INTRODUÇÃO
A MORTE NO UNIVERSO INFANTIL
A morte é a única certeza da vida e algo que faz parte do desenvolvimento do ser humano. No entanto, de modo paradoxal, vive-se como se esse fato não existisse (Sengik e Ramos, 2013). Trata-se de um fenômeno de caráter desconhecido, que foge ao controle do sujeito, que invade a existência das pessoas de modo repentino, sem permissão e muitas vezes sem um preparo para a sua chegada, colocando o sujeito diante de inúmeros temores e incertezas, trazendo à tona o sentimento de impotência (Casellato, 2015; Kovács, 2003). Nessa linha de pensamento, a sociedade, que nada pode contra a morte, encarrega-se de adiá-la e afastá-la, evitando até mesmo falar sobre o assunto.
Ao se pensar a morte, reflete-se sobre perdas de ordem real, bem como sobre simbólicas, ambas perpassadas pelas frustrações e pelos sofrimentos do sujeito. Nesse sentido, além da perda de um vínculo afetivo, algumas vivências e acontecimentos no transcorrer da vida estabelecem sua analogia com a ideia da morte, como separações, perdas de objetos, abandonos, adoecimentos, situações que de algum modo retratam rompimentos. Assim, a morte se faz presente em níveis emocionais, sociais e somáticos ao longo do desenvolvimento humano, deixando suas marcas durante o ciclo vital (Kovács, 2005; Kübler-Ross, 2008).
O entendimento de que a perda, de diversos modos, faz parte do processo de desenvolvimento desde a mais tenra idade (Sengik e Ramos, 2013) sugere que esse fenômeno e seus reflexos se manifestam no cotidiano de todos os sujeitos, atingindo diferentes faixas etárias e exigindo de cada um enfrentamentos e interpretações. Trata-se de uma vivência de ordem singular, porém influenciada pelo contexto cultural, que assume peculiaridades na cultura contemporânea ocidental (Ariès, 2017).
Na Idade Média, a morte era considerada um evento familiar, para o qual havia um preparo e um olhar de naturalidade, e até mesmo as crianças eram autorizadas e incentivadas a participar. No século XIX, no entanto, a morte do outro passou a ser temida, sendo as crianças afastadas dos seus rituais de despedida (Ariès, 2017). Atualmente, o processo envolvendo a morte apresenta uma hiperindividualização desse fenômeno, o que retrata a perda de redes simbólicas que cercam o morrer, bem como o luto, ficando para cada sujeito a iniciativa de criar significados e elaborar suas perdas (Giacomin, Santos e Firmo, 2013). Nessa ordem, não se fala sobre a morte entre os adultos, o que gera um impedindo de abordagem dessa temática com as crianças, transformando-a em um assunto proibido (Paiva, 2011).
Compreende-se que a atual concepção de infância implica somente contemplar os aspectos positivos, a alegria e a vida, desconsiderando as perdas como um processo também pertencente a essa etapa da vida. No entanto, ao longo de seu desenvolvimento, a criança se depara com diversas perdas, as quais se podem configurar mediante a morte de um animal de estimação ou de uma pessoa significativa, bem como em eventos como a separação dos familiares e a necessidade de lidar com frustrações. Tais perdas provocam sofrimento e algumas vezes levam a modificações e a reformulações importantes na vida da criança (Fronza et al., 2015; Paiva, 2009).
Ressalta-se que a elaboração do luto no período da infância requer o apoio de figuras significativas, considerando sua necessidade de obter informações acerca do ocorrido. Assim, torna-se importante destacar a influência que o luto dessas figuras possui sobre o reconhecimento e a vivência do luto da criança. Além disso, em virtude de o desenvolvimento cognitivo e emocional da criança estar em construção, destaca-se que a comunicação acerca de questões relativas ao morrer deve levar em conta o seu estágio de evolução (Bolwby, 2001).
Ao estar em contato com o meio social, a criança capta a realidade e sobre ela constrói pensamentos e percepções de acordo com sua compreensão. Assim, defende-se que dialogar sobre a morte com as crianças não significa criar uma dor ou intensificá-la, mas sim olhar para esse sentimento e auxiliar na elaboração da perda, no sentido de ajudar na compreensão sobre o ciclo da vida (Paiva, 2011). Para isso, destacam-se como importantes fatores de proteção ao meio familiar a qualidade das relações instituídas, as características da personalidade de cada sujeito, bem como a rede de apoio social.
O CONTEXTO ESCOLAR E A TEMÁTICA DA MORTE
A criança ao nascer já se torna membro de um grupo social, uma vez que suas necessidades no nível físico e emocional são interligadas a outros sujeitos. Ela é progressivamente apresentada a tudo aquilo que foi acumulado no transcorrer da história e às formas de relações instituídas no social por meio de determinados agentes sociais, como a família e os professores. Dessa maneira, a interação realizada entre a criança e o social, bem como sua própria forma de ver o mundo, passa a ser influenciada pela ação desses atores sociais aliada aos aspectos próprios do sujeito em formação (Salvador et al., 1999).
Como um segundo ambiente de socialização depois do meio familiar, o espaço escolar possui a função de educar para a vida, caracterizando-se muitas vezes como um lugar de segurança e afeto para a criança, atuando como um mediador de informações sobre a realidade (Moreira, 2015). Desde muito cedo, o sujeito passa a frequentar o ambiente escolar ocupando ali grande parte de seu tempo. Nesse sentido, a abordagem dos integrantes desse grupo pode auxiliar ou dificultar a vivência e a elaboração de diferentes processos do desenvolvimento, como a própria vivência de um luto (Fronza et al., 2015; Paiva, 2011; Stokes, Reid e Cook, 2009).
Aponta-se que nesse contexto a figura do(a) professor(a) tende a assumir um papel afetivo, de referência para a criança, na continuidade da sua relação instituída com os pais, o que pode estabelecer uma segurança e um vínculo fundamental em seu crescimento (Maeda, 2017). Coloca-se como desafio nessa relação o aprendizado da convivência, visto que a escola é um ambiente onde se fazem amizades, compartilham-se progressos individuais e profissionais e alegrias, bem como momentos de dor e de perdas (Mascia e Silva, 2014). Desse modo, é importante que a instituição escolar esteja preparada para lidar com as diferentes emoções que perpassam o universo do aluno (Domingos e Maluf, 2003).
Um dos principais tabus na sociedade, que atinge de modo singular o meio escolar, consolida-se no que se refere à temática da morte. Como um fato constante no cotidiano, crianças e jovens podem viver a perda de figuras significativas em sua vida, ver a morte por meio da violência, pela exposição constante da mídia, bem como pelas separações, mudanças de ano letivo, de turma e de professor, experiências estas que trazem uma ruptura à vida e eliciam sentimentos semelhantes à morte (Schuck, Bruxel e Strauss, 2014). Esses acontecimentos passam a invadir o grupo da escola com perdas que ocorrem na própria instituição, com a presença de crianças e professores enlutados (Fronza et al., 2015).
Diante disse, sentimentos de temor, tristeza, desamparo e impotência tendem a invadir os sujeitos que compartilham uma perda. A sensação de nada poder dizer ou fazer para diminuir o sofrimento torna a morte um assunto negado e temido no ambiente escolar. Todavia, não abordar a temática e os sentimentos envoltos na morte e no luto se contrapõe à ideia de que é na escola que o indivíduo realiza grande parte de sua formação em diversos âmbitos, como emocionais, intelectuais e sociais (Santos, 2009).
Há a dificuldade de ofertar amparo e palavras de consolo para a dor da perda, o que faz com que esse processo seja ainda mais penoso. No entanto, sabe-se que é essencial um espaço para que o luto seja discutido e que as lembranças possam ser ressignificadas, para assim a pessoa lidar de forma sadia com a dor (Fronza et al., 2015). Falar abertamente com a criança sobre a morte na escola auxilia na compreensão de seus medos diante do desconhecido e a enfrentá-los com o suporte do outro, colaborando na elaboração da perda de modo construtivo (Kovács, 2012; Sengik e Ramos, 2015; Stylianou e Zembylas, 2018a).
A figura do professor é importante para promover o compartilhamento das experiências de vida e possibilitar um processo de luto menos solitário e mais saudável. Nesse sentido, a escola e as relações do(a) professor(a) com o(a) aluno(a) podem consolidar-se em um meio e um vínculo que romperiam com o silêncio e com a ausência de reflexões associadas às perdas. Assim, a presente pesquisa tem como objetivo compreender, pela perspectiva de docentes de escolas públicas de ensino fundamental, como a temática da morte está inserida no ambiente escolar e de que forma ela é abordada com os alunos, em especial na infância.
MÉTODO
DESENHO DO ESTUDO
O presente estudo consiste em uma pesquisa de caráter qualitativo, exploratório e descritivo. A abordagem qualitativa possibilita a compreensão das representações de indivíduos ou grupos acerca de uma temática específica (Minayo, 2014). O aspecto exploratório é adotado com o propósito de familiarizar-se com o objeto a ser investigado, buscando obter uma compreensão diferente diante de determinada situação (Gil, 2010). No que se refere ao aspecto descritivo, aponta-se que este tem como finalidade descrever as características de determinada população ou de um fenômeno, podendo estabelecer possíveis relações entre as variáveis (Gil, 2008).
PARTICIPANTES DA PESQUISA
Participaram da pesquisa professoras de quatro escolas da rede municipal de ensino fundamental de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. No total, a pesquisa contou com sete participantes, todas do sexo feminino, em virtude de disponibilidade e interesse para a fala e a contribuição à pesquisa. Esse número se explica pela saturação dos dados, o que significa que as informações coletadas passaram a se repetir, não se justificando a realização de novas entrevistas (Turato, 2013). Com o objetivo de preservar a identidade dos participantes, os nomes foram mencionados pela letra E, seguida do número referente à entrevista.
COLETA DE DADOS
O convite para os agendamentos da coleta de dados foi realizado nas escolas onde as professoras atuavam. O local para a realização das entrevistas foi nas próprias escolas, em sala disponibilizada pela direção das instituições de ensino.
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, as quais consistem em um importante instrumento de coleta, uma vez que a fala pode ser capaz de revelar condições estruturais, simbólicas e normativas de determinados grupos (Minayo, 2014). Para a realização de entrevistas semiestruturadas, a elaboração de eixos norteadores contribui como um guia para o entendimento das diferentes perspectivas dos sujeitos investigados, propondo reflexões e problematizações acerca do tema em estudo (Minayo, 2014; Moré, 2015). Nesse sentido, foram utilizados os seguintes eixos norteadores: histórias/experiências na escola em relação à morte; morte e conteúdo escolar; preparo para lidar com a morte na formação profissional; a ideia de morte no contexto infantil; iniciativas para lidar melhor com a morte no contexto escolar.
A coleta de dados iniciou-se após a aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade à qual o estudo está vinculado, sob o número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n. 51499315.5.0000.5346. A pesquisa respeitou todos os princípios éticos, conforme a resolução n. 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2016).
ANÁLISE DOS DADOS
Os dados coletados foram transcritos e posteriormente conferidos com base na análise de conteúdo temática, que visa realizar uma avaliação interpretativa das falas (Minayo, 2014). Iniciou-se pela leitura flutuante das informações coletadas, seguida de categorização por meio da qual se busca elencar temáticas que se destacam em grandes tópicos, optando-se, para isso, utilizar critérios de repetição e relevância (Turato, 2013). Com base nessas análises, foram construídas as categorias apresentadas a seguir.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A escola configura-se como uma importante esfera de formação e necessita abordar diferentes temáticas que permeiam o desenvolvimento, entre elas as perdas vividas pelos sujeitos e a morte. Aspectos referentes a como essas temáticas se apresentam no ambiente escolar e como elas podem ser trabalhadas serão traçados nas seguintes categorias:
o papel do professor e da escola ante a presença da morte;
a escola e seus espaços para o luto: tijolos na construção do silêncio;
possibilidades de abordagem da morte na infância.
O PAPEL DO PROFESSOR E DA ESCOLA ANTE A PRESENÇA DA MORTE
A dimensão relacional existente no contexto educativo permite aos sujeitos um posicionamento enquanto participantes e construtores do processo de aprendizagem. Esse cenário demanda que profissionais educadores estejam em constante reconstrução ao longo da vida profissional, buscando provocar transformações individuais nos alunos, bem como impulsionar mudanças no nível socioeconômico, político e cultural (Dotta et al., 2014). Nesse sentido, compreende-se que a educação abrange os sujeitos em todas as suas dimensões e que o papel do professor passa a assumir características complexas que vão além do ato de educar e (re)produzir conteúdo, como elucidado na fala da participante:
A gente brinca muito que professor é psicólogo, é mãe e pai... mas a gente tem que ser. Porque na verdade eu não estou trabalhando com uma máquina, eu estou trabalhando com vidas. (E6)
Como um trabalho que abarca diferentes universos em uma mesma sala de aula, o ato de educar apresenta-se como um desafio, sentindo as professoras que seus papéis rompem com os limites do ensinamento nas disciplinas, ou seja, contemplam uma educação para a vida, que perpassa a vivência de cada aluno. A escola, assim, advém como uma fonte de suporte afetivo, cumprindo um papel muito importante na vida desses sujeitos, na partilha de suas emoções (Mascia e Silva, 2014).
Nessa lógica, uma vez que o espaço escolar se apresenta importante para a socialização e o desenvolvimento dos sujeitos, é natural que estes procurem sanar dúvidas e questionamentos, ao mesmo tempo em que buscam construir conhecimentos e respostas. Entre as temáticas que surgem e que suscitam questionamentos, destacam-se as perdas (Sengik e Ramos, 2015). Segundo Paiva (2009), diversas formas de perda podem surgir ao longo da vida, seja por um brinquedo que se quebrou, de um animal de estimação que morreu, pela mudança de casa ou de escola, um amigo que se muda ou de alguma professora que deixa a escola, alterações na família pela separação dos pais, pela perda de emprego do provedor da casa, a morte de alguém querido, ou até mesmo o receio pela própria vida (Schuck, Bruxel e Strauss, 2014). Portanto, são várias as mortes e perdas que ocorrem ao longo do desenvolvimento da criança, em níveis emocionais, sociais e somáticos (Kovács, 2005; Kübler-Ross, 2008).
Assim, para que se possa trabalhar a temática da morte, é importante compreender qual é o lugar que que esse fenômeno ocupa na sociedade atual. Por se tratar de um assunto tabu, proibido nas discussões e em âmbitos sociais, não existe um olhar nem a escuta para a morte, tendo em vista o intenso mal-estar que sua concretude provoca. No entanto, de modo paradoxal, a morte é evidenciada diariamente na realidade das crianças nas comunidades e pela exposição da mídia ― por meio dos noticiários e dos jornais ―, sendo exibidas imagens de violência e de acidentes. Esse viés exposto pela mídia influencia no imaginário social construído acerca do morrer, o que é exemplificado no relato de uma participante ao comentar sobre determinada atividade que realizou com seus alunos, quando buscou trabalhar quais seriam seus medos:
Aí eu tentei puxar deles: “Vocês têm outro medo?”. Eles têm medo de perda relacionada com a morte, mas eles não sabem especificar a morte, eles têm medo de perda... É perda, de entrar no avião e acontecer um acidente. Sabe, tudo relacionado com o trágico, entrar no avião, acidente e morte. Entrar no elevador, e o elevador sofrer um acidente, morte. Entendeu? Interessante. Mas a palavra morte eles não citaram. (E2)
Assim, verifica-se que a morte ― ainda que não necessariamente mencionada em seu termo ― faz parte das pautas da maioria dos meios de comunicação e constitui um dos medos existentes no imaginário das crianças, uma vez que é abordada como objeto de audiência, especialmente por seu caráter traumático, que envolve assassinatos, catástrofes e acidentes (Santos, 2009; Sengik e Ramos, 2015). Todavia, a abordagem feita pela mídia é na maioria das vezes superficial ou mesmo sensacionalista, sem aprofundamentos, como narra uma participante:
Eu vejo quando os alunos comentam: “Morreram tantos no acidente”. Mas é mostrada a morte, mas não como é lidado com isso. O tema é apresentado pelo fato que aconteceu, mas a questão do entorno e das circunstâncias não. A morte é só colocada como uma notícia. (E5)
Como evidenciado na fala da professora, Santos (2009) afirma que a temática do morrer faz parte do universo das crianças e dos adolescentes que convivem diariamente com tais episódios que por vezes adentram não somente na própria casa como também em sua escola. Além do contato com a morte por intermédio da mídia e da internet, as crianças também podem ter esse contato mediante experiências pessoais.
Nesse sentido, manifesta-se como demanda a criação de um espaço para os questionamentos e o diálogo, como traz a participante em sua fala acerca da morte de uma funcionária da escola:
Eles precisavam muito ouvir da gente alguma coisa [sobre a morte]. Uma explicação, alguma coisa... Eles queriam muito ouvir, queriam muito falar sobre o que eles estavam sentindo. Foi isso que a gente trabalhou... deixar muito eles falar. Expor. (E5)
Uma escola cumpre o papel de promover uma escuta ativa às vozes e às angústias dos seus alunos, de modo possa criar a oportunidade de romper os “muros da incomunicação” (Poch e Vicente, 2010). Em suma, se o luto pela morte de alguém ou pela perda de algo significativo para o sujeito faz parte da vida, a escola não deve fechar-se às ressonâncias que essa vivência emocional repercute dentro do seu ambiente. Desse modo, consegue-se permitir que a educação se encontre como um campo que une as dimensões éticas, experienciais, políticas e emocionais que compõem o sujeito. Nessa linha, em um momento de perda, no qual a família pode estar vivenciando a dor sem ter condições psíquicas de prover suporte à criança ou adolescente, a escola surge como um lugar de suma importância, que pode possibilitar a esse sujeito lidar com a perda por meio do compartilhamento de experiências e sentimentos e pelo apoio de figuras significativas (Stokes, Reid e Cook 2009).
O modo como a escola apoia o aluno enlutado causa impacto na forma como ele lida com seu processo de luto (Stokes, Reid e Cook, 2009). Defende-se, diante dessas compreensões, que a escola não é apenas um centro de ensino e aprendizagem, mas também uma mediadora de informações sobre a realidade (Moreira, 2015).
Tendo a pesquisa acontecido em escolas públicas da periferia, compreende-se que a realidade ali apresentada possui suas peculiaridades, que dizem sobre a constante exposição das crianças à morte. Isso fica evidente no depoimento a seguir:
[...] eles começam a contar que o vizinho morreu num assalto, que o bandido entrou na casa do outro e que eles viram o assaltante matar o fulano. Eles convivem com a morte no dia a dia; eles moram onde tem assaltante, tem tiro de tráfico na rua, e eles escutam tiro a noite toda. A realidade da morte está sempre presente, o assunto para eles é morte, a morte está sempre presente [...]. (E2)
Depreende-se disso que, segundo Jucá et al. (2007), em alguns contextos não há como interditar o assunto; apresenta-se a morte escancaradamente, uma vez que as crianças estão em contato diário com tal situação de uma forma muito próxima. Esse contexto é encontrado, por exemplo, em bairros nos quais constantemente ocorrem enfrentamentos de combate ao tráfico de drogas. A questão é que nesses contextos a morte não é um episódio raro. Ela se torna cotidiana e, em muitas ocasiões, as crianças acabam travando contato direto com o ocorrido, situação que suscita a necessidade de se pensar as particularidades para a abordagem do tema com crianças nas escolas em contexto de violência e vulnerabilidade (Maeda, 2017).
Entretanto, mesmo fazendo parte da vida dos sujeitos de forma direta, a morte continua não sendo abordada e trabalhada na maioria das escolas. Santos (2009) evidencia três fatores que podem ser a causa dessa problemática: a precária formação dos educadores para abordar o tema; a massificação da formação, que acaba por não fornecer espaços para reflexões, e, por fim, a dinâmica da família das crianças, que tende a barrar o assunto. Esse último aspecto relaciona-se aos tênues limites do que deve ser trabalhado em casa pelos pais ou na escola, pelos professores, conforme apresentado na seguinte fala:
[...] De repente tu vai falar sobre a morte e a criança chega em casa e fala: “Mãe, a professora falou sobre a morte”. Vem a mãe na escola e nos processa. Acho que muitas colegas têm esse medo. Até que ponto nós temos o direito de falar de morte se a família não fala em casa? [...] Nós somos autoridade em sala de aula até certo ponto. (E2)
O receio em relação a cruzar a barreira acerca do que deve ser trabalhado nas escolas e o que é próprio da família soma-se à dificuldade que se impõe ao discutir a temática da morte com as diferentes crianças que compõem as turmas, pois, para que se possa pensar na abordagem do tema com as crianças, é importante considerar que o entendimento do conceito de morte para elas depende de aspectos variados, tais como: questões sociais, psicológicas, intelectuais e das experiências de vida (Paiva, 2009).
As perdas em geral ― entre elas a morte ― também fazem parte do contexto escolar, uma vez que a escola se constitui em sistema social, o que torna necessário que se dirija um olhar para essa temática. Tal ação pode ser efetivada mediante a criação de espaços para o diálogo, não somente entre professores e alunos, mas incluindo toda a comunidade escolar, de forma que possa aproximar as redes de apoio do aluno, visto que sanar dúvidas e conversar sobre o assunto torna o momento menos angustiante e possibilita a realização de uma elaboração a respeito da morte mais saudável.
A ESCOLA E SEUS ESPAÇOS PARA O LUTO: TIJOLOS NA CONSTRUÇÃO DO SILÊNCIO
A sociedade faz da morte um tabu (Ariès, 2017), e isso repercute de modo singular nas escolas, uma vez que não falar sobre o assunto traz a não aceitação do enlutado e de sua dor (Martins, 1983). Ao se depararem com a perda de alguém querido, muitas pessoas se defrontam com o temor e o inesperado, assim a morte é sentida como a traição de uma promessa de felicidade e vida longa (Ariès, 2017). Esses aspectos se evidenciam na fala das professoras, quando questionadas sobre o diálogo em relação à morte em suas escolas:
É uma questão que a gente não trabalha, não porque não seja importante. É que existe tabu e ainda existe preconceito com o tema morte. (E4)
Não é rejeição, é medo. Medo de enfrentar uma realidade. Só a palavra assusta. (E2)
Nesse sentido, a própria abordagem da morte exige dos sujeitos envolvidos que enfrentem uma realidade muitas vezes nunca vivenciada e que impõe o medo e a angústia. Segundo as entrevistadas, há um contato difícil com o tema da morte, uma vez que o assunto é discriminado e dificilmente trabalhado na escola. Rodeada pelo medo e pelo desconhecido, a morte provoca pavor e, de algum modo, paralisa o sujeito. Isso se confirma quando a professora retrata sobre o fato de mencionar a palavra “morte”:
Eu também não poderia usar o termo “morte”. “Ela [professora da escola] foi embora, mas ela está bem”, eu disse para eles. Aí falei sobre o tema bem suave. E meu pai foi embora agora há três anos. Eles disseram: “Muito velhinho?”. Eu respondi: “Não, mais ou menos”... Tudo eles vão acionando o tema perda, ir embora, e não a palavra morte. (E2)
Diante da árdua tarefa de discorrer sobre a morte, busca-se suavizá-la no seu conteúdo e na sua nomeação, atribuindo ideias que a vinculam ainda à vida, ao bem-estar e à continuidade da existência. Assim, o sujeito lança mão de eufemismos para explicar ao outro aquilo que a si mesmo foge de uma compreensão. Usam-se termos como “foi embora”, “foi viajar” e se “transformou em uma estrelinha”, que buscam atenuar o peso retratado pela ideia da finitude. A partir disso, percebe-se a ausência de um conhecimento de como abordar e o que falar quando o assunto é o morrer.
Ao vivenciar a morte súbita de uma aluna, a professora E7 refere-se à necessidade do cuidado com o grupo de professores e com os alunos da escola, uma vez que tal perda implica uma angústia e uma carga emocional muito intensa, para a qual não se tem respostas, mas que sabe que não há como ignorar:
[...] não podia voltar e dar aula como se nada tivesse acontecido. Então foi feito todo um trabalho conosco, com os professores e alunos de todas turmas. Porque é uma coisa complicada, porque tu não sabes o que tu vais dizer. (E7)
Falar sobre a morte significa também ter de lidar com o sentimento de impotência. A lógica contemporânea impõe a ideia do nunca perder, de o ser humano sempre ter o controle e possuir todas respostas, e essa lógica advém, muitas vezes, das teorias e da ciência que promovem certezas e sanam todos os questionamentos (Casellato, 2015). No entanto, deparar-se com a perda e com a morte em si rompe com a lógica mencionada e evidencia a ausência de respostas, de um conhecimento pronto que possa ser repassado aos outros e que permita segurança ao locutor:
Eu acho que muitas dessas iniciativas não acontecem por falta de conhecimento de como abordar. Conhecimento para isso. De que forma [falar] com as crianças, de que forma [falar] com os adultos, essa é a principal dificuldade. Quando é abordado o assunto numa reunião com os professores, não sai do senso comum, das experiências que eu tive, de como eu me sinto. Então precisa de um suporte e conhecimento maior para falar sobre isso. (E5)
E a gente vai indo pela nossa sensibilidade. Pela sensibilidade, pelo “achismo” talvez, pelas experiências que a gente já viveu, por aquilo que nos aproxima, mas não com uma formação específica e nem com um conhecimento específico. (E6)
Segundo Grollman (2000), os professores procuram não falar com seus alunos sobre o luto e a morte na tentativa de esconder o próprio temor. Formados para promover respostas e certezas, se veem obrigados a trabalhar a dificuldade de expor suas dúvidas e fragilidades em referência a um tema para o qual não possuem respostas prontas. Grollman (2000) também defende que a escola precisa proporcionar aos alunos um tempo e um espaço para o seu luto e para a expressão de suas emoções, de modo que os professores elaborem competências para uma escuta empática e ativa:
[...] mexe muito no emocional deles, até porque a gente não tem estrutura sem a ajuda de psicólogas. A gente não sabe qual seria a reação deles. O receio de estar usando de forma errada uma metodologia. E o receio do que viria depois. (E3)
A escola até hoje lembra dela [aluna da escola que faleceu], as crianças da época falam dela. É uma questão bem complicada, a gente fala, mas não se aprofunda muito no assunto. Até porque nós também não temos resposta. (E3)
Na lógica da importância de se abordar a temática da morte nas escolas, Santos (2009) reforça a ideia ao afirmar que, uma vez que a morte é tabu na sociedade, ela acaba por não ser abordada nas escolas brasileiras, indo na contramão da compreensão de que é na escola que o indivíduo fará grande parte da sua formação em diversos âmbitos. O adequado é, portanto, que esse tema possa ser tratado com as crianças, no sentido de prepará-las para os processos de perda que ocorrem ao longo da vida, contribuindo para que construam formas de enfretamento que sejam mais saudáveis e adaptativas. Essa abordagem deve ser pautada, todavia, pelo respeito ao nível de aptidão de cada criança para abstrair, pois entende-se que a morte é compreendida de forma mais realista conforme o nível de maturação cognitiva da criança (Sengik e Ramos, 2015). Isso significa que o processo de aprendizagem acerca da morte deve se dar de forma gradual, em conformidade com as capacidades intelectuais e emocionais das crianças (Torres, 1979), uma vez que o seu desenvolvimento cognitivo e emocional ainda está em construção (Bolwby, 2001).
É interessante, portanto, que os educadores busquem conhecimentos voltados a uma educação para a morte, visando desconstruir esse tema enquanto tabu para então reconstruí-lo enquanto objeto de conhecimento escolar (Melo, 2007). Santos (2009) traz, destarte, alguns passos que podem ser considerados fundamentais para se discutir a temática da morte com crianças, entre eles: preparar-se para o assunto e procurar relembrar suas próprias vivências nesse sentido; buscar discutir a morte antes da ocorrência de uma crise; esforçar-se para responder às perguntas das crianças de maneira honesta e direta, de acordo com o nível de entendimento delas; permitir a expressão de sentimentos e a manifestação de dúvidas; em caso de dúvida ou de falta de alguma resposta, ressaltar que aprenderão juntos e daí buscar mais informações.
Azevedo (2003) retrata que discutir sobre a morte com crianças não condiz entrar em complexas especulações abstratas e ideológicas nem em detalhes minuciosos e assustadores. Falar sobre a morte quer dizer simplesmente colocar o assunto em pauta, torná-lo presente, por meio de imagens e textos, de forma simbólica, na vida das crianças. Não ignorar a morte não significa trazer a depressão, a falta de esperança ou a morbidez, mas torná-la uma referência importante para a construção de sentido e de significado para a vida:
Então, sempre que havia a necessidade de eles conversarem, a gente conversava com eles. E eu falei isso também, porque eu estava na sala de aula e na coordenação, e eu disse para as meninas [professoras]: “Sempre que houver necessidade, deixe eles falarem”. (E6)
Com isso, salienta-se a importância de a escola ser um espaço para questionar e expor as angústias, bem como encontrar amparo no colega e no professor. Assim, abrir a rede de diálogo auxilia na construção de uma narrativa e sentido para a morte e a dor do enlutado.
POSSIBILIDADES DE ABORDAGEM DA MORTE NA INFÂNCIA
A categoria envolvendo a possibilidade de abordagem referente à morte na infância traz sugestões levantadas pelas participantes para promover tal ação nas escolas. Essa questão se faz importante pois, como visto, esse é um ambiente de construção dos alunos, sendo os professores vistos como figuras afetivas fundamentais nessa formação.
A escola, instituição responsável pela transmissão do conhecimento, deve estar atenta também às necessidades sociais e emocionais de seus alunos, tal como a vivência do luto (Domingos e Maluf, 2003; Sengik e Ramos, 2015). Nas entrevistas, algumas abordagens sugeridas pelos participantes indicam a formação continuada dos professores, por meio de um trabalho em conjunto, com a finalidade de buscar formas mais efetivas de abordar a temática da morte com as crianças. Tal preparação torna-se fundamental, pois entende-se que os educadores dispostos a escutar os alunos, bem como a se preparar para esse encontro, podem ofertar apoio aos estudantes enlutados (Marques e Demartini, 2011). As participantes trazem, nesse sentido, a ideia de uma abordagem progressiva da temática da morte, trabalhando sobre as diversas perdas possíveis ao longo do desenvolvimento:
Começar com reuniões, para saber mais sobre a questão da perda com crianças, que é uma coisa que pesa. Começar trabalhando com a questão do animal, que a gente trabalha nas séries iniciais, aí de repente pode se começar falando da morte dos animais ou até mesmo da morte de alguma pessoa da família. Tem que ter alguma coisa para começar a falar, porque senão ninguém vai falar sobre morte. De livre e espontânea vontade ninguém vai falar. E fora da escola também esse diálogo pode acontecer. (E4)
Com os professores, principalmente tem que começar a provocar com os professores, para que eles possam se dar conta de que é um assunto que faz parte da nossa vida. E que nós talvez não trabalhamos até por tabu. (E4)
A evitação do assunto sobre perda pode gerar consequências negativas, como evidenciado na pesquisa realizada por Domingos e Maluf (2003) com estudantes que tiveram perdas por morte e relatam que a indiferença da comunidade escolar os deixou desassistidos emocionalmente. De acordo com outra pesquisa, professores afirmam que para abordar a temática da morte e do luto necessitam de um preparo, sendo a experiência pessoal uma ferramenta importante, referenciando palestras, leituras e filmes como facilitadores. Mencionam, ainda, que se torna relevante a orientação de especialistas sobre como se preparar emocionalmente, conversar com as crianças, enfrentar os conflitos e lidar com a família (Kovács, 2012).
De acordo com Domingos e Maluf (2003), as instituições sociais, em especial a família e a escola, devem estar preparadas para lidar com situações que implicam fortes emoções, como o luto. Em geral, ao não permitir a expressão de afetos, esses espaços tendem a não favorecer a vivência do processo de luto. O ideal seria que família e escola trabalhassem em parceria (Kovács, 2012), buscando, por meio do diálogo, compartilhar a responsabilidade de encontrar formas adequadas de abordar a morte e as perdas com as crianças (Maeda, 2017). Tal acolhimento tem a função de contribuir na significação que será elaborada pelas crianças, promovendo prevenção de sofrimento, em parceria com os pais (Kovács, 2012).
As participantes do estudo apontam a importância de se promover momentos para que os alunos se sintam à vontade para conversar. Isso significa incentivar o entendimento de que os professores não necessariamente terão todas as respostas ― pois não existem receitas para lidar com o sofrimento ―, mas que a oportunidade de discutir as perdas e a morte está ali, pronta para o aluno:
A abertura é sempre essencial. A gente ouvir os alunos nas questões dele, nas dúvidas dele. Esse é o espaço que a gente pode oferecer, e é esse o espaço que dá resultado. Nessa perspectiva de uma conversa ampliada. Reservar um espaço dentro das disciplinas para quando surge esse momento, ou algum questionamento para que seja tratado. (E6)
Essa perspectiva está de acordo com o que indicam Lobato e Quadros (2018), ao afirmarem que, ao criar um espaço dialógico em sala de aula, abre-se a oportunidade de se discutir as diferentes perspectivas culturais acerca do assunto. Isso possibilita que tanto professor quanto aluno possam conscientizar-se acerca das limitações de suas concepções e buscar a construção de novas interpretações sobre os fenômenos discutidos. Com isso, é importante que esse momento seja de respeito às diferenças e ao próprio sofrimento de cada sujeito:
É um trabalho coletivo. E nas atividades coletivas é regra respeitar a opinião, as emoções e os sentimentos dos outros. Eles são muito tranquilos em falar. Eles sabem que ninguém vai rir. Que ninguém vai achar besteira chorar. Antes de propor a atividade, ou quando eu vejo que vai acontecer alguma coisa, eu falo a questão de respeitar, de respeitar a dor, respeitar a perda. (E5)
Ao lançar o olhar para as perdas, assume-se de forma empática a atitude de mediação, por meio da qual se trabalham os assuntos trazidos pelos alunos mediante as próprias perspectivas e proporciona um ambiente de construção. Essa postura permite a aproximação da temática da morte de acordo com a demanda do estudante (Kovács, 2012), requisitando o vínculo construído entre aluno e professor e a troca de afeto enquanto suporte nos processos de perda. De acordo com a participante E7, a construção de uma vivência para as trocas é uma prática sua diária:
Mas não usamos nenhum material didático, nenhum material específico. Em geral, é no dia a dia que se faz essa construção de afetos. Porque eu acredito que na medida que tu afeta teu aluno no sentido de gostar de ti, de se sentir bem contigo, é que ele vai repartir as angústias, dizer o que pensa e o que não pensa. (E7)
As participantes sinalizam, ainda, diferentes formas de trabalhar essas temáticas, como, por exemplo, por meio de livros, filmes, dinâmicas ou peças de teatro, que abordem o lúdico. Entende-se que tais atividades possibilitam um processo de reflexão e de associações dentro dos limites de cada criança:
De repente uma peça de teatro, que é mais sucinta e aborda [o tema] durante um tempo mais direcionado. Eu acho que o teatro é uma boa forma para trabalhar esses assuntos. (E3)
Teve uma atividade [envolvendo] um filme. E eu pedi para os alunos colocarem os seus medos. É um filme que tem medo... que tem humor, que tem raiva, um filme que falava das emoções. E aí o medo apareceu, o medo dos alunos de perder os pais. Eles leram, escreveram e se expressaram também. É diálogo mínimo que tu tem com eles. São formas de se expressar. (E5)
Isso está de acordo com o que traz Maeda (2017), ao referir que a utilização de filmes e vídeos contribuem para ampliar as visões sobre a morte. Além disso, por meio de obras literárias, por exemplo, a morte pode ser tratada de forma simbólica, promovendo a construção de significações acerca dela. As situações ficcionais podem contribuir para antecipar ou, ainda, auxiliar no entendimento de eventos vivenciados (Sengik e Ramos, 2015). Com isso, a abordagem da temática da morte no currículo escolar permite que as crianças possam construir modos de enfrentamento e suporte a si mesmos e aos outros (Stylianou e Zembylas, 2018b).
Compreende-se que, sendo a escola uma das principais instituições sociais responsáveis pela formação das crianças, cabe a ela, em parceria com outras redes de apoio, trabalhar sobre as possibilidades de abordagem de assuntos tão relevantes e delicados como perdas e morte. Não existem receitas ou protocolos para abordar esses assuntos com as crianças e, com base nos relatos das participantes ― que corroboram a literatura ―, percebe-se que as maneiras mais adequadas envolvem a criação de momentos de diálogo e a abertura para as atividades lúdicas. Além disso, é importante atentar para a capacidade de compreensão da criança individualmente, direcionando um olhar atento à singularidade de cada uma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Educar é um desafio que consiste em ir além do ensinamento de disciplinas, demanda a abordagem de temáticas que perpassam a vivência de cada aluno. A escola, enquanto importante espaço de socialização e formação de pessoas, coloca-se como fonte de suporte afetivo por meio do qual os alunos buscarão sanar dúvidas e construir conhecimentos. Entre os questionamentos advindos dos alunos, encontram-se os referentes a perdas, as quais ocorrem de diferentes modos ao longo da vida, e em relação à morte.
Ao mesmo tempo em que a morte tratada como um tabu na sociedade, ela é imposta de maneira brutal nos noticiários e na realidade das comunidades, contribuindo para a construção de fantasias acerca do morrer. A presença, natural ou imposta, do tema perdas e morte na vida das crianças aponta a necessidade de que o assunto seja abordado nas escolas, enquanto questão importante na educação para a vida dos alunos. Todavia, muitas vezes existem receios por parte dos professores, seja pela insegurança em relação a como fazer essa abordagem e à ausência de respostas para os questionamentos que possam surgir, seja pelo receio de ultrapassar limites entre o que se supõe ser o seu papel e o papel da família.
Compreende-se que o ideal é que família e escola possam unir-se na tarefa de trabalhar essa temática com as crianças, promovendo o suporte e o afeto necessários. As participantes da pesquisa sugerem que o assunto seja discutido em reuniões entre professores e entre estes e os pais, buscando pensar de forma conjunta meios de trabalhar o luto. Apontam também a importância de uma abordagem progressiva da temática, utilizando ferramentas que envolvam o lúdico, tais como livros, filmes ou peças de teatro. Com isso, torna-se possível, dentro dos limites de cada criança, promover processos de reflexão, associações e construções de modos de enfrentamento adaptativos diante de perdas e da morte.
Por ter sido realizada em escolas públicas do ensino fundamental de regiões da periferia do município, a presente pesquisa demonstra um recorte específico acerca dessa realidade, de forma que expõe uma limitação do estudo no que se refere à compreensão das demandas de demais escolas e regiões. No entanto, a pesquisa expõe um potencial no sentido de promover uma escuta e alicerce aos professores na construção de recursos que fortaleçam as suas práticas e vínculos com os alunos ante a diante realidade das perdas. Considera-se também de suma importância a realização de futuras pesquisas que busquem debater e integrar os sentidos que as crianças atribuem à morte e ao morrer.