1 Introdução
As Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) caracteriza-se pela elevada potencialidade de aptidões, talentos e habilidades, evidenciada no alto desempenho nas diversas áreas das atividades humanas incluindo as acadêmicas, demonstradas desde a infância. Tais áreas incluem, entre outras, as áreas intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes (Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva [PNEEPEI], 2008; Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013).
A identificação de crianças com AH/SD tem se pautado na perspectiva teórica do Modelo dos Três Anéis (Renzulli, 1998, 2011). Nessa concepção, a AH/SD é decorrente da confluência de três fatores: habilidade intelectual acima da média, envolvimento com a tarefa e criatividade. A atual definição de AH/SD, proposta no documento da PNEEPEI (2008) é fortemente influenciada por esse modelo. A AH/SD é contemplada pelas diretrizes da Educação Especial (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro 1996; Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011), com o objetivo de garantir às crianças o acesso a serviços especializados. Isso significa que é papel da escola se preparar para atendê-las nas suas necessidades e nas suas particularidades.
Em relação às políticas de inclusão, entende-se que o desenvolvimento interpessoal (especificamente as habilidades de empatia e comportamentos pró-sociais) é componente indispensável desse processo inclusivo. O objetivo é melhorar a qualidade do relacionamento social, promovendo atitudes de compreensão e aceitação das diferenças por parte de colegas, professores e funcionários da escola. Considerando, então, a importância da aquisição e da manutenção desses comportamentos habilidosos, a escola precisa investir no desenvolvimento interpessoal dos alunos, e até mesmo dos professores, por estes serem mediadores de relacionamentos e conflitos em sala de aula (Del Prette & Del Prette, 2013).
Castro e Bolsoni-Silva (2008) afirmam que o professor, ao cumprir esse papel pode manter, fortalecer ou até desestimular comportamentos ligados à interação criança-criança e criança-professor, influenciando tanto os aspectos acadêmicos quanto os sociais. Segundo Bandeira e Quaglia (2006), para serem bem-sucedidas, as crianças precisam ter comportamentos assertivos, pois isso contribui para melhorar a comunicação interpessoal, expressar sentimentos e necessidades. No entanto, cabe ao professor identificar tais comportamentos, buscando estimulá-los em diferentes situações.
Nessa perspectiva, é inegável que os sistemas educativos devam priorizar igualmente o desenvolvimento das habilidades sociais de todos os seus alunos, sendo esse público-alvo da Educação Especial ou não. Desde o início da escolarização, o ambiente educativo deve favorecer e potencializar o desenvolvimento social e acadêmico dos alunos em vista de uma adequada formação para a vida em todos os seus desdobramentos.
Partindo do pressuposto de que o comportamento infantil é resultado da história comportamental da criança nos ambientes em que ela vive e que também é mantido pelas contingências ambientais familiares, além dos professores, é imprescindível trabalhar com os pais e/ou responsáveis (Silvares, 1993). Nesse sentido, Bolsoni-Silva e Loureiro (2011) compararam práticas parentais e comportamento infantil de dois grupos de crianças, clínicas e não clínicas, para problemas de comportamento. Os resultados apontaram que os comportamentos que diferenciavam os grupos eram, sobretudo, os relacionados às práticas educativas positivas parentais e às habilidades sociais infantis, confirmando a influência das contingências ambientais familiares apontadas por Silvares (1993). O apoio familiar age como fator protetivo e promotor da resiliência e com crianças com AH/SD não é diferente, pois é fundamental para o desenvolvimento do talento (Chagas, 2008; Chagas & Fleith, 2009; Dessen, 2007).
Há autores que sugerem que jovens talentosos, especialmente aqueles com habilidades extremas, apresentam maior vulnerabilidade a problemas emocionais e sociais e maiores riscos para a depressão, ansiedade e suicídio (Alencar, 2007; Antipoff & Campos, 2010; Cassady & Cross, 2006; Chagas & Fleith, 2010; Mirnics, Kovia, & Bagdy, 2015; Peterson, 2009). O desenvolvimento de suas habilidades, a qualidade de vida, o seu sucesso ou sua autorrealização dependem, portanto, de um conjunto complexo de variáveis individuais e ambientais (Chagas & Fleith, 2010). Por isso, uma intervenção focada nessa área pode ajudar a prevenir ou diminuir esses déficits e desajustamentos (Matos & Maciel, 2016) e o ideal é que isso seja feito o mais cedo possível.
Chagas e Fleith (2010) têm destacado necessidade de serem amplamente planejadas e empregadas atividades que visem ao desenvolvimento de habilidades sociais nas escolas, principalmente nos programas que atendem a esse público. Para as autoras, as atividades devem ser planejadas de forma sistemática, pretendendo auxiliar: no fortalecimento e na construção de autoimagem, autoestima e autoconceito positivos; na construção de uma identidade integrada; na elaboração de estratégias não violentas de enfrentamento do bullying; e na manutenção de relacionamento interpessoal positivo sem, no entanto, abrirem mão de suas habilidades e de seus interesses ou mesmo virem a negar o talento.
Segundo Del Prette e Del Prette (2013, 2017), as habilidades sociais são comportamentos que, em dado contexto situacional-cultural, apresentam alta probabilidade de produzirem reforçadores para o indivíduo e minimizar estimulação aversiva, contribuindo para a qualidade e a efetividade do relacionamento com o outro. Assim sendo, constituem uma classe específica de comportamentos que um indivíduo emite para completar com sucesso uma tarefa social, como, por exemplo, entrar em um grupo de colegas, fazer amigos, iniciar e manter conversação, entre outros.
Essas habilidades podem ser implementadas ou desenvolvidas em programas de Treinamento de Habilidades Sociais (THS), que correspondem ao conjunto de atividades planejadas que estruturam processos de aprendizagem de comportamentos sociais, mediados e conduzidos por um terapeuta ou coordenador. Nesse tipo de programa, o objetivo é ampliar a frequência e/ou melhorar a proficiência de habilidades sociais já aprendidas, mas deficitárias, além de ensinar habilidades sociais novas e significativas, diminuindo ou extinguindo comportamentos concorrentes com tais habilidades (Del Prette & Del Prette, 2017).
Entre as características das pessoas com AH/SD, há contradições na literatura a respeito da presença/ausência de habilidades sociais. Algumas pesquisas apontam que crianças com AH/SD apresentam déficits nas áreas sociais e emocionais, como citado anteriormente, enquanto outras pesquisas apontam que essa população apresenta bom repertório de habilidades sociais e emocionais (Bain & Bell, 2004; França-Freitas, Del Prette, & Del Prette, 2014, 2017; Freitas & Del Prette, 2013; Galloway & Porath, 1997; Loos-Sant’Ana & Trancoso, 2014; Prieto, Ferrándiz, Ferrando, Sánchez, & Bermejo, 2016; Versteynen, 2001).
Em pesquisas realizadas em bases de dados científicas nacionais com as palavras chaves “habilidades sociais”, “altas habilidades” “superdotação”, “altas habilidades ou superdotação” e “talento”, não foram encontrados estudos de intervenções em habilidade sociais com estudantes com AH/SD, com seus pais ou professores. Os estudos encontrados descrevem as habilidades sociais de crianças com AH/SD a partir de relatos das próprias crianças (França-Freitas, Del Prette, & Del Prette, 2014; Loos-Sant’Ana & Trancoso, 2014) e segundo a avaliação de professores (Freitas & Del Prette, 2013). Na literatura internacional, foram identificados estudos relacionando os dois temas: intervenções em habilidade sociais com crianças com AH/ SD (Calero-García & García-Martín, 2005; Gómez-Pérez et al., 2014) e intervenção com pais de crianças com AH/SD sobre as competências parentais (Morawska & Sanders, 2009). Desse modo, este trabalho apresenta um dado inédito por trabalhar com três grupos de participantes: alunos, pais e professores.
Calero-García e García-Martín (2005) realizaram uma intervenção com nove crianças, entre seis e 10 anos, com superdotação intelectual que, segundo seus pais, apresentavam problemas de relacionamento com seus pares e características de introversão, distanciamento, postura crítica e frieza. Foram 10 sessões de 60 minutos cada, em que foram abordados os temas: técnicas de comunicação; identificação de situações de problemas interpessoais; percepções de sentimentos dos outros; empatia; capacidade de responder ao fracasso; consideração de todos os fatores presentes em situações de interação social; análise das opções de soluções de conflitos; delimitação das consequências das ações; e planejamento e decisão. Os resultados mostraram que as habilidades interpessoais das crianças melhoraram significativamente após a intervenção.
Gómez-Pérez et al. (2014) avaliaram a efetividade de um programa de habilidades de resolução de problemas interpessoais realizado com 40 crianças superdotadas com idades entre sete e 13 anos divididas em grupo experimental e controle. Segundo os pais, as crianças apresentavam problemas interpessoais, problemas comportamentais, problemas com os pares e dificuldades emocionais. O programa foi conduzido em grupo em 10 sessões, utilizando os mesmos temas do estudo de Calero-García e García-Martín (2005). Segundo as autoras, após o programa, as habilidades de resolução de problemas interpessoais das crianças do grupo experimental aumentaram, demonstrando os efeitos positivos do programa.
Morawska e Sanders (2009) avaliaram os efeitos de uma intervenção comportamental com 75 pais (divididos em grupo experimental e controle) de crianças de três a 10 anos com AH/SD. O objetivo da intervenção foi melhorar as competências parentais e avaliar o efeito dessas mudanças sobre o comportamento social e emocional dos filhos. O programa, desenvolvido em nove encontros, envolveu habilidades de gerenciamento nas áreas de promoção do desenvolvimento infantil, gestão de mau comportamento e atividades planejadas e rotinas para melhorar a generalização e a manutenção de competências parentais. Os resultados indicaram efeitos significativos da intervenção para os pais do grupo experimental que relatavam problemas de comportamento e hiperatividade dos filhos, mas não teve efeitos no âmbito emocional. Os pais também apontaram melhoras significativas em seu próprio estilo parental. Ofollow up, após seis meses, apontou a manutenção dos efeitos positivos da intervenção. Entretanto, segundo os professores, não houve alterações nos comportamentos das crianças, com exceção da hiperatividade. Contudo, eles haviam avaliado as crianças com poucos problemas de comportamento antes da intervenção.
Ainda que não com crianças com AH/SD, Pereira (2013) coordenou um estudo junto a sete escolas municipais de uma cidade do estado do Mato Grosso do Sul com 28 professores e, aproximadamente, 700 estudantes do Ensino Fundamental, com o objetivo de desenvolver habilidades sociais e prevenir problemas de comportamento. Cada professor indicou até três alunos com problemas de comportamento e três com comportamentos socialmente aceitos, que foram avaliados academicamente. Realizaram-se 20 sessões de 50 minutos semanalmente com cada turma e seus professores. Os temas da intervenção foram: socialização, comunicação, expressão de sentimentos, saber defender-se e colaboração. Após a intervenção, os professores relataram pontos positivos da intervenção, tais como: estabelecimento de regras, melhora no desenvolvimento de atividades em grupo e participação mais frequente dos alunos. Em relação ao desempenho acadêmico dos alunos previamente avaliados, houve melhora após a intervenção para os dois grupos.
Segundo Del Prette e Del Prette (2013), estudos comparativos entre as diferentes fontes de dados, como, por exemplo, pais e professores, podem ampliar a categorização e a compreensão do repertório de habilidades sociais, auxiliando a identificação desses comportamentos em crianças com AH/SD em diferentes contextos sociais, como os escolares e familiares. Os autores defendem o investimento em programas de treinamento de habilidades sociais (THS) sob duas vertentes: a primeira como alternativa de prevenção por meio da ação integrada entre escola e família; e a segunda associada a intervenções clínicas com a criança, visando à superação de dificuldades interpessoais e dos problemas a elas associados. Neste trabalho, o THS será feito considerando a primeira vertente.
Os estudos sobre o repertório de habilidades sociais de crianças com AH/SD são inconclusivos o que justifica pesquisas que investiguem essa temática junto a essa população, coletando informações com múltiplos informantes: eles mesmos; seus pais e professores. Também, foram poucos os estudos encontrados relacionados a intervenções junto a essa população assim como com adultos significativos dos seus contextos imediatos, como família e escola. É importante testar a eficácia (avaliar se os objetivos propostos foram alcançados) e a eficiência (procedimento rápido e de menor custo possível) de intervenções com a própria criança, com seus pais e professores, considerando que estes compõem contextos de interação face a face e por tempo prolongado, o que pode significar uma melhora consistente nos ambientes de desenvolvimento da criança.
Este estudo teve por objetivos descrever e comparar o repertório de habilidades sociais, problemas de comportamento e competência acadêmica de estudantes com AH/SD: 1) segundo o relato deles mesmos, antes e depois de um programa sobre habilidades sociais; e 2) segundo o relato de seus pais/responsáveis e professoras, antes e depois de orientações sobre AH/SD e habilidades sociais.
2 Método
Participaram nove estudantes com AH/SD identificados no estudo de Mendonça (2015) que cursavam o 1º, 3º, 4º e 5º anos do Ensino Fundamental da rede estadual paulista, bem como seus respectivos pais/responsáveis e suas professoras. Dentre os estudantes, eram seis meninos e três meninas com idades entre seis e dez anos (média = 8,44 e DP = 1,42). Os nove estudantes foram divididos em dois grupos6 em função do turno escolar: Grupo 1 (G1), estudantes do matutino dos 3º, 4º e 5º anos composto por três meninos e duas meninas; e Grupo 2 (G2), estudantes do vespertino dos 1º e 3º anos composto por três meninos e uma menina.
Em relação às professoras, as oito tinham idade entre 28 a 63 anos (média = 43; DP = 11,43) e com distintos níveis de formação: magistério (1), graduação (5) e pós-graduação (2), que trabalhavam em sala regular. Elas foram divididas em dois grupos em função dos estudantes sob sua responsabilidade: Grupo 1 (G1), quatro professoras do período matutino; e Grupo 2 (G2), quatro professoras do vespertino.
Dentre os responsáveis, cinco eram mães, uma avó e dois pais, com idades entre 30 e 56 (média = 39,75; DP =9,93). Em relação ao nível acadêmico, uma mãe tinha Ensino Fundamental completo, cinco com Ensino Médio completo e dois com Ensino Superior completo. Os responsáveis foram divididos em dois grupos em função dos grupos dos filhos: Grupo 1 (G1), cinco pais/responsáveis dos estudantes do matutino; e Grupo 2 (G2), três pais/responsáveis dos estudantes do vespertino. O responsável do aluno 4 não participou da intervenção.
2.1 Local
As intervenções foram realizadas nas dependências da escola, que atende a estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, localizada em um bairro de periferia, em uma cidade do interior do Estado de São Paulo.
2.2 Instrumento
Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais (Social Skills Rating System - SSRS): É uma escala produzida originalmente nos EUA (Gresham & Elliott, 1990), que foi adaptada e validada para a amostra brasileira (Del Prette, Freitas, Bandeira, & Del Prette, 2016). É apresentado em três versões: a versão para professores avalia as habilidades sociais, os problemas de comportamento e a competência acadêmica; a versão para os pais avalia as habilidades sociais e os problemas de comportamento; e a versão para a criança avalia as habilidades sociais. Os resultados são encontrados a partir da soma dos escores e transformados em percentil, conforme o sexo do estudante.
2.3 Procedimento de coleta de dados
Após a pesquisa ter sido aprovada pelo Comitê de Ética, agendou-se uma data para apresentação às professoras no horário da Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC). Com os pais/responsáveis, foi agendada uma reunião no horário noturno. Aqueles que manifestaram interesse em participar ratificaram a sua anuência com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e as crianças assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).
A coleta de dados foi conduzida em quatro etapas e teve medidas de pré, pós-teste e seguimento. Na 1ª etapa, após a assinatura do TCLE e TALE, as professoras responderam, em grupo, ao SSRS-BR versão para professores, no horário da ATPC. Os pais/responsáveis responderam ao SSRS-BR versão para pais, em grupo, no horário noturno. Os estudantes responderam, em grupo, por ano e turno escolar, ao SSRS-BR versão para estudantes. Para os estudantes do 1º ano, a aplicação foi individual e a pesquisadora lia as questões para os estudantes. Na 2ª etapa, foi realizada a intervenção com os grupos de estudantes, em oito encontros semanais e, com os pais/responsáveis e as professoras, em três encontros quinzenais, com cada grupo, separadamente, em horários de interesse de cada grupo. Na 3ª etapa, o SSRS foi reaplicado para os três segmentos, estudantes, pais/responsáveis e professores. Na 4ª etapa, 10 a 12 meses depois da intervenção, o SSRS foi novamente aplicado nos estudantes e pais/responsáveis. Não se realizou a aplicação com professores, pois, com a troca de ano, os estudantes mudaram de turma e, consequentemente, de professoras.
2.4 Procedimento de intervenção com os estudantes
O programa de THS foi oferecido para os estudantes em oito encontros grupais semanais, com duração média de 90 minutos cada. A estrutura dos encontros foi adaptada do livro “Habilidades Sociais e Desempenho Acadêmico: relatos, práticas e desafios atuais” (Pereira, 2013), assim como as atividades propostas, conforme descrito no Quadro 1.
Sessões e temas | Objetivos | Procedimentos e dinâmicas |
---|---|---|
1 - Socialização | Ensinar e treinar as habilidades de cumprimentar; conversar, fazer e responder perguntas; apresentar-se; Refletir sobre as diferenças, sobre suas próprias características e semelhanças, além da necessidade de respeitarem uns aos outros. | Confecção de cartaz com combinados; Dinâmicas: "O meu nome é"; "Peixes no aquário"; "Anjo da guarda" e "Caixa de tarefas - Role playing". |
2 - Comunicação | Apresentar os diferentes tipos de comunicação e treinar o comunicar-se com colegas, expor-se e falar em público, tomar a palavra, fazer pedidos e ouvir. | Dinâmicas: "Telefone sem fio"; "Roda de conversa"; "O que fazemos ao outro"; "Completando a história" e "Autógrafos". |
3 e 4 - Expressão de sentimentos | Discriminar e expressar os sentimentos; Expressar carinho e frustração de forma adequada e elogiar. | Dinâmicas: "Imagem e ação com baralho das emoções"; "Batata quente das emoções"; "Amigo secreto"; "Expressão por desenho"; "Dramatização" e "Indicar características". |
5 e 6 - Autoadvocacia | Saber defender-se de crianças violentas, expressar direitos, desejos, preferências e necessidades de forma adequada. | Leitura do artigo 1º da constituição federal brasileira; Confecção de cartaz informativo sobre bullying e apresentação nas salas da escola. Dinâmicas: "Batata quente dos direitos humanos"; "Palavras mágicas"; e "O que você parece pra mim". |
7 - Autoadvocacia e assertividade |
Apresentar as diferenças dos comportamentos: agressivo, assertivo e passivo. Treinar as habilidades de prestar ajuda, expressar opinião, trabalhar em grupo, receber e fazer críticas. | Apresentação das diferenças dos comportamentos agressivos, assertivos e passivos. Dinâmicas: "Inocente ou culpado"; "Fazer e receber críticas"; e "Misto quente". |
8 - Colaboração | Treinar as habilidades de oferecer e prestar ajuda, participar de grupos, trabalhar em grupo e participar de temas de discussão, dando contribuições relevantes. | Leitura do texto "Os porcos espinhos"; Vídeo: "O sumiço de todas as mães"; Dinâmicas: "Cuidar da bexiga"; "Nem passivo nem agressivo: assertivo"; "Jogo dos 3 sentidos: cego, mudo e aleijado" e "O que você parece pra mim". |
Fonte: Elaborado pelas autoras.
2.5 Procedimento de intervenção com as professoras
Foram programados três encontros quinzenais, com duração de 90 minutos cada. Os encontros aconteceram no horário do ATPC. A intervenção foi estruturada com base na Cartilha Ilustrativa: Habilidades Sociais e a Educação (De Oliveira, Costa, Chaves, & Souza, 2013) (Quadro 2). Além da orientação, foi disponibilizado para as participantes materiais sobre os temas.
Intervenção com professoras | |
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Tema dos encontros | |
1º encontro: Altas habilidades/ Superdotação, o que são? | Apresentou-se o conceito, identificação, comportamentos de crianças com AH/SD, principais características, curiosidades, mitos e verdades, e direitos escolares. |
2º encontro: Habilidades Sociais e a importância do ambiente - Estratégias para desenvolver habilidades sociais nos estudantes. | Apresentou-se o conceito e algumas classes e subclasses das Habilidades Sociais. Abordou as habilidades de Socialização e Expressão de Sentimentos. Para cada uma destas habilidades, foram sugeridas duas dinâmicas que podem ser aplicadas em sala de aula com os estudantes para promover habilidades sociais em escolares. |
3º encontro: Habilidades Sociais e a importância do ambiente - Estratégias para desenvolver habilidades sociais nos estudantes. | Abordaram-se as habilidades de Comunicação, Autoadvocacia e Colaboração. Para cada uma destas habilidades, foram sugeridas duas dinâmicas que podem ser aplicadas em sala de aula com os estudantes para promover habilidades sociais em escolares. |
Fonte: Elaborado pelas autoras.
2.6 Procedimento de intervenção com os pais/responsáveis
A intervenção com os pais/responsáveis foi adaptada da Cartilha Informativa de Orientação para Pais e Mães (Bolsoni-Silva, Marturano, & Silveira, 2006). A estrutura da intervenção está ilustrada no Quadro 3. Foram três encontros quinzenais no horário noturno, com duração de 90 minutos cada.
Intervenção com pais e/ou responsáveis | |
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Temas dos encontros | |
1º encontro: Altas habilidades/ Superdotação, o que são? | Apresentou-se o conceito, comportamentos de crianças com AH/SD, principais características e curiosidades. |
2º encontro: Habilidades Sociais e a importância do ambiente - Estratégias para desenvolver habilidades sociais nos filhos. | Abordaram-se as habilidades de Comunicação: Iniciar e manter conversação, fazer e responder perguntas; Expressão de sentimentos positivos: elogiar, dar e receber feedback positivo, agradecer, expressar e ouvir opiniões. |
3º encontro: Habilidades Sociais e a importância do ambiente - Estratégias para desenvolver habilidades sociais nos filhos. | Abordaram-se as habilidades de Comportamentos habilidosos, não habilidosos ativos e não habilidosos passivos; Feedback negativo e expressão de sentimento negativo; Fazer e recusar pedidos; Como lidar com críticas; e Estabelecendo limites. |
Fonte: Elaborado pelas autoras.
2.7 Procedimento de análise de dados
As análises foram conduzidas individualmente por participante e conforme o manual do instrumento com os dados em percentis. A apresentação dos dados em frequência absoluta e relativa refere-se aos dois grupos de estudantes, de pais/responsáveis e de professoras, com análise do pré-teste, pós-teste e seguimento.
3 Resultados e discussão
Os dados apresentados na Figura 1 exibem, para cada Estudante (E), os percentis de cada fator da escala de habilidades sociais do SSRS-BR segundo eles mesmos no pré, pós-teste e seguimento.
No pré-teste, oito dos nove participantes apresentaram déficits (percentil 0-25) em algum dos fatores de habilidades sociais (E1, E2, E3, E4, E5, E7, E8, E9). Esse dado contradiz os achados de Loos-Sant’Ana e Trancoso (2014), cuja minoria dos participantes relatou ter repertório social abaixo da média. Ainda no pré-teste, todos apresentaram déficits em pelo menos três fatores de habilidades sociais, diferentes dos dados encontrados por França-Freitas, Del Prette e Del Prette (2014). Seus participantes apresentaram repertórios mais elaborados de habilidades sociais nos fatores de responsabilidade, de assertividade, de autocontrole, de civilidade e de expressão de sentimento positivo.
No pós-teste que corresponde à avaliação que sucede a intervenção, a frequência das habilidades em percentil aumentaram ou mantiveram-se em todos os fatores para os estudantes E1, E3, E4 e E5. Seis apresentaram déficits (E1, E3, E4, E7, E8 E9) em alguma habilidade e, no seguimento, três apresentaram déficit em alguma habilidade (E1, E2, E9). Para os demais estudantes as frequências variaram. A posição do percentil dos comportamentos que correspondia a repertório bom a altamente elaborado (percentil 36 a 100) no pós-teste foram: em habilidades sociais gerais para E2, E3, E4, E5 e E6; em Empatia/afetividade para E2, E3, E5 e E6; em Responsabilidade para E1, E2, E3, E5, E6 e E8; em Autocontrole/civilidade para E2, E5 e E6; e em Assertividade para E2, E3, E4, E5 e E6.
Observa-se, no seguimento, que a posição do percentil dos comportamentos que corresponde a repertório bom a altamente elaborado (percentil 36 a 100) foram em habilidades sociais gerais para E3, E4, E5, E6, E7, E8 e E9. Empatia/afetividade para E3, E4, E5, E6, E7, E8 e E9. A responsabilidade para todos os estudantes. O autocontrole/civilidade aumentou para os estudantes E3, E4, E5, E6, E7 e E8. A assertividade aumentou para E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8 e E9.
Pode-se considerar que a intervenção foi pertinente para alguns participantes considerando o pós-teste. Todavia, levando em conta o seguimento, observa-se que alguns resultados não se mantiveram. Com exceção do E1 e E2, foi pertinente para todos os participantes, pois a frequência das habilidades sociais aumentou e, consequentemente, a posição em percentil também. Isso significa que, após o programa de intervenção, os estudantes apresentaram entre repertório bom a altamente elaborado em habilidades sociais segundo autorrelato, não se mantendo no mesmo nível para dois dos participantes no seguimento.
Como os estudantes apresentaram pontuação muito baixa no pré-teste, é possível que os resultados observados no pós-teste e seguimento se devam à intervenção com eles e, possivelmente, com suas professoras. Segundo França-Freitas, Del Prette e Del Prette (2014), a responsabilidade foi uma das habilidades mais pontuadas pelos estudantes com AH/SD. Na presente pesquisa, esta foi a habilidade que os estudantes relataram ser mais frequente no pré-teste e, também, foi a que teve mais ganhos com a intervenção, observada no pós-teste e no seguimento. Esse resultado alinha-se aos estudos de Bain e Bell (2004) e Chagas (2008), na qual adolescentes superdotados e talentosos relataram maior frequência de comportamentos indicativos de responsabilidade na execução das atividades.
A Figura 2 apresenta a posição em percentil em cada fator da escala de habilidades sociais e problemas de comportamento do SSRS-BR dos estudantes, segundo seus Pais/ Responsáveis (P/R) no pré, pós-teste e seguimento.
Quatro estudantes apresentaram déficits no pré-teste em algum dos fatores de habilidades sociais (E1, E2, E7, E8), no pós-teste cinco apresentaram déficits (E1, E2, E3, E7, E8) e, no seguimento, sete (E1, E2, E3, E5, E6, E7, E8). Um estudante (E7) apresentou problema de comportamento no pré-teste, considerado com necessidade de intervenção. No pós-teste, nenhum estudante apresentou problemas de comportamento com necessidade de intervenção e, no seguimento, um estudante (E3). Uma hipótese para esses resultados é que alguns pais/responsáveis ficaram mais críticos em relação aos comportamentos dos filhos após a intervenção, tomando como modelo o que ou como gostariam que seus filhos se comportassem.
Considerando os problemas de comportamento, os internalizantes aumentaram no pós-teste e diminuíram no seguimento, porém, a pontuação ainda ficou mais elevada do que no pré-teste. Por outro lado, segundo as professoras, todos os problemas de comportamento dos estudantes diminuíram no pós-teste, tanto internalizantes como externalizantes, como observado na Figura 3 em seguida.
A Figura 3 apresenta a posição em percentil em cada fator da escala de habilidades sociais, competência acadêmica e problemas de comportamento do SSRS-BR dos estudantes segundo suas Professoras (Pr) no pré e pós-teste. Três estudantes apresentaram déficits no pré-teste em algum dos fatores de habilidades sociais (E1, E3, E7), e três apresentaram problema de comportamento no pré-teste considerado com necessidade de intervenção (E6, E7, E9). No pós-teste, quatro apresentaram déficits (E1, E4, E6, E9) e três apresentaram problemas de comportamento com necessidade de intervenção (E3, E4, E6).
As professoras fizeram somente as avaliações de pré e pós-teste. As habilidades com maiores pontuações no pós-teste, em ordem de melhora foram: cooperação/afetividade, assertividade/desenvoltura social, habilidades sociais gerais e autocontrole. A competência acadêmica também aumentou no pós-teste. Tais melhoras podem ser atribuídas à intervenção e, também, a melhora dos comportamentos dos estudantes que estavam sob intervenção.
Um fato interessante é que, para a maioria dos participantes - estudantes, pais/responsáveis e professoras, houve melhoras de comportamentos habilidosos e diminuição dos problemáticos no pós-teste e seguimento. Uma hipótese é de que talvez os pais/responsáveis e professoras mudaram sua percepção sobre os estudantes, e isso pode ter sido o responsável pela melhora. Outra possibilidade é a habituação ao instrumento, mas após 10 e 12 meses talvez essa possibilidade possa ser descartada.
A partir dos objetivos do presente trabalho, observa-se que, no pré-teste, os estudantes se avaliaram pior do que seus pais/responsáveis e professoras os avaliaram. Também, observou-se que seus pais/responsáveis os avaliaram melhor no pré-teste do que no pós-teste e no seguimento. Segundo Skinner (1974), é comum o relato de que os participantes se tornam mais críticos após uma intervenção.
As professoras foram as que relataram mais habilidades sociais no pré e no pós-teste, relatando maior frequência do que os pais/responsáveis e, principalmente, mais do que os próprios estudantes. Os achados de Morawska e Sanders (2009) e Bolsoni-Silva e Loureiro (2016) também corroboram o fato de que professoras relataram mais habilidades nos estudantes do que os pais.
Considerando os problemas de comportamento, os pais/responsáveis relataram serem mais frequentes problemas de comportamento geral e externalizantes do que as professoras, tanto no pré-teste quanto no pós-teste. Esse dado corrobora os achados de Bandeira, Rocha, Freitas, Del Prette e Del Prette (2006) e Morawska e Sanders (2009) que apontaram que pais descreveram mais problemas de comportamento do que os professores. Já os comportamentos internalizantes foram mais notados pelas professoras no pré-teste e pelos pais/responsáveis no pós-teste. Para os pais/responsáveis, os externalizantes foram diminuindo no decorrer do tempo, com menor frequência no seguimento.
4 Considerações finais
O presente estudo teve por objetivo avaliar o repertório de habilidades sociais, problemas de comportamento e competência acadêmica de estudantes com AH/SD, antes e depois de um programa de intervenção sobre habilidades sociais, desenvolvido com os três segmentos. Utilizou-se de uma intervenção de caráter universal, focada em questões pertinentes a idade e problemáticas comuns presentes nas relações entre os três segmentos. Mudanças foram observadas, principalmente no relato dos próprios estudantes; no seguimento, para os pais/ responsáveis, houve melhora em responsabilidade; e, para as professoras, em habilidades sociais gerais, autocontrole, assertividade/desenvoltura social, cooperação/afetividade e competência acadêmica, tendo a pesquisa, assim, alcançado os seus objetivos. Um ponto forte da pesquisa foi caracterizar o repertório de habilidades sociais e problemas de comportamento dos estudantes com AH/SD utilizando além do autorrelato, o relato de seus pais/responsáveis e professoras.
Uma das limitações do estudo foi o pequeno número de participantes, o que, apesar de dificultar a generalização dos resultados, possibilita o levantamento e a confirmação de novas hipóteses. Considera-se que investigar AH/SD e habilidades sociais ainda se constitui um desafio para os pesquisadores, com diversas lacunas a serem aprofundadas. Nesse sentido, este estudo pôde contribuir com a área na medida em que aponta que estudantes com AH/ SD relataram apresentar habilidades sociais, mas apresentaram déficits em algumas áreas, o que também foi relatado pelos seus pais/responsáveis e professoras, justificando a intervenção realizada. Uma sugestão para estudos futuros é, a partir de dados iniciais, propor programas focais de habilidades sociais, pensando em práticas que minimizem os problemas e ampliem o repertório habilidoso. A participação do professor mostrou-se indispensável no processo, uma vez que necessitam de estratégias para promover ambientes inclusivos para este público.
Importante ressaltar que, na PNEEPEI (2008), é previsto o Atendimento Educacional Especializado (AEE) para essa população, programas de intervenção dessa natureza poderiam ser desenvolvidos no âmbito da articulação da Educação Especial com os demais professores da sala comum, visando o desenvolvimento de habilidades gerais e/ou específicas, conforme necessidade e demandas individuais de cada aluno.
Os resultados indicaram que, com a intervenção, foi possível melhorar o repertório habilidoso de alguns participantes em alguns fatores. Em termos de implicações para intervenções com professores e pais, pode-se apontar a necessidade de mais encontros, tanto com o tema de AH/SD, quanto com o de habilidades sociais.
Por fim, diante destas constatações, são listadas algumas sugestões de pesquisas futuras visando aprofundar a compreensão da temática habilidades sociais nesta população: 1) Avaliação do repertório de habilidades sociais das crianças por seus colegas (avaliação sociométrica); 2) Avaliação da competência social por meio de pesquisas que utilizem métodos observacionais de comportamentos sociais, como, por exemplo, autorregistros, registro cursivo e videogravação; e 3) Caracterização do repertório de habilidades sociais e problemas de comportamento em indivíduos com AH/SD em outra faixa etária, como, por exemplo, adolescentes e adultos.