1 Introdução
Neste texto, paradoxalmente, propomos discutir a temática da inclusão escolar em um contexto de exclusão social imposta pelo capital. Assim, conceituamos como grupos excluídos, com base em Barroco (2007) , aqueles que vivem na pobreza, os negros, os sem-terra, comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhos, pessoas com deficiência etc., que estão excluídos de suas garantias dos direitos sociais descritos na Constituição da República do Brasil (BRASIL, 1988), em especial, o direito à Educação.
No campo da Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, modalidade que atende o grupo das pessoas com deficiência, temos uma vasta publicação e problematização sobre o tema: estudiosos da Educação e da Psicologia, dentre os quais Barroco (2007) , Pansini e Matos (2018) , Patto (2008) , Nunes, Tada e Tezzari (2014), defendem uma Educação que garanta o acesso à matrícula, à permanência e ao desenvolvimento humano por meio da apropriação dos saberes escolares pelas pessoas com deficiência na Educação Básica. Este é o conceito de inclusão escolar defendido neste trabalho, mas não é o único existente, considerando o bloco histórico da hegemonia neoliberal.
A área da Inclusão Escolar é um campo de disputas e alguns autores críticos da Educação e da Psicologia discutem que organismos internacionais intentam por meio das políticas públicas mercadorizar tais espaços, coadunando com a reprodução do capital ( PANSINI; MATOS, 2018 ; PATTO, 2008 ). Isso se evidencia no bojo das ideologias neoliberais que são repercutidas nas parcerias entre público e privado, na compra e venda de pacotes de cursos com equívocos teóricos que contribuem para o aligeiramento das formações acadêmicas ( BARROCO, 2011 ), na contratação de profissionais com formações precárias e com vínculos temporários ( PATTO, 2008 ) e no assistencialismo. São ideologias com a intenção de “monetarizar” a Educação para extrair lucro, como tratado por Hypolito (2011) , sobre as ações dos organismos neoliberais como o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); para a Educação em geral.
Apesar de introduzirmos esta discussão polemizando as políticas públicas, não se trata aqui de negar seus valores para uma Educação mais justa e igualitária, nem se trata de culpabilizar a escola básica por não efetivar a Educação Inclusiva, pois a defesa é que o Estado deve atender os anseios dos indivíduos sem distinções e isso ocorre por meio de políticas públicas ( EVANGELISTA; SHIROMA, 2019 ).
Por conseguinte, nossa intenção é problematizar as ações governamentais que seguem a lógica neoliberal, precarizando a Educação pública, preferindo os resultados quantitativos aos qualitativos. Destarte, a promulgação de políticas educacionais e as orientações contidas nestas são campos de disputas de interesses por parte dos intelectuais orgânicos, onde os representantes de suas classes sociais que se encontram no poder buscam dirigir os rumos da Educação a outros trilhos. Ainda, no cenário destas disputas, acarreta-se o que chamamos de precarização da Educação Inclusiva, sendo o conceito de precarização recuperado com base em Hypolito (2011) no que diz respeito ao trabalho docente, e a partir de Antunes (2018) no que tange à classe trabalhadora no Brasil.
A precarização ganha destaque neste trabalho em referência às ações neoliberais que geram a sobrecarga de trabalho, a introdução dos contratos temporários nos serviços públicos, a terceirização, a privatização, a competitividade entre os sistemas escolares na produção de números e dados quantitativos, os impactos das políticas na Educação Básica produzindo o fracasso escolar. Ainda, há de se considerar o controle dos processos através das avaliações em larga escala gerando a responsabilização dos sistemas escolares, a falta de estrutura, de recursos, de profissionais qualificados, a falta de valorização profissional através de formações qualificadas, a ausência de planos de cargos, carreiras e remunerações.
Por fim, também destacamos a influência de teorias pedagógicas ou psicológicas que reduzem o trabalho escolar, esvaziando os conteúdos científicos e não garantindo, de fato, o desenvolvimento do psiquismo humano nos indivíduos com e sem deficiência ( BARROCO, 2007 ; SAVIANI, 2019 ; VIGOTSKI, 2021 ). Isso tudo contribui para a exclusão escolar, comprometendo o desenvolvimento das funções psicológicas superiores do aluno com ou sem deficiência.
Para promover uma Educação Inclusiva de qualidade para estudantes com deficiência, cumprindo o seu papel na possibilidade de desenvolver direta e intencionalmente, a humanidade produzida pelo coletivo dos homens ( SAVIANI, 2019 ). Para tanto, é preciso considerar o que aqui discutimos, bem como a necessidade de que o Estado medeie esse processo através de políticas públicas eficazes e investindo, qualitativamente, recursos tecnológicos, humanos, materiais, pedagógicos e financeiros na Educação.
Contudo, a promulgação de políticas públicas isoladas não produz efeitos adequados se não forem operacionalizadas de forma refletida e consciente por parte dos profissionais da Educação (LEONARDO; ROSSATO; CONSTANTINO, 2016). Não estamos reduzindo nossa discussão a setores específicos da sociedade ou a responsabilidade pela transformação desta realidade: essa transformação, ao nosso entendimento, deveria ocorrer por meio de ações coletivas, mas destaca-se a formação intelectual crítica para isso, papel de uma escolarização de qualidade. É o que defendemos.
Neste sentido, mencionamos a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva ( BRASIL, 2008 ) que orienta os Sistemas de Ensino na efetivação e na garantia da escolarização dos alunos com deficiência. Esta política introduz e reforça várias adaptações e flexibilizações, entre elas, a existência do profissional do Atendimento Educacional Especializado (AEE), com especialização por áreas específicas da deficiência, a criação das Salas de Recursos Multifuncionais na Educação Básica regular. Assim, emerge uma nova categoria profissional que sustenta a discussão deste trabalho: o cuidador, nas funções de suporte na higiene, alimentação e locomoção do indivíduo com deficiência.
De fato, dependendo da limitação acometida pela deficiência no indivíduo, ele ou ela pode, sim, necessitar de suportes humanos e tecnológicos, mas estes não são os únicos recursos para a efetivação de uma Educação Inclusiva de qualidade. Neste sentido, no sítio eletrônico do Governo do Estado de Rondônia1 foi publicada uma matéria mencionando que a Secretaria Estadual de Educação promove a inclusão escolar ( MOURA, 2017 ), enfatizando a contratação de cuidadores e intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras), com formação em nível médio.
Todavia, nas fontes citadas não comparecem outros recursos, adaptações e investimentos importantes como a contratação de acompanhante especializado ( BRASIL, 2012 )2 e de professores do AEE e formações continuadas qualitativas, com sólida base teórica. Vale lembrar que do período de 2016 a 2019 houve um aumento considerável de matrículas de alunos com deficiência nas escolas públicas de Rondônia ( INEP, 2016 , 2019 ); como efeito ocorreu um aumento na contratação de cuidadores por parte das Secretarias de Educação, ponto que será discutido neste trabalho.
Diante deste quadro, sendo este trabalho um recorte de uma pesquisa de mestrado ( CAMARGO, 2021 ) extraímos alguns dados objetivando discutir, com base nos editais de concursos públicos e processos seletivos que selecionam os profissionais cuidadores, os elementos que coadunam com a precarização da Educação Inclusiva em Rondônia, abarcando as remunerações, as atribuições e as formações acadêmicas destes profissionais.
2 Método e metodologia
Como método, considerando a fundamentação em teorias críticas da Educação e da psicologia, sobretudo, a Pedagogia Histórico-Crítica ( SAVIANI, 2019 ) e a Teoria Histórico-Cultural ( VIGOTSKI, 2021 ), partimos do Materialismo Histórico e Dialético ( KOSIK, 1976 ; PRATES, 2016 ) por compreendermos que o aumento da matrícula de alunos com deficiência e o aumento da contratação dos profissionais cuidadores não se caracteriza, de fato, como inclusão escolar. Todavia, apreendemos tal fenômeno como uma ocultação da essência, como uma manifestação caótica do todo, carecendo de mediações para se chegar ao real concreto.
Metodologicamente, realizamos uma pesquisa documental ( EVANGELISTA; SHIROMA, 2019 ), acessando documentos legais tais como editais de concursos públicos e processos seletivos na área da Educação do estado de Rondônia e seus municípios, compreendendo o período de 2012 a 2019. Com relação aos documentos pesquisados, elucidamos que os editais de concursos públicos são regidos na forma de contratação efetiva e os editais de processos seletivos na forma de contratação por um prazo determinado (temporários).
Como critérios de seleção, além do marco temporal, os documentos deveriam estar descrevendo os profissionais cuidadores e suas atribuições. Excluímos editais suspensos ou cancelados ou aqueles que não tratavam da seleção destes profissionais. Ainda, utilizamos como base de pesquisa o sítio eletrônico PCI Concursos, que oferta a opção de pesquisa de editais por ano, por região e por cargos. Em seguida, acessamos os portais de transparência dos 52 municípios de Rondônia para verificar a existência de suspensões/cancelamentos de editais ou publicações de novos, com fins de refinar os dados coletados no referido portal.
3 Resultados e discussões
Como resultado, tivemos um total de 46 editais para seleção de cuidadores. A maior parte dos editais era caracterizada pela oferta de vínculos temporários (27 editais), por meio de processos seletivos, o que nos levou a iniciar a discussão sobre a precarização da Educação Inclusiva. Os vínculos temporários são comumente utilizados cada vez mais para debilitar o trabalho, impactando na valorização do profissional, o que inclui baixa remuneração, falta de formação inicial/continuada na área e de plano de cargos de carreiras, pois, o vínculo temporário com a administração pública não permite que aprovados recebam progressões de carreira, formações continuadas e outros direitos trabalhistas regidos por estatutos e regramentos.
Antunes (2018) discute esse fenômeno da precarização da classe-que-vive-do-trabalho, polemizando as estratégias de contratação de trabalhadores com vínculos temporários que, conforme o efeito descrito pelo autor, além do adoecimento, provoca a pulverização dos sindicatos, aumentando a flexibilização dos direitos trabalhistas. Já no âmbito da administração pública, além da terceirização e da privatização, a precarização se revela na constatação da falta de formação continuada e de valorização profissional.
Nesta esteira, introduzimos o reflexo na exclusão escolar. De igual modo, Patto (2008) analisa esses contratos temporários de profissionais com baixos salários na escola pública: enquadram-se dentro da falaciosa mensagem de inclusão escolar, mas ocultam a essência da precarização da Educação Básica ofertada aos grupos minoritários.
Ainda nesta discussão sobre a desvalorização profissional, nossa pesquisa constatou que os problemas se originam desde o momento em que as políticas públicas ao não descreverem, de fato, as atribuições dos profissionais ou mesmo suas nomenclaturas. Ao longo da análise, encontramos: cuidador, monitor, amigos ao educando, auxiliar de sala, estagiários de pedagogia, inspetor de alunos, amigos voluntários aos educandos, professor de apoio, professor auxiliar, entre outras denominações, para este novo profissional da Educação ( CAMARGO, 2021 ).
A falta de algo tão basilar como a identidade profissional dificulta na valorização profissional e coaduna, ainda mais, para a precarização do trabalho. De igual modo, podem revelar, implicitamente, a “importância” que é dada ao campo da Educação Inclusiva. Temos o exemplo do município de Ji-Paraná, com editais para duas categorias de profissionais que desempenham as mesmas atribuições: o Edital de Concurso Público nº 01/2012 e o Edital nº 01/2017 selecionando cuidadores, com vínculo efetivo e com formação nível médio. Já os Editais de Processos Seletivo nº 01 e nº 02 de 2018 selecionavam estagiários em nível médio/técnico e cursando pedagogia para desempenhar as mesmas atribuições, por meio de vínculo temporário.
Neste aspecto, abrir concurso para estagiários de pedagogia nos remete à discussão das condições salariais propostas nos 46 editais analisados. Destes, 18 deles apresentavam o vencimento ou retribuição salarial abaixo do salário-mínimo, como no caso dos estagiários de pedagogia, com remuneração em torno de R$ 600,00, e do cargo de amigos voluntários ao educando, com uma ajuda de custo diário de R$ 28,00 ( CAMARGO, 2021 ). Deste modo, por meio do concurso público, o Estado de Rondônia e seus municípios contratam o exército de reserva tratado por Patto (2008) e Antunes (2018) como estratégia do capital para empregar os excluídos. Com base nesta discussão, nos reportamos à Figura 1 para descrever este fenômeno:
Para compreender como o fenômeno acima se revelou ou se apresentou na nossa pesquisa, importa-nos ratificar que a lógica inclusão e exclusão são categorias produzidas no modelo neoliberal, de igual modo, o emprego e desemprego. Neste último, o desemprego é uma produção histórico-social, notadamente necessária para a manutenção do sistema do capital. Excluídos são aqueles que estão na base da pirâmide social, como os catadores de materiais recicláveis cooperados, empregados domésticos etc., com seus baixos salários e condições materiais, refletindo também nas oportunidades escolares, inferiores aos dirigentes da classe social ( ANTUNES, 2018 ; PATTO, 2008 ).
Todavia, existem os excluídos da própria base: os desempregados ou em condições de subemprego, como hoje, em tempos de pandemia da Covid-19, que levou trabalhadores que outrora tinham carteira de trabalho assinada a atuarem como motoboys ou motoristas ligados a aplicativos de compras ou transporte de passageiros. De acordo com Antunes (2018) , os empregados em subemprego não se importam em receber baixos salários ou viver em condições precárias de trabalho, pois estão guiados pela lógica neoliberal de uma falsa inclusão: não que queiram intencionalmente reproduzi-la: antes, porque suas condições sociais e materiais os obrigam a viver sobre o privilégio da servidão. No caso da contratação de cuidadores não é diferente. Entre viverem desempregados, seguem a lógica da contratação com baixos salários, conforme o Quadro 1 .
Documento | Profissional/ Nomenclatura | Requisitos | Vencimento/ salário | Salário-mínimo vigente |
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Edital nº 2 (BURITIS, 2017); Processo seletivo | Cuidador | Nível médio | R$ 726,03 | R$ 937,00 |
Cuidador | Nível fundamental | R$ 726,03 | R$ 937,00 | |
Edital nº 002/2018 (BURITIS, 2018); Processo seletivo | Cuidador da Educação Inclusiva | Ensino médio | R$ 1.086,45 | R$ 954,00 |
Auxiliar de sala de aula | Ensino médio | R$ 773,61 | R$ 954,00 | |
Edital nº 001 (CUJUBIM, 2015) | Cuidador | Ensino Fundamental incompleto | R$ 800,00 | R$ 788,00 |
Edital nº 002 (CUJUBIM, 2017) | Cuidadora (aluno especial) | Ensino médio | R$ 1.000,00 | R$ 937,00 |
Edital nº 001 (GOVERNADOR JORGE TEIXEIRA, 2019) | Cuidador de Alunos Especiais | Certificado de Conclusão do Ensino Fundamental Certificado de Curso de Cuidador de Alunos Especiais Experiência profissional laboral relacionada com a atividade | R$ 998,22 | R$ 998,00 |
Edital nº 01 (JARU, 2014) | Cuidador | Ensino fundamental | R$ 700,00 | R$ 724,00 |
Edital nº 01 (JI-PARANÁ, 2012) | Cuidador educacional para pessoas com deficiência | Ensino médio | R$ 622,00 | R$ 622,00 |
Edital nº 01 (JI-PARANÁ, 2017) | Cuidador educacional para pessoas com deficiência | Ensino médio ou magistério | R$ 937,00 | R$ 937,00 |
Edital nº 01 (JI-PARANÁ, 2018a) | Estagiário nível superior ou nível médio técnico | Cursando o 2.º semestre do curso superior; 1.º semestre do curso técnico, ter 16 anos | Nível superior (20 horas) = R$ 500,00 Nível técnico (20 horas) = R$ 400,00 | R$ 954,00 |
Edital nº 02 (JI-PARANÁ, 2018b) | Estagiário nível superior pedagogia | Cursando o 2.º semestre do curso superior | Nível superior (20 horas) = R$ 600,00 | R$ 954,00 |
Edital nº 01 (JI-PARANÁ, 2018) | Estagiário nível superior pedagogia | Cursando o 2.º semestre do curso superior | Nível superior (20 horas) = R$ 600,00 | R$ 998,00 |
Edital nº 02 (NOVA BRASILÂNDIA D’OESTE, 2018) | Amigo Voluntário do Educando: Educador Social Auxílio em Sala de Aula | Nível médio | Ajuda de custo diário de R$ 28,00 | R$ 954,00 |
Edital nº 02 (NOVA BRASILÂNDIA D’OESTE, 2019) | Amigo Voluntário do Educando: Educador Social Auxílio em Sala de Aula | Nível médio | Ajuda de custo diário de R$ 28,00 | R$ 998,00 |
Edital nº 01 (NOVA MAMORÉ, 2012) | Cuidador de alunos | Nível médio | R$ 833,54 | R$ 622,00 |
Edital nº 01 (NOVO HORIZONTE D’OESTE, 2019a) | Estagiário nível superior incompleto | Nível superior incompleto | R$ 450,00 | R$ 998,00 |
Programa Amigo Voluntário (NOVO HORIZONTE D’OESTE, 2019b) | Amigo voluntário – Educador social | Ensino fundamental incompleto | Ajuda de custo diário de R$ 28,00 | R$ 998,00 |
Fonte: Camargo (2021) .
No Quadro 1 , além dos baixos salários, fica evidente a falta de definição precisa das formações acadêmicas requisitadas para a contratação do profissional, que também se revela nas próprias políticas públicas federais. Considerando que os contratados desempenharão suas atribuições com alunos com deficiência, caso não compreendam, de fato, a forma de desempenhá-las em prol da formação da consciência do aluno, isso será irrevogavelmente danoso à Educação Inclusiva.
De fato, um trabalho que possibilite a formação da personalidade consciente nos indivíduos com e sem deficiência não deve, por base, se limitar ao plano biológico ou focalizar na limitação da deficiência. É o que Vigotski (2021) polemiza em seu conjunto de obras. Para um trabalho nesta direção, é inaceitável que o profissional tenha formações aligeiradas, precárias ou insuficientes para contribuir com o trabalho pedagógico ao aluno com e sem deficiência. Além do mais, por muito tempo, a Educação Básica no Brasil está sob alvo de teorias hegemônicas que naturalizam o trabalho docente e pedagógico ao plano biológico e maturacionista o que, conforme o nosso entendimento, dificulta a escolarização de pessoas com deficiência ( CAMARGO, 2021 ).
Apesar desta pesquisa tratar do profissional cuidador, pelo método materialista histórico-dialético na coleta dos dados – tidos como empiria – ficamos atentos a outras mediações ou particularidades que nos auxiliassem a compreender o real. Assim, analisamos que quanto mais selecionavam profissionais cuidadores, mais diminuíam a seleção de professores em nível superior para o AEE.
Como exemplo disso, temos o Edital nº 237/2016, do Governo do Estado de Rondônia, que tinha vaga para professor com nível superior para o cargo de Intérprete de Libras, mas somente para a capital Porto Velho e, mesmo assim, não havia seleção de professores para o AEE nas áreas de deficiência intelectual, cegueira, autismo, transtornos globais do desenvolvimento etc. Após 2016, os editais de Rondônia abriram vagas para o cargo de Intérprete de Libras com nível médio ( CAMARGO, 2021 ) e um aumento considerável na contratação de cuidadores.
Aos poucos, os editais priorizavam profissionais com formação em nível médio e, em alguns casos, exigiam candidatos com nível fundamental completo; também houve editais com vagas para cuidador, com nível fundamental incompleto. Em síntese, foram encontrados 37 editais para seleção de cuidadores com nível médio, um para seleção de candidatos com nível superior em pedagogia, três para nível fundamental completo e dois para fundamental incompleto.
Vale mencionar que a única seleção que exigia nível superior, ainda descreveu o profissional como um cuidador e não como um acompanhante especializado em Educação. Esse quadro coopera para a precarização do serviço público ( ANTUNES, 2018 ), impactando na oferta, na permanência e no desenvolvimento da escolarização de alunos com e sem deficiência.
Nossa empiria revelou um aumento de editais de seleção de profissionais cuidadores e de matrícula de alunos com deficiência nas escolas regulares. Feitas as mediações necessárias e, agora, na intenção de fazermos o detour , momento de síntese da pesquisa ( KOSIK, 1976 ), podemos afirmar que a seleção dos cuidadores teve como foco manter o número de matrículas de alunos com deficiência nas escolas regulares, tal como exigido pelos organismos internacionais e, como estratégia mais barateada e precária, temos a contratação de cuidadores com nível fundamental e médio e com baixos salários.
4 Considerações finais
Abordar a questão do profissional cuidador que, historicamente, faz parte da área da saúde, evidencia de alguma forma as contradições existentes que afetam a Educação Especial na Perspectiva Inclusiva. Procuramos demostrar que o termo precarização, recuperado em Hypólito (2011) e Antunes (2018) , se manifesta na Educação Inclusiva com a seleção de profissionais com formações precárias, baixas condições de trabalho, remuneração e outros elementos que impactam no campo da Educação Inclusiva.
Também destacamos as formações acadêmicas, considerando que a defesa seria a exigência de formação na área da Educação, de modo a possibilitar o desenvolvimento da personalidade consciente ( VIGOTSKI, 2021 ), defendendo a seleção/contratação do acompanhante especializado em Educação. Contudo, os resultados demonstraram o inverso. Apesar de existirem tais políticas públicas – também como campos de disputas – os profissionais da Educação precisam ter consciência sobre essas dinâmicas concretas do capital e suas intenções em quantificar ao invés de qualificar a Educação.
Por se tratar de um recorte de uma pesquisa ( CAMARGO, 2021 ) que teve como objeto a análise de políticas públicas educacionais inclusivas e a contratação de profissionais cuidadores e acompanhantes especializados, através dos dados coletados deparamo-nos com uma realidade caótica envolvendo esses profissionais. Esse grupo de trabalhadores, atingidos pela lógica neoliberal, se submete tanto a baixos salários quanto a condições de trabalhos precárias, fato que também colabora para mascarar a realidade da inclusão escolar.
Ademais, se mostra necessário não deixar de lado as discussões sobre os cortes de recursos e de investimentos nos setores públicos que contribuem para a precarização da área, cooperando, a nosso ver, com a mensagem neoliberal que a Educação pública não vem cumprindo com o seu papel, da qual emergem as parcerias público-privadas, e as intensas ameaças para um retrocesso no campo da inclusão escolar, claramente posta no Decreto no 10.502 ( BRASIL, 2020 ), que instituiu a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida.
É necessário que os profissionais da Educação discutam com as plenárias legislativas os anseios locais de melhoria das condições de trabalho, da contratação de profissionais especializados na área da Educação, e que a comunidade escolar disponha de tempo para debater essas dinâmicas e as políticas públicas, sem aligeirar o cotidiano escolar e fortalecer as propostas pedagógicas.
Por fim, uma inclusão, de fato, só se efetivará com a transição para um outro tipo de sociedade, que necessita que o trabalho pedagógico escolar recupere fundamentos pedagógicos e/ou psicológicos críticos, desvelando as contradições deste bloco histórico hegemônico, proposta contida na Pedagogia Histórico-Crítica e na Teoria Histórico-Cultural.