INTRODUÇÃO
Educação superior (ES) corresponde ao nível de educação que ocorre após a conclusão da educação básica (Morosini, 2006) e tem como finalidade (a) produzir conhecimento, (b) preparar novos profissionais capazes de aplicar conhecimentos científicos e (c) proporcionar o avanço da sociedade em aspectos culturais, sociais e econômicos (Pimenta e Anastasiou, 2005). Nesse contexto, o profissional que assume a função de ensinar é denominado professor da ES ou docente universitário e, como tal, espera-se que sua atuação contribua efetivamente para o alcance das diferentes finalidades desse nível de ensino.
A atuação docente na ES é um fenômeno complexo e multifacetado e pode ser investigada sob diferentes perspectivas:
formação para a atuação docente (por exemplo, Junges e Behrens, 2016; Vasconcellos e Sordi, 2016);
identidade e desenvolvimento profissional (por exemplo: Ruiz e Altopiedi, 2015; Pryjma e Oliveira, 2016);
saberes e competências necessários para o exercício da docência (por exemplo, Masetto, 2003; Srinivasan et al., 2011; Richmond et al., 2014; Junges e Behrens, 2016);
concepção e estratégias de ensino (por exemplo Masetto, 2003; Anastasiou, 2015; Cruz, 2017; Reigeluth, Myers e Lee, 2017);
relação professor-aluno (por exemplo, Hagenauer e Volet, 2014; Oliveira, Wiles e Fiorin; Dias, 2014; Vieira-Santos e Henklain, 2017), entre outros.
Cada um desses aspectos apresenta impactos diretos sobre as condições de aprendizagem que são proporcionadas aos alunos e, ao mesmo tempo, eles indicam que a atuação docente envolve um conjunto extenso e diversificado de saberes.
O presente artigo irá abordar especificamente a relação professor-aluno na ES com o objetivo de fornecer um quadro conceitual que permita compreender os comportamentos apresentados pelo professor na interação com seus alunos. Na primeira seção, o artigo descreverá fatores que ressaltam a importância da qualidade da relação professor-aluno. Em seguida, apresentará o campo teórico-prático das habilidades sociais (HS) sobre o qual está fundamentado o quadro conceitual. E, por fim, na terceira seção, apresentar-se-á o quadro conceitual propriamente dito.
A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
A qualidade da relação professor-aluno na universidade tem recebido cada vez mais atenção (Hagenauer e Volet, 2014). A importância atribuída ao tema pode estar relacionada a diversos fatores, tais como:
o impacto dessa relação no processo de aprendizagem;
na adaptação e a permanência na universidade até a conclusão do curso;
as mudanças no perfil dos estudantes universitários;
no paradigma de atuação docente;
a ampliação da compreensão sobre a responsabilidade social da universidade.
O impacto da relação professor-aluno sobre a aprendizagem envolve tanto aspectos do desenvolvimento do estudante, como o interesse e a participação do aluno no processo de aprendizagem. Pascarella e Terenzini (2005), por exemplo, observaram que a existência de uma interação mais próxima entre professor-aluno (o que pode envolver contato informal fora do ambiente de sala de aula e/ou não restrito a questões acadêmicas) afeta diferentes domínios da vida do estudante, podendo contribuir para o desenvolvimento e/ou fortalecimento:
da capacidade cognitiva;
dos sentimentos de autoafirmação, confiança e autoestima;
de habilidades relevantes para a carreira;
de persistência e aspirações educacionais.
Já Bariani e Pavani (2008) verificaram que a participação e o interesse dos alunos em sala de aula eram influenciados positivamente quando os professores adotavam uma postura atenciosa, contextualizando a matéria na realidade dos estudantes e buscando motivá-los a aprender. Em contrapartida, professores que adotam uma postura ríspida e autoritária dificultam a aprendizagem de seus alunos (Carvalho, 1995; Zani e Nogueira, 2006).
A relação professor-aluno também interfere na adaptação e permanência do aluno na universidade (Pascarella e Terenzini, 2005; Hagenauer e Volet, 2014; Mayhew et al., 2016). Por exemplo, Oliveira et al. (2014) verificaram que “muitos alunos consideraram o descaso aparente, a inacessibilidade e a postura superior de alguns docentes como fatores que podem causar dificuldades na sua transição para o Ensino Superior” (p. 242). Esses dados estão de acordo com o Modelo Longitudinal de Evasão, proposto por Tinto (1997), que considera a qualidade do contato com o professor um preditor significativo para a permanência do aluno na ES.
Outro fator que tem contribuído para destacar a relevância da relação professor-aluno refere-se às mudanças ocorridas no perfil de estudantes universitários. De acordo com Almeida, Marinho-Araújo, Amaral e Dias (2012), o “aluno tradicional” da ES é aquele que “se apresenta na faixa etária esperada, tem bom background familiar, recursos financeiros, motivação e segurança na escolha profissional, e um histórico escolar de inclusão social e sucesso acadêmicos” (p. 906). No entanto cada vez mais tem ingressado na ES um novo grupo de alunos, que, segundo esses autores, caracterizam-se como estudantes fora da faixa etária esperada (18 a 24 anos), já exercendo algum tipo de atividade profissional, em busca de um diploma para qualificação e promoção profissional, com déficits em competências acadêmicas básicas (como leitura e interpretação de texto, habilidades lógico-matemáticas, entre outras), que “tem muitas dificuldades para conciliar o tempo de trabalho com as atividades acadêmicas extra-aula (extensão cultural, pesquisa, encontros científicos) e possui pouca motivação, recursos e disposição para relacionamentos, atividades sociais e culturais com outros estudantes” (p. 906). Esse grupo, dadas as dificuldades que enfrenta para ingressar na ES e concluir o curso, pode estar mais vulnerável ao insucesso acadêmico e, portanto, necessitar de maior suporte do professor durante sua jornada acadêmica.
Juntamente com as mudanças no perfil dos estudantes universitários, têm ocorrido mudanças no paradigma de atuação docente. Até por volta de 1980 perpetuou na ES o paradigma de transmissão de conhecimento (Masetto, 2003), também denominado modelo tradicional de ensino, ensino centrado no professor, entre outros termos. Em sua essência, esse paradigma está centrado na ação de transmitir conhecimentos ao aluno (Weimer, 2002; Masetto, 2003; Anastasiou, 2015), tendo como características predominantes e marcantes, segundo Abdelmalak e Trespalacios (2013), a visão do professor como detentor do conhecimento e principal responsável por tomar as decisões no processo de ensino-aprendizagem, ou seja, é ele quem deve definir o que deve ser ensinado, de que forma e quando.
Contudo o processo de formação ofertado na ES tem sofrido uma série de transformações em função de mudanças nos meios de comunicação e informação (Masetto, 2003) e no perfil dos novos ingressantes (Pascarella e Terenzini, 2005; Almeida et al., 2012; Mayhew et al., 2016), dos avanços na compreensão sobre pensamento, memória e processos motivacionais e cognitivos (American Psychological Association, 1993; Bishop, Caston e King, 2014) e da pressão das ideologias neoliberais para que as instituições educacionais atendam às necessidades de produção de “conhecimentos funcionais” e de formação da força de trabalho requeridas pelo desenvolvimento capitalista (Foster et al., 2006). Essas transformações afetaram tanto a forma como a ES é pensada como a atuação docente nesse nível de ensino. Essas transformações têm impulsionado o surgimento e a divulgação de outro paradigma pedagógico, aqui denominado paradigma de mediação do conhecimento, mas também conhecido como ensino centrado no aluno (Weimer, 2002). Nesse paradigma, o professor não é mais visto como o detentor e transmissor do conhecimento, mas como um mediador entre os alunos e o conhecimento, promovendo condições para que estes assumam um papel ativo em sua própria aprendizagem (American Psychological Association, 1993; Weimer, 2002; Masetto, 2003; Anastasiou, 2015; Reigeluth et al., 2017).
O paradigma de mediação do conhecimento, de acordo com Reigeluth et al. (2017), tem como fundamento teórico o cognitivismo, o construtivismo e o humanismo, sendo impulsionado, principalmente, pelos movimentos de educação progressiva de John Dewey, educação montessoriana e aprendizagem de domínio de Carroll e Bloom. Sua adoção envolve mudanças substanciais na prática educacional, pois requer o estabelecimento de um ambiente centrado na aprendizagem. Mas o que exatamente isso significa? De acordo com Weimer (2002), um ambiente centrado na aprendizagem é aquele que oferece oportunidades (atividades, tarefas, situações etc.) que permitem ao aluno aprender de maneira efetiva e ativa (ou seja, ser capaz de adquirir, analisar e aplicar a informação para atender diversas demandas), desenvolver-se como aprendiz e agir no intuito de apoiar os esforços de outros para aprender. Portanto, segundo Weimer, para colocar em prática um enfoque centrado na aprendizagem, o professor precisa:
diminuir, gradualmente, a frequência do comportamento de realizar, no lugar do aluno, as tarefas de aprendizagem (por exemplo: sistematizar o conteúdo, fazer perguntas, responder perguntas, resumir a discussão, resolver problemas, construir diagramas, entre outras);
falar menos e planejar condições para que os estudantes descubram mais;
apresentar o modelo de como aprendizes habilidosos abordam as tarefas de aprendizagem;
auxiliar mais os estudantes a aprenderem com os outros;
dar mais feedback construtivos (ou seja, direcionado para o desempenho, em uma linguagem mais descritiva do que avaliativa, sem sobrecarregar o receptor e o mais imediatamente possível após o desempenho);
criar um ambiente voltado para a aprendizagem, o que envolve conhecer o conteúdo e o nível de habilidades dos estudantes, bem como planejar atividades que promovam nos alunos participação, desenvolvimento do conhecimento do conteúdo, da consciência e das habilidades de aprendizagem.
Ainda nessa direção, Reigeluth et al. (2017) destacam que cabe ao professor auxiliar o aprendiz a estabelecer objetivos, planejar ou selecionar tarefas de aprendizagem e avaliar o próprio desempenho e aprendizagem. Criar ambientes centrados na aprendizagem, conforme sugerem Bishop et al. (2014), é importante por diversos motivos. Primeiro, os avanços nas neurociências têm sugerido que “os dendritos das células cerebrais humanas só crescem quando o cérebro está ativamente engajado e as redes de neurônios formadas no cérebro só ficam conectadas quando são usadas repetidamente” (p. 49, tradução livre); portanto os ambientes centrados em atividades que requerem o envolvimento ativo dos alunos parecem ser mais favoráveis para o processo de aprendizagem. Segundo, conforme apontam esses autores, criar ambientes centrados na aprendizagem auxilia a preparar os estudantes para suas carreiras, visto que muitas das estratégias para desenvolver pensamento crítico, atitudes e competências necessárias ao ensino centrado na aprendizagem serão conhecimentos e competências importantes para sua carreira após saírem na universidade. Por fim, Bishop et al.(2014) destacam que criar ambientes de aprendizagem também contribui para preparar os estudantes a se tornarem aprendizes ao longo de toda a vida, o que envolve fazer com que o indivíduo se torne capaz de aprender de forma independe e automotivada, bem como compreenda que o que é aprendido hoje será útil e necessário para suas futuras oportunidades de aprendizado e para sua atuação profissional futura.
No paradigma de mediação do conhecimento, a relação professor-aluno assume um papel de destaque no processo de aprendizagem. Ao assumir a função de mediador, conforme apontam diversos autores (Weimer, 2002; Masetto, 2003; Anastasiou, 2015; Reigeluth et al., 2017), o docente torna-se mais consciente de como suas ações influenciam a aprendizagem de seus alunos e, portanto, passa a estabelecer condições para que eles se engajem ativamente na construção do próprio conhecimento.
Por fim, a importância da relação professor-aluno no contexto da ES também parece estar associada, em parte, com a ampliação da compreensão sobre a responsabilidade social universitária (RSU). Em linhas gerais, RSU diz respeito à atuação da instituição de ES (IES) no processo de desenvolvimento da sociedade e na formação de profissionais críticos, competentes e preparados para o pleno exercício da cidadania, em função de metas mais amplas, tais como desenvolvimento sustentável, redução da pobreza e garantia dos direitos humanos (Bolan e Motta, 2007; Vallaeys, Cruz e Sasia, 2009; Giuffré e Ratto, 2014; Sánchez-Hernández e Mainardes, 2016).
Pensar em RSU, segundo Vallaeys et al. (2009), significa estar atento aos diferentes tipos de impacto que a IES produz em seu entorno e aos riscos a eles associados. Esses autores sugerem que os impactos podem ser divididos em quatro grupos:
organizacionais, relacionados à forma como a universidade afeta a vida de seus membros (administrativos, docentes e discentes) e o ambiente onde está localizada (resíduos, consumos energéticos dos edifícios, transporte etc.);
sociais, que dizem respeito à maneira como a IES acompanha o desenvolvimento da sociedade e ajuda a resolver seus problemas;
cognitivos, referem-se à produção de conhecimento e dos parâmetros utilizados para avaliar determinado saber como relevante, legítimo e útil;
educativos, relacionados à influência que a IES possui sobre a “formação de jovens e profissionais, sua escala de valores, sua maneira de interpretar o mundo e de se comportar nele. Também afeta a deontologia profissional e orienta - conscientemente ou não - a definição da ética profissional de cada disciplina e seu papel social.” (p. 9, tradução livre)
É justamente nos impactos educativos que a relação professor-aluno assume um papel de destaque. O processo de ensino-aprendizagem não deve se restringir às questões técnico-científicas, mas, também, deve envolver dimensão sociopolítica, econômica, ética e cultural (Marinho-Araújo e Almeida, 2016) e o desenvolvimento de competência social (A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette, 2003). Para Bolan e Motta (2007, p. 208),
A promoção do ensino socialmente responsável abarcaria a formação de indivíduos qualificados para a inclusão no mercado profissional e igualmente a formação de indivíduos críticos, moralmente competentes, capazes de tomada de decisões frente a questões éticas, não apenas considerando uma visão deontológica, mas também seus contextos pragmáticos, morais e sociológicos.
Assim sendo, a relação professor-aluno na ES pode contribuir para que o estudante desenvolva:
competências transversais (Marinho-Araujo e Almeida, 2016);
valores de convivência (Vieira-Santos, A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette, 2018) e valores essenciais para o exercício de determinada profissão (Cavaca et al., 2010);
consciência crítica (Mayhew et al., 2016);
exercício da cidadania (Rego e Sousa, 2000).
Nessa direção, Pascarella e Terenzini (2005) verificaram que uma relação mais próxima entre professor-aluno contribui para que existam espaços de diálogo mais acolhedores, nos quais o aluno pode abordar questões morais com as quais se encontra em conflito.
Todavia, apesar de a relação professor-aluno ser considerada importante, uma série de variáveis podem dificultar o engajamento do professor nessa relação. Vieira-Santos e Henkalin (2017) identificaram sete condições, envolvidas no trabalho de professores universitários, que parecem dificultar a aquisição e manutenção do comportamento de engajar-se em relações satisfatórias e significativas com seus alunos. São elas:
maneira como administra o tempo, visto que a rotina acadêmica envolve diversas atividades e relacionar-se com os alunos requer tempo;
falta de condições para o professor desenvolver HS importantes para o contexto educacional;
postura de evitação do aluno diante do professor, a qual, muitas vezes, está relacionada à uma história prévia de relações aversivas e coercitivas com diferentes docentes;
conflitos existentes entre professor e aluno;
aspectos institucionais do contexto acadêmico, que envolvem “desde a estrutura física e as normas de conduta docente, definidas pelo estabelecimento de ensino, até a concepção de ensino-aprendizagem e a filosofia educacional adotadas pela instituição” (p. 208);
déficit de discriminação sobre o efeito do seu desempenho sobre o comportamento dos alunos;
políticas públicas relacionadas à ES, as quais têm valorizado o produtivismo acadêmico e as competências técnico-científicas mais do que à docência e às competências com ela relacionadas.
Uma das condições apontadas por Vieira-Santos e Henklain (2017) refere-se ao desenvolvimento de HS importantes para o contexto educacional. As habilidades necessárias para estabelecer relações saudáveis e satisfatórias têm sido estudadas a partir de diversas perspectivas teóricas, tais como a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia. Porém, nas últimas décadas, tem surgido e se fortalecido uma área de estudos dentro da Psicologia que se dedica exclusivamente ao estudo de tais habilidades, a qual tem sido denominada campo teórico-prático das HS (A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette, 2017a; 2017b).
O CAMPO TEÓRICO-PRÁTICO DAS HABILIDADES SOCIAIS
Esse campo de estudo tem investigado as habilidades necessárias para estabelecer interações e relações sociais efetivas e de qualidade e como elas são desenvolvidas (A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette, 2010a; 2017b). Pensando nas contribuições que esse campo pode oferecer para a compreensão da relação professor-aluno, dois aspectos parecem ser relevantes: a definição dos fenômenos estudados e as contribuições de diferentes perspectivas teóricas para o campo.
DEFINIÇÃO DOS FENÔMENOS ESTUDADOS
Três conceitos são centrais nesse campo: desempenho social, HS e competência social. Desempenho social, segundo A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette (2017b), refere-se a qualquer tipo de comportamento apresentado em uma tarefa de interação social, o que inclui tanto comportamentos que favorecem (comportamentos sociais desejáveis) como comportamentos que dificultam (comportamentos sociais indesejáveis) a qualidade da relação. De acordo com A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette (2017a), os comportamentos sociais indesejáveis envolvem os comportamentos antissociais (ou seja, comportamentos agressivos ativos, verbais e/ou físicos) e comportamentos associais (ou seja, comportamentos passivos, tais como isolamento, omissão, baixa autoeficácia e submissão). Já os comportamentos sociais desejáveis, também denominados HS, referem-se aos comportamentos apresentados na interação com o outro que:
contribuem para a manutenção, a efetividade e a qualidade da relação;
são valorizados por uma cultura ou subcultura;
possuem alta probabilidade de gerar consequências positivas para o indivíduo e para o seu grupo social (A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette, 2017a; Z. A. P. Del Prette e A. Del Prette, 2010).
O desenvolvimento de HS ocorre quando a pessoa é exposta a processos educativos formais e informais que permitam sua aprendizagem e condições que fortaleçam/mantenham um desempenho socialmente competente diante de diferentes demandas sociais (A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette, 2017a). A presença de um repertório de HS é uma condição necessária, mas não suficiente para garantir um desempenho socialmente competente (A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette, 2010a; 2017a). Competência social refere-se a “um construto avaliativo do desempenho de um indivíduo (pensamentos, sentimentos e ações) em uma tarefa interpessoal que atende aos objetivos do indivíduo e às demandas da situação e cultura, produzindo resultados positivos conforme critérios instrumentais e éticos” (A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette, 2017a, p. 37). Tais critérios são:
consecução dos objetivos da tarefa interpessoal;
manutenção/melhora da autoestima;
manutenção/melhora da qualidade da relação;
equilíbrio de poder entre os interlocutores;
respeito/ampliação dos direitos humanos interpessoais (A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette, 2010; 2017a).
Quando não são proporcionadas condições adequadas para que o indivíduo desenvolva e mantenha um repertório elaborado de HS, é possível observar a presença de déficits de HS. A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette (2017a) sugerem que é possível identificar três tipos de déficits:
déficits de aquisição, quando a habilidade não existe no repertório do indivíduo e, portanto, precisa ser aprendida;
déficits de desempenho, quando a habilidade existe no repertório, mas é apresentada com pouca frequência ou desconectada de um processo de discriminação adequado em relação à situação, ao interlocutor ou à demanda presente na tarefa;
déficits de fluência, que consistem em falhas e dificuldades na forma de apresentar a habilidade, comprometendo a efetividade do desempenho.
Além disso, os autores sinalizam que a identificação dos déficits também depende das demandas interpessoais presentes no cotidiano do indivíduo e dos papéis sociais que ele exerce, os quais podem requerer HS específicas.
PERSPECTIVAS TEÓRICAS
Ao longo do tempo, de acordo com A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette (2011), o campo teórico-prático das HS tem recebido contribuições de diferentes teorias sobre aprendizagem e desenvolvimento, e os enfoques que mais se destacam são: o operante, baseado “nos pressupostos filosóficos do behaviorismo radical (…) e nos princípios e nas técnicas derivados da Análise Experimental do Comportamento” (p. 28); o da aprendizagem social, fundamentado principalmente “nas formulações iniciais de Bandura (…) sobre aprendizagem social com base na observação” (p. 31) e o eclético, o qual adiciona aos enfoques anteriores “os elementos cognitivos derivados de teorias de processamento cognitivo, percepção social, papéis, etc.” (p. 34)
A adoção de um enfoque ou outro interfere na compreensão sobre os determinantes de tais habilidades. Por exemplo, enquanto no enfoque eclético as HS são, principalmente, determinadas por variáveis internas, tais como crenças, percepções e conhecimentos (Caballo, Irurtia e Salazar, 2009), no enfoque operante as HS são determinadas por variáveis externas relacionadas às condições socioambientais às quais a pessoa é exposta ao longo da vida (Z. A. P. Del Prette e A. Del Prette, 2010). O presente estudo está baseado no enfoque operante, o qual tem sido utilizado por diferentes autores (Bolsoni-Silva e Carrara, 2010; Z. A. P. Del Prette e A. Del Prette, 2010; Murta et al., 2012).
O enfoque operante entende comportamento como toda ação/reação do organismo (ações observáveis (movimentos), pensamentos e sentimentos) ao ambiente físico e social (Todorov, 2012). Ao agir sobre o mundo, o organismo produz mudanças em seu ambiente (consequências) que alteram a probabilidade de ocorrência dessa ação em uma próxima situação semelhante e fazem com que determinados aspectos do ambiente passem a funcionar, no futuro, como contexto para a ocorrência dessa ação (Skinner, 1998). Além disso, os determinantes do comportamento encontram-se em três níveis de variação e seleção de consequências: filogenético (história da espécie), ontogenético (história do indivíduo) e cultural (práticas sociais passadas de geração em geração) (Skinner, 2007).
As HS, dentro do enfoque operante, caracterizam-se como comportamentos aprendidos a partir das condições socioambientais às quais a pessoa é exposta, podendo ser mantidos ou enfraquecidos em função das diferentes experiências vividas. Conforme destacam Z. A. P. Del Prette e A. Del Prette (2010), nesse enfoque teórico, as HS são vistas como produto da filogênese, que “propiciou ao indivíduo humano um conjunto de características anatômicas, fisiológicas e comportamentais favoráveis à aquisição e ao aperfeiçoamento de comportamentos sociais que se mostraram importantes na sobrevivência da espécie” (p. 108); ontogênese, ou seja, as contingências ambientais às quais uma pessoa é exposta, fazendo com que determinados padrões comportamentais sejam aprendidos e alterados ao longo da vida e cultura, ou seja, as práticas adotadas por membros de um grupo devido a sua efetividade. Esses autores ainda destacam que “as contingências atuais refletem os padrões desejáveis (mais prováveis de produzirem consequências reforçadoras), bem como os irrelevantes (que não produzem consequências) e reprováveis (consequências aversivas) para os diferentes momentos e contextos” (p. 110), enfatizando, assim, o caráter situacional-cultural das HS. Portanto, para compreender o desempenho social de uma pessoa diante de uma situação de interação, é necessário identificar o comportamento apresentado pela pessoa; as condições ambientais antecedentes nas quais o comportamento ocorreu e as mudanças que o comportamento produz sobre o ambiente.
Além disso, no enfoque operante, ações diferentes que produzem uma mesma consequência podem ser agrupadas em uma classe de comportamentos com propriedades comuns (Skinner, 1998). Nesse sentido, as HS também podem ser agrupadas em classes de comportamentos que possuem uma mesma função. Por exemplo, uma pessoa expressa solidariedade quando reconhece as necessidades do outro, oferta ajuda, envolve-se em atividades sociais-humanitárias, demonstra compaixão, oferece auxílio ou apoio, visita pessoas com necessidades, participa de campanhas de solidariedade etc. (A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette, 2017a, p. 29). Quanto mais desses e outros comportamentos relacionados à oferta de ajuda/apoio ao outro (função dessa classe de HS) forem aprendidos, mais elaborado será o repertório do indivíduo de expressar solidariedade.
O repertório de HS que uma pessoa apresenta pode ser compreendido como o conjunto de diferentes classes de HS que ela aprende e consegue desempenhar, ainda que apenas eventualmente, nas interações com os outros (Z. A. P. Del Prette, Dias e A. Del Prette, 2017). Portanto um repertório elaborado de HS envolve variabilidade comportamental, permitindo que o indivíduo apresente um desempenho competente diante de diferentes demandas interpessoais.
QUADRO CONCEITUAL PARA A COMPREENSÃO DO DESEMPENHO DO DOCENTE UNIVERSITÁRIO NA INTERAÇÃO COM OS SEUS ALUNOS
Após discutir sobre a relevância da qualidade da relação professor-aluno para as condições de aprendizagem ofertadas na ES e compreender os conceitos mais relevantes do campo teórico-prático das HS, é possível formar um quadro conceitual sobre o desempenho social do professor universitário na interação com os seus alunos. Em consonância com o enfoque operante das HS, esse quadro envolve variáveis antecedentes (denominadas de contexto), os comportamentos apresentados pelo professor na interação com os alunos e as consequências que esse comportamento produz (Figura 1).
CONTEXTO
Em relação ao contexto, ao menos quatro conjuntos distintos de variáveis presentes no contexto imediato e na história prévia do professor devem ser considerados. O primeiro conjunto foi denominado variáveis pessoais, envolvendo a formação acadêmica e docente do professor, os modelos de atuação docente já observados/experenciados e o nível discriminação que possui dos efeitos do próprio desempenho sobre os alunos. No Brasil, a preparação para exercer o papel de docente universitário deve ocorrer em nível de pós-graduação, preferencialmente em programas stricto sensu (Brasil, 1996), os quais, segundo Almeida e Pimenta (2011), enfatizam a formação como pesquisador (conhecimentos teóricos e instrumentais da atividade de pesquisa e para a divulgação dos resultados em eventos e publicações), como especialista em determinada área de conhecimento (campo científico de atuação), como orientador de novos pesquisadores e como avaliador da qualidade das pesquisas realizadas pelos pares. No entanto, conforme apontam diversos autores (por exemplo, Pimenta e Anastasiou, 2005; Cunha, 2009; Almeida e Pimenta, 2011; Vosgerau, Orlando e Meyer, 2017), essa formação - voltada quase que exclusivamente para a aquisição de conhecimentos em um campo disciplinar específico e de habilidades necessárias para a pesquisa - não contempla o desenvolvimento dos saberes relevantes para a atuação docente. Tal situação se torna ainda mais séria quando se verifica que o processo de formação profissional em nível de graduação, com exceção das licenciaturas, não envolve a preparação para docência, fazendo com que muitos profissionais se tornem docentes sem ter passado por qualquer formação pedagógica.
Esse panorama, de acordo com Pimenta e Anastasiou (2005), parece favorecer que a atividade de ensinar nas IES seja exercida com base na experiência prévia do profissional como aluno (reproduzindo padrões observados ao longo da própria formação), nas instruções de colegas mais experientes na atuação como docente universitário, em modelos disponibilizados pela mídia (jornais, filmes, vídeos) ou publicações especializadas sobre docência universitária (quando o professor se dispõe a buscar conhecimento sobre estratégias de ensino) e/ou nas reações dos alunos. Todavia, de acordo com Cunha (2009), a docência é uma atividade complexa, envolvendo múltiplos saberes e condições singulares para o seu exercício, e, portanto, requer do professor uma preparação cuidadosa e uma constante reflexão sobre sua prática. A escassez de processos formativos que contemplem saberes docentes e estejam direcionados aos professores (ou futuros professores) da ES contribui para a perpetuação do modelo pedagógico baseado na transmissão de conhecimento e dos métodos de avaliação e controle nele pautados (Soares, 2009). Além disso, a ausência desses elementos - preparação e reflexão - também pode contribuir para dificuldades em discriminar/identificar os efeitos do próprio desempenho sobre os alunos, o que tende a afetar negativamente o processo de aprendizagem do aluno (Carvalho, 1995; Zani e Nogueira, 2006; Bariani e Pavani, 2008).
O segundo conjunto de variáveis diz respeito ao comportamento do aluno. A postura do estudante diante do professor também é um contexto importante para o desempenho docente. Alunos que demonstrem abertura e disponibilidade para a interação com o docente, bem como que apresentem um repertório elaborado de HS, poderão favorecer o engajamento do professor em relações satisfatórias com seus estudantes. Já os que apresentem comportamentos antissociais ou associais podem dificultar o engajamento do professor nessa interação.
Outro aspecto relevante está relacionado ao fato de o professor ter vivenciado, ao longo de sua história, conflitos na relação professor-aluno, seja no papel de docente, seja no papel de estudante. Como sugerem Vieira-Santos e Henklain (2017), esses conflitos podem surgir em função de “discrepâncias entre a percepção do aluno e a do professor sobre o papel que cada um deles deve desempenhar no processo de ensino-aprendizagem” (p. 208) e podem “funcionar como evento aversivo para o professor, levando-o a evitar ao máximo o contato com os alunos e vice-versa.” (p. 208)
Também é possível que o perfil dos alunos interfira no desempenho social do professor. Alunos tradicionais, com habilidades acadêmicas mais desenvolvidas e/ou com maior nível de autonomia e raciocínio crítico, podem sinalizar maior probabilidade de o professor ser compreendido durante a apresentação do conteúdo ou na proposição de atividades, favorecendo sua interação com os estudantes. Enquanto alunos não tradicionais, que apresentem déficits em competências acadêmicas básicas e/ou menor disponibilidade para o engajamento em atividades acadêmicas, podem sinalizar que o professor terá maiores dificuldades na apresentação do conteúdo ou na realização de atividades acadêmicas e, portanto, podem inibir o comportamento do professor de interagir com tais alunos.
O terceiro conjunto refere-se às variáveis da IES, em que o professor atua, incluindo o paradigma de atuação docente adotado e promovido pela instituição, normas de conduta docente (implícitas e explícitas) presentes nesse ambiente acadêmico, aspectos do desempenho acadêmico que são valorizados pela instituição e atribuições que o professor assume (docência, pesquisa, extensão e gestão). É possível observar, principalmente nas IES públicas, uma supervalorização das atividades de pesquisa em detrimento das atividades relacionadas à docência. Tal valorização pode ser observada tanto nos indicadores com maior impacto no processo de seleção de professores (Siqueira et al., 2012) e na avaliação do trabalho docente (Soares, 2009), como no acesso a financiamento e reconhecimento no âmbito acadêmico (Vosgerau et al., 2017). Contudo, de acordo com Pimenta e Anastasiou (2005), as atividades de pesquisar e ensinar são distintas - em termos das relações estabelecidas com pares, da administração do tempo, dos conhecimentos requeridos, do método empregado e dos resultados obtidos - e, portanto, aprender a ser um excelente pesquisador não garantirá a formação necessária para ser um excelente professor.
Por fim, a última variável contextual é a tarefa propriamente dita. Identificar qual é a tarefa do professor perpassa compreender o seu papel dentro do processo educativo. Nessa direção, como foi apresentado anteriormente, é possível entender a atuação docente como um continuum que, de um lado, enfatiza o papel do professor como transmissor de conhecimentos relevantes aos alunos (paradigma de transmissão de conhecimento) e, do outro lado, ressalta que ele deve ser um mediador entre os alunos e o conhecimento (paradigma de mediação do conhecimento). Partindo do enfoque operante das HS e da compreensão da análise do comportamento sobre o papel do professor, a principal tarefa do docente é estabelecer condições que permitam ao aluno desenvolver e/ou aperfeiçoar comportamentos que contribuam para uma ação mais efetiva sobre o mundo (Henklain e Carmo, 2013) e, para que isso ocorra, “o professor precisa conhecer de forma clara quem deve ser ensinado; o que deve ser ensinado, com que finalidade isso deve ser ensinado, quanto deve ser ensinado e como deve ser ensinado” (Vieira-Santos e Henklain, 2017, p. 206). Assim sendo, a principal tarefa do professor é criar ambientes centrados na aprendizagem, o que requer a interação social com o aluno, e depende dela.
DESEMPENHO DO PROFESSOR NA INTERAÇÃO COM OS ALUNOS
Dependendo de como as variáveis do contexto se combinam, o desempenho do professor na interação com seus alunos pode caracterizar-se como comportamentos sociais desejáveis, aqui denominados habilidades sociais educativas (HSE) ou como comportamentos sociais indesejáveis. As HSE são definidas como “aquelas intencionalmente voltadas para a promoção do desenvolvimento e da aprendizagem do outro, em situação formal ou informal” (A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette, 2010, p. 95). A partir de pesquisas empíricas e elaboração conceitual, Z. A. P. Del Prette e A. Del Prette (2008) propuseram um sistema de HSE cujas classes mais amplas são:
estabelecer contextos interativos potencialmente educativos;
transmitir ou expor conteúdos sobre HS;
monitorar positivamente;
estabelecer limites e disciplina.
O sistema proposto por Z. A. P. Del Prette e A. Del Prette (2008) foi elaborado, principalmente, a partir de pesquisas teóricas e empíricas relacionadas à atuação do agente educativo com crianças e adolescentes. No entanto, na ES, o agente educativo, no caso o professor, está atuando com jovens-adultos e adultos, e nuances envolvidas nessa fase do desenvolvimento (tais como maior autonomia e independência dos indivíduos) podem requer do professor habilidades diferentes daquelas requeridas na interação com crianças e adolescentes.
Nessa direção, Vieira-Santos (2019), a partir de dados empíricos, identificou cinco classes de HS relevantes para a atuação docente no âmbito da ES. A primeira é aprovar e valorizar os comportamentos dos alunos e inclui os comportamentos de auxiliar o aluno a identificar comportamentos adequados e/ou esperados, perguntar a opinião dos alunos sobre determinado assunto, solicitar que avaliem os aspectos que mais gostaram na aula e conversar com os estudantes sobre as atividades que pretendem realizar ou sobre determinadas posturas. A segunda classe é expor, explicar e avaliar de maneira interativa e está relacionada a uma forma interativa de conduzir a aula e/ou a classe, envolvendo comportamentos como automonitorar-se, fazer perguntas, estimular o aluno a refletir criticamente sobre os conteúdos, usar estratégias para que os estudantes participem da aula e monitorar as atividades realizadas em sala. A terceira classe é cultivar afetividade, apoio e bom humor e corresponde ao suporte social que o professor fornece aos seus alunos, incluindo comportamentos relacionados a empatia, solidariedade e construção de amizade. A quarta classe é reprovar comportamentos indesejáveis dos alunos e envolve quatro classes de HS necessárias para manejar situações de conflito:
expressar discordância sem ofender o aluno;
manter o autocontrole;
acalmar o aluno;
direcionar o aluno para uma solução construtiva.
Por fim, a última classe é orientar atividades e refere-se à maneira como o professor orienta as atividades e conduz suas aulas.
O uso das HSE por parte do professor parece estar de acordo com as tendências atuais que compreendem o papel do professor como um mediador do processo de aprendizagem (Weimer, 2002; Masetto, 2003; Anastasiou, 2015), contribuindo para desenvolver condições que proporcionem ao aluno uma aprendizagem ativa. Já os comportamentos indesejáveis referem-se às ações do professor, na relação com seus alunos, que tendem a dificultar o processo de aprendizagem, tais como: postura ríspida e autoritária, distanciamento dos alunos, inflexibilidade na relação com os alunos etc. Tais comportamentos indesejáveis indicam a presença de déficits de aquisição, de desempenho ou de fluência das HSE e, segundo Z. A. P. Del Prette e A. Del Prette (1998), “podem explicar, em parte, o padrão passivo e transmitivo-receptivo ainda predominante nas salas de aula.” (p. 211)
CONSEQUÊNCIAS DO DESEMPENHO DOCENTE
O desempenho do professor terá consequências diferentes dependendo de como ele interage com os seus alunos. A apresentação de HSE tende a produzir:
resultados favoráveis para todos os envolvidos;
melhoras na qualidade da relação professor-aluno;
estabelecimento de um ambiente centrado na aprendizagem e, consequentemente, impactos positivos na adaptação, permanência e aprendizagem do aluno;
promoção de competências sociais, valores de convivência, valores essenciais para o exercício profissional, consciência crítica e exercício da cidadania.
Já a apresentação de comportamentos sociais indesejáveis tende a gerar:
benefícios apenas para um dos envolvidos;
desrespeito aos direitos humanos básicos;
conflitos na relação professor-aluno;
impactos negativos sobre a adaptação, permanência e aprendizagem do aluno.
Vieira-Santos (2019) verificou que o repertório de HSE do professor tem um impacto positivo e significativo sobre a satisfação que o aluno possui com a qualidade geral da relação professor-aluno; o diálogo que o docente estabelece com os alunos; o respeito que o professor demonstra com os alunos; a afetividade que o docente demonstra pelos alunos; a qualidade da atuação docente e o quanto o aluno aprende com o professor. Além disso, um repertório elaborado de HSE por parte dos professores também parece estar associado a uma maior percepção, por parte dos estudantes, de suporte social oferecido pelos docentes (Vieira-Santos et al., 2019).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância que a relação professor-aluno apresenta, tanto para a atuação docente como para o desempenho acadêmico do estudante, sinaliza que esse aspecto do contexto de aprendizagem deveria receber maior atenção tanto na atuação como na formação do professor. De certa forma, é possível dizer que o sucesso da atuação docente reside, em grande parte, no tipo de relação que o professor estabelece com seus alunos, visto que problemas nessa relação podem inclusive levar o estudante a abandonar o ES. Assim sendo, a relação professor-aluno, em certa medida, pode ser vista como uma das ferramentas que o docente pode utilizar para criar ambientes centrados na aprendizagem do estudante.
A partir da análise da literatura sobre fatores que interferem na relação professor-aluno no ES, do campo teórico-prático das HS e de dados empíricos sobre as HSE apresentadas por professores universitários na interação com seus alunos, o presente estudo apresentou um quadro conceitual sobre o desempenho do professor na interação com seus alunos no contexto da ES. A estrutura proposta envolve (a) o contexto no qual o desempenho ocorre, (b) os comportamentos apresentados pelo professor na interação com os alunos e (c) as consequências que esse comportamento produz (Figura 1).
Conforme foi exposto, existe um conjunto amplo de variáveis que se combinam e impactam o desempenho social do professor com seus alunos. A formação acadêmica e docente, os modelos docentes observados (tanto no papel de professor como no papel de estudante), a experiência como aluno e como professor, questões relacionadas à IES e à tarefa educativa irão moldar o comportamento que o professor apresentará na interação com seus estudantes. Tal comportamento poderá ser socialmente competente, quando envolver a apresentação de HSE que atinjam os critérios de competência social, sobretudo os critérios de manutenção/melhora da autoestima e da qualidade da relação, equilíbrio de poder entre os interlocutores e respeito/ampliação dos direitos humanos interpessoais. Tal desempenho resultará em consequências positivas para o processo de aprendizagem e para os atores envolvidos na interação (professor e aluno), mesmo que o objetivo imediato da interação não seja alcançado. Por exemplo, o aluno solicita ao professor que a data de entrega da atividade seja alterada. Ainda que o professor não altere a data, se ele apresentar sua discordância em relação à solicitação, demonstrando atenção e respeito aos alunos, ele foi competente socialmente.
Por outro lado, quando o professor apresenta comportamentos sociais indesejáveis na interação com os alunos (seja sendo agressivo ou passivo), ele não atinge os critérios de competência social. Gritar, xingar ou ser autoritário é tão ruim para o processo de aprendizagem quanto ignorar, ser omisso ou evitar solucionar situações potencialmente conflituosas. A ausência de competência social resultará em consequências negativas tanto para o processo educativo, como para os atores envolvidos em tal processo (professor e alunos).
Nessa direção, parece ser importante que o desenvolvimento de HSE seja contemplado no processo de formação docente. O campo teórico-prático das HS indica que essas habilidades são aprendidas ao longo da vida e, portanto, podem ser ensinadas diante de demandas específicas. A literatura tem demonstrado que a realização de treinamento de HS para professores possibilita o desenvolvimento e/ou aperfeiçoamento das HS e das HSE (A. Del Prette et al., 1998; Rosin-Pinola, 2009; Fornazari et al., 2014; Cintra e Z. A. P. Del Prette, 2019; Lessa, 2020).
O presente modelo teórico apresentado no presente estudo parece ser relevante tanto para investigar a atuação docente com os alunos como para propor programas de intervenção que promovam o desenvolvimento e/ou aperfeiçoamento de HSE, destacando variáveis que devem/podem ser levadas em consideração. Futuras pesquisas podem investigar o impacto de cada um dos aspectos apresentados no quadro conceitual, sejam individualmente, sejam em conjunto, sobre o desempenho docente com os alunos.