estágio tem-se revelado tanto em momentos nos quais passam a identificar-se e definir sua carreira como docente, quanto em que passam a não se identificar e mudam sua opção profissional.
Corroborando estudo de Antunes (2007) , os estágios curriculares, os projetos de extensão e as práticas como componentes curriculares possibilitam aos futuros docentes a aplicação da ação formadora na realidade social, a partir das competências e habilidades adquiridas ao longo do processo formativo, contribuindo ainda como um feedback dos conteúdos de cada componente curricular. Assim, fica clara a necessidade da união dos componentes grupo 1 - Formação docente e do grupo 2 - Formação específica da área do conhecimento.
As Diretrizes Curriculares Nacionais recomendam que 400 horas da carga horária total do curso devem ser destinadas ao estágio curricular supervisionado de ensino. Apenas os cursos de licenciatura em Letras, História, Pedagogia e Letras-Inglês não respeitavam esta carga horária. Para Dias (2017) e Solovieva (2004) , é necessária a constante relação entre escola básica e universidade para o cumprimento da função social desta.
Uma questão a ser levantada nesse aspecto se refere à particularidade da oferta desses cursos de licenciatura: são ofertados no turno noturno. Como demonstrou a pesquisa de Maranhão (2015) , grande parte dos estudantes do turno noturno trabalham durante o dia, ou em outra área profissional ou, propriamente, no ensino. Em decorrência desse quadro, surge a questão mobilizadora: de que maneira o licenciando desenvolve os estágios obrigatórios, uma vez que trabalha e estuda? Os estudantes que trabalham parcialmente têm a possibilidade de conciliar estágio e trabalho, mas o principal desafio é para quem trabalha o dia todo. Quanto aos professores de nível médio, que fazem licenciatura à noite, geralmente, têm uma parte de sua carga horária de estágio abonada com o exercício de sua própria atividade trabalhista. Conforme a Resolução no 009/2001 do Conselho Nacional de Educação, art. 1º, parágrafo único: “os alunos que exerçam atividade docente regular na Educação Básica poderão ter redução da carga horária do estágio curricular supervisionado até o máximo de 200 (duzentas) horas”.
De acordo com Gatti (2016) , observa-se que é flagrante a falta de tempo dos discentes para cumprirem as horas exigidas de estágios nos cursos de licenciatura do turno noturno das IES privadas e públicas, dado que, em geral, trabalham durante o dia. Soma-se a isso a falta de projetos de estágio em articulação com as redes de ensino municipais e estaduais.
No entanto, cabe aqui, ressaltar que essa relação não pode efetivar-se de modo linear, onde os sujeitos apenas reproduzem em campo o que aprenderam em sala de aula. Ao contrário, essa relação deve ser dialógica, já que a troca de saberes, nesses espaços, é necessária para o processo de ensino-aprendizagem.
Outrossim, é importante ao futuro docente que este construa o seu próprio conhecimento; conhecimento que se apresenta de maneira oculta, a partir do qual possam aprender com a vivência de/com outros colegas, através da tentativa (processo ensaio-erro/acerto) de adaptar suas ações de acordo com o contexto e utilizar os conhecimentos aprendidos na sua formação acadêmica.
6 Considerações finais
A fim de atingir os objetivos desta pesquisa, buscou-se analisar a carga horária dos componentes curriculares da formação docente nos cursos de licenciatura do turno noturno na Ufba, a partir dos currículos dos 12 cursos. Separou-se, desta forma, os componentes curriculares em quatro grupos ‒ grupo 1 - formação docente; grupo 2 -componentes cuja finalidade é a formação técnica; grupo 3 - estágios e práticas curriculares; grupo 4 - atividades curriculares, como trabalho de conclusão de curso.
O curso de Pedagogia, conforme o apontado na literatura, obteve maior concentração de componentes do grupo 1 (disciplinas que se referem às didáticas e metodologias de ensino), seguido de Computação, Matemática e Física. Por outro lado, os cursos de Letras, Letras com habilitação em Inglês, Letras com habilitação em Espanhol, Ciências Biológicas e Geografia tiveram maior concentração dos componentes do grupo 2.
Mesmo com os avanços obtidos desde a publicação da LDB em 1996, a questão da formação dos professores tem sido um grande desafio para as políticas governamentais e para as IES que os formam. A estrutura curricular encontrada nesse estudo dos cursos de licenciatura do turno noturno evidencia a falta de inovações e avanços na quantidade de disciplinas ou cargas horárias que priorizem a formação docente, que habilitem o licenciando a desempenhar uma carreira docente com uma base consistente das práticas cotidianas necessárias ao espaço escolar.
Não há como afirmarmos que os licenciandos dos cursos que obtiveram maiores componentes curriculares do grupo 1 irão tornar-se melhores profissionais, ou reformular suas ações em sala de aula; no entanto, esse estudo revela-se necessário para suscitar o debate no espaço universitário.
As limitações deste estudo ancoram-se na técnica de coleta de dados e por ser um estudo documental. Apesar das informações colhidas serem oficiais, podem estar desatualizadas. Assim, o passo seguinte a essa proposição é ouvir os licenciandos e egressos acerca da sua formação, principalmente no tocante às atividades de ensino, pesquisa e extensão na Universidade. Ademais, os estágios também devem ser qualitativamente avaliados como desdobramento deste estudo.