1 Introdução
A paralisia cerebral (PC) é um transtorno do neurodesenvolvimento, não progressivo, que ocorre no período pré, peri ou pós natal, com incidência estimada de 2 a 2,5 casos por 1.000 nascidos vivos (Reddihough & Collins, 2003). É uma condição heterogênea, com múltiplas causas e vários padrões de neuropatologia nas imagens cerebrais, que vai desenhar o prognóstico das alterações clínicas dos acometidos (Gomes et al., 2019). O principal sinal de PC é a deficiência física, que afeta o tônus muscular, a força, os reflexos e a amplitude dos movimentos (Rodrigues et al., 2019). Contudo, junto à PC podem caminhar múltiplas patologias do desenvolvimento associadas, tais como deficiência mental, alterações perceptivas, de comportamento, e de comunicação (MacLennan et al., 2015; Rosenbaum et al., 2007). De acordo com a Classificação de Funcionalidade, Deficiência e Saúde (Organização Mundial de Saúde [OMS], 2008), a PC apresenta-se como um prejuízo da função corporal que pode levar a limitações das atividades de vida diária, restringindo a participação social da criança na sociedade.
Esses prejuízos funcionais da criança com PC estão intimamente relacionados à capacidade de comunicação desse paciente com os outros. Estudo de metanálise revelou que 25% das crianças com PC apresentam prejuízos na linguagem (Novak, 2014) e cerca de metade dessas crianças tem pelo menos alguma alteração oromotora que, somadas a alterações posturais, geram dificuldades na articulação das palavras (Geytenbeek, 2011). Assim sendo, a comunicação está comprometida e a capacidade de expressão de seus anseios e vontades, em muitos casos, deve buscar uma forma alternativa à linguagem verbal, realizada por meio da fala (Araújo & Silva, 2012; Baltor et al., 2014). A comunicação não verbal, constituída de gestos e expressões corporais e faciais representa 60% do modo de transmitir as mensagens dos indivíduos com paralisia cerebral (Singurdardottir & Vik, 2011). Entretanto, esses comportamentos nem sempre são suficientes para a expressão do indivíduo. Nesse cenário, a Comunicação Aumentativa e/ou Alternativa (CAA) tem-se apresentado como importante instrumento na atuação com crianças PC que apresentam impedimentos ou limitações da linguagem oral (Cesa et al., 2010).
A CAA é um tipo de tecnologia assistiva (TA) - conjunto de recursos e estratégias que visam à melhoria da qualidade de vida e à inclusão autônoma dos deficientes na sociedade (Comitê de Ajudas Técnicas, 2019) - que busca complementar e/ou amplificar a capacidade de comunicação do indivíduo com deficiência (Araújo et al., 2018). Segundo a American Speech-Language-Hearing Association (ASHA), a CAA tenta compensar dificuldades ou incapacidades demonstradas temporária ou permanentemente por indivíduos com distúrbios graves da expressão comunicativa, caracterizando-se como um conjunto de procedimentos e de processos que visam maximizar a comunicação, complementando ou substituindo a fala e/ou a escrita (Cesa & Mota, 2015), utilizando-se, para isso, de recursos gráficos, visuais e/ou gestuais (Evaristo & Campos, 2019).
Com relação a sua natureza, os dispositivos de apoio à comunicação disponibilizados ao paciente podem ser de baixa tecnologia (pouca complexidade e produzida a baixo custo) ou de alta tecnologia (apresenta sofisticação, utilizando-se de computadores ou dispositivos eletrônicos) (Camargo, 2019). Apesar da disponibilidade dos recursos tecnológicos, seu uso não está diretamente relacionado à efetividade funcional do dispositivo. Recursos de baixa tecnologia podem ser eficazes em proporcionar um espaço dialógico intersubjetivo entre o sujeito usuário e seu interlocutor (Cesa et al., 2010). Nesse sentido, os dispositivos de apoio à CAA devem ser adaptados às condições e às necessidades específicas de cada usuário, tornando-o protagonista de suas relações interpessoais e sociais (Camargo, 2019). O foco principal não está no instrumento em si, mas na pessoa com dificuldades comunicativas que, por meio dele, consegue expressar seus desejos e suas ideias, desenvolver relacionamentos e ampliar sua participação social (Cesa & Mota, 2017).
Pesquisas recentes têm relatado a efetividade do uso de CAA na qualidade de vida de pacientes e seus interlocutores (Araújo et al., 2018; Cesa & Mota, 2015), mesmo com a utilização de dispositivos de baixa tecnologia. Esses resultados apontam para a importância de os profissionais que atuam junto ao paciente com dificuldades de comunicação, como é o caso de muitos pacientes com PC, conhecerem os métodos de CAA, bem como seus modos de acesso e utilização, a fim de qualificar a inserção desses indivíduos na sociedade.
Não foi encontrada nenhuma revisão sistemática nas principais bases de dados de pesquisa clínica que analisasse quais os métodos de CAA mais utilizados nas crianças com diagnóstico de PC, e sobre a influência desses métodos no desenvolvimento das habilidades de linguagem. A importância de identificar e propagar esses dados para a comunidade científica vem ao encontro do idealizado na Educação Especial: visualizar os indivíduos de maneira única e propor pensar nas suas peculiaridades. Com isso, o objetivo desta revisão sistemática é de verificar quais os métodos de CAA interferem positivamente nas habilidades de linguagem de crianças com PC, a fim de qualificar a implementação de técnicas e procedimentos de CAA nessa população, tanto na prática clínica quanto no convívio social e no âmbito da Educação Especial.
2 Material e métodos
Esta revisão sistemática foi conduzida de acordo com as instruções da Colaboração Cochrane (Higgins & Green, 2011) e foi reportada conforme o Guideline Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses - PRISMA (Moher et al., 2009). O registro do protocolo do estudo foi realizado no International Prospective Register of Systematic Reviews (PROSPERO)6 sob número de aprovação CRD42019132002.
2.1 Critérios de elegibilidade
Foram incluídos estudos sem restrição de idioma ou data de publicação, cujos participantes fossem crianças de 2 a 18 anos de idade, de ambos os sexos, com diagnóstico médico de paralisia cerebral, e que apresentassem dados referentes à intervenção na área de comunicação alternativa. Neste estudo, em vez de intervenções foram consideradas as exposições, sendo considerada a "abordagem em comunicação alternativa" como exposição de interesse, sem apresentar grupo de controle. A categoria "mudanças nas habilidades de linguagem" foi considerada o desfecho principal desta revisão, sendo incluídos estudos que apresentassem qualquer tipo de dispositivo de CAA para aumentar as habilidades de linguagem dessas crianças. Foram excluídos estudos em que, além da PC, as crianças tivessem o diagnóstico de autismo.
2.2 Estratégia de busca
Neste estudo, foi realizada uma busca nas bases de dados eletrônicas, complementada por busca manual de outros recursos bibliográficos da área da saúde relacionados à comunicação alternativa, visando minimizar vieses de seleção. Assim sendo, foram incluídos estudos publicados até abril de 2019. Para a busca nas bases de dados, as palavras-chave foram identificadas no Medical SubjectHeadings (MeSH), Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e Embase Subjectheadings (EMTREE). A estratégia de busca completa, com termos utilizados para o PubMed, pode ser observada no Quadro 1.
(#1) Paciente | "Cerebral Palsy"[MESH] OR "CP (Cerebral Palsy)" OR "Cerebral Palsy, Dystonic-Rigid" OR "Cerebral Palsies, Dystonic-Rigid" OR "Cerebral Palsy, Dystonic Rigid" OR "Dystonic-Rigid Cerebral Palsies" OR "Dystonic-Rigid Cerebral Palsy" OR "Cerebral Palsy, Mixed" OR "Mixed Cerebral Palsies" OR "Mixed Cerebral Palsy" OR "Cerebral Palsy, Monoplegic, Infantile" OR "Monoplegic Infantile Cerebral Palsy" OR "Infantile Cerebral Palsy, Monoplegic" OR "Cerebral Palsy, Quadriplegic, Infantile" OR "Quadriplegic Infantile Cerebral Palsy" OR "Infantile Cerebral Palsy, Quadriplegic" OR "Cerebral Palsy, Rolandic Type" OR "Rolandic Type Cerebral Palsy" OR "Cerebral Palsy, Congenital" OR "Congenital Cerebral Palsy" OR "Spastic Diplegia" OR "Diplegias, Spastic" OR "Spastic Diplegias" OR "Diplegia, Spastic" OR "Monoplegic Cerebral Palsy" OR "Cerebral Palsies, Monoplegic" OR "Cerebral Palsy, Monoplegic" OR "Monoplegic Cerebral Palsies" OR "Cerebral Palsy, Athetoid" OR "Athetoid Cerebral Palsy" OR "Cerebral Palsies, Athetoid" OR "Cerebral Palsy, Dyskinetic" OR "Cerebral Palsies, Dyskinetic" OR "Dyskinetic Cerebral Palsy" OR "Cerebral Palsy, Atonic" OR "Atonic Cerebral Palsy" OR "Cerebral Palsy, Hypotonic" OR "Hypotonic Cerebral Palsies" OR "Hypotonic Cerebral Palsy" OR "Cerebral Palsy, Diplegic, Infantile" OR "Diplegic Infantile Cerebral Palsy" OR "Infantile Cerebral Palsy, Diplegic" OR "Cerebral Palsy, Spastic" OR "Spastic Cerebral Palsies" OR "Spastic Cerebral Palsy" AND "Child, Preschool"[MESH] OR "Preschool Child" OR "Children, Preschool" OR "Preschool Children" OR "Disabled Children"[MESH] OR "Children with Disabilities" OR "Children with Disability" OR "Disability, Children with" OR "Children, Disabled" OR "Handicapped Children" OR "Children, Handicapped" OR "Child, Disabled" OR "Disabled Child" OR "Infant, Newborn"[MESH] OR "Infants, Newborn" OR "Newborn Infant" OR "Newborn Infants" OR "Newborns" OR "Newborn" OR "Neonate" OR "Neonates" OR "Infant"[MESH] OR "Infants" |
(#2) Exposição | "Communication Aids for Disabled"[MESH] OR "Communication Aids for Handicapped" OR "Text Telecommunication Devices" OR "Telecommunication Device, Text" OR "Telecommunication Devices, Text" OR "Text Telecommunication Device" OR "TTY Telephone" OR "TTY Telephones" OR "Text Telephone" OR "Text Telephones" OR "Telecommunications Devices for the Deaf" OR "TDD" OR "Communication Boards" OR "Communication Board" OR "Speech Synthesizers" OR "Speech Synthesizer" OR "Synthesizer, Speech" OR "Synthesizers, Speech" OR "Text Telecommunication" OR "Telecommunication, Text" OR "Telecommunications, Text" OR "Text Telecommunications" OR "Augmentative and Alternative Communications Systems" OR "Nonverbal Communication"[MESH] OR "Communication, Nonverbal" OR "Communications, Nonverbal" OR "Nonverbal Communications" OR "Communication"[MESH] |
(#3) Desfecho | "Language Development" [MESH] OR "Development, Language" OR "Developments, Language" OR "Language Developments" OR "Language Tests" [MESH] |
Busca | #1 AND #2 AND #3 |
Para aumentar a sensibilidade da busca, entretermos e sinônimos foram incorporados no modo de busca, a qual foi adaptada às exigências de cada base de dados. A pesquisa foi realizada nas seguintes bases de dados bibliográficos: Medline, The Cochrane Central Register of Controlled Trials e EMBASE; e bases secundárias: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, CidSaude, PAHO, REPIDISCA, BDENF, MedCarib, WHOLIS, IBECS, Scielo e Google Acadêmico.
2.3 Seleção dos estudos e extração dos dados
Os estudos foram analisados por dois avaliadores independentes, da área de fonoaudiologia, inicialmente pela leitura dos títulos e dos resumos de cada artigo incluído na busca. De acordo com os critérios de elegibilidade, os avaliadores classificaram os estudos como "incluído", "excluído" ou "não claro". Os textos em que houve discrepância entre a classificação dos avaliadores ou aqueles em que a classificação de pelo menos um deles foi registrada como "não claro" foram lidos na íntegra e novamente avaliados pelos mesmos juízes, de forma independente. Os motivos para exclusão dos artigos foram registrados para discussão e encaminhamento posterior. Discrepâncias foram discutidas entre os avaliadores e, nos casos em que não houve consenso, os artigos foram encaminhados a um terceiro avaliador, para desempate.
Após o consenso ou deliberação do terceiro revisor, os artigos incluídos passaram para extração dos dados, seguindo formulário padrão em Excel© (Microsoft Corporation, EUA). Foram extraídas as seguintes variáveis: desenho metodológico, número e características dos sujeitos, sistemas CAA utilizados (sem auxílio, com auxílio, e ambos), método de exposição à CAA utilizada (e se mais de um, suas descrições), características da intervenção (por exemplo, número de sessões, periodicidade, tempo de exposição), tipo de compreensão medido (por exemplo, compreensão de uma única palavra falada, compreensão de símbolos gráficos, etc.); acordo entre observadores - quando presente; resultados obtidos com a exposição ao método; e qualidade dos estudos.
2.4 Avaliação do risco de viés
O risco de viés foi registrado para cada estudo utilizando o Quality Assessment Tools (Bai et al., 2012). O instrumento em questão foi desenvolvido e validado pela Agência Canadense de Tecnologia em Saúde em 2012, para analisar a qualidade metodológica de estudos observacionais. Para tanto, ele foi aplicado por três avaliadores independentes e a força da evidência foi classificada tomando por referência o total de resultados positivos para os 14 critérios preconizados na ferramenta. Na presente investigação, considerou-se com menor risco de viés os estudos com resposta "sim" para as questões de número 7, 8, 9, 10, 11 e 147, ou aqueles com adequação para, pelo menos, 50% dos 14 itens.
2.5 Análise dos dados
Para cada resultado de interesse, foram extraídos o número de participantes em cada grupo, a linha de base, a mudança da média (ou mediana) e o desvio padrão (SD) de base (ou erros padrão, ou intervalos de confiança, quando presentes). Após a extração dos dados, verificou-se a possibilidade de transformar as medidas, mas as que não puderam ser transformadas em uma escala numérica comum para síntese quantitativa foram descritas em uma síntese qualitativa. Os desfechos foram expostos de modo descritivo e quantitativo por meio de percentagem. Devido à heterogeneidade dos estudos não foi possível a realização de metanálise dos dados.
3 Resultados
Conforme identificado na Figura 1, foram localizados 427 registros nas bases PubMed, Cochrane, EMBASE e outras bases de dados pesquisadas. Após a exclusão de 29 registros duplicados, foram analisados títulos e resumos dos 398 registros. Destes, 37 artigos foram selecionados pelos dois avaliadores para leitura completa, dos quais 31 artigos pré-selecionados foram excluídos por não apresentarem o desfecho do presente estudo. Ao final da busca, seis artigos foram incluídos na presente pesquisa.
A Tabela 1 apresenta as características dos estudos incluídos, destacando os delineamentos, o número de amostra, idade e gênero dos pacientes e desvio padrão. Foi identificado um total de 85 pacientes nos estudos incluídos, com média de idade geral de 9,2 anos, sendo a maioria do gênero feminino.
Estudo, ano | Tipo de estudo | (n)* | Média de idade (anos) | DP (idade) | Gênero feminino |
---|---|---|---|---|---|
Udwin & Yule, 1990 | Longitudinal | 20 | 6 | 1,3 | 11 |
Capovilla, Gonçalves, Macedo, & Duducchi, 1997 | Relato de Caso | 1 | 13,6 | NA | 1 |
Pennington & McConachie, 2001 | Transversal | 40 | 4,9 | 2 | 22 |
Deliberato, 2009 | Relato de Caso | 1 | 11 | NA | 0 |
Youngmee, Jeong, & Kim, 2013 | Caso-controle | 5 | 8,8 | 2,2 | 1 |
Batorowicz, Stadskleiv, von Tetzchner, & Missiuna, 2016 | Transversal | 18 | 10,9 | 3,0 | 13 |
Legenda: n. - Número de sujeitos; DP. - Desvio padrão; NA. - Não apresenta.
No Quadro 2, estão os sistemas de CAA utilizados em cada estudo, a forma de acesso ao recurso e o desfecho do estudo.
Estudo, ano | CAA utilizada | Modo de acesso | Desfecho |
---|---|---|---|
Udwin & Yule, 1990 | Prancha manual de CAA, com Blissymbol (100%) | NI | Sistema aumentativo não facilitou maior progresso na aquisição e uso de sinais / símbolos |
Capovilla, Gonçalves, Macedo, & Duducchi, 1997 | Recurso eletrônico de CAA, com figuras computadorizadas (100%) | Toque manual: tela sensível ao toque (100%) | Codificação de mensagens mais fácil na estimulação auditiva do que na estimulação visual. |
Pennington & McConachie, 2001 | Prancha manual de CAA, com símbolos do PCS (7,5%); Blissymbol (20%); Rebus (7%); Letterboard (2,5%); Word (2,5%). Recurso eletrônico com saída de voz: Sign (5%); VOCA (5%). |
NI | Inteligibilidade de Fala |
Deliberato, 2009 | Prancha manual de CAA, com figuras computadorizadas (100%) | Movimentação ocular e corporal, expressões faciais, e articulação do "não". | Expressão não verbal 57%; Expressões não-verbal e verbal (36%). Expressão verbal, correspondendo a 7% |
Youngmee, Jeong, & Kim, 2013 | Recurso eletrônico, com saída de voz- VOCA (100%) | Gestos + Sinais (20%); Gestos (20%); Vocalizações + sinais (20%); Vocalizações + gestos+ palavras ininteligíveis (40%). | 26% para 48% nos escores dos testes de palavras monossilábicas, de 17% a 35% no teste de articulação e de 11 para 18,4 no teste de vocabulário receptivo. |
Batorowicz Stadskleiv, von Tetzchner, & Missiuna, 2016 | Recurso eletrônico, com saída de voz (67%) Prancha manual de CAA (11%) Ambos Recursos (22%) |
Movimentação ocular (22%); Digitalização (39%); Apontamento com a mão (33%). | Aumentou séries de construção de enunciados e diferentes parceiros de comunicação. |
Legenda: NI. - Não informado; PCS. - Picture Communication Symbols; CAA. - Comunicação Aumentativa e/ou Alternativa.
Como método de CAA, encontramos nos estudos: prancha manual com símbolo computadorizado e recurso eletrônico com saída de som/voz. Como formas de acesso, alguns estudos não identificaram exatamente como essas crianças mostravam o símbolo desejado. Os demais estudos trouxeram acesso por meio de toque manual, movimentação ocular e corporal, sinais, gestos e vocalizações. Quanto às habilidades comunicativas, apenas o estudo de Udwin & Yule (1990) não identificou nenhum progresso na aquisição e uso dos símbolos por meio do uso da prancha manual com Blissymbol. Os outros artigos incluídos nessa revisão (Batorowicz et al., 2016; Deliberato, 2009; Pennington & McConachie, 2001; Udwin & Yule (1990); Youngmee et al., 2013) identificaram que a codificação de mensagens é mais fácil por meio da estimulação auditiva, que os métodos de CAA auxiliam na inteligibilidade da fala, nas expressões verbais e não-verbais, e que as crianças com paralisia cerebral expostas à CAA adquirem aspectos de pragmática, com a construção de enunciados e comunicação com diferentes parceiros.
Quanto à qualidade metodológica dos estudos, todos eles apresentaram alto risco de viés, com classificação de "sim" para menos de 50% das questões em análise. Tal dado identifica que as pesquisas incluídas nesta revisão apresentam fragilidades metodológicas, comprometendo o nível de evidência científicas dos estudos.
4 Discussão
A American Speech-Language-HearingAssociation apresenta a CAA "como um conjunto de técnicas para o desenvolvimento da oralidade e do letramento em sujeitos que apresentam déficits de linguagem" (Ávila et al., 2013, p. 117). Essa comunicação é de extrema importância na vida das pessoas com dificuldades de comunicação, facilitando a inclusão do indivíduo na sociedade. A interação entre mãe e filho, aluno e professor: socialização que permite a exposição de ideias, pensamentos e sentimentos, adaptando os sistemas de CAA para a necessidade de cada indivíduo (Manzini & Deliberato, 2006; Higgins & Green, 2011).
As pranchas manuais são um método funcional, porém demandam a constante renovação das impressões utilizadas, uma vez que o material degrada com o tempo, além do tempo gasto para agrupá-las em "pranchas" (conjuntos de cartelas) conforme o ambiente em que elas são normalmente utilizadas na comunicação. As pranchas podem ser construídas com materiais simples: cadernos, álbuns, quadro de pregas, flanelógrafo, painel de alumínio para fixar cartões com imãs, pastas, coletes, aventais, livros, fichários como a pasta-arquivo, cavalete de pintura, cartões fixos em chaveiros, dentre outros (Johnson, 1998; Moher et al., 2009). Nelas é possível expor figuras, números, símbolos gráficos, letras, palavras. As pranchas devem ser personalizadas de acordo com as possibilidades de ação do paciente: sua condição motora (Alencar, 2002; Bai et al., 2012), cognitiva, auditiva e visual (Capovilla et al., 1998).
Vários são os sistemas de CAA disponíveis atualmente para uso. Os profissionais da educação e saúde podem optar por recursos de baixa tecnologia ou recursos de alta tecnologia. Os recursos de baixa tecnologia são mais acessíveis podendo ser representados por meio de gestos manuais, expressões faciais, código Morse e signos gráficos como a escrita, desenhos, gravuras, fotografias. Podem ser também utilizados o Sistema de Símbolos Bliss, Pictogram Ideogram Communication System (PIC), Picture Communication Symbols (PCS). Os símbolos utilizados nesses sistemas podem ser trabalhados em pranchas, painéis, carteiras ou outra forma acessível a quem utilize. Já os recursos de alta tecnologia oferecem sistemas de comunicação mais sofisticados, com utilização do computador. Os símbolos são as formas de representação de objetos, pessoas, ações, relações e conceitos. São utilizados para expor o pensamento. Podem ser acústicos, gráficos, gestuais, expressões faciais, movimentos corporais, táteis (Udwin & Yule, 1990; Sartoreto & Bersch, 2010).
Para além da função comunicativa, o sistema auxilia o desenvolvimento das habilidades motoras, cognitivas e afetivas. Ao trabalhar-se com o sistema de comunicação, podem indiretamente ser estimuladas habilidades motoras tais como: lateralidade (homolateral, lateralidade cruzada); estruturação e organização espacial; tônus, postura e equilíbrio e coordenação dinâmica manual. No que diz respeito às habilidades cognitivas, aspectos referentes à percepção, à atenção, ao raciocínio, à conceituação, à linguagem e à alfabetização também são contemplados. Concomitantemente a esse processo, o sistema, devido a sua estrutura, contribui para melhorar a autoestima da criança, possibilitando a participação nas atividades, pois outrora ficava fora do processo educativo e social. O estímulo visual, como evidenciado até aqui, auxilia não só a comunicação como também possibilita a aquisição de novos conhecimentos (Capovilla et al., & Duduchi, 1998; Zaposzenko & Alencar, 2008).
Os pesquisadores também alertaram que o uso dos sistemas de CAA não impossibilita a fala, uma vez que o trabalho realizado com as crianças com deficiência sem a oralidade deve estar direcionado para a construção da linguagem (Cesa & Mota, 2015; Higgins & Green, 2011). Nos estudos incluídos nesta revisão, identificou-se que as intervenções com a CAA facilitaram a codificação da estimulação auditiva (Comitê de Ajudas Técnicas, 2009), diminuiu a inteligibilidade de fala nas crianças (Araújo et al., 2018), e aumentou a série de produções verbais (Cesa & Mota, 2015), sendo a CAA utilizada também como recurso para estimulação verbal.
Segundo a aplicação do instrumento de qualidade de viés dos estudos "Quality Assessment Tools" (Singurdardottir & Vik, 2011), todos os artigos ingressantes nessa revisão apresentaram alto risco de viés, com fragilidades na sua metodologia e exposição dos seus resultados. Sabe-se da dificuldade na avaliação de habilidades comunicativas na população com PC, devido aos protocolos avaliativos necessitarem da contemplação de diferentes domínios (motor, visual, auditivo, cognitivo). Também se sabe que homogeneizar a amostra do estudo permite análises estatísticas combinadas, mas que um indivíduo com PC pode apresentar lesão de extensão e localização diferente de outro e, mesmo assim, compartilharem do mesmo diagnóstico. Assim, identificou-se que o uso de protocolos não validados e as amostras heterogêneas dos estudos são fragilidades que colocam os resultados em questionamento. Identificou-se que os artigos apresentam ano de publicação antigo e que a qualidade metodológica para publicação de artigos científicos vem crescendo anualmente.
A quantidade reduzida de estudos com a temática de CAA na população de paralisia cerebral pode dar-se devido à dificuldade de conseguir uma população homogênea com a patologia, para aplicar a intervenção. Contudo, sabe-se da importância e da demanda de CAA que essas crianças apresentam. Sugere-se que mais estudos sejam construídos, tentando minimizar os vieses de seleção das amostras, utilizando métodos avaliativos com instrumentos validados na população e que mantenham os requisitos da elaboração de estudos de intervenção clínica.
5 Conclusão
Identificou-se um baixo número de estudos com intervenção em CAA na população pediátrica com paralisia cerebral. Todos os sistemas de CAA utilizados nos estudos apresentaram benefícios para as habilidades comunicativas de crianças com paralisia cerebral, apesar do baixo nível de rigor metodológico dos estudos. Ressalta-se, então, a importância de inserir a criança com paralisia cerebral em meios de convívio social, no âmbito da educação especial, e integrá-la a sistemas de CAA para possibilitar o desenvolvimento das habilidades comunicativas e globais.